Abertura e europeizações: Brasil e Madagáscar
ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

_________________________________________________________________________________________________________________________________


Índice da edição     Índice geral     Portal Brasil-Europa     Academia     Contato     Convite     Impressum     Editor     Estatística     Atualidades

_________________________________________________________________________________________________________________________________

Tamatave.Fotos A.A.Bispo 2015. Copyright. Arquivo A.B.E

Tamatave.Fotos A.A.Bispo 2015. Copyright. Arquivo A.B.E

Tamatave.Fotos A.A.Bispo 2015. Copyright. Arquivo A.B.E

Tamatave.Fotos A.A.Bispo 2015. Copyright. Arquivo A.B.E

Tamatave.Fotos A.A.Bispo 2015 . Copyright. Arquivo A.B.E

Tamatave.Fotos A.A.Bispo 2015 ©Arquivo A.B.E.

 

154/14 (2015:2)





Abertura ao Exterior e europeizações no Brasil e no Madagáscar
150 anos do decreto de abertura de rios brasileiros ao comércio mundial
e a política malgache sob Radama II (1829-1863)


Imigração, Estudos Coloniais e Colonialismo 2015
pelos 450 anos do Rio de Janeiro

Agradecimentos ao Arquivo Nacional das Seychelles e aos cooperadores em Maurício, La Réunion e Madagáscar

 
Tamatave.Fotos A.A.Bispo 2015 . Copyright. Arquivo A.B.E
No contexto dos estudos euro-brasileiros que se realizam pelos 450 anos do Rio de Janeiro, em 2015, veio à consciência que neste ano decorrre os 150 anos do decreto imperial que determinou a abertura do Amazonas e do São Francisco à navegação comercial de todas as nações para o 7 de setembro de 1867. Também os rios da bacia do Prata deviam ser liberados assim que terminasse a Guerra do Paraguai.


Como relatado em número anterior da Revista Brasil-Europa, a abertura de grandes rios brasileiros representou não só sob o aspecto econômico um marco de relevância na história das relações internacionais. Já na época reconheceu-se na Europa as dimensões e as consequências dessa abertura de regiões até então fechadas: como o Westermann‘s Illustrierte Deutsche Monatshefte (April 1867, 239) salientou, a abertura dos rios brasileiros equivaleria ao descobrimento de um novo continente, uma vez que abria vastos territórios ricos em produtos naturais ao comércio mundial, à especulação e ao povoamento.



O redator alemão - Adolf Glaser - expressava o desejo que também a navegação e o espírito de empreendimento alemão participasse nesse desenvolvimento.


Até o início da navegação a vapor, o Amazonas era uma espécie de paraíso fechado, e os governos anteriores tinham tomado precauções para impedir a navegação e a exploração estrangeira. Entretanto, as autoridades governamentais sob D. Pedro II tinham ganho a convicção de que o país devia abrir-se ao tráfego mundial, pois somente assim poder-se-ia atrair para o país a força e o capital de empreendedores estrangeiros. Por razões de política exterior relativamente aos paises americanos, esse ato ainda não tinha sido consumado; a superação de conflitos com vários países permitiam agora que a iniciativa surgisse como não coagida pelas circunstâncias, ou seja, de livre decisão do govêrno imperial.


Abertura no Brasil e no Madagáscar: concorrência de franceses e ingleses


No mesmo número que o Illustrierte Deutsche Monatshefte publicou esse artigo sobre a abertura do Amazonas, do São Francisco e o desejo que o mesmo acontecesse com os rios do sistema do Prata, o periódico publicou um texto sobre outras vias que uniam esferas do comércio até então separadas entre si, como sobre os planos de abertura de canal e de construção de estrada de ferro na Nicaragua, unindo o Atlântico e o Pacífico, um projeto que recebia impulsos com o progresso da abertura do Canal de Suez. („Eine Nicaragua-Bahn“, op.cit. 238)


Entre esses dois artigos, o periodico publicou significativamente um texto que tratava da abertura do Madagáscar aos europeus („Die Engländer und Franzosen in Madagáscar“, op.cit. 238-239).


