Revista
BRASIL-EUROPA
Correspondência Euro-Brasileira©
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Bruxelas. Fotos A.A.Bispo 2015 ©Arquivo A.B.E.
Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 153/12 (2015:1)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2015 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
Doc. N°3164
O Rio de Janeiro nos Estudos do Brasil na Europa
„Formação Histórica da Nacionalidade Brasileira“
na Universidade de Paris (Sorbonne) em 1910
Ciclo de estudos em Bruxelas pelos 450 anos do Rio de Janeiro
Com os agradecimentos à Biblioteca Real de Bruxelas
As comunicações sobre o novo Rio de Janeiro em congressos internacionais de americanistas e geógrafos, respectivamente em Viena e em Genebra por Manuel de Oliveira Lima (1867-1928), Enviado e Extraordinário e Ministro Plenipotenciário do Brasil junto ao rei dos Belgas , explicáveis pela atualidade internacional do Rio devido à Exposição no Centenário da Abertura dos Portos ao comércio mundial, em 1908, precederam de alguns anos o primeiro curso de Estudos Brasileiros na Universidade de Paris, confiado a Oliveira Lima.
Essas e outras atividades precedentes, e que fundamentaram o extraordinário renome do diplomata brasileiro como erudito e „embaixador cultural“, permitem que se reconheçam aspectos fundamentais um edifício de concepções no qual se inseriu a representação européia da então capital do Brasil e, reciprocamente, a do seu papel na representação do Brasil.
Considerá-las atentamente surge como exigência sobretudo para a consideração dos fundamentos de contexto e de ideário dos Estudos Brasileiros na Europa, assim como de concepções de nacionalidade de relevância para diferentes áreas da cultura, da literatura e das artes. (Formation Historique de la Nationalité Brésilienne - série de conférences faites en Sorbonne. Paris: Garnier, 1911)
A primeira conferência de Oliveira Lima, aquela que abriu os Estudos Brasileiros na sua institucionalização universitária na França, foi dedicada ao século XVI, onde tratou da descoberta e das primeiras tentativas de colonização, do índio como elemento de população e o indianismo como manifestação literária, dos jesuitas e a catequese, e da festa brasileira de Rouen, em 1550.
Na segunda aula, Oliveira Lima - o diplomata - vem ainda mais de encontro aos interesses de seus ouvintes, considerando o episódio da França Antarctica no Brasil. Considerou as tentativas de ocupação francesa nos século XVI e XVII, ao sul e ao norte; Villegagnon e La Ravardière; a defesa portuguesa; vendo já aqui o sentimento nacional revelando-se numa literatura nascente.
A terceira aula foi dedicada à época da União Pessoal Portugal-Espanha e suas consequências para o Brasil. Após considerar as generalidades dessa situação política, passou à ocupação holandesa no século XVII. Tratou da administração de Maurício de Nassau. Com a expulsão dos estrangeiros, ter-se-ia afirmado o sentimento nacional, despertando-se também o espírito de rebelião.
A quarta aula partiu da conquista do interior durante a época colonial. Nessa conferência, Oliveira Lima manifestou a sua simpatia por São Paulo e os estreitos elos que o ligavam com a comunidade franco-paulista, principal possibilitadora da série de conferências. Os bandeirantes paulistas foram considerados como realizadores de uma grande obra. O espanhol surgira como inimigo, sendo que o principal foco de atenções foi a fixação de limites, tema que encontrava-se no centro das atenções do diplomata, sobre o qual existia uma publicação da Missão Brasileira de Expansão Econômica de Antuérpia. (Veja)
Um outro ponto de singular focalização na visão histórica de Oliveira Lima foi tratado na quarta aula: o da formação de dois centros no Brasil, um na Bahia, centro de luxo, outro em Minas Gerais, centro de atividades. No contexto desse campo de forças, o erudito diplomata considerou o desenvolvimento da literatura, tratando da prosa em verso e da „poesia do ouro“. Para êle, as minas foram fonte de pobreza. Essa análise complementou com uma consideração do sistema de administração portuguesa.
Esse pensamento marcado pela constatação de polos no país e de tensões entre desenvolvimentos no Brasil e a administração portuguesa manifestou-se na esfera mental segundo Oliveira Lima com o surgimento de um espírito de autonomia contra um espírito de despotismo.
Essas duas tendências de espírito ou mente constituiram o foco de atenções da sexta aula. No centro da argumentação foi colocada a conspiração de 1789, considerada como produto da filosofia francesa e de sugestão republicana dos Estados Unidos.
Assim o fazendo, Oliveira Lima não só vinha de encontro aos interesses dos seus ouvintes e da universidade que possibilitava o curso de Estudos Brasileiros, como também a seus conhecimentos dos Estados Unidos. Esse interesse pelos Estados Unidos teve expressão em escritos e foi reconhecida pelos convites que lhe seriam feitos para ministrar cursos em universidades americanas e, por fim, nas suas atividades em Washington, onde até hoje o seu nome continua vivo e a sua biblioteca conservada. Nessa aula, Oliveira Lima inseriu um de seus pensamentos condutores, o da existência de democracias neo-latinas da América. A conferência terminou com a menção do suplício de Tiradentes.
A sétima sessão do curso foi dedicada ao estabelecimento da Corte Portuguesa no Rio de Janeiro, em 1808. Esse tema tinha determinado as atividades do diplomata nos anos anteriores devido às comemorações do Centenário da Abertura de Portos às nações amigas. Esse tema relacionava-se com a reforma do porto do Rio e com a reconfiguração da cidade, celebrados em memórias apresentadas em congressos e em publicações.
Essa sétima aula na Sorbonme disse respeito assim a um conjunto de questões que constituia uma das principais especializações de Oliveira Lima, o que se manifestou numa de suas obras magnas, aquela dedicada a D. João VI. Significativamente, como professor, o diplomata apresentou aos ouvintes da Sorbonne a sua visão de D. João VI como „rei sábio“. Essa época surge como de crucial importância no desenvolvimento histórico do Brasil por ter levado a uma transformação política e social sob a influência de novas idéias. O Brasil-Reino surge nesse contexto como fase fundamental na formação histórica do Brasil e da nacionalidade.
Como exposto na oitava aula, para Oliveira Lima a independência do Brasil teria sido uma espécie de divórcio. Nesse processo salientou o papel desempenhado por José Bonifácio, o vulto que tanto admirava e que era uma dos principais motivos de sua grande simpatia por São Paulo. Ao mesmo tempo, porém, reconhecia ter sido o Príncipe real o principal fator da separação.
Na próxima aula, a explanação dos desenvolvimentos que levaram á independência teve continuidade com a consideração do Império, este visto sobretudo no seu confronto com as grandes potências européias. Na elucidação da situação no Velho Mundo, Oliveira Lima salientou o papel da Áustria e aquele da Inglaterra. Neste último caso, tratou da missão de Sir Charles Stuart no Rio de Janeiro. Relativamente aos eventos ocorridos no Brasil, ressaltou aquele de 1823, designado como golpe de Estado, a Constituição de 1824 e, entrando mais na esfera de sua terra natal, da Confederação do Equador.
Também na décima sessão do curso o diplomata brasileiro deu continuidade ao tratamento desses desenvolvimentos históricos, dirigindo o foco de suas atenções à impopularidade de Dom Pedro I, que explicava como sendo resultado de suas tendências autocráticas e pela perda da Província Cisplatina. Ressaltou a adoção do regime parlamentar, terminando a aula com a abdicação e a Regência.
Dom Pedro II como modêlo de soberano e seus elos com Paris
Toda uma sessão foi dedicada a Dom Pedro II, a personalidade que no passado tinha marcado da forma mais positiva a imagem do Brasil na Europa e que era certamente aquela de muitos de seus ouvintes, muitos dos quais ainda indignados pelo ato de sua expulsão pelo Govêrno republicano. Oliveira Lima tratou da sua maioridade antecipada e a sua formação de soberano, das características de seu reino, do federalismo e do princípio de autoridade, do famoso „poder pessoal“ e das liberdades nacionais.
O longo discurso de Oliveira Lima dedicado a Pedro II foi por êle mesmo justificado: o seu vulto evidenciava-se a todos. Acabava-se então de escrever, no Rio de Janeiro, no dia da inauguração da sua estátua, que êle tivera um zelo particular pela dignidade do país, que a história da nação encontra-se de tal modo com êle identificada e que êle representou perante o mundo a consciência do Brasil.
