Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Bruxelas. A.A.Bispo 2015 copyright Arquivo A.B.E..


Bruxelas. A.A.Bispo 2015 copyright Arquivo A.B.E..


Bruxelas. A.A.Bispo 2015 copyright Arquivo A.B.E..


Bruxelas. A.A.Bispo 2015 copyright Arquivo A.B.E..


Bruxelas. A.A.Bispo 2015 copyright Arquivo A.B.E..

Bruxelas. Fotos A.A.Bispo 2015 ©Arquivo A.B.E..

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 153/7 (2015:1)
Editor: Profa. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2015 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Doc. N°3159





O saneamento do Rio, drenagens em Antuérpia e o saneamento de Bruxelas

Ciclos de estudos na Bélgica pelos 450 anos do Rio de Janeiro


Com agradecimentos à Biblioteca Real da Bélgica em Bruxelas

 
Canal do Mangue. H. Schueler 1911

Como poucas cidades do mundo, o Rio de Janeiro, na transformação urbana que marcou a sua fisionomia desde o início do século XX, foi em grande parte resultado da necessidade de saneamento e recuperação da salubridade.


A febre amarela que grassou no Rio de Janeiro desde a segunda metade do século XIX tinha prejudicado a imagem do Brasil, criado uma má reputação que necessariamente preocupava os representantes diplomáticos e aqueles empenhados na intensificação de relações comerciais e na imigração européia.


O saneamento da capital e a sua resplandecente metamorfose surgiam assim como fatos reais de extraordinária relevância para a propaganda do Brasil no Exterior, também e sobretudo a favor de seus interesses econômicos. Entre esses interesses incluia-se também o da propaganda destinada à obtenção de colonos europeus, corrigindo a imagem negativa do país que durante muitas décadas colocara obstáculos a emigrantes pelos temores que criava.


O pensamento em analogias - nem sempre pertinentes e mesmo hoje inadmissíveis - favoreceu a compreensão da cidade como organismo, que, no caso de infecções como o Rio de Janeiro, necessitava operações drásticas de extirpação de focos de doenças, readquirindo a sua saúde e vitalidade.


Compreendendo-se a capital como o coração do país, órgão de circulação, de palpitação e vida, a regeneração do Rio significava por extensão a saúde do Brasil, tornando-o capaz de realizar os seus desígnios de grandeza e poder, habilitando-o a em poucas décadas assumir no mundo o papel que cabia então aos Estados Unidos.


É compreensível, assim, que Manuel de Oliveira Lima (1867-1928), o Ministro Plenipotenciário do Brasil na Bélgica, não apenas utilizasse o conceito de evolução, de endogenia e filogenia em comunicações sobre o Rio de Janeiro em congressos internacionais, ou seja da recapitulação biogenética do evolucionismo de Ernst Haeckel (1834-1919) como também tratasse pelo que tudo indica em escrito publicado igualmente pela Mission Brésilienne d‘Expansion Economique de Antuérpia o tema do clima e da salubridade do Brasil.


Esse breve escrito poderia ser aparentemente desconsiderado, já que muito se sabia a respeito do Brasil em publicações geográficas da época, em particular na Alemanha. Êle assume, porém, uma relevância especial sob a perspectiva de estudos culturais, pois enquanto outros textos faziam parte de obras primordialmente científicas ou de erudição de geografia e conhecimentos de povos, este possuia um cunho oficioso, representando um documento do emprêgo da argumentos fundamentados cientificamente para fins de propaganda, de recuperação de reputação e boa imagem do país a serviço de objetivos práticos, econômicos e de promoção da emigração.


Essa publicação testemunha os estreitos elos entre a diplomacia brasileira sob M. de Oliveira Lima e os meios científicos, em particular da Geografia e das Ciências Naturais em geral. O desenvolvimento da Geografia na Bélgica era considerável, havendo sociedades para o seu estudo e promoção. É significativo que o Ministro Plenipotenciário do Brasil na Bélgica tenha participado - assim como o Vice-Consul de Antuérpia - de Congresso Internacional de Geografia em Genebra, em 1908, assim como realizado conferências em sociedades de Geografia da Bélgica.


Significado de temas de desenvolvimento urbano e saneamento na Bélgica


A necessidade de drenagem de terras alagadiças ao redor de rios foi um tema que marcou a história tanto de Antuérpia como de Bruxelas. Antuérpia, situada à extremidade de um estuário, ao qual converge o Escaut e seus dois afluentes, o grande Schyn e o pequeno Schyn, tinham sido no passado. O estuário não se abria diretamente ao oceano, tendo sido apenas pela mão do homem que os canais se tornaram navegáveis no decorrer da história, tornando Antuérpia um porto marítimo. As terras circunvizinhas eram pantanosas, não estando totalmente sêcas ainda na segunda metade do século XIX.


