Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Bruxelas. A.A.Bispo 2015 copyright Arquivo A.B.E..


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Bruxelas. Fotos A.A.Bispo 2015 ©Arquivo A.B.E..

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 153/9 (2015:1)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2015 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Doc. N°3161





O Rio de Janeiro, a música no Brasil e nos Estados Unidos
Evolucionismo e americanismo nas relações Europa/Novo Mundo
Manuel de
Oliveira Lima (1867-1928) e George Theodore Sonneck (1873-1928)



Ciclos de estudos na Bélgica pelos 450 anos do Rio de Janeiro
Com os agradecimentos à seção de música da Biblioteca Real da Bélgica

 
Bruxelas. A.A.Bispo 2015 copyright Arquivo A.B.E..

Nos estudos de abertura dos trabalhos científico-culturais euro-brasileiros pelos 450 anos do Rio de Janeiro, levados a efeito em cidades da Bélgica, emprestou-se particular atenção à música.


Se o Rio de Janeiro metamorfoseado no início do século XX foi tratado no Congresso de Americanistas de Viena, em 1908, - ano da Exposição Mundial pelo Centenário da Abertura dos Portos -, como exemplo e modêlo resplandecente de evolução, progresso e civilização (Veja) a música no Brasil foi considerada no Congresso Internacional pelo Centenário de J. Haydn em Viena, em 1909. (Veja) Ambos os eventos foram marcados pela personalidade de Manuel de Oliveira Lima (1867-1928), Ministro Plenipotenciário do Brasil junto ao rei dos belgas. (Veja)


Apesar da diferença de temas, os pronunciamentos de Oliveira Lima revelam uma coerência de idéias e visões, de critérios de análise de desenvolvimentos históricos e da formação da nacionalidade, este um complexo temático tratado nas suas conferências no primeiro curso de Estudos Brasileiros na Sorbonne, em 1910.


Cumpre considerar, assim, de forma relacionada, as suas explanações referentes ao urbanismo e à arquitetura do Rio, aquelas voltadas à música no Brasil e a sua perspectiva histórica apresentada de forma sistematizada na Universidade de Paris para que se possa compreender o seu edifício de concepções e visões e, assim a da representação do Brasil na Europa anterior à Primeira Guerra Mundial: anos que decisivamente marcaram a imagem da então capital do Brasil e, através dela, do próprio país.


Não se trata aqui apenas de interesse histórico na sua delimitação a uma época finda, de uma velha Europa desaparecida, mas de reconhecimento de características do pensamento, de iniciativas e de desenvolvimentos desencadeados que tiveram consequências e mesmo continuidade, possivelmente ainda hoje vigorando e conduzindo a visões e empreendimentos vistos como óbvios e não como resultados de processos históricos.


Este é o caso da institucionalização da música, dos estudos musicais e da musicologia nas universidades, da constituição universitária de áreas voltadas à música em disciplinas, e de convicções a respeito do papel do Estado no apoio da vida musical.


Máximo momento da música na antiga Europa na capital da Áustria-Hungria


O III Congresso da Sociedade Internacional de Música no Centenário de J. Haydn foi um dos últimos grandes momentos da antiga Áustria-Hungria do Império dos Habsburgs. Dificilmente pode-se encontrar outro congresso internacional de música que se iguale em representatividade e brilho ao evento de 1909 quanto à presença de autoridades do Estado, da Igreja, de representantes diplomáticos, de universidades, de museus, bibliotecas e instituições da vida musical. Nele estiveram presentes prestigiados músicos, compositores e regentes, assim como os mais renomados vultos da história da musicologia


A atenção dada à correção na organização do evento, preocupada em incluir o maior número possível de personalidades e as mais diversas instituições e tendências de pensamento, a não ferir susceptibilidades e ao proceder correto quanto a protocolo fizeram desse Congresso vinculado ao nome de Guido Adler (1855-1941) uma obra magna de diplomacia da Dupla-Monarquia.


Sob a proteção do Imperador da Áustria e rei da Hungria, que salientou o caráter patriótico e ao mesmo tempo universal de J. Haydn, o número de participantes da aristocracia, da alta hierarquia eclesiástica e de representantes de nações surge hoje como surpreendente. Todo esse aparato serviu à nobilitação da música e dos estudos musicais, à elevação de sua imagem como estando à altura de outras ciências, da filosofia e dos estudos superiores a serviço da promoção da institucionalização da música e da musicologia nas universidades.


Inserção do Brasil e dos EUA na „Länderkunde“ musical - não Etnologia ou Folclore


Compreende-se, assim vendo, que, apesar da diversidade dos complexos temáticos tratados no Congresso, a sua seção IV, destinada a questões de organização, de bibliografia e de „Länderkunde“ (conhecimento de países) exige ser considerada com especial atenção. É importante considerar que foi nessa seção que Oliveira Lima tratou da música no Brasil, e não na de História da Música ou mesmo de Etnologia, na qual se considerou a „música exótica“ e folclore (europeu).


A inclusão de Oliveira Lima em sessão dedicada à bibliografia era mais do que justificável, uma vez que o erudito diplomata brasileiro possuia renome pelos seus estudos de fontes em diversas bibliotecas do Brasil, da Europa - aqui em particular da Inglaterra -, assim como nos Estados Unidos. A bibliografia evidenciava como poucas outras áreas a internacionalidade nos trabalhos e na cooperação pessoal e institucional. As suas pesquisas foram assim colocadas ao lado dos mais renomados especialistas em bibliotecas, arquivos e estudos de fontes. Na sua sessão, pronunciaram-se, entre outros, o Dr. H. Springer, bibliotecário real de Berlim, que tratou do registro internacional da literatura musical mais antiga e da comissão bibliográfica da Sociedade Internacional de Música. O bibliotecário e organista real da Corte sueca, C. F. Hennerberg, tratou dos manuscristos suecos de Haydn. O Dr. J. Ecorcheville, considerou o catálogo de fundos de música antiga da Biblioteca Nacional de Paris, enquanto C. Malherbe, bibliotecário da Ópera de Paris, apresentou observações relativas ao estabelecimento de um catálogo de autógrafos musicais nas principais bibliotecas da Europa. Questões de catalogação da canção alemã e de textos litúrgicos católicos foram apresentadas pelo Dr. J. Mantuani, de Viena, que também tratou da reelaboração do manual de ópera de H. Riemann.


No concernente à „Länderkunde“, após Oliveira Lima tratar da música no Brasil sob o ponto de vista histórico, o chefe da Divisão de Música da Library of Congress de Washington, O. G. Sonneck, considerou a vida musical da América da perspectiva da „Länderkunde“ musical, enquanto que o Prof. A.A. Stanley, de Ann Arbor, Michigan, tratou da música nas universidades americanas. Também países europeus foram considerados sob a perspectiva da „Länderkunde“. L. Sacchetti tratou dos principais momentos da história da música profana na Rússia, o Dr. E. Bernoulli, de Zurique, da Sociedade de Música Suíça; o Dr. W. Behrend, de Kopenhangen, de uma „Länderkunde“ musical da Dinamarca, o Dr. W. Squire Barclay, Londres, da Música na Inglaterra. M. Daubresse, de Paris, apresentou um relato sobre o ensino musical na França, L. Fleury expôs a situação econômica dos músicos de orquestra na França, e L. de Laurencie, enquanto que L. de La Laurencie, também de Paris, apresentou uma tentativa de aplicação de métodos gráficos ao estudo da bibliografia musical. A ponte do estudo de fontes, da „Länderkunde“ com o Centenário de Haydn foi feita nessa sessão sobretudo por S. Levysohn, repetitor da Ópera de Kopenhagen, que tratou do cultivo da música de Haydn na Dinamarca.


Considerar que „Länderkunde“ surge como área de estudos distinta daquela da Etnologia - e da História da Música - é de relevância, pois manifesta uma convicção de que haveria a necessidade de uma consideração especial de contextos definidos segundo países, nos quais deviam-se considerar questões relativas a bibliotecas e arquivos, à música nas universidades e escolas, de economia e de financiamento, de política e de instituições, de associações e da vida musical em geral.


