Águas do Atlântico, do Índico e Maria
ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Tamatave. Fotos A.A.Bispo 2015. Copyright. Arquivo A.B.E..

Tamatave. Fotos A.A.Bispo 2015. Copyright. Arquivo A.B.E..

Tamatave. Fotos A.A.Bispo 2015. Copyright. Arquivo A.B.E..

Tamatave. Fotos A.A.Bispo 2015 . Copyright. Arquivo A.B.E..

Tamatave. Fotos A.A.Bispo 2015. Copyright. Arquivo A.B.E..

Tamatave. Fotos A.A.Bispo 2015. Copyright. Arquivo A.B.E..

Tamatave. Fotos A.A.Bispo 2015. Copyright. Arquivo A.B.E..


Nosy Be e Tamatave. Fotos A.A.Bispo 2015 ©Arquivo A.B.E..

 

154/7 (2015:2)



Águas do Atlântico, do Índico e Maria
Notre Dame de Flots em Ambatoloaka e Nossa Senhora de Copacabana


Imigração, Estudos Coloniais e Colonialismo 2015
pelos 450 anos do Rio de Janeiro

Agradecimentos à igreja Nossa Sra. de Lourdes dos Missionnaires de Marie Immaculée em Tamatave/Toamasina
visitada na festa de 2 de fevereiro



 

Ambatoloaka. Nosy Be. Fotos A.A.Bispo 2015. Copyright. Arquivo A.B.E..
O fato de ser Madagáscar uma ilha, marcado pelas águas de suas muitas baías e por encontrar-se em região de passagem de navegantes a caminho e de retorno do Oriente, explica o significado devoção mariana nas suas relações com a água, o mar e a luz.


Os navegadores europeus eram confrontados no Cabo das Tormentas com as tempestades e os perigos desses mares e do Canal de Moçambique. Uma denominação como „Baixos da Índia“ nos antigos mapas indicam dificuldades colocadas à navegação nessa região do Índico. A redenominação do Cabo das Tormentas como Cabo da Boa Esperança pode ser visto como expressão da devoção a Maria, tão venerada como „Nossa Senhora da Esperança“ ou da „Boa Esperança“ à época dos Descobrimentos.


Ilha constantemente assolada por ciclones, era passada à distância, oferecendo, porém, no seu litoral recortado, baías que possibilitavam o rebastecimento de naves com água e víveres, assim como abrigo e proteção e trato com os seus habitantes, servindo também como antros de piratas e corsários.


Aqueles que vinham da Índia de retorno a Portugal no século XVI, também temiam passar pelas então chamadas ilhas de São Lourenço. A viagem de Goa até alcançar Moçambique e de lá a do dobramento do Cabo era acompanhada de perigos e temores, de intepéries e enfermidades, de orações e o sucesso da viagem visto como sinal da proteção divina.


Um documento significativo desse significado da fé nas viagens por essa região do Índico é carta de um jesuíta, o Pe. Gaspar Barzeu, que, de Goa, escreveu a seus confrades em Coimbra no dia 13 de dezembro de 1548. Descrevendo a viagem que realizara, menciona as práticas religiosas - também da música - nas naves em direção ao Oriente e as dificuldades da passagem pela ilha de São Lourenço. O religioso relata como, em certo trecho, á noite, viram uma luminosidade, que o piloto supôs ser uma estrela, o mestre, porém, ali reconheceu os perigos colocados por uma rocha ou por outro acidente que se não tivessem sido vistos a tempo poderiam ter levado a que o navio se despedaçasse. Em outra ocasião, navegando diante de ilhas, quase que se perderam na nebulosidade que reinava. Também aqui, porém, o Senhor salvou-os, mostrando o quebrar das ondas nas pedras. (Documentação para a História das Missões do Padroado Português do Oriente: India IV 1548-1550, Lisboa: CNCDP 1992, 158).


Ambatoloaka. Nosy Be. Fotos A.A.Bispo 2015 . Copyright. Arquivo A.B.E..

É compreensível, assim, que nessa região de grandes perigos para a navegação, os marinheiros, os viajantes e os religiosos que se dirigiam ou vinham da Índia pedissem a proteção de Maria que, segundo antiga linguagem de imagens constantemente renovada na ladainha, tinha, entre as suas invocações, a de „Estrela do Mar“.


É justamente essa imagem que se encontra em louvores a Maria em carta do Pe. Gaspar Dias, enviada de Goa no dia 30 de setembro de 1567, onde menciona-se os perigos da região da ilha de São Lourenço pelas „certas infirmidades e mortes, como acontece aos que por la vão“, agravados pelo fato de que, nessa etapa da longa viagem, água e mantimentos já se iam tornando poucos. (Documentação para a História das Missões do Padroado Português do Oriente: India X 1566-1568, Lisboa: CNCDP 1995, 218 ss, 230-231).

A intensidade da devoção mariana no Canal do Moçambique e nas águas do Índico em geral se manifesta nas várias designações geográficas que levam o nome de Maria. Antiga representação de Moçambique no contexto do mapa da África de Joan Blaeu (1596-1673) (Veja) indica que os portugueses deram o nome de Maria a um cabo ao sul de Madagáscar. e o nome de ilha de Santa Maria na sua parte oriental atravessou os séculos até o presente.

De Portugal à França: mudanças na recepção do culto mariano

A predominância da presença francesa no Madagáscar, cujo primeiro marco histórico foi a fundação de Fort Dauphin no século XVII no âmbito da Compagnie des Indes orientales, (Veja) levou à vinda de marinheiros e comerciantes que consigo traziam formas de expressão do culto mariano contextualizadas na França, em particular nas suas grandes cidades portuárias.

Também nelas a linguagem de imagens relacionada com Maria sempre foi profundamente marcada pela simbólica das naves e das viagens marítimas. As muitas pequenas barcas devotadas à „Nova Barca“ que se encontram em igrejas de cidades portuárias francesas explicam a transplantação de tradições francesas do culto mariano ao Madagáscar. Essas expressões não diferiam no seu conteúdo teológico do portuguesa, possuiam porém outras referenciações contextuais.

Com a implantação do regime colonial francês em Madagáscar em fins do seculo XIX, intensificou-se o culto mariano com a presença em grande número de marinheiros e militares franceses. Tradições mais antigas, conservadas em comunidades de pescadores, relacionaram-se pelo que tudo indica com formas mais recentes de expressão trazidas pelos marinheiros. Esse desenvolvimento pode ser corroborado na devoção a Notre Dame des Flots em Ambatoloaka.

Devoção a Notre Dame des Flots em Ambatoloaka




Ambatoloaka, na ilha de Nosy Be, hoje local de turismo, foi no passado um porto de pescadores, ali venerando-se Maria como protetora da vida do mar nas suas principais festas com práticas tradicionais, entre outras com procissões marítimas.


Em Nosy Be estabeleceram-se franceses no século XIX antes do que em outras regiões do Madagáscar à procura de um porto que pudesse substituir Port Louis em Maurício, que passara então ao poder britânico.


O significado da pequena igreja de Ambatoloaka foi intensificado com a atuação da catequistas, entre êles B. Helene, Hoaza, Botsy e M. Michael a partir de 1961. Levantou-se uma capela solidamente construída, ainda que relativamente pequena, com uma representação de Maria na barca no centro da baía de Nosy Be.


A dedicação dessa capela a Notre Dame des Flots, merece uma particular consideração. Trata-se de uma invocação que surge em capelas francesas de cidades portuárias do século XIX, como em Sainte-Adresse na Seine-Maritime, construída em proteção aos navegantes e em memória daqueles desaparecidos, e que é conhecida pelas muitas ofertas em forma de barcos que possui. A invocação a Notre Dame des Flots permanece viva no presente, como o demonstra a igreja construída no Cap Ferret em substituição de uma mais antiga em local de cruz levantada em 1868 em memória de náufragos.


A devoção a Notre Dame des Flots pode ser constatada em outras regiões extra-européias de passado colonial francês, como em Québec, no Canada. (Veja)


Esse culto a Nossa Senhora encontra correspondência em designações portuguesas vivas no Brasil como Nossa Senhora dos Navegantes, Nossa Senhora da Boa Esperança, da Boa Viagem ou Nossa Senhora das Candeias. Esta última pode ser estudada em paralelos com as tradições marianas do Rio de Janeiro com a sua Nossa Senhora da Candelária e as grandes festas marianas nas suas praias.


Para além dos fundamentos mais remotos do culto mariano no Madagáscar, este deve ser considerado nas suas formas de expressão do século XIX, época da
restauração católica na França.


Assim como no Brasil, difundiu-se no Madagáscar o culto a Nossa Senhora de Lourdes, para o qual levantaram-se grutas de pedras ao lado de igrejas. Este também é o caso da capela de Notre Dame de Flots de Ambatoloaka ou, em especial, da grande gruta ao lado da igreja de Nossa Senhora de Lourdes em Tamatave, o porto de entrada da capital do país.


A restauração católica na França e suas extensões no Madagáscar


A presença francesa no Madagáscar, em particular após instauração do regime colonial em fins do século XIX com os seus postos da Marinha trouxe não apenas formas de culto mariano próprias da tradição marítima francesa como de correntes de ensino e vida religiosa de ordens francesas inseridas no movimento da restauração católica. Pelas atividades educativas, pode-se salientar as Irmãs Filhas de Maria de Saint Denis da Réunion, mantenedoras do Colégio Santa Teresa do Menino Jesus em Tanatave.



Uma das congregações francesas que hoje desempenham relevante papel no Madagáscar é significativamente aquela dos Missionnaires Oblats de Marie Immaculée. Essa congregação remonta a Charles Joseph Eugène de Mazenod (1782-1861), cujo culto é hoje incentivado na ilha.


Nascido em Aix-en-Provence, de família vinculada ao Antigo Regime, vivenciando o exílio durante a Revolução Francesa na Itália, compreende-se que tenha-se tornado futuramente um vulto da época da restauração. Realizou estudos no Seminário St. Sulpice, foi consagrado sacerdote em 1811, tornando-se diretor do Seminar St. Sulpice após a saída dos Sulpicianos.


Ainda que de origem nobre, percebeu que a recatolização de um país que vivenciara a Revolução Francesa e a época napoleônica deveