Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Teatro La Monnaie, Bruxelas. A.A.Bispo 2015 copyrightArquivo A.B.E..


Teatro La Monnaie, Bruxelas. A.A.Bispo 2015 copyrightArquivo A.B.E..


Teatro La Monnaie, Bruxelas. A.A.Bispo 2015 copyrightArquivo A.B.E..


Teatro La Monnaie, Bruxelas. A.A.Bispo 2015 copyrightArquivo A.B.E..


Teatro La Monnaie, Bruxelas. A.A.Bispo 2015 copyrightArquivo A.B.E..


Teatro La Monnaie, Bruxelas. A.A.Bispo 2015 copyrightArquivo A.B.E..


Teatro La Monnaie, Bruxelas. A.A.Bispo 2015 copyrightArquivo A.B.E..











Teatro de La Monnaie- local de conferências de Oliveira Lima. Fotos A.A.Bispo 2015 ©Arquivo A.B.E..

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 153/1 (2015:1)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2015 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Doc. N°3154




Bruxelas-Antuérpia-Rio de Janeiro
A capital da Bélgica e da Europa, o grande porto e a antiga capital do Brasil
Cidade, evolução e visões:
Belle Époque e Kampf ums Dasein


Ciclos de estudos na Bélgica pelos 450 anos do Rio de Janeiro
Com agradecimentos à Biblioteca Real da Bélgica em Bruxelas

 
Foto A.A.Bispo 2002 copyrightArquivo A.B.E..

Prof.Dr.Antonio Alexandre Bispo 2014
As comemorações dos 450 anos da fundação do Rio de Janeiro devem determinar programaticamente o ano de 2015 nos estudos culturais em contextos internacionais promovidos pela A.B.E..


Esses trabalhos foram abertos por ciclos de estudos realizados em 2014, portanto nas vésperas do ano comemorativo. Tiveram lugar na Bélgica, país cuja capital é ao mesmo tempo capital da União Européia.


Antuérpia é o seu maior porto e um dos maiores do velho continente, de extraordinário significado pela sua localização geográfica central para a história de séculos das relações comerciais e culturais interno-européias e entre a Europa e o mundo extra-europeu.


Bruxelas. A.A.Bispo 2015 copyright Arquivo A.B.E..

Utilizando-se metaforicamente de uma expressão musical, a abertura, em 2014, dos estudos culturais por motivo das comemorações de 2015 correspondem a um procedimento rítmico-métrico anacrúsico que vem sendo seguido nos trabalhos euro-brasileiros.


Assim como o triênio internacional de estudos culturais pelos 500 anos do Brasil foram abertos em 1999, às vésperas do ano 2000, assim como os 450 anos de São Paulo, em 2004, foram abertos por trabalhos em várias regiões do mundo no ano anterior, também os trabalhos euro-brasileiros que serão dedicados ao Rio de Janeiro em 2015 - em correspondência à antiga tradição segundo a qual o dia começa á noite do dia - foram inaugurados em 2014.


Pressupostos: estudos culturais de relações Bélgica-Brasil


A escolha das duas cidades da Bélgica para a realização desses estudos iniciadores não foi arbitrária. Ela foi consequência de conhecimentos ganhos já há décadas de estudos de fontes e relações com instituições e pesquisadores da Bélgica e de instituições européias que atuam na sua capital. (Veja)


No caso dos ciclos de estudos de 2014, estes não poderiam ter sido realizados sem os materiais conservados na Biblioteca Real da Bélgica.


Os conhecimentos ganhos em programas de pesquisas e colóquios desde meados da década de 70 tinham trazido à luz o significado de primeira ordem das cidades de Antuérpia e Bruxelas para os estudos de processos culturais em relações Brasil-Europa. Ambas as cidades desempenharam papel de central relevância na história diplomática, financeira, comercial e científico-cultural  do Brasil na Europa.


