Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Antuerpia. A.A.Bispo 2015 copyrightArquivo A.B.E..


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Antuérpia. Fotos A.A.Bispo 2015 ©Arquivo A.B.E..

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 153/15 (2015:1)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2015 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Doc. N°3167





Os teuto-brasileiros, a imagem do Rio e a Primeira Guerra Mundial
„Brasil: um país do Futuro“ revisto em 1919


Ciclo de estudos na Bélgica pelos 450 anos do Rio de Janeiro

 
Na abertura dos trabalhos eurobrasileiros pelos 450 anos do Rio de Janeiro, considerou-se o significado do Rio reconfigurado no início do século XX para a imagem do Brasil na Europa, a época em que a então capital do Brasil assumiu a fisionomia que mais a marcou como emblema da nação.


Essa metamorfose do Rio, a sua fundamentação teórica e a função da capital transfigurada na representação e na propaganda brasileira na Europa caiu nos anos anteriores à Primeira Guerra, em anos marcados pela confiança inquebrantável no futuro e por entusiasmo no progresso e na civilização, pelo credo na evolução da cultura, das artes, pela atenção ao cultivo do refinamento pessoal e social, pela procura da intensificação da expansão econômica, comercial e industrial e por grandes exposições mundiais.


Foi, porém, também uma época de tensões e do armamento em muitos países, em particular na Alemanha, - mas também no Brasil.


Ponto alto das relações euro-brasileiras poderia ser visto na despedida do erudito diplomata Manuel de Oliveira Lima (1867-1928), que atuara seis anos na Bélgica, em banquete oferecido pela comunidade brasileira, cientistas e políticos relacionados com o Brasil em Bruxelas, poucos meses antes da eclosão da Primeira Guerra. Essa cerimônia, que entrou na história diplomática e cultural, surge em visão retrospectiva como ápice de um desenvolvimento feliz, otimista e promissor, quase que macabra na sua alegria perante a tragédia que em poucos meses teria início. (Veja)


Na análise dos desenvolvimentos nos quais o Rio de Janeiro desempenhou papel tão significativo, na percepção de visões do mundo e da história que marcaram a sua reconfiguração e o seu papel na representação brasileira na Europa, torna-se necessário considerar a cisão causada pela Guerra que levou ao fim da antiga ordem européia.


Antuerpia. A.A.Bispo 2015 copyrightArquivo A.B.E..

„Brasil - um país do futuro“ antes e depois da Primeira Guerra Mundial


Uma fonte para os estudos dessas transformações é o livro „Brasil - um país do futuro“ de Heinrich Schüler, obra relevante dos anos de apogeu das relações euro-brasileiras anteriores à Guerra, escrita por um teuto-brasileiro que se empenhou como poucos em tornar conhecido a evolução do Brasil na época guilhermina. (Veja)


O seu autor, tendo presenciado o histórico banquete de despedida de Manuel de Oliveira Lima, foi aquele que anunciou nada menos do que o oferecimento ao embaixador brasileiro de uma cátedra na universidade de Aachen pelo imperador alemão.


Esta obra, que antes da Guerra conheceu várias edições, foi publicada pela quarta vez em 1919, em ano portanto na qual a situação europeu encontrava-se totalmente modificada, em particular aquela dos países vencidos, salientando-se aqui a Alemanha arruinada.


Quais as modificações que Heinrich Schüler fêz na sua obra para atualizá-la, torná-la aceitável e útil no novo quadro das relações internacionais? À resposta dessa questão foram dedicadas reflexões levadas a efeito em Antuérpia, no âmbito dos trabalhos de abertura aos eventos científico-culturais eurobrasileiros pelos 450 anos do Rio de Janeiro.


A escolha de Antuérpia não foi arbitrária. Devido a seu porto, o maior da Bélgica e um dos maiores da Europa, centro de intercâmbio comercial de história secular com o mundo extra-europeu, Antuérpia foi um dos principais centros brasileiros dos anos anteriores à primeira guerra.


A cidade foi sede de missão de expansão econômica brasileira, cujo Vice-Consul tratou em Congresso Internacional de Geografia em Genebra, em 1908,  a „metamorfose“ do Rio e Janeiro. (Veja)  O porto de Antuérpia, com os seus melhoramentos e modernizações serviu como modêlo para reformas e novas instalações do porto do Rio de Janeiro. (Veja)


Antuérpia, experimentou de forma particularmente intensa e traumática, a invasão alemã no início da Guerra de 1914, fato relembrado em exposições, cortejos históricos e eventos com grande participação popular em 2014.