A cidade de Bruxelas, tornando-se capital do novo reino da Bélgica no século XIX, e com o desenvolvimento industrial do país, experimentou aumento de população e grandes transformações urbanas e trabalhos de saneamento. Encravada na bacia de Bruxelas, era cortada pelo rio Senne. A seu redor os terrenos baixos eram em parte pantanosos, insalubres, sujos, servindo de cloaca, colocando em risco a saúde pública e a qualidade de vida dos moradores.


O saneamento dessa região com a canalização do rio representou um ato de energia, uma retirada da cidade da várzea. A principal obra que continuou relembrar esse transformação foi o Jardim Botânico.


O Jardim Botânico de Bruxelas foi construido numa larga faixa de seis hectares entre duas portas da cidade, a de Schaerbeek e a de Colonia, substituindo um antigo jardim de doentes de peste que se situava numa baixada de várzea, com lagoas, arbustos, campos e hortas de verduras, e à qual descia um córrego.


O plano foi criado pelo arquiteto Charles-Henri Petersen (1792-1859), reelaborado posteriormente pelo fundador da Sociedade de Horticultura. A sua festa de inauguração deu-se em 1829. Em 1870, o Estado assumiu o Jardim, comprometendo-se a manter o panorama e a sua destinação como passeio público.


O monumental edifício do Jardim Botânico foi construído entre 1826 e 1829 segundo projeto do renomado arquiteto Tieleman Frans Suys (1783-1861) e P.-F. Gineste, tendo passado por reformas posteriores. O projeto permite que se reconheçam características das Orangeries do século XVIII. Marcado pela disposição simétrica de duas alas que terminam em pavilhões de cada lado de rotunda central, envidraçado, lembra a sua função original de abrigo e conservação de planas exóticas durante os meses de inverno europeu.


A transformação urbana de Bruxelas foi assim acompanhada por trabalhos de drenagem e saneamento, transformando-a numa cidade de jardins e parques, com praças, amplas vias e edifícios representativos, uma cidade da arte e da arquitetura.


„Des parcs, des promenades ombragées et de nombreux jardins, parmi lesquels un jardin zoologique et un jardin botanique, contribuent à l‘assainissement et à l‘agrément de la cité. Ses deux parcs principaux, celui de Laeken, au nord, et le bois de la Cambre, au sud, sont eux-mêmes de véritagles jardins botaniques par les essences diverses groupées à côté des plantes indigènes.“ (Elisée Reclus, Nouvelle Géographie Universelle IV: L‘Europe du Nord-Ouest, Paris: Hachette 1879, 119-120)


Brasil-Bélgica: Vitoria Regia como atrativo de Bruxelas


Bruxelas. A.A.Bispo 2015 copyright Arquivo A.B.E..

Um dos principais atrativos de Bruxelas no século XIX e início do XX era a pequena estufa com a Vitoria Regia no antigo Jardim Botânico. A estrutura de metal e vidro para abrigá-la foi construída em 1879 por Alphonse Balat (1819-1895, arquiteto de Leipoldo II (1835-1909). A água era ali constantemente mantida quente, possibilitando que as folhas da Vitoria Regia alcançassem dimensões gigantescas, de 2 metros de diâmetro, capazes de sustentar uma criança.


A Vitoria Regia constituia um dos atrativos de Bruxelas, sendo motivo de cartões postais, caracterizando singularmente a capital da Bélgica. 


A flor que nascia nessas terras aquosas ao lado do rio Senne, a iris, tornou-se até mesmo símbolo de Bruxelas. No Jardim Botânico, no lugar de um riacho que descia da pequena estufa com a Victoria Regia, numa pequena bacia de água, levantou-se a imagem lendária que se tornou mito de Bruxelas: o da virgem salva das águas.


A disposição do jardim e o tema da figura esculpida indicam sentidos poéticos da transformação de zona aquosa de várzea em jardim cultivado quando da instalação do Jardim Botânico segundo uma antiga imagem que possibilita amplas associações: a do levantamento das águas de uma jovem apresentado como ato de salvação.



Émile Auguste Joseph De Wildeman (1866-1947)


Oliveira Lima - e a colonia brasileira de Bruxelas em geral - mantinha contatos com Émile Auguste Joseph de Wildeman, diretor do Jardim Botânico. Desde 1891 atuava no Jardim Botânico Nacional, cuja direção assumiu em 1912.