Nelas atuaram missões de propaganda e de expansão econômica do Brasil que desenvolveram intensas atividades, nelas há se encontravam constituidos no início do século XX círculos que se compreendiam como colonias brasileiras, nelas atuaram representantes do Brasil que se projetaram não só na diplomacia como na pela sua obra cultural, de difusão de conhecimentos sobre o Brasil e na formação de rêdes sociais de homens de finanças, do comércio, da política e das artes.


O porto de Antuérpia e o porto do Rio de Janeiro


Uma das principais razões desse significado da Bélgica para a história das relações euro-brasileiras reside no porto de Antuérpia, portão de exportações e importações, de entradas e saídas - também em sentidos extensos. O porto de Antuérpia possibilita, a partir da desembocadura do Schelte, a entrada de mercadorias até região relativamente próxima à capital e às regiões de exploração de ferro e industriais do país e da Alemanha.


A ligação ferroviária a essas regiões de carvão e metal do país e da Alemanha foi um dos grandes marcos na história de vias de transportes e comunicação na segunda metade do século XIX, explicativo dos grandes trabalhos que passaram a ser feitos no porto.


Vias férreas e porto de mercadorias e passageiros, que passou a ser um dos mais bem aparelhados tecnicamente da Europa, nisso atuando empresas do país por excelência da industrialização, a Inglaterra, constituiram fatores essenciais de uma estrategia político-econômica de expansão no antigo centro de comércio e finanças que possibilitou a época marcada pela certeza de progresso, de otimização de qualidade de vida e desejos de representação da Bélgica da passagem do século.


Com as melhorias do porto e as ferrovias relacionou-se o desenvolvimento urbano de Antuérpia, cujos bairros da nova cidade então construída ao redor do velho centro ainda hoje demonstram, no seu arruamento e no estilo representativo e festivo dos suas construções de profusas referências estilísticas, o espírito de entusiasmo pelo progresso material e a crença na evolução da sociedade da época.


Compreende-se, assim, que o porto de Antuérpia na sua modernidade e no emprego de aparelhagem avançada oferecesse modelos para o do Rio de Janeiro. Como observado pelo Vice-Consul brasileiro em Antuérpia em memória dirigida ao Congresso Internacional de Geografia de Genebra, em 1908, o  porto do Rio de Janeiro denotava similaridades com aquele de Antuérpia, sendo empregados nos trabalhos portuários aparelhos de eficácia comprovada no porto belga. (Veja)


Também no Rio de Janeiro a remodelação do porto, capacitando-o a que navios de grande porte não mais ficassem ao largo, mas que atracassem em cais de grande extensão, com instalações amplas e adequadas ao incremento do transporte de mercadorias, foi estreitamente relacionado com uma política de desenvolvimento de vias férreas e, sobretudo, de saneamento e reurbanização.


Centenário de Abertura dos Portos (1908) e o Rio de Janeiro como referencial


Compreende-se, assim, que o Centenário da Abertura dos Portos do Brasil ao comércio mundial em 1908, marcado pela realização da Exposição Mundial no Rio de Janeiro, oferecesse também a ocasião de apresentar à Europa a então capital do Brasil reconfigurada, saneada, resplandescente na sua modernidade e beleza, agora compativel com a beleza de sua paisagem, demonstração do desenvolvimento do país, a evolução de sua civilização. Ela demonstrava as possibilidades futuras dos Estados Unidos do Brasil que deveriam vir a ser a maior potência do mundo, superando os Estados Unidos da América do Norte.


Os anos entre 1908 e 1914 constituiram a grande época do Rio de Janeiro na propaganda brasileira e nas atenções voltadas ao Brasil nos meios políticos, finaceiros, comerciais e científico-culturais na Europa, marcando duradouramente a imagem do país.


É dessa imagem que partiram os trabalhos eurobrasileiros preparativos à comemoração dos seus 450 anos: o Rio que passara por uma crucial metamorfose desde 1904, que no „bota abaixo“ vira demolido o seu centro antigo, que era aquele Rio „luso-brasileiro“ com as suas construções do passado colonial, as suas casas pobres e seus cortiços de trabalhadores e imigrantes, derrubado para dar lugar ao novo, saneado, sanado e resplandecente em vigor.