Justificativa da nova edição de „Brasil - um país do futuro“


Na comparação das edições anteriores à Guerra e aquela de 1919 salta aos olhos em primeiro lugar a falta do prólogo de Oliveira Lima.


No seu prefácio, escrito em Lucerna, Heinrich Schüler afirma que a receptividade das últimas três edições, assim como a sugestão da editora e muitas centenas de pedidos o tinham encorajado a realizar uma revisão fundamental do seu livro de 1911 para uma nova edição.


Partindo do pensamento de que na seriedade dos anos posteriores à Guerra uma exposição objetiva da vida econômica brasileira a serviço da ampliação de conhecimentos de um grande e promissor país exigia que se retirasse tudo o que não fosse essencial, extirpara todas as considerações pessoais e nacionais da obra.


Retirou assim o capítulo sobre a história do Brasil, ganhando maior espaço mara o tratamento de questões econômicas.


Das imagens, foram mantidas 16, retirando-se todas as fotografias que ilustravam o texto das edições anteriores, o que foi justificado pela inteção de tornar o livro mais manuseável e não tão caro.


Desde 1911, a vida econômica do Brasil tinha experimentado transformações extraordinárias. As suas produções tinham-se tornado muito mais diversificadas, a agricultura e a indústria desenvolvera-se de forma inacreditável. Foi-lhe possível, assim, nessa edição, não apenas completar lacunas e dar continuidade ao já tratado em edições anteriores, mas também incluir fatos novos e fornecer visões futuras de importância econômica.


As imagens na nova edição de „Brasil - um país do futuro“


As fotografias do Rio de Janeiro perfazem em número a metade das dezesseis imagens publicadas. Entre as imagens mantidas, destaca-se a inicial do Pão de Açúcar, apresentado como emblema da entrada da baía do Rio de Janeiro. Se essa fotografia mantinha a sua atualidade, por oferecer uma natureza praticamente imutável, as outras fotos do Rio de Janeiro já eram antiquadas.


Entre elas, reproduziu-se a foto da Avenida Rio Branco - agora já com essa denominação, substituindo aquela de Avenida Central -, assim como a da esquina da Avenida Rio Branco com a Rua da Assembleía. Maior peso apresentam nessa seleção as da natureza, a do panorama da baia do Rio de Janeiro, a vista a partir da Gávea, a do Jardim Botânico, a de rochedos na baía, a de palmeiras no Passeio Público, ou seja, imagens do perene, do não modificável.


Retirada do que não teria sido essencial e estilo objetivo de transmissão de dados


Heinrich Schüler, afirmando que retirou do seu livro o que não era essencial, acentuou o caráter utilitário da obra como fonte de informações sobre assuntos econômicos. Essas constatações objetivas de fatos e desenvolvimentos consistuiria assim os fundamentos de visões economicamente relevantes para o futuro.


Comparando esta edição de 1919 com as anteriores, constatam-se modificações nos capítulos que não se resumem à supressão da „visão da história do Brasil no seu desenvolvimento até a atualidade“, sendo considerações introdutórias e genéricas tratadas conjuntamente com aquele que tinha sido o segundo capítulo, dedicado à população e imigração.


Modificando a ordenação do conteúdo, coloca, de fato mais coerentemente, entre os primeiros capítulos que precedem a consideração de produtos do país, aqueles que estavam no seu fim: Indústria, Navegação e Ferrovias, que passam a ser consideradas sob Meios de Transporte, Indústria, acrescendo o ítem Agricultura.  As modificações não se restringem porém à ordem dos assuntos, mas também a seu conteúdo e, sobretudo ao estilo. O autor reescreveu textos antigos e criou novos em estilo que denota a preocupação de objetiva comunicação de dados e fatos.


Dimensões mais profundas das modificações da edição de 1919


As modificações dessa edição são, porém, ainda mais profundas. Dizendo que retirou da edição tudo o que não era essencial, na verdade retirou o que tinha antes apresentado como sendo fundamental, ou seja a sua autoridade como teuto-brasileiro que, tendo vivido longo tempo no país, na vida ativa da „luta pela existência“, vira a alma do povo luso-brasileiro e da alemanidade brasileira, que seriam os fatores do progresso do país.


Compreende-se que, na situação da Alemanha derrotada, do fim do Império Alemão, Heinrich Schüler evitasse todas as expressões de ufanismo teuto-brasileiro, de glorificação da alemanidade e do papel de alemães e seus descendentes no progresso do Brasil.