Ainda que a sua especialidade era a da vida vegetal tropical na África, em particular da geo-botânica congolesa e das plantas medicinais ou úteis do então Congo Belga, os seus interesses abrangiam também a América do Sul, o que testemunhou com a sua obra Les phanérogames des Terres Magellaniques, de 1905.


A sua atenção ao uso medicinal de plantas e à Botânica Econômica vinha de encontro aos interesses da Missão Brasileira de Expansão Econômica, e em particular ao de M. Oliveira Lima quanto a questões de salubridade. E. De Wildeman foi um dos eruditos que estiveram presentes na histórica sessão de despedida de Oliveira Lima do serviço diplomático, em 1914. (Veja)


Coeficientes de mortalidade do Rio de Janeiro em comparação com outras cidades


A publicação da Mission Brésilienne d‘Expansion Economique, situada à Rue Leys, em Antuérpia, apresentava a cidade do Rio de Janeiro como exemplo de condições perfeitas de salubridade.


Em 1905, para uma população de 874.000 habitantes, ocorrera 14.663 falecimentos, o que dava um coeficiente de mortalidade de 16,7%. Os coeficientes de New York (18,3), de Paris (17,6), de Berlim(17,1) de Viena (19, 3), de Toquio (18,9) de S. Petersburgo (30,5) de Budapeste (19,2), de Nápoles (25,2); de Madrid (28), de Lisboa (23,1), de Roma (20,8), e de Atenas (30.9) eram assim superiores àqueles do Rio de Janeiro.


A febre amarela desaparecera totalmente. A varíola fora vencida pela vacina, aplicada em ampla escala. As estatísticas mortuárias do Rio de Janeiro registravam falecimentos devido à febre tifóide, à difteria e à tuberculose, entre outros motivos. Entretanto, o coeficiente de mortalidade pela febre tifoide era apenas de 5,3 por 100.000 habitantes o que colocava a cidade em condições identicas àquelas de Londres e de Berlim e inferiores às de Viena e de Estocolmo, onde o coeficiente era de 4,4 por 100.000 habitantes. Todas as demais cidades possuiam um coeficiente bem superior àquele do Rio de Janeiro.


Quanto à escarlatina, o coeficiente de mortalidade no Rio de Janeiro - de 0,4 em 100.000 habitantes - só era superado por Toquio, com 0,1, Cairo e Alexandria com 0,3. Londres tinha um coeficiente de 11,8, New York de 11,8, Berlim de 21, 2; Chicago de 15,8, Viena de 9,5, S. Petersburgo de 65.9 e Budapeste de 24,2. O coeficiente de mortalidade pela difteria era de 5,4 a 100.000 habitantes. Era assim o mais baixo de todas as cidades do mundo.


Aquele da tuberculose era de 304,8, e assim inferior ao de Paris, Chicago, Viena, S. Petersburgo, Havre e Atenas. Sob este aspecto, a cidade de S. Paulom com um coeficiente de 109,00 não tinha igual no mundo inteiro.


A mortalidade pelo câncer e outros tumores dava ao Rio de Janeiro um coeficiente de 27,1. Este era o mais baixo que se conhecia no globo.


Por curiosidade, indicava-se na publicação que o Rio de Janeiro tinha, em 1906, 178 pessoas de mais de 100 anos, o que representava um coeficiente de 0,22 por 1000, fato não observável em nenhuma outra parte do mundo.


A higiene do Rio de Janeiro e o reconhecimento de congresso em Berlim


Oferecendo razões objetivas fundamentadas cientificamente, a publicação servia à propaganda do Brasil e a interesses econômicos. A ciência era colocada a serviço de relações econômicas, de incentivo à emigração e colonização e da representação do país.


Pelo seu clima, salientava-se que o Brasil apenas podia oferecer vantagens a seus visitantes. Não tinha doenças endêmicas nem casos de patologia especial. Havia, certamente, como em todo país, doenças inevitáveis, o que a higiene podia vencer. Sob este aspecto, o Brasil não temia comparações com outros países, não somente devido ao coeficiente de mortalidade de suas cidades, como também pela higiene, o que tinha merecido ser reconhecido em recente congresso realizado em Berlim com a presença do Dr. Oswaldo Cruz (1872-1917).


De ciclos de estudos da A.B.E. sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo





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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A..„ O saneamento do Rio, drenagens em Antuérpia e o saneamento de Bruxelas.“
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 153/7 (2015:01). http://revista.brasil-europa.eu/153/Saneamento-do-Rio.html