Ao invés de se escolher um procedimento histórico-cronológico, iniciando-se os trabalhos com a chegada dos europeus à baía, preferiu-se assim partir da imagem e da realidade criada de uma capital republicana que determinou a visão histórica desse mesmo passado e, como, uma entidade construída segundo conceitos evolucionistas, a de décadas posteriores, com ressonâncias no presente.


É a partir desse referencial que se passa a considerar retroativamente a sua história anterior e é a partir do esclarecimento do edifício de concepções subjacentes e determinantes que se passa a tecer reflexões quanto ao futuro.


Internacionalidade, unidade na diversidade da Bélgica e formação de nacionalidade


Nas intersecções geo-culturais que caracterizam a Bélgica, o porto de Antuérpia, defrontando com os Países Baixos, com a sua grande e ativa população judaica, representa por excelência a internacionalidade desse país de antiga e complexa história e relativamente recente configuração de Estado.


Antigos são os elos de Antuérpia com o mundo de língua portuguesa através dos sefarditas ali refugiados. Diferentemente de Amsterdam (Veja), essa presença deve ser considerada no contexto geral de um Estado mais complexo, constituido de populações de diferentes linguas e identidades culturais, de encontros e interações múltiplas entre os Países Baixos, a França e a Alemanha.


O ponto de partida dos estudos na Bélgica possibilitam assim abranger relações do Brasil com três grandes contextos culturais e de língua, o alemão, o francês e o neerlandês, assim como com a Inglaterra.  


Como Estado do século XIX, nascido como o Brasil independente em contexto internacional marcado nos seus primórdios pela Restauração européia do Congresso de Viena, preocupado com problemas de formação de uma nação na sua diversidade cultural, a Bélgica surge como contexto particularmente favorável para o tratamento de questões do nacional e da nacionalidade.


Significado da Bélgica para estudos de processos coloniais e do conhecimento de povos


MHDPalacio Itamaraty. Copyright A.B.E.
A Bélgica é, devido ao antigo Congo belga, sobretudo país de particular relevância para o tratamento de questões relativas ao colonialismo, ao comércio e à economia colonial e às relações assim determinadas da Europa com países europeus.


Significativamente a revisão crítica da história colonial, de posições e representações do passado, e com ela da época do seu apogeu pela passagem do século XIX ao XX foi um dos principais focos de atenções na vida científico-cultural da Bélgica de 2014.


Um os marcos do significado internacional da Bélgica que relaciona a problemática colonial com o progresso técnico e econômico, os conhecimentos científicos e a convicção no progresso e na civilização com a Etnografia foi a presença e epresentação de numerosos povos e países na Exposição Universal de 1910. Dela derivou um dos principais museus de cultura africana da Europa, o de Tervuren, com o qual desde a década de 70 realizaram-se estreitos trabalhos com o programa euro-brasileiro iniciado em 1974.


Vulto da história diplomática e cultural: Manuel de Oliveira Lima (1867-1928)


O principal vulto da história das relações belgo-brasileira ao mesmo tempo diplomática e cultural-científica da época dos anos de apogeu da Bélgica da Belle Époque, centro irradiador do Art nouveau e do fulgor do Rio de Janeiro, foi Manuel de Oliveira Lima, Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário do Brasil junto ao rei dos belgas. (Veja)


Foi Oliveira Lima que, em Congresso de Americanistas realizado em Viena, em 1908, revelou os princípios teóricos da visão do Rio transformado, aquela da Evolução e da lei da recapitulação biogenética em recepção e ampliação dos conhecimentos científico-naturais de Charles Darwin (1809-1882) no seu desenvolvimento alemão de Ernst Haeckel (1834-1919). São as suas considerações que trazem à consciência o papel da Weltanschauung evolucionista na visão do Rio regenerado como coração do Brasil. (Veja)


É a partir dessa Weltanschauung de fundamentação científico-natural, botânico-biologista que se levantam questões sobre um social-darwinismo relacionado com a „limpeza“ do Rio do „bota abaixo“ e que pode abrir perspectivas para o tratamento de problemas sociais, de moradia e ambientais que passaram a assolá-lo nas décadas que se seguiram e que atingem inacreditáveis dimensões no presente.