Êle não teria motivo de justificar-se de elogios feitos à sua memória em Paris, aquele Paris que - como escrevera Henry Fouquier, amava Dom Pedro, pois Dom Pedro amava Paris.
Êle teria levado para o Brasil um pouco da alma francesa, dessa alma plena de justiça e de ideal. As academias e as sociedades de erudição, os ateliers e as usinas, as escolas e os museus o conheciam perfeitamente esse monarca que era modêlo para todos os soberanos do mundo como o designara Gladstone. Era um soberano de um país longínquo e mal conhecido, e mesmo assim tornou-se mais popular na França do que no próprio Brasil. O mesmo respeito unia os dois paises, e a sua lembrança augusta parecia planar sobre a obra de aproximação moral a que Oliveira Lima se dedicava. Êle teria dado o exemplo como Imperador e homem de ciência, assim designado por Pasteur, como príncipe filósofo como o designara Lamartine, como novo Marco Aurélio, como o definira Victor Hugo. (op. cit. 228-229)
Para Oliveira Lima, Dom Pedro II ordenava-se definitivamente entre as principais figuras morais do século XIX. O seu longo reino, inaugurado por um pronunciamiento parlamentar e terminado por um pronunciamento militar; o seu amor à paz sem deshonra à justiça a todo preço; a sua paixão pelas ciências de início, pelas letras em seguida, e enfim pelas artes, em suma por tudo o que se referia ao espírito; o seu desdenho de vulgaridades e o seu despreendimento quanto a riquezas; a sua afabilidade repleta de dignidade; a sua gravidade sem tristeza; a sua bondade sem afetação; a sua honestidade, tornaram o nome desse monarca não somente familiar àqueles que se ocupavam tanto da história e da política, como também da filosofia e da moral, mas também caro àqueles que se deixam seduzir pelos aspectos superiores da humanidade. O seu renome não era de resto mais do que justo, pois foi o mais nobre dos homens e o mais perfeito dos soberanos.
A recepção de palavras e convenções da França em terra por demais fértil
Oliveira Lima dedica compreensivelmente grande espaço para tratar da questão das razões pelas quais tal soberano modelar teria sido destronado, o chefe daquela „democracia coroada“, como Mitre, o grande homem argentino, gostava de qualificar o Brasil.
Segundo Oliveira Lima, o termo democracia coroada colocava o adjetivo no lugar do substantivo, e que as coroas, na América, eram destinadas a esse melancólico destino. No continente americano, as palavras, sobretudo nas sociedades de uma cultura imperfeita, significavam mais do que as idéias, as convenções prevaleciam sobre as realidades. E essas palavras, correspondendo às idéias, teriam sido os franceses, os filhos da Revolução, que ali semearam e essas conveções, mais potentes do que as realidades, pois que as sobrevivem, tinham sido também êles que criaram nos espíritos.
Entretanto, não era culpa dos franceses se a terra foi por demais fértil no ultramar, e se as plantas ali germinavam demasiadamente rápido. O fato é que as flores se abrem e murcham antes da estação e nem todas puderam se transformar em frutos. É assim que as liberdades políticas e mesmo as liberdades civis são por veses cortadas em algumas das pseudo-democracias fundadas no novo mundo, como se todas fossem como grandes ilusões românticas que logo resvalaram a tiranias sinistras e sórdidas. Outras dentre delas entretanto, felizmente para essas repúblicas e pela civilização, evoluiram normalmente.
O Brasil Império serviu de modelo a repúblicas progressivamente sábias, pois em nenhuma parte da América, mesmo nos Estados Unidos em certos pontos de vista, as liberdades foram maiores e os sentimento democrático tão intenso. O viajante conhecido sob o nome de barão Hubner tinha perfeitamente razão quado escreveu que o Brasil lhe parecia um Império republicano e o Chile uma república imperial. Precisando os termos, Oliveira Lima dizia ter sido o Brasil um Império democrático e o Chile uma república aristocrática.