O leitor reconhece aqui uma lógica no conteúdo dessa edição, uma vez que o texto sôbre o Madagáscar diz respeito não só à abertura aos europeus de regiões até então fechadas ao comércio mundial, o que permite paralelos com as medidas no Brasil, como também à navegação interoceânica - entre o Atlântico e o Índico e Pacífico, assim como às perspectivas que se abriam com o Canal de Suez, o que estabelece elos com o artigo sobre os projetos na Nicaragua.


A apresentação em sequência dos dois artigos estabelece também, ainda que de forma não explícita,  paralelos entre Radama II (1829-1863) do Madagáscar e D. Pedro II, uma vez que ambos os soberanos surgem como principais motores de uma abertura dos respectivos países aos europeus. O texto referente ao Madagáscar tematiza sobretudo a concorrência entre franceses e ingleses intensificada após a abertura do país sob Radama, o que pode aguçar a sensibilidade para o estudo de decorrências no Brasil.


O artigo baseava-se em obra então lançada de um oficial inglês, que oferecia dados a respeito dos esforços de ingleses e franceses em ganhar influência na corte de Madagáscar.


Radama II (1829-1863) e a concorrência de ingleses e franceses no Madagáscar


O reinado de Radama II (1829-1863), embora tenho durado apenas de 1861 a 1863, é considerado como decisivo para a história do Madagáscar por ter reaberto o país aos europeus, por permitir a ação de missionários e por desencadear assim um processo transformatório que culminaria após algumas décadas com o fim da monarquia e a instituição do regime colonial da França no país.


Radama II sucedera a sua mãe, a poderosa e temida rainha Ranavalona I. Esta, constatando as sérias consequências de mudanças culturais e sociais no país, desencadeadas pela ação de europeus, sobretudo de inglêses e da Sociedade Missionária de Londres sob Radama I, seguiu uma política de reação cultural, expulsando europeus e missionários, fechando o país ao estrangeiro.


Foi à época de Ranavalona que ali esteve Ida Pfeiffer (Veja), a mãe do pianista e compositor Oscar Pfeiffer, que se encontrava no Brasil e que elaboraria, no Rio de Janeiro, as notícias de sua mãe sobre a sua estada no Madagáscar para a publicação. (Veja)


Essa viajante, que foi acompanhada na sua aventura malgache pelo empresário francês Joseph-François Lambert, presenciou o prestígio que este inicialmente gozava na Côrte e a influência francesa na moda e em expressões culturais do país, apesar da política antes de fechamento e repressão das atividades missionárias de Ravalona.


Em país que possuia uma longa história de presença e influência francesa, e gozando Paris prestígio como centro mais avançado da cultura e da civilização, é compreensível que a rainha, querendo demonstrar a auto-suficiência e o estado avançado do Madagáscar, se orientasse pela França. A tentativa de sublevação contra Ranavalona encetada entre outros pelo seu filho Radama e por Lambert surgia assim necessariamente como ato de traição.


Ao assumir o reino, Radama II concedeu novamente permissão ao Cristianismo e à atuação atuassem no país, abrindo o país à influência e aos interesses europeus. Em trato com Lambert, concedeu aos franceses privilégios na exploração de terras, de recursos e projetos. Esse acordo, ainda que posteriormente revogado, foi ponto de partida de exigências francesas que levaram ao estabelecimento do protetorado e da transformação do Madagáscar em colonia francesa, em 1896.


O reino de Radama II representou com a sua abertura por um lado uma mudança na política malgache relativamente ao Exterior, não significou, porém, uma reviravolta quanto ao pêso da influência cultural francesa relativamente à inglesa no país.


Em golpe do Primeiro Ministro Rainivoninahitrioniony, Radama II foi destronado em 1863. A sua mulher, Rabodo, assumiu o trono sob o nome de Rasoherina sob a condição de governar a partir em acordo com os Hova, a classe dominante de malgaches, representados pelo Primeiro Ministro.


