Revista
BRASIL-EUROPA
Correspondência Euro-Brasileira©
Revista
BRASIL-EUROPA
Correspondência Euro-Brasileira©
_________________________________________________________________________________________________________________________________
Índice da edição Índice geral Portal Brasil-Europa Academia Contato Convite Impressum Editor Estatística Atualidades
_________________________________________________________________________________________________________________________________
Fotos H. Schüler, op.cit.
Foto em cores, Rio de Janeiro 1982.
A.A.Bispo 2015 ©Arquivo A.B.E.
Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 153/13 (2015:1)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2015 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
Doc. N°3165
Os teuto-brasileiros e a transformação da imagem do Rio de Janeiro
„Brasil: um país do Futuro“ de Heinrich Schüler
Ciclo de estudos em Bruxelas pelos 450 anos do Rio de Janeiro
Com os agradecimentos à Biblioteca Real de Bruxelas
A passagem dos 450 anos do Rio de Janeiro oferece ocasião para o tratamento de questões que no seu significado de muito ultrapassam simples intentos comemorativos e limites locais e regionais. Entre aquelas que se levantam salientam-se as referentes à imagem da cidade nas suas implicações para a imagem do Brasil, para a sua auto-imagem e para aquela de sua recepção e representação no Exterior. Compreensivelmente, o Rio de Janeiro vem desempenhando há décadas papel de central importância nos trabalhos euro-brasileiros iniciados na Europa em 1974 em programa de interações preparado anteriormente no Brasil.
A sensibilização para essa problemática remonta a círculos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e ao movimento de renovação dos estudos e da prática cultural através do direcionamento da atenção a processos constituido na década de sessenta do século passado.
O Rio de Janeiro e questões visuais no desenvolvimento dos estudos euro-brasileiros
Na Europa, o Rio de Janeiro foi considerado a partir de 1975 no sentido do programa de interações apoiado pelo Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico (DAAD) em seminários de arquitetura no Instituto de História da Arte da Universidade de Colonia em estreitas relações com estudos musicológicos.
Em 1981, fêz-se questão que o Rio de Janeiro fosse visitado por delegação de professores alemães e de outros países no âmbito do primeiro simpósio internacional dedicado a questões musicais sob a perspectiva teórico-cultural de acordo com o programa em desenvolvimento.
Essa estadia inseriu-se na programática político-cultural do evento, no qual considerou-se o papel dos alemães e das comunidades teuto-brasileiras na crucial mudança de concepções no Brasil da primeira República e que não se limitou absolutamente apenas à esfera musical.
Do alto do Pão de Açúcar, confrontado com o impacto visual da paisagem natural e da cidade nela inscrita, procurou-se trazer à consciência dos europeus as extraordinárias dimensões da temática visual, não apenas nas suas relações com a arquitetura, urbanismo e a música, mas com as processos político-culturais nacionais e internacionais, e nos quais alemães e teuto-brasileiros desempenharam importante papel.
A seguir, o Rio de Janeiro foi ponto de partida do primeiro áudio-visual dedicado à imagem do Brasil preparado para a abertura de Semana Alemã-Brasileira no contexto de Forum Internacional que procurou trazer à consciência a necessidade de superação de estereotipos nos estudos e na prática em situações de crescente encontros e interações culturais a partir do reconhecimento da historicidade e assim transformabilidade de imagens no decorrer da história cultural. Ao mesmo tempo, porém, tematizou-se a questão do invariável nessa imagem, uma preocupação que marcou o debate sobre relações entre a unidade e a diversidade, o universal e o nacional nas suas complexas relações antropológico-culturais e de visões do mundo que foi tema de colóquios de instituições belgas em cooperação com instâncias da União Européia, e sobretudo, de reflexões no Centro de Antropologia Fundamental da abbaye de Royaumont, em 1985.
O intento de confrontar professores, pesquisadores e estudantes europeus, em particular alemães com a natureza e a cidade com a finalidade de, através do impacto estético facilitar processos cognitivos, superação de delimitações de visões, também aquelas de natureza teórica, abrindo assim perspectivas, repetiu-se várias vezes em outros eventos, seminários e colóquios.