Tentando esboçar em grandes traços a época de Dom Pedro II, Oliveira Lima procurou tornar compreensível as razões pelas quais o modêlo presidencial dos Estados Unido passou por cima do modêlo parlamentar da Grã-Bretanha com o qual o Império era identificado. (pág. 13-14)
Evolução e „luta pela existência“ na análise de desenvolvimentos histórico-políticos
A última aula das doze sessões do curso deu continuidade à explanação desse passado então recente, o que constituia uma necessidade quanto à imagem do Brasil na Europa. Oliveira Lima iniciou as suas considerações com o papel dos partidos constitucionais e os grandes problemas políticos, econômicos e administrativos.
Manifestando a sua característica independência de espírito e idoneidade de erudito, apesar de diplomata da República, salientou justamente o fato de ter o Brasil vivenciado quarenta anos de paz e de prosperidade sob a monarquia.
O encerramento do seu curso foi significativamente marcado por uma análise dos motivos determinantes da mudança de regime. O Brasi de ontem não tinha tido apenas o Imperador do qual tratara tão pormenorizadamente na aula anterior, mas também um pessoal político digno de participar no govêrno do país em pleno desenvolvimento.
Dois potentes partidos disputavam o poder, opondo-se quanto a ideais e métodos, e esses dois partidos tradicionais, designados segundo os nomes clássicos de conservador e de liberal, eram diretamente saídos do primeiro agrupamente monárquico e constitucional por um processo de evolução que, como todos operou-se através da anexação de elementos mais aptos à luta e pelo abandono de elementos fracos, impróprios à luta pela existência.
Bernardo de Vasconcelos (1795-1850), aquele que organizou a reação conservadora de 1837 contra aqueles representantes mais radicais da Regência na revolução de 1831, explicara a sua conversão ao partido conservador, aquele da ordem, que mais cuidava da autoridade do que da liberdade. Êle fora liberal, quando a liberdade era algo novo no país, quando a liberdade era as aspirações gerais, mas não nas leis, não nas idéias práticas. O poder era tudo.
Mudou porém de posicionamento, pois a sociedade modificara-se; os princípios democráticos tinham ganho em importância e compromissos. A sociedade, que corria o risco de se perder pelo poder, passara a correr riscos de desorganização e anarquia. Era por essa razão que se tornara reacionário. Não era um traidor, não abandonava a causa que defendera à época de perigo e de fraqueza. Ia deixá-la quando o seu triunfo se completasse de tal forma que o excesso mesmo do triunfo o comprometesse. Os conservadores viam-se assim como guardiães da ordem e teriam assim paralisando a tendência quase federalista da Regência, tendo lucrado com o sucesso dos liberais com os graves erros por êles ometidos em 1842 e 1848 com revoluções em S. Paulo, Minas e Pernambuco sem motivos mais sérios do que a vontade de poder.
Foram os conservadores que mais tarde, opondo-se a medidas julgadas precipitadas determinaram uma política desaceleradora, mas não de estagnação. Os liberais, ao contrário, viam-se como agentes do progresso, auto-imagem que não deixou de ser expressa em linguagem démodé de metafísica política. Foram eles que preconizaram as maiores reformas sociais e políticas, que desencaderam discussões de ruas a serviço de debates parlamentares, que apoiaram acusações e a indisciplina. Para bem julgar a obra considerável dos partidos políticos no Brasil sob o Império, bastaria evocar os diferentes problemas políticos e sociais no início da queda do regime.
Citando o estudo ´“De l‘Indépendance à la République“ de Euclides da Cunha (1866-1909), Oliveira Lima apresenta a interpretação de desenvolvimentos como uma convergência de forças. No início, a dispersão revolucionária, o ideal de independência, em facções, de patrulhas, mal organizadas, sob o prestígio de um príncipe. A seguir, em 1831, a delimitação de elementos em luta nos três partidos definidos da Regência. Consecutivamente, com o ressurgimento do prestígio monárquico em 1837, uma nova concentração em dois partidos únicos. Mas o movimento que aparecia na história do Brasil com um rigor de traço geométrico, numa composição mecânica de forças, era a vitória de elementos conservadores sobre os elementos progressistas, um contínuo enfraquecimento do princípio democrático, uma revolução triunfante que gradualmente passava a se entravar, diminuindo a velocidade a corrente, afim de desaparecer inteiramente nas águas paradas do Império.