Essa área designada como „Länderkunde“ - e que não era a de „Völkerkunde“ ou Etnologia - , surgia como de especial significado para países como aqueles do continente americano que, originados da colonização européia e inseridos em complexos processos de expansão e formação de nacionalidade, que incluiam tanto aproximações históricas como etnológicas ou de folclore, mas que não podiam ser tratados apropriadamente nem por historiadores da música preocupados sobretudo com questões do passado da própria Europa, nem por etnólogos voltados a culturas vistas como exóticas ou por pesquisadores de folclore. Eles exigiam uma aproximação adequada, critérios especiais para a sua consideração.


Nesse sentido, a „Länderkunde“ no Congresso de Viena de 1909 surge como singularmente esclarecida e avançada, considerando-se os problemas e as deficiências que em décadas posteriores - até o presente - colocaram-se pelo fato de ser o Brasil visto sobretudo como esfera de ocupação de etnomusicólogos, em detrimento de estudos de seus compositores, vida musical e instituições, sendo os historiadores da música antes abertos à extensão dos seus interesses aos EUA.


A „Länderkunde“ tratada no Congresso indica as dificuldades e os problemas metodológicos de procedimentos e considerações adequadas, uma vez também que a visão de decorrências e situações era influenciada por posicionamentos político-culturais e filosóficos, por Weltanschauungen, pelos condicionamentos culturais, de formação e profissionais dos estudiosos. Essas diferenças culturais, assim como de concepções, de procedimentos e apreciações revelam-se sobretudo no cotejo dos pronunciamentos de Oliveira Lima e George Theodore Sonneck.


Oliveira Lima e Oscar George Theodore Sonneck


Sonneck, o chefe da Divisão de Música da Library of Congress, foi o presidente da sessão onde teve lugar a comunicação de Oliveira Lima, realizada numa sexta-feira, dia 28 de maio às 15:15 da tarde. A conferência de Oliveira Lima foi seguida por uma comunicação do próprio Sonneck, assumindo então a presidência o diplomata brasileiro.


As relações de Oliveira Lima com Oscar Sonneck datavam provavelmente da época da estadia do erudito brasileiro nos Estados Unidos. Oscar Sonneck assumira a direção da Divisão Musical do Library of Congress em 1902 e o seu trabalho de criação de uma extraordinária biblioteca era de conhecimento internacional. Sonneck já possuia renome como especialista em música americana, tendo publicado uma bibliografia (A Bibliography of Early Secular American Music, 1905) e um estudo sobre a história mais antiga da vida de concertos na América (Early Concert-Life in America, 1907).


As diferenças de personalidade, culturais - e de concepções e visões - de Oliveira Lima e Oscar Sonneck manifestam-se já no estilo de suas comunicações. O diplomata brasileiro, falando em francês, apresentou uma conferência que, como em outros de seus textos, apesar de toda a independência de espírito, liberdade de manifestação de suas idéias, primava por um cuidado pela forma e pelo cultivo da linguagem, pela clareza da exposição, pela contenção discreta da matéria em atenção para com os seus ouvintes, pela modéstia, pela procura de conquistar as atenções e os ânimos, enfim por qualidades de uma personalidade cultivada e uma distinção por assim dizer nobre que o fazia tão apreciado pelos franceses.


A conferência de Oscar Sonneck, ao contrário, pronunciada em alemão, idioma que dominava por ter realizado estudos de Filosofia e Musicologia em Heidelberg e Munique, surpreende ainda hoje pela auto-consciência do seu autor, pela falta de contenção e controle de expressão, pela modo direto de expor as suas idéias em franqueza quase que rude, pelo cunho enérgico, contradizente e crítico, até mesmo provocador e agressivo de suas palavras. Ao lado do diplomata brasileiro de cultura francesa, atitudes e modos de expressão de distinção quase que aristocrática, Oscar Sonneck surgia como personificação de características do americano que êle próprio considerou na sua conferência.


Essas diferenças que podem ser constatadas no estilo das duas comunicações não são supérfluas ou sem relevância, mas abrem perspectivas para a consideração das diferentes posições, concepções e visões desses conferencistas da sessão da „Länderkunde“.