Esse desenvolvimento de décadas foi sempre acompanhado com estudos da literatura referente ao Brasil publicada na Europa, sobretudo aquela em língua alemã, nem sempre acessível a pesquisadores no Brasil. Entre as muitas publicações levantadas e analisadas sob diferentes aspectos incluiu-se o „Brasil - um país do futuro“, de Heinrich Schüler. Essa obra, que teve várias edições, antes e depois da Primeira Guerra Mundial, marcou como poucas - já pelas suas numerosas ilustrações - a visão do Brasil na Alemanha.
O seu principal significado reside no fato de ter sido escrita por um alemão que já vivia há meio século no Brasil, e que tinha como escopo explícito contribuir para a difusão de conhecimentos do novo Brasil na Alemanha e do papel dos alemães ao extraordinário desenvolvimento experimentado pelo Brasil. A obra surgia assim explicitamente a serviço da propaganda brasileira, não porém feita por „lusobrasileiro“, mas por um autor alemão, ainda que de longa vivência no Brasil.
Em ano que foi marcado pela passagem dos cem anos da eclosão da Primeira Guerra, em 1914, e que deu motivo a conferências, exposições e outros eventos sobretudo na Bélgica, surgiu como necessário recordar essa obra de Heinrich Schüler que estabelece com as suas muitas edições pontes entre os anos anteriores e aqueles posteriores à hecatombe que mudou fundamentalmente a ordem européia, e que atuou em estreitas relações não só com instâncias oficiais alemãs como com o meio brasileiro na Bélgica, então liderado pelo „embaixador da intelectualidade“ brasileira, o Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário do Brasil Dr. Manuel de Oliveira Lima (1867-1928).
Apresentação do livro de „O Brasil - um país do futuro“ por Manuel de Oliveira Lima
Manuel de Oliveira Lima escreveu em Bruxelas, em 1911, prólogo à obra a pedido no autor e no qual salienta, com a sua autoridade, a anuência e o reconhecimento por parte do Brasil. O fato de Heinrich Schüler ter solicitado palavras de abertura ao representante oficial do país em Bruxelas explica-se não apenas pelo renome e autoridade do Ministro, mas também pelos estreitos elos de recíproco respeito e amizade.
Esse respeito por Heinrich Schüler manifestar-se-ia no seu pronunciamento por ocasião da despedida de Oliveira Lima em banquete oferecido pela colonia brasileira de Bruxelas, em 1911, quando Schüler, em português, anunciou nada menos que o govêrno imperial alemão oferecera a Oliveira Lima uma cátedra na universidade de Aachen. (Veja)
De início, Oliveira Lima salienta o significado da obra para a difusão de conhecimentos sobre o Brasil na Alemanha, uma vez que havia número menor de publicações sobre o país em alemão do que aquelas em francês ou inglês. Uma das razões desse fato era a de que o número de brasileiros que falavam o alemão era muito limitado.
Segundo Oliveira Lima, porém, eram justamente os alemães que mais se interessavam pelo país. Nenhum viajante do século XVI alcançaria Hans Staden na descrição realística e ao mesmo tempo pictórica, nenhum erudito do século XIX ultrapassariam Johann Baptist von Spix (1781-1826) e Crl Philipp von Martius (1794-1868) em amplidão, fundamentação e originalidade de observações, nenhum historiador poderia igualar a Gottfried Heinrich Handelmann (1827-1891) quanto ao significado de suas fontes científicas e à correção com que delas tirava consequências.
O Ministro brasileiro citava esses nome apenas ao acaso da rica literatura teuto-brasileira, que já tinha sido considerada por Oscar Canstatt em registro crítico, ou seja, lembrava do Kritisches Repertorium der deutsch-brasilianischen Literatur (1902).
A seguir, Oliveira Lima procurou tecer distinções quanto à correção e a probidade da literatura referente ao Brasil, inserindo o livro de Heinrich Schüler em determinada corrente de autores.