Manuel de Oliveira Lima foi estreitamente inserido na vida belga dos anos anteriores à Guerra de 14, irradiando dos centros belgas a sua ação em outros países e no meio científico e cultural internacional, tecendo uma ampla rêde de contatos.


Oliveira Lima e o português como língua acadêmica e na difusão da cultura do Brasil


Foi esse diplomata-intelectual que possibilitou a valorização e dignificação do português como idioma no trato acadêmico internacional, fato ocorrido pela primeira vez no Congresso de Americanistas no qual o Rio foi exaltado em Viena, em 1908. Foi Oliveira Lima que, sob os auspícios da Société belge d‘expansion vers l‘Amérique latine, presidiu, em Liége/Lüttich, - o centro industrial, de produção de aço e cultural da Valônia, centro de encontro da francofonia com a esfera de língua alemã -, a abertura do primeiro curso de português na Universidade.


Esse empenho pelo português para o maior acesso de leitores europeus às obras publicadas no Brasil relacionou-se assim estreitamente com a expansão econômica e nova concepção de diplomacia, tanto do lado brasileiro, como do belga. Oliveira Lima presidiu a fundação da Câmara de Comércio Belgo-Brasileira de Bruxelas e também seção do Brasil na Exposição Universal de 1910.


Oliveira Lima e a música no Brasil na Europa


Oliveira Lima destacou-se também como propagador da música do Brasil, promovendo um concerto de obras de compositores brasileiros na Bélgica, apoiando a jovem Guiomar Novaes(1895-1979) (Veja) e, sobretudo, apresentando uma comunicação no III Congresso da Sociedade Internacional de Música realizado em 1909 em Viena. A sua comunicação representa um marco na história da música e da musicologia referente ao Brasil. No Centenário de J. Haydn, trouxe à consciência dos congressistas a obra do Pe. José Maurício Nunes Garcia (1767-1830) e o vulto de Sigismund Neukomm (1778-1858).


A sua visão histórico-musical, na coerência da sua visão do mundo de cunho evolucionista revelou-se então distinta daquela norte-americana, marcada por outras consequências tiradas de similares concepções de luta pela existência: uma como base de um edifício cultural-civilizatório, antes no campo das idéias, com peso ao papel do Estado na vida institucional da cultura e das artes, vista como aristocrática ou européia pelos americanos, outra - considerada por estes como democrática - partindo da realidade econômica e social, determinadora de procedimentos pragmáticos, dirigindo a atenção à procura e á iniciativa particular.


Essa diferença que se revela na sessão na qual se pronunciou Oliveira Lima assume significado até o presente para a consideração de aproximações e perspectivas científicas, político-culturais e da institucionalização da música e da musicologia nos estudos superiores.


A presença da música, da musicologia e de suas diversas áreas em universidades, hoje considerada como óbvia, é fenômeno histórico, e portanto transformável, resultado de esforços de valorização da música e de sua institucionalização da era do historismo e do progresso da velha ordem européia, dos quais uma das mais extraordinárias expressões foi o Congresso da Sociedade Internacional de Música no qual participou Oliveira Lima. (Veja)


Oliveira Lima no primeiro curso de Estudos Brasileiros na Sorbonne


A sua atividade como conferencista sobre assuntos brasileiros surge como extraordinariamente intensa. Proferiu conferências sobre o Brasil na Sociedade de Geografia de Antuérpia, na tradicional Universidade de Louvain e em várias outras instituições.


Foi a sua personalidade e o seu saber de „embaixador da intelectualidade“, da cultura e das ciências que marcou um dos períodos de maior brilho da história diplomática e cultural do Brasil na Europa. Recuperou com a sua personalidade e erudição a tradição do alto renome do Brasil em meios acadêmicos do tempo do Império numa Europa que ainda não se recuperara do impacto negativo causado pelo quase que incompreensível e indesculpável exílio de Dom Pedro II pela República. (Veja)


Essa situação foi significativamente tematizada numa de suas mais expressivas aulas da série de conferências realizadas na Sorbonne por ocasião da abertura dos Estudos Brasileiros em 1910. Essa e outras de suas aulas desse curso pioneiro denotam o sentido retrospectivo do tratamento da história do Brasil e da formação da nacionalidade brasileira a partir da situação da época, justificando também aqui a tomada agora desses anos de apogeu das relações euro-brasileiras como referencial nos trabalhos devotados a seus 450 anos.


Essas conferências na Universidade de Paris do Ministro Plenipotenciário do Brasil na Bélgica trazem à consciencia que grandes méritos nesse apogeu da presença do Brasil na Europa, atingido em grande parte pela exaltação do transfigurado Rio de Janeiro a partir de 1908, cabem a outros Estados, em particular São Paulo, mas também Minas Gerais, através de comissões franco-paulistas e belgo-paulistas de expansão econômica.


Os estreitos elos de Oliveira Lima com São Paulo, em particular com o jornal O Estado de São Paulo, foram por êle próprio expressamente salientados, como se a mentalidade bandeirante e o empreendendorismo paulista correspondesse àquele da Weltanschauung explicativa da metamorfose do Rio de Janeiro, significativamente posta em realização sob a Presidência do paulista Rodrigues Alves (1848-1919).(Veja)


Marcos: conferência no Teatro de la Monnaie e banquete de despedida



Expressão máxima da posição alcançada por Oliveira Lima nos mais altos círculos reais, políticos, das finanças e das ciências da Bélgica foi a brilhante conferência que proferiu sobre o Brasil para a Sociedade Real Belga de Geografia no tradicional Teatro Real de la Monnaie, na presença do Rei e dos principais representantes do mundo oficial.


Pela sua despedida - quando pretendia retirar-se à Inglaterra para dedicar-se exclusivamente a estudos e atividades intelectuais como escritor e conferencista -, a colonia brasileira de Bruxelas ofereceu-lhe um banquete que reuniu não só representantes oficiais da Bélgica e do Brasil, como também de instituições científicas e culturais, com grande repercussão na imprensa belga e no Brasil. Esse banquete assume retrospectivamente um sentido símbólico de fim de uma era de brilho, uma vez que realizou-se poucos meses antes da eclosão da Guerra.(Veja)


Oliveira Lima e o teuto-brasileiro Heinrich Schüler, autor de „Brasil - um país do futuro“


Nesse banquete, anunciou-se que o Império alemão dava a Oliveira Lima uma prova máxima de apreço e respeito de suas qualidades, oferecendo-lhe uma cadeira de Direito Comparado na Universidade de Aachen (Aix-la-Chapelle). Esse oferecimento ao defensor da latinidade que foi Oliveira Lima adquire partcular sentido simbólico e de atualidade nas preocupações político-culturais européías do presente, considerando ser Aachen centro da memória de Carlos Magno, o vulto histórico do Ocidente cristão na Reconquista, na luta entre o Cristianismo e o Islão lembrado até hoje em tradições brasileiras. (Veja)


Essa notícia foi proclamada, em português, pelo teuto-brasileiro Heinrich Schüler, que, tendo vivido mais de quarto de século no Brasil, empenhava-se em contribuir à difusão de conhecimentos sobre o Brasil e do papel desempenhado pelos teuto-brasileiros no seu desenvolvimento através de publicação de notícias que serviam de base a órgãos da imprensa e de um livro que se tornou básico: „Brasil - um país do futuro“ (Brasilien - ein Land der Zukunft, Stuttgart e Leipzig, 1911). (Veja)


Essa obra, que conheceu várias edições, revela não só a proximidade de Oliveira Lima com o mundo de língua alemã, mas sim também as bases comuns de concepções e que eram aquelas da Weltanschauung fundamentadora e explicativa do novo Rio, apesar de todas as sensíveis diferenças entre o teuto brasileirismo e a latinidade referenciada pela cultura francesa do diplomata brasileiro. A cisão representada pela Guerra, encerrando a antiga ordem européia, levando ao desastre da Alemanha, e na qual o Brasil tomou parte ao lado dos vencedores, explica as modificações na edição do „Brasil - um país do futuro“ do pós-guerra, agora sem palavras de Oliveira Lima e limitada à apresentação de seus produtos e suas possibilidades comerciais. Permaneceram, porém, as imagens do Rio de ante-Guerra.


Haveria nessa continuidade visual, sem palavras, um paralelo com uma situação de mais de século atrás, quando o Rio, recebendo o rei e a Corte, transformara-se em bastião da antiga ordem abalada na Europa e que se manteve no Brasil? Permaneceu no pós-guerra o Rio como obra realizada e emblemática de concepções passadas de desenvolvimento civilizatório manifestada na cultura refinada, fé no progresso e evolucionismo social-darwinista? (Veja)




1914-2014. Centenário da eclosão da Primeira Guerra Mundial na Bélgica


A consideração dessa e de outras questões levantadas pela tragédia da Primeira Guerra Mundial foi favorecida pelo fato de relembrar-se a eclosão da Guerra pela passagem dos seus cem anos em 2014. Esse centenário foi particularmente rememorado na Bélgica, país que conheceu, em 1914, o desrespeito à sua situação garantida de neutralidade com o primeiro ato de agressão do Império Alemão no ataque a Liège/Lüttich e o assédio a Antuérpia.


Este último foi relembrado em 2014 com a encenação histórica da partida de soldados belgas à luta, assim como revivência da procura de refúgio da população em ponte provisória criada para o alcance da margem holandesa. Essa representação e a recapitulação por grande multidão dos trágicos episódios de 1914 foram vistos como a serviço da conservação da memória, da transmissão da experiência do passado às novas gerações e conscientização das tragédias que guerras representam. Foi uma realização do Museu Real do Exército Belga.


Na praça central de Antuérpia, universalizando e atualizando esses intentos, tratou-se em exposição pública dos efeitos destruidores de guerras à cultura em diferentes partes do mundo da atualidade, em particular nos países islâmicos.



Também em Bruxelas, várias exposições e eventos rememoraram a Guerra, várias delas procurando servir por diferentes recursos - não só aqueles de encenação histórica - a uma compenetração de riscos no presente.



Dando continuidade a reflexões e intentos tematizados no Itamaraty em 2002


A concentração aos anos marcados pelo vulto de Oliveira Lima iniciados com a exaltação do Rio em 1908 e encerrados em 1914 com a eclosão da Guerra, veio de encontro a desideratum formulado na sessão de encerramento do triênio pelos 500 anos do Brasil no Museu de Historia Diplomática no palácio do Itamaraty, no Rio de Janeiro, segundo o qual estudos culturais e estudos da história diplomática devem ser conduzidos em estreito relacionamento.


Essas relações caracterizam-se por múltiplas e complexas reciprocidades.


Os estudos histórico-culturais não podem deixar de considerar o papel desempenhado por representantes do Brasil no Exterior como promotores dos interesses do país e do interesse por êle por parte de personalidades e instituições dos países em que atuam, como configuradores da imagem do Brasil através do patrocínio de exposições, concertos e outros eventos culturais e do  apoio que concedem a estudantes, artistas e intelectuais brasileiros de passagem ou residentes.