Após considerar a obra política do Marquês do Paraná (1801-1856) e o ponto culminante do Império com a síntese de energias do passado e o desencadear daquelas do futuro, teria iniciado um processo e decadência contínua do princípio monárquico até 1889, durando o caminho descendente tanto quanto o ascendente. A República já tinha lançado os seus fundamentos. O princípio democrático nascera nas eleições de 1860. (op.cit. 236)
Para Oliveira Lima, a marcha do liberalismo fora desde essa época resoluta e agressiva. O parlamentarismo, triunfante em 1830, arrefecera-se após 1841 com o restabelecimento do Conselho de Estado, uma criação napoleônica que surgira como um corpo consultivo a quem se confiava o estudo preliminar, mesmo decisivo de projetos de leis e de tratados governamentais.
As garantias individuais, que nunca tiveram em país latino a amplidão e a autoridade daquelas de comunidades anglo-saxonicas, foram abaladas com o códico de 1841, ano de apogeu da reação conservadora. Ainda que a Constituição estipulasse liberdades políticas e civis, na prática não eram escrupulosamente respeitadas, sobretudo porque o ambiente social não se encontrava com elas em harmonia.
Faltava no Brasil um povo verdadeiramente consciente de seus direitos e deveres. O pessoal político se movimentava numa esfera superior e fechada, ainda que se baseando na soberanidade do povo que na realidade não podia inteervir diretamente nos problemas do govêrno. O corpo eleitoral tomara o costume de se pronunciar contra as tendências da autoridade, inaugurando definitivamente o regime de instabilidade governamental que levou ao descrédito do sistema.
Esses nomes de um momento que marcou o início de um processo destruidor teriam sido Francisco Octaviano (1825-1889), Theophilo Ottoni (1807-1869) e Saldanha Marinho (1816-1895). O primeiro, um ateniense dos trópicos, sonhador e poeta, porta-vou da lenda histórica do liberalismo; o segundo, agente detonador da expansão popular pela eloquência explosiva, o último dando os primeiros passos do longo itinerário que conduziu à República. O trono se viu gradualmente assolado mesmo no exercício mais estrito de suas prerogativas e as manifestações eleitorais, refletindo a opinião a classe dominante, dava razão àqueles que queriam se separar da ortodoxia monárquica. Após tratar da história da abolição, salientando aqui o exemplo dos Estados Unidos, Oliveira Lima aponta a Guerra da Secessão americana como fornecedora de impulsos a projetos de liberdade, mas também de apreensões da criso social que acarretaria.
O papel do Imperador na evolução da questão abolicionista foi a de um liberalismo moderado mas fundamentado, de um oportunismo calculado de modo a harmonizar tanto as exigências da civilização e de não prejudicaro princípio monárquico relativamente aos partidos. Pelo seu caráter e princípios, a sua aspiração pessoal não podeia deixar de ser filantrópica, favorizando na medida do seu poder o progresso da idéia.
Entre os vinte anos de 1869 a 1889, o período mais conturbado da história do Brasil sob o ponto de vista de idéias que se opunham e confundiam, os conflitos não se desenrolaram apenas nas reuniões públicas, mas em pleno parlamento.
Papel exercido pela Igreja e pelo Exército no fim do Império
Nessa situação, a instituição monárquica se sentia abandonada. Os elementos nos quais podia se basear a abandonavam por diferentes motivos. Sobretudo a Igreja desempenhou aqui um papel decisivo, exigindo liberdades que lhe seriam essenciais, acusando o Estado de ser despótico por não permitir que se regesse pelas suas próprias leis, aqui se destacando o bispo do Pará e que queria a separação entre o Estado e a Igreja para que esta pudese agir de acordo com as suas próprias legislações.
Ao lado da Igreja, Oliveira. Lima acentuou o papel do exército, que se sentia neglicenciado sob o soberado que tinha um temperamento muito mais burguês do que guerreiro. Por motivos históricos, que Oliveira Lima remonta a 1831, criara-se uma incompatibilidade entre o espírito militar e aquele civil do regime político do Brasil. Esse desentendimento teria sido também uma das consequências desastrosas da campanha do Paraguai.