Lembrando que a história do país indenpendente não podia ter sido escrita sem a colaboração de viajantes alemães, entre eles principalmente aqueles que vinham como militares ou colonos, menciona que, se alguns viajaram em tarefas oficiais, muitos publicaram livros e brochuras com protestos e difamações, que testemunhavam superficialidade e e que causavam estranheza. Outros, como se sabe, tinham escrito com grande consciência, como Weilhelm Ludwig von Eschwege (1777-1855) e muitos outros. Esse tipo de escritores que tinham publicado obras excelentes, nas quais examinam os progressos do Brasil, tratando-os de forma equilibrada nas diferentes épocas, não era extinto, o que comprovava o livro de Heinrich Schüler.
Oliveira Lima menciona a reputação de Henrich Schüler na sua época, tanto na Alemanha como no Brasil, como sendo escritor justo e com capacidade de julgamento correto. Oliveira Lima era o primeiro a reconhecer a profundidade e a propriedade de seleção das pesquisas de Heinrich Schüler.
Nesse contexto, salienta o significado de Heinrich Schüler na difusão de conhecimentos do Brasil na Europa, não apenas na Alemanha. A partir de Bruxelas, Schüler publicava uma „Correspondência“ denominada de Reporter Brazileiro. Nelas, o autor tinha dado provas já há mutio das suas qualidades, criando na capital da Bélgica um órgão útil, através do qual fornecia à imprensa européia dados curtos e exatos sobre o desenvolvimento do Brasil, notícias sem arroubos ou inclusões de artigos de retórica grandiloquente.
Oliveira Lima acentua no seu prólogo que a obra vinha de encontro aos interesses do Brasil. O país tinha um vivo interesse em ser conhecido por estrangeiros, mas exigia que estes se mantivessem nos limites da verdade e da justiça. As louvações exageradas eram logo descobertas e desmascaradas. Heinrich Schüler tinha a convicção, e com razão, que a melhor propaganda era aquela que não ilude, não exagera, não esconde, mas que, com dados, convence através de fatos.
Era nesse sentido de uma propaganda correta, justa, objetiva e bem fundamentada que residia a importância dos relatos de Heinrisch Schüler e do princípio básico que era unido a seu nome. Essa concepção de publicidade, jornalismo e de estudos era aquela que também Oliveira Lima representava, sendo também êle um adepto da propagação de conhecimentos do Brasil sob tais condições.
Estudo de fontes e vivência de teuto-brasileiro em participação observadora
Utilizara-se de pesquisas e dados de instituições voltadas a relações comerciais e industriais, salientando entre elas o Centro Industrial do Brasil e, no caso de um produto especial das transações comerciais - a erva mate - de uma publicação do Consul Imperial E. Heinze, conhecido nos estudos teuto-brasileiros como influente comerciante atuante na Bahia ainda na década de 30.
A sua autoridade no tratamento do tema não se justificava apenas pelos seus estudos de fontes de informações e da literatura, mas sobretudo pelas suas experiências de anos. Era essa vivência que permitiram constatações da realidade e visões de dentro que marcavam a obra. Heinrich Schüler entendia assim a sua obra sobretudo como sendo resultado de observações empíricas e da sua participação ativa em desenvolvimentos. A sua participação na vida ativa do Brasil, dera-lhe a oportunidade não só de ter uma visão da alma do povo luso-brasileiro como da alemanidade brasileira, do Deutschtum no Brasil. Conhecera assim profundamente os dois principais motores do extraordinário progresso do país - aqueles de ascendência portuguesa e aqueles de ascendência alemã.
De forma singularmente atual, H. Schüler tematiza no seu prefácio questões de identidade resultantes dessa sua vida de mais de 25 anos no Brasil e da situação de participante observador e observador participante de decorrências. Salienta que o Brasil tinha-se tornado uma segunda pátria, estando a ela ligada por elos emocionais e afetivos, mas que essa sua integração não significava abandono do amor à antiga terra natal alemã. Imbuia-se de justificado orgulho ao constatar que os teuto-brasileiros haviam prestado grandes serviços à nova pátria. A alta reputação que a cultura alemã gozava no Brasil, o fato de que no país existiam acima de 800 escolas de língua alemã, muitas igrejas alemãs, jornais e associações, e de o tráfego comercial com a Alemanha alcançava muitas centenas de milhões de marcos eram testemunhos da obra teuto-brasileira, da alemanidade brasileira.