Oliveira Lima vinha de encontro, com essas qualidades de erudito diplomata cultural, ao ambiente e ao espírito do Congresso na capital da Dupla-Monarquia, realizado sob o patrocínio do próprio imperador. Também êle era intimamente marcado pelo findo Império do Brasil, citando grandes nomes relacionados com o antigo regime, como A. de Escragnole Taunay e Eduardo Prado. Nas suas conferências na Sorbonne, uma de suas mais extraordinárias preleções foi aquela dedicada a Dom Pedro II. (Veja) Ali, porém, lembrou de diferenças sensíveis em posições e concepções relacionadas com a forma de govêrno, como aquela entre a „monarquia democrática“ do Brasil e a „república aristocrática“ do Chile, procurando compreender e explicar a mudança de forma de govêrno e o exílio de Dom Pedro a serviço da regeneração da imagem do Brasil como país evoluido e civilizado. (Veja)


Como exposto na sua conferência sobre a evolução do Rio de Janeiro em Viena, em 1908, Oliveira Lima aplicava nas suas considerações concepções filosófico-culturais ou de Weltanschauung evolucionista derivadas do pensamento científico-natural. Diferentemente de cidades norte-americanas, o transformado Rio de Janeiro surgia como obra urbana, arquitetônica, social e cultural fundamentada na recapitulação biogenética, tendo vencido em poucos séculos o que a Humanidade levara séculos, atingindo agora a sua individuação como entidade, ao mesmo tempo portanto nacional e universal. A argumentação de Oliveira Lima compreendia-se como científica, uma vez que se guiava segundo ampliação que a teoria da evolução experimentara com Ernst Haeckel (1834-1919).


Constatações óbvias de similaridades Europa/América e a falta de perspectiva correta


Sonneck, na sua conferência, partiu das similaridades óbvias entre a via musical americana e a européia. Quem lesse revistas musicais, constataria que na América se fazia música como na Europa. Também lá haveria coros, coros masculinos, de mulheres, bandas militares, orquestras sinfônicas, música de câmara, música sacra, música de escolas, óperas, bibliotecas musicais e coleções de instrumentos, compositores, virtuoses, críticos, editores e agentes de concerto. Mesmo assim, havia aqueles que afirmavam o contrário, em geral aqueles que ganhavam impressões em viagens rápidas ou em jantares.


Os americanos já não mais se irritavam com esses autores e suas más informações na Europa, pois sabiam que grandes obras tiveram o início de seu sucesso mundial na América.


Em alguns casos, essas observações momentâneas seriam até mesmo pertinentes; faltava, porém uma perspectiva correta, o que nem mesmo os americanos possuiam.


A extensão e a constituição multiétnica dos EUA, assim como as desigualdades de seu desenvolvimento explicavam que em certas regiões a vida musical fosse primitiva, em outras altamente adiantada.


Não se podia, assim falar de uma visão válida em geral, ou seja, a „Länderkunde“ musical no caso dos EUA apenas poderia partir de multicolorido, de uma diversidade que não se encontrava em nenhum lugar na Europa.


Diversidade: diferenças nas similaridades e similaridades nas diferenças


Dessa diversidade das aparências tirar similaridades exteriores e óbvias com situações européias seria um trabalho inútil. Não as similaridades, mas as diferenças seriam instrutivas. Do outro lado, na vida musical americana, seriam as similaridades nas diferenças o que contava.


O problema, portanto, seria o de descobrir na diversidade multicolor, possíveis cores fundamentais de validade geral.


Nesse intuito, Sonneck parte de considerações econômicas e de constituição da sociedade e da política americana.


A vida musical americana teria sido sempre de natureza privada. Um europeu que ignorasse esse fato, pouco compreenderiam os americanos. Os EUA representariam uma união de acima de 40 repúblicas, nas quais praticamente nada era feito pela arte sonora, e da parte federal ainda menos.


Na Europa, a situação era totalmente diferente, pois, nas monarquias, os príncipes apoiavam do seu bolso a vida musical, e nas repúblicas dera-se continuidade a essas tradições monárquicas, de modo que Estado e cidade despendiam grandes somas para a cultura e, compreensivelmente, esperavam nela influir.


Paternalismo de Estado na Europa e o jardim das artes como jardim botânico ou zoológico


A concepção paternalista de Estado na Europa fazia com que a arte não se desenvolvesse de forma selvagem. Reconhecendo que a arte era um ramo importante da cultura do povo, o Estado sentia-se na obrigação de agir para o bem do povo com os meios adequados, como se a arte fosse um jardim botânico ou zoológico.


Esses procedimentos a favor do jardim das artes não haviam nos EUA. A formação científico-natural e a formação estética, vistas como dois conceitos essencialmente diferentes não melhoraria a situação. Ao contrário da concepção de Estado da Europa, a americana não era paternalista. O americano médio via as instituições, os governos, apenas como agentes eleitos e pagos, cujo dever era também o de imiscuir-se tão pouco quanto possível nos assuntos profissionais ou particulares. Os representantes políticos americanos consideravam-se não como líderes, mas como instrumentos e prestadores de serviços. Somente quando o povo passasse a exigir o apoio oficial para a arte musical é que os políticos passariam a tomar medidas nesse sentido. A idéia de um apoio oficial à música era não-americano.


Tratando da música nas universidades, Sonneck lembra que nos EUA aqui compreender-se-ia apenas a Musicologia. A Estética musical, a Psicologia, a Etnografia não necessitavam de uma Faculdade de Música em si.


Para a Musicologia no sentido estrito do termo, existiria um campo, mas não necessidade de fato. Isso já seria demonstrado pela falta de revistas científicas de música, pois mesmo as melhores teriam finalidades de difusão popular, pedagógicas ou de cultura geral. Os melhores periódicos estavam em mãos de críticos, que estavam tão ocupados que não podiam desenvolver pesquisas aprofundadas de fontes.


Como não haveria procura de musicólogos, a área permaneceria sem ser desenvolvida. Tratava-se, assim de dar impulsos a essa procura.


Primado da economia e da psicologia nas concepções e iniciativas


Os problemas da Länderkunde da América seriam em princípio de natureza econômica e, complementando-o, representaria um problema psicológico.


O americano não se dedicaria à arte como um apostolado, mas sim como arma natural e favorável na luta pela existência. Numa democracia, que desde o início do século XIX vivia sem estruturas aristocráticas, uma concepção aristocrática de arte seria de difícil aceitação. A arte como Gradus ad Parnassum seria um conceito incompreensível e mesmo intolerável.


Diferenças entre as concepções americanas de Sonneck e as de Oliveira Lima


Essas explanações de O. Sonneck surgem como fundamentalmente diversas daquelas de Oliveira Lima. Também Sonneck partia de conceitos de evolução, como a expressão „luta pela existência“ revela. Compreendia, aqui, porém, a situação de uma sociedade marcada pela luta pela vida, de cuja consideração deviam derivar os critérios para uma perspectiva adequada da „Länderkunde“ musical dos Estados Unidos. Oliveira Lima, ao contrário, partia de uma concepção que, como exemplificada no Rio de Janeiro, era marcada por uma aplicação, seja na cidade, seja na música, de visões baseadas no evolucionismo.


Essa visão de Oliveira Lima correspondia àquela criticada do chefe da Divisão de Música da Library of Congres, pois não só o Rio de Janeiro surgia como obra promovida e criada pelo Estado e pela cidade, como também a sua explanação sobre a música no Brasil sugeria um Gradus ad Parnassum. Também o seu empenho institucionalizador, seja do português como língua oficial de congressos, seja o dos Estudos Brasileiros, não correspondia à idéia de Sonneck que primeiramente dever-se-ia procurar desenvolver a procura, e não partir de cima, criando cursos e instituições.


Sob o pano de fundo da análise de Sonneck, a concepção de Oliveira Lima surge como não-americana, e portanto européia, imbuída da tradição monárquica do Brasil e inserida na velha ordem européia, marcada que eram pela convicção do progresso das ciências e da evolução civilizatória.


De ciclos de estudos da A.B.E. sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo




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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A..„O Rio de Janeiro, a música no Brasil e nos Estados Unidos. Evolucionismo e americanismo nas relações Europa/Novo Mundo. Manuel de Oliveira Lima (1867-1928) e George Theodore Sonneck (1873-1928).“
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 153/9 (2015:01). http://revista.brasil-europa.eu/153/Evolucionismo-e-Americanismo.html