Os estudos de processos culturais não podem deixar de dar atenção à sua função no atamento de relações com círculos, instituições, órgãos e empresas, na constituição de rêdes de simpatizantes e de interessados pelo país, e não por último como transmissores de correntes do pensamento e das artes ao Brasil. Surgem assim como mediadores e agentes culturais criadores de pontes e impulsionadores de novos desenvolvimentos de muitos lados.


Vários são os nomes daqueles que atuaram no serviço diplomático que entraram como personalidades de relevância na história da música, da literatura, das artes e do pensamento em geral do Brasil. Merecem, porém, numa história cultural em contextos globais, superadora de perspectivas exclusivamente nacionais ou mesmo bi-laterais, ser considerados como personalidades em dimensões globais ou do humano, muitos deles compreensivelmente salientados como homens de formação universal. 


Por outro lado, a personalidade e a ação daqueles atuantes na representação e a serviço consular não podem ser compreendidas sem a consideração da formação que obteram, dos pressupostos culturais de origem e de suas inserções em círculos pátrios e em decorrências nacionais e internacionais, das influências recebidas pelo meio em que atuaram no Exterior e pelas transformações culturais por que passaram nessa constante e complexa dinâmica de aproximação e distância, se ressonâncias em simpatia e dissonâncias, de integração e diferenciação. 


Encontram-se imersos em processos culturais, confrontados de forma particularmente sensível com fluxos, correntes e tendências, em percepção aguçada a situações e desenvolvimentos, ainda que em gestação, não podendo, ainda que esforçando-se em manter a distância de observadores, deixar de ser por êles influenciados.


As suas ações a favor de interesses e da imagem do país que representam necessitam, apesar de todas as diferenças, vir de encontro a esses processos culturais para serem bem acolhidas em simpatia. Como mediadores e agentes de transmissão de impulsos culturais reemitem essa situação de complexas interações e transformações, existencialmente atuantes e em parte internalizadas às instâncias governamentais do país que representam, fornecendo impulsos a medidas políticas e a desenvolvimentos por vezes de amplas dimensões e consequências.


Uma ciência da cultura voltada à análise de processos e suas interferências, nas suas decorrências temporais, nas suas estruturas e seus mecanismos internos assume nesse sentido papel condutor no estudo da história das relações diplomáticas e suas implicações político-culturais.


É esse complexo de interrelações entre a história diplomática e os estudos culturais que determina a abertura dos trabalhos eurobrasileiros devotados ao Rio de Janeiro por motivo dos seus 450 anos.


Estudos do passado a serviço do presente e do futuro


Como poucas cidades do globo o Rio foi - e ainda permanece - imagem por excelência do Brasil, e essa condição e o papel por ela desempenhado nas relações internacionais exigem análises dos processos em que a cidade se inscreve, e isso não apenas com interesse histórico, mas a serviço do presente e do futuro.


Os ciclos de estudos levados a efeito em Bruxelas e em Antuérpia trouxeram à consciência momentos decisivos na construção dessa imagem no contexto da propaganda do Brasil na Europa dos anos imediatamente anteriores à Primeira Guerra Mundial e, ao mesmo tempo da própria e extraordinária reconfiguração por que passou o Rio de Janeiro para poder possibilitar essa imagem.


Considerando que a fisionomia então adquirida marcou por décadas o país, tornando-se até mesmo dele emblemática, compreende-se a necessidade de analisar o ideário dessa formidável obra de reconfiguração urbana e arquitetônica, que poucos paralelos encontra no mundo, não apenas para a elucidação do passado, como para possíveis revisões de seus fundamentos conceituais e implicações social-darwinistas à procura de novas perspectivas para problemas sociais, humanos, urbanos e de qualidade de vida do presente.


Antonio Alexandre Bispo





Todos os direitos reservados. Reproduções apenas com a autorização explícita do editor.

Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A..„ A capital da Belgica e da Europa, o maior porto da Bélgica e a antiga capital do Brasil. Cidade, evolução e visões: Belle Époque e Kampf ums Dasein“
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 153/1 (2015:01). http://revista.brasil-europa.eu/153/Bruxelas-Antuerpia-Rio.html