A observação participante na luta pela existência - Kampf ums Dasein
Há uma expressão no prefácio de Heinrich Schüler que abre caminhos para a leitura mais atenta da sua obra e para a compreensão de suas visões, uma vez que indica a vigência de uma „Weltanschauung“ evolucionista.
O autor salienta que a sua vivência de quarto de século no Brasil dera-se na vida ativa, na vida em luta pela existência. As suas observações participantes, decorrentes de sua participação observante eram assim decorrentes da sua inserção numa luta, e era essa que levava a progresso que decantava.
Essa sua menção revela uma compreensão da história como luta existencial, tanto de brasileiros de origem portuguesa, como também e sobretudo de colonos de origem alemã. Manifestava com essas palavras a recepção do pensamento evolucionista, de uma visão do progresso do Brasil exposto na sua obra a partir de critérios científico-naturais. Nesse sentido, Heinrich Schüler vinha de encontro à visão dos desenvolvimentos históricos e atuais de Oliveira Lima, que fundamentava explicitamente a sua visão histórica da evolução no modêlo do Rio de Janeiro a partir de conceitos de Ernst Haeckel (1834-1919). (Veja)
A obra, dividida em 23 capítulos, inicia com uma visão retrospectiva da história do Brasil do Descobrimento até o presente. Passa à população e á imigração, considera a Constituição, as finanças e o comércio internacional. Os demais artigos são dedicados aos produtos do país, ao cultivo de frutas, à botânica, à madeira e sua exploração, à pecuária e indústrias correlatas, à caça, pesca e anfíbios, à mineração, à indústria, à navegação e às ferrovias. A obra inclui grande número de ilustrações, entre elas muitas do Rio de Janeiro.
Visita do cruzador Floriano Peixoto ao Império Alemão - os dias de Kiel
Heinrich Schüler, tratando do Govêrno Campos Sales, menciona a presença do Brasil em todos os mares. O cruzador Floriano Peixoto, sob o comando do Capitão de Mar Huet Bacellar, visitou a Itália, Portugal, França e Alemanha. Em Kiel, os oficiais brasileiros foram recebidos pelos camaradas alemães com grande cordialidade. O Imperador Guilherme II visitou os brasileiros no seu navio. Nessa ocasião, ofereceu-se a bordo do navio um banquete ao imperador alemão. O imperador fêz um toast pela prosperidade do Brasil, salientando o seu vivo interesse no progresso e no bem-estar do país. Em recordação desses dias de Kiel, Guilherme II presenteou mais tarde um retrato seu a óleo ao club naval dos oficiais da Marinha no Rio de Janeiro. Ali, foi colocado em posição de honra. O ato da entrega foi presidido pelo enviado alemão e representou uma demonstração altamente cordial da amizade entre os dois países.
O Rio de Janeiro de cunho português e sua metamorfose
Heinrich Schüler considera neste contexto as relações dos diferentes Estados com o Govêrno Federal. A diversidade era tão grande que tornava-se necessário esclarecê-la para que o leitor alemão pudesse compreender a situação geral. O Brasil possuia um território tão vasto como aquele da Europa. Considerando-se o antagonismo de interesses da Europa, poder-se-ia supor como eram diferentes aqueles dos Estados do Brasil entre si. Essa diversidade era porém suavizada pelo fato de que o grande país era habitado por uma nação que falava a mesma lingua e que apresentava muitos aspectos comuns nos costumes, em modos de vida e na visão do mundo.
Ao lado dos traços comuns, porém, havia o que os separava. Em primeiro lugar, a nação não pertencia a uma única raça homogênea. Nas veias dos habitantes do Norte e dos sertões imensos do interior corria frequentemente ainda sangue indígena puro. Em Pernambuco, Bahia e outros Estados de relativamente antiga cultural e grande economia agrícola, havia uma numerosa população de negros e mulatos. Ao lado via-se brancos que ainda deixavam reconhecer ascendência holandesa. Na capital federal, no Rio de Janeiro, o elemento português era de tal forma predominande que a cidade tinha de forma inquestionável um cunho portugues. Os habitantes de São Paulo tinham de sempre a fama de um tipo de gente inteligente, corajosa e ousada. Após a supressão da escravidão, a imigração italiana ao Estado cafeeiro tinha assumido proporções tão grandes que o elemento italiano tornara-se ali um fator de poder de primeira ordem. O Paraná, no passado pertencente a São Paulo, tinha sobretudo imigrantes poloneses, ali sendo publicados quatro ou cinco jornais em polonês. Em ambos os Estados do Sul, Santa Catarina e Rio grande do Sul, era característica a imigração alemã e, a seguir, a italiana.
O papel teuto-brasileiro na reconfiguração do Rio: Dr. Lauro Müller
No ano de 1902, com a eleição de mais um paulista, o Dr. Rodrigues Alves, que anteriormente tinha sido presidente do Estado de São Paulo. Para Vice-Presidente foi eleito Dr. Silvanio Brandão de Minas Gerais, que, falecido antes de assumir o poder, teve como sucessor um conterrâneo, Dr. Afonso Moreira Pena, futuro presidente.
Rodrigues Alves fora muito feliz na escolha de seus ministros, Nomeou para o Ministério das Relações xteriores o Barão do Rio Branco, que já tinha representado o Brasil como enviado na Corte Imperial alemã. Já tinha renome de um defensor de interesses brasileiros em questões de fronteiras com a França e a Inglaterra. Como Ministro, levara a bom termo o conflito com a Bolivia. Essa valiosa região do Acre foi obtida pelo Brasil, mas em troca de uma indenização, que devia ser empregada pela Bolivia na construção de uma ferrovia de prolongamento à ferrovia Madeira-Mamoré.
Sob o presidente atual fora nomeado Ministro de trabalhos públicos e transportes o Dr. Lauro Müller. Era filho de colonos alemães modestos de Itajai, Santa Catarina, tendo sido Presidente do Estado.
Em associação com o prefeito da capital, Dr. Pereira Passos e o diregor geral do serviço de saúde, Dr. Oswaldo Cruz, libertaram o Rio de Janeiro da febre amarela, criaram a Avenida Central, que cortava toda a cidade velha e que exigira a derrubada de vários quarteirões, transformando-a numa das mais belas e saudáveis metrópoles do mundo.
A construção de grandes cais foi contratada e iniciada, criaram-se magnificos passeios de praia, iniciou-se com a construção de importantes linhas férreas. O mundo do capital observou esses empreendimentos progressistas com grande atenção. A desaparecida confiança voltou e com ela o apoio ao progresso, que conhecia poucos exemplos similares na história dos Estados modernos.
Heinrich Schüler salientou na sua obra a presença ocorrida no início da primavera de 1911 em Berlim, pouco antes da publicação da obra. Viera por motivos pessoais, mas a convite do Imperador Guilherme II tomou parte na parada que se realizava nessa época do ano, em banquete no Palácio. O Dr. Lauro Müller tinha também recebido um convite da Sociedade Teuto-Sulamericana, na qual os brasileiros eram de tal forma predominantes que correspondia na realidade a uma sociedade teuto-brasileira. Nessa ocasião Lauro Müller pronunciou um discurso em língua alemã.
Todos os maiores jornais alemães haviam publicao notícias sobre essa visita, que fora importante para o desenvolvimento das relações amigas entre a Alemanha e o Brasil. Heinrich Schüller cita como exemplo um comentário do Täglicher Rundschau.
„O Dr. Müller tornou-se ainda jovem Governador do Estado de Santa Catarina e dirigiu mais tarde por quatro anos o Ministério Federal de Trabalhos Públicos e Transportes. Os seus avós emigraram no início do século XIX da área do Mosela para o Brasil, e a viagem do Dr. Müller teve em primeiro lugar a finalidade de mostrar à sua família a região de onde os seus antepassados eram naturais. De resto, o Ministro identifica-se com orgulho com a sua ascendência alemã, utilizando-se com grande proficiência da língua alemã. Êle mencionou que, devido ao predominante conhecimento do idioma francês nos círculos educados do Brasil, a cultura francesa ainda gozava de uma situação privilegiada. O Dr. Müller salientou porém que o conhecimento da literatura alemã, porém em geral em traduções, progrediu muito no Brasil, e que brasileiros de boa formação intelectual começavam a reconhecer o que o seu país devia à Alemanha sob o aspecto espiritual, ainda que até então em geral indiretamente.
Com entusiasmo e confiança acredita no futuro do Brasil, e espera que capital alemão participe cada vez mais na penetração e exploração do país, uma vez que a Alemanha já fazia no Brasil relativamente os maiores progressos comerciais. A visita na Alemanha surpreendeu o Ministro pelos extraordinários progressos que o país continuamente fazia em todas as áreas; em especial pareceu-lhe Hamburgo quase que como um barômetro do enorme progresso alemão. Mas também Berlin surpreendeu o Dr. Müller repetidamente a cada visita pelo seu desenvolvimento descomunal.
O reconhecimento correto da personalidade do Dr. Lauro Müller na Alemanha foi demonstrado pelas atenções prestadas ao hóspede brasileiro de diferentes lados. Êle obteve um convite à para de início do ano e à ceia que se seguiu no Palácio Imperial, assim como a apresentação festiva na Casa de Opera Real. Mas também os círculos das finanças e do comércio tinham dado provas de alto apreço. Assim, por exemplo, o diretor do Banco Alemão em Berlim e o da Linha Hamburgo-América em Hamburgo ofereceram ceias festinas em sua homenagem.
Pelo que tudo deixava prever, o Dr. Müller estava predestinado a desempenhar um grande papel na vida de Estado do Brasil, na qual já ocupava uma posição de alta consideração como Senador Federal.“ (op.cit. 30-31)
Atividades alemãs no saneamento do Rio de Janeiro
Schüler lembra que fechara-se um contrato com a firma Gebrüder Goedthardt A.G. em Düsseldorf em novembro de 1910 para trabalhos de saneamento de áreas periféricas do Rio de Janeiro. Era desnecessário salientar o significado desses trabalhos, uma vez que possibilitava o secamento de uma grande área que se prestava excelentemente ao cultivo de todo o tipo para o consumo da capital. O território já era cortado pela estrada de ferrio Rio-Petrópolis e com a limpeza dos rios tornava-se também possível a navegação de pequenos vapores e botes numa extensão de muitos quilômetros. Era uma grande vantagem que todos os rios desembocavam na baía do Rio de Janeiro. (op.cit. 33)
Diferenças políticas entre Oliveira Lima e o teuto-brasileiro H. Schüler
Para Schüler, Hermes da Fonseca era uma homem simples, de pensamento claro, avesso a toda exterioridade. Tinha tido longas trocas de idéias com êle e ganhara a impressão que era um amigo sincero dos alemães. Seria naturalmente falso supor que essa amizade poderia ultrapassar aquela do Brasil com outras nações amigas. No primeiro de maio de 1911, inaugurou pela primeira vez como presidente o Congresso Federal, ato comentado por quase todos os jornais alemães, entre êles o Norddeutsche Allgemeine Zeitung:
„O primeiro pronunciamento do Marechal Hermes da Fonseca ao Congresso Federal despertou grande atenção, em particular naquela no qual trata das finanças. O Presidente achou ser necessário dizer toda a verdade, e a sua franqueza e sinceridade merecem ser reconhecidas, pois apenas será possível alcançar uma melhoria sabendo-se exatamente a situação financeira.
De início, citou as revoltas dos Dreadnoughts e do batalhão de mar. Os revoltosos nem sabeiam o que de fato queriam. As revoltas seriam apenas consequência da anarquia, que principalmente dominava nas classes sociais inferiores e que há meses (à época eleitoral) tinham sido atiçadas por contínua agitação. Com a ajuda do Estado de sítio tornara-se possível reestabelecer tranquilidade e ordem. Tmbém as disputas políticas no estado do Rio de Janeiro e no distrito federal foram moderadas, o Congresso tinha ainda que dar aqui a última palavra.
A respeito desses conflitos, a mensagem dizia: Essas rixas políticas nos Estados, que colocam em risco a paz pública e a reputação do país, deveriam ter acabado já há muito. 20 anos de República deviam bastar para demonstrar a excelência da forma de Govêrno, que tem para todos os casos uma solução legal. Nada era mais vergonhoso para a República do que a contínua derrubada de govêrnos ou a anulação de eleições, apenas para vir de encontro a interesses de uma política pequena e pessoal. Era necessário evitar de uma vez por todas tais conflitos para a honra da República e em interesse do bom nome do país“.
As relações do Brasil com as potências mundiais foram descritas como cordiais. Com particular gratidão foram mencionadas as honras recebidas pelo Marechal Hermes da Fonseca do Imperador alemão, dos presidentes da França, do rei dos belgas e dos govêrnos da Suiça e de Portugal, ainda que êle não tenha feito a viagem em caráter oficial.
Relativamente ao exército, mostrou-se que muito havia ainda a ser feito para torná-lo efetivo. Em especial mencionou-se a necessidade de fazer com que os arsenais pudessem produzir munição e outros artigos de guerra no próprio país. Para isso, uma comissão de oficiais viajou à Europa para comprar as máquinas necessárias mais modernas para a produção de munição, de modo que até o término de 1911 o Brasil estaria em condições de tornar-se independente do Exterior. As armas, munições e outros objetos de defesa guardados nas diferentes partes da república estariam juntamente com aqueles adquiridos em condições de tornar o armamento do Brasil eficiente. O Ministério de Guerra devia obter meios necessários à compra de material rolante, de modo que tropas e materia bélico pudessem ser transportados rapidamente a locais onde fossem usados em caso de guerra. Como o número de voluntários era demasiadamente pequeno, não era mais possível adiar a execução da obrigatoriedade militar. Também a Guarda Nacional, até então submetida ao Ministério da Justiça, passava ao Ministério da Guerra, de modo a poder servir ao exército ativo em caso de necessidade.
Como Heinrich Schüler salienta, o govêrno do presidente da época da publicação do seu livro deixava reconhecer que a sua política objetiva, fria e enérgica fomentaria o Brasil no caminho do progresso.
O Brasil tinha demonstrado nas exposições mundias de St. Louis e de Bruxelas, mais recentemente na de Turim, as suas imensas riquezas. Os seus sucessivos govêrnos tinham demonstrado já há uma década que o país não apenas queria, mas era capaz de explorar as suas riquezas objetivamente e em trabalho pacífico para o bem do país. (op.cit. 36-37).
As opiniões altamente positivas do autor teuto-brasileiro relativamente ao Marechal Hermes da Fonseca não harmonizam com o posicionamento de Oliveira Lima perante esse militar e político conhecido da literatura. Heinrich Schüler parece inserir-se aqui em situação política posterior àquela de Oliveira Lima, tão marco pela presidência e Afonso Pena (1847-1909). Sugere, porém, sobretudo uma referenciação político-cultural distinta, orientada segundo a Alemanha, enquanto que Oliveira Lima, ainda que homem universal, partia de uma evolução da cultura e civilização que tinha a sua maior expressão na França.
De ciclos de estudos da A.B.E. sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo
Todos os direitos reservados. Reproduções apenas com a autorização explícita do editor.
Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A..„Os teuto-brasileiros e a transformação da imagem do Rio de Janeiro
„Brasil: Terra do Futuro“ de Heinrich Schüler.“ Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 153/13 (2015:01). http://revista.brasil-europa.eu/153/Heinrich-Schueler-1911.html