Nesse sentido, não apenas precisou mudar o seu prólogo, mas também as suas considerações históricas, uma vez que estas tinham salientado alemães na história e no desenvolvimento político da época, mencionando visitas de políticos brasileiros à Alemanha nos anos que antecederam a Guerra, entre eles a do Dr. Lauro Müller (1863-1926), personalidade de relevância na reconfiguração do Rio de Janeiro.


Refutação do mito do „perigo alemão“ - alemães como agentes do progresso


Na nova edição, Heinrich Schüler trata a questão da imigração alemã e dos alemães no Brasil com termos que diferem daqueles das edições anteriores à Guerra.


„O leitor alemão, após der lido as muitas cifras, colocaria a questão: quantos habitantes de língua alemã o Brasil abriga?


A resposta não é facil e pode ser dada apenas estimativamente.


Tomando-se como base dessa estimativa primeiramente o número de 110 000 imigrantes no período de 1835 a 1910, considerando que também já antes ocorrera uma imigração alemã não irrelevante, que em especial nos anos de 1825 até 1830 deve ter sido bastante grande, e ainda a situação de que imigrandes de todas terras germânicas se uniram à alemanidade e que a Áustria alemã e a Suiça devem de qualquer forma a ela pertence,  o que a estatística não faz, que nela por fim não são incluidos aqueles que por conta próprio, por exemplo como comerciantes e artesãos vieram para o Brasil, então não se erra muito estimando-se a imigração de língua alemã dos últimos cem anos num total de 200 000 almas.


O número de nascimentos das colonias de língua alemã é surpreendentemente alto, enquanto que a mortalidade é baixa. Famílias com 12 ou 20 crianças são comuns.


Tudo isso considerando, certamente não se exagera calculando-se o número dos alemães que vivem no Brasil e seus descendentos em 400.000. Assim, representa menos do que 2% do total da população do Brasil, o que é uma decisiva refutação do mito do „perigo alemão“. Mas essas 400.000 pessoas não são apenas nenhum perigo para o Brasil, mas pelo contrário, constituem uma grande garantia da sua independência e inviolabilidade. A êles o país deve uma grande parte do seu admirável progresso.“ (op.cit. 4-5)


Dificuldades de reconhecimento de concepções e visões evolutivas subjacentes à obra


Assim procedendo, a edição posterior à Guerra dessa obra passa a dificultar ao leitor reconhecer os critérios teóricos da exposição do desenvolvimento brasileiro do autor, a Weltanschauung subjacente à obra.


Não mais se deparando com conceitos reveladores como „luta pela existência“ ou o nome de Manuel de Oliveira Lima, conhecido pela sua visão biogenética do Rio de Janeiro e da formação na nacionalidade brasileira, o leitor  de o „Brasil - um país do futuro“ nessa edição pós-Guerra tem dificuldades de reconhecer os parâmetros de pensamento e de convicções que determinam a exposição de fatos e visões de interesse econômico.


Apesar de toda a salientada neutralidade e objetividade de linguagem, a explanação do que é visto como essencial continua a ser movida por convicções de cunho evolutivo, compreendidas como científicas por serem baseadas em conhecimentos das ciências naturais do período anterior à Guerra.


Não teria havido, assim, fundamental modificação numa Weltanschauung do teuto-brasileiro Heinrich Schüler, apesar de sua aparência exclusivamente utilitarista e pragmática, objetiva na previsão do grande futuro do Brasil.


Imagem da Avenida Rio Branco como sinal de continuidade de concepções não expressas


Nesse contexto, a reprodução de fotografias da Avenida Rio Branco do período anterior à Guerra, daquela Avenida Central de tanto significado para a propaganda da metamorfose do Rio de Janeiro e da evolução da cidade e do Brasil, surge não como anacronismo circunstancial, por falta de fotografias mais atuais, mas como sinal visual da permanência de uma visão de processos históricos e civilizatórios evolucionistas.


O mundo da velha ordem que sossobrara com a Primeira Guerra na Europa mantinha-se por assim dizer vivo na capital do Brasil que fora reconfigurada antes da Guerra no „bota abaixo“ da velha cidade, no seu saneamento e na sua „limpeza“ em diferentes sentidos.


A permanência de correntes do assim-chamado social-darwinismo subjacente a visões de progresso no pós-Guerra surge assim como um problema que exige a continuidade de análises e reflexões.


De ciclos de estudos da A.B.E. sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo




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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A..„Os teuto-brasileiros, a imagem do Rio e a Primeira Guerra Mundial. Brasil: um país do Futuro revisto em 1919.“
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 153/15 (2015:01). http://revista.brasil-europa.eu/153/Heinrich-Schueller-1919.html