Outro fator salientado por Oliveira Lima foi o da insatisfação dos plantadores perante o trono que, de um lado acusado pelos abolicionistas como tépido, foi abandonado pelos fazendeiros arruinados pela falta de indenizações. Uma parte do país sofria mais do que outras de tal abandono. O norte atravessou uma crise econômica determinada pela baixa do preço do açúcar, e isso justamente na região onde, pela natureza tropical, a emigração branca tinha menos prosperado. No sul, uma ampla corrente de colonos européis , com o preço elevado do café, tinha antes condições de superar a falta de trabalhadores.
Segundo Oliveira Lima, numa das raras referências negativas a Dom Pedro II, concorda que este não tinha sido sob um único ponto de vista o sobeerano mais adequado para o Brasil durante o período de expansão que se seguiu à solução da crise econômica e social que pesava sobre o país desde a independência.
Progresso de espírito, progresso material, Brasil histórico e imigração
Muito atento ao progresso moral, Dom Pedro II tinha sido menos fervoroso relativamente ao progresso material. Era convencido da necessidade do progresso material, encorajando-o, mas não se mostrava suficientemente de acordo com o espírito positivo de sua época, e menos ainda disposto a encorajar os apetites de enriquecimento que constatava a seu redor.
Pessoalmente inimigo do luxo, inclinado a preferir a companhia de personalidades da inteligência, ainda que menos ricas àquelas de parvenus da riqueza e de mediocridades sem refinamentos intelecutais, não podia testemunhar simpatia por aqueles que nada mais sonhavam do que em transformações e opulências.
A sua desconfiança era tão grande perante mudanças bruscas que inplicavam em cortes de tradições nacionais que chegou a criar uma repulsa invencível por uma colonização por demais forte que poderia por em perigo o caráter de um velho Brasil, do Brasil histórico que tinha possibilitado o poder a seus antepassados e a pátria de sua dinastia.
Este, acreditava Oliveira Lima, era o único aspecto de um sentimento ou orgulho de estirpe, que parecia ser no fundo um tradicionalismo superior. Dom Pedro II, não obstante as suas atitudes democráticas, via o Brasil como um prolongamento do passado, um Brasil fortificado pela defesa consciente de suas glórias e pela vibração ininterrupta de suas dores.
A grande afluência de emigrantes, cuja assimilação, devido à diversidade de linguas e de raças surgia a seus olhos quase como impraticável, o preocupava como sendo um mal que devia ser evitado, não elogiado.
O país, porém, tinha necessidade de uma expansão, não colocando-se assim em harmonia com o sistema dominante. Desejava-se mais amplitude nos planos, mais realismo nos projetos.
A ação do poder executivo, que tinha até então contrabalanceado o vigor das tendências do Parlamento, foi desacelerada devido às sucessivas enfermidades do soberano, já não mais comparáveis com aquela do passado, marcada por incansabilidade e movimento.
A eloquência política tornara-se quase que selvagem, em superba rudeza, na energia nova com a qual se reveindicavam direitos populares, rebeliões de formas e destemidos julgamentos.
Ouvindo-se aqueles que o atacavam, o Império surgia como um conjunto de erros. As liberdades nunca tinham sido suprimidas, não se podendo sentir as suas faltas.Tendia-se a rebaixar os sucessos militares que o segundo Império procurara fazer melhor do que o primeiro,
Muito se discutiu sobre a sabedoria das constantes intervenções diplomáticas e armadas em Montevideo, a justiça da ingerência irritante nos negócios políticos da região de La Plata, a certeza da proteção dada aos interesses de nacionais.
Uma das primeiras idéias postas em questão no novo regime foi até mesmo a da restituição de troféus da guerra do Paraguai, uma idéia que não foi realizada pelo fato de ser o início da república marcada pelos mesmos militares, de modo que não poderia ser hostil às decorrências do passado. O exército tornara-se assim instintivamente o agente conservador que defendia a continuidade de tradições nacionais quando tudo se reunia contra o trono, quando a Igreja, a propriedade e o saber se recusaram a apoiá-lo.
De ciclos de estudos da A.B.E. sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo
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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A..„O Rio de Janeiro nos Estudos do Brasil na Europa. Formação Histórica da Nacionalidade Brasileira na Universidade de Paris (Sorbonne) em 1910.“ Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 153/12 (2015:01).http://revista.brasil-europa.eu/153/Nacionalidade-Brasileira.html