O assassinado do rei foi divulgado como sendo suicídio, sendo o seu corpo enterrado sem maiores cerimônios em Ilafy. Logo, porém, surgiram rumores que o rei sobrevivera - fato corroborado por estrangeiros. Segundo relatos incomprovados, teria vivido até idade avançada nas proximidades do lago Kinkony. Criou-se, assim, uma espécie de „mito Radama“.


A posição progressista de Radama em oposição à conservadora de sua mãe


Nascido como príncipe Rakoto, Radama II foi oficialmente reconhecido como filho do rei Radama I e de sua viúva Ranavalona I, ainda que o rei falecera mais de nove meses antes do seu nascimento. Cresceu sob a influencia de um amante da mãe, Andriamihaja, jovem oficial de tendências progressistas da armada Merina.


Tamatave.Fotos A.A.Bispo 2015. Copyright. Arquivo A.B.E
Após a subida ao trono de sua mãe e com a instauracão do regime de repressão com o objetivo de restaurar costumes e valores tradicionais, restringindo as atividades de estrangeiros, sobretudo no caso de ingleses, o príncipe passou a defender uma política contrária.


A prevalência dos ingleses e consequentemente de protestantes no Madagáscar provinha do reinado de Radama I (1788-1828), filho do quase que mítico Andrianampoinimerina. Rei do Madagáscar desde 1810, Radama I dera continuidade à unificação da ilha que, com o apoio britânico, foi consumado em 1824. Permitira a atuação de missionários e criou um regime inspirado no inglês.


Com a sua formação e a influência de Joseph-François Lambert, Radama II, entusiasmou-se pela cultura européia e pelo progresso na exemplaridade de Paris. Foi uma personalidade de formação intelectual e artística, sendo amante da música, fazendo-se acompanhar por instrumentistas europeus e atuando também como compositor. A esse respeito, o relato de Ida Pfeiffer organizado pelo seu filho no Rio de Janeiro em 1858 oferece importantes subsídios.


Em relato britânico, Lambert e a orientação francesa de Radama levou a que fosse assinado o contrato que permitiu o estabelecimento do controle francês no Madagáscar.


Já antes da morte da rainha, as facções conservadoras e progressistas na Corte haviam criado uma situação de tensões, sendo que os conservadores favoreciam o filho da irmã da rainha, enquando que o primeiro ministro e o chefe do exército, irmãos e progressistas apoiavam Radama II.  Subindo ao trono em 1861 e coroado em 1862, este deu início a uma rápida mudança política, abrindo o país ás potências européias e assinando tratados de amizade.


Declarou liberdade religiosa, terminou com a perseguição de cristãos, permitiu a vinda de missionários e a abertura de escolas. Deu liberdade àqueles aprisionados em guerras provinciais, procurou melhorar as relações com grupos étnicos da ilha, assim como as relações entre as cidades costeiras e Antananarivo.


Todas essas mudanças políticas - que não devem portanto ser confundidas com a orientação segundo a Inglaterra ou a França - foram registradas com satisfação na Europa como liberais, esclarecidas e humanas, de livre comércio e de liberdades civis. Essas reformas, porém, desestabilizaram relações na sociedade malgache, criando insegurança entre os conservadores e nobres (os Andriana) e os Hova, os homens livres da Corte.


Os privilégios concedidos a Joseph-François Lambert, inclusive o de projetos de obras públicas - abertura de vias, construção de canais - e à sua Compagnie de Madagáscar, permitiu que se tornasse proprietário de terras, até então vistas como sagradas de ancestrais. A intenção de legalizar duelos por parte de Radama teria sido um dos assuntos que levou ao golpe que o destronou. O Primeiro Ministro impediu que a lei fosse tornada publicada no zoma, o grande mercado malgache. O irmão mais jovem do Primeiro Ministro, chefe do exército, prendeu vários membros da família real e, a seguir, executou um número de personalidades líderes da política.



A situação na Corte do Madagáscar após Radama II descrita no texto alemão


Os ingleses e os franceses, principais atores da influência européia no Madagáscar, exercida há décadas sobretudo por missionários, protestantes e católicos, passaram a competir de forma intensa após o assassinato de Radama através da oferta de presentes às autoridades.


Os ingleses procuravam ganhar influência através de presentes mais valiosos do que aqueles dos franceses. Levaram ao Madagáscar assim uma grande bíblia, um guarda-chuva em vermelho-escarlate, um vaso de prata dourada, pocais, uma espingarda Wilkinson, um uniforme completo de marechal de campo, um retrato da rainha da Inglaterra em tamanho real e uma coleção de instrumentos musicais para um conjunto de 25 pessoas.


A coexistência e mútua influência de costumes tradicionais e europeus, já existente do passado, intensificou-se. Sabe-se, do relato de Ida Pfeiffer, que mesmo sob o regime conservador da antiga rainha, dominava na Corte um uso prolixo e singular de modas e tendências, sobretudo francesas. A própria rainha projetava trajes e danças com base em gravuras e ilustrações européias, tendo porém os seus súditos liberdade para invenções e modificações.


Com a abertura sob Radama II, compreende-se a situação descrita no texto alemão, segundo a qual reinava na Côrte uma mistura de „barbárie“ malgache e costumes europeus. O rei era saudado e louvado a modo europeu, mas ao lado do trono encontrava-se um vaso no qual todo o malgache que tinha a permissão de apresentar-se atirava meio dólar.


Os cortesãos usavam uniformes, mas muitos traziam chapéus de couro de boi, dos quais os malgaches comiam e bebiam quando viajavam. As damas apresentavam-se em ricos costumes das mais brilhantes cores, com coroas e flores artificiais nos cabelos, algumas até mesmo com crinolinas, mas sapatos e meias não eram muito apreciados - e todos tomavam rapé.


No primeiro dia, os membros da embaixada inglesa, como ainda não tinham sido apresentados, não puderam ir à igreja, na qual o missionário inglês William Ellis (1794–1872) (Veja) fazia uma pregação ao rei. Radama II exigira que tanto a embaixada inglesa quanto a francesa fizessem uma visita à sua amante Mary. Essa exigência já tinha sido registrada por Ida Pfeiffer durante a sua estadia.


Os militares da embaixada nem tinham ainda bem saído do Madagáscar quando estourou uma revolução. O rei Ramada foi destronado e assassinado. Segundo o texto alemão, a rainha Rabodo e os nobres do reino tinham conjurado contra o rei. Para ganhar o povo, difundiu-se o boato que Radama pretendia lançar uma lei que permitia o duelo.


Os reais motivos tinham sido, porém, segundo o texto, para a rainha, o amor do seu esposo para com Mary, e para os nobres, o fato de dar preferência a círculos mais jovens do seu convívio, que com êle bebiam e o lisongeavam.


Da atual rainha reinante, que tinha concedido consideráveis privilégios aos Hova, a Inglaterra já tinha conseguido um contrato comercial que facilitava a exportação de Madagáscar à ilha Maurício, então sob a administração inglesa. (op.cit. 239)




De ciclo de estudos da A.B.E.
sob a direção de

Antonio Alexandre Bispo




Todos os direitos reservados

Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A.(Ed.). „Abertura ao Exterior e europeizações no Brasil e no Madagáscar. 150 anos do decreto de abertura de rios brasileiros ao comércio mundial e a política malgache sob Radama II (1829-1863)“.
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 154/14 (2015:02).http://revista.brasil-europa.eu/154/Abertura_e_europeizacoes.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2015 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Academia Brasil-Europa
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
reconhecido de utilidade pública na República Federal da Alemanha

Editor: Professor Dr. A.A. Bispo, Universität zu Köln
Direção gerencial: Dr. H. Hülskath, Akademisches Lehrkrankenhaus Bergisch-Gladbach
Corpo administrativo: V. Dreyer, P. Dreyer, M. Hafner, K. Jetz, Th. Nebois, L. Müller, N. Carvalho, S. Hahne
Corpo consultivo - presidências: Prof. DDr. J. de Andrade (Brasil), Dr. A. Borges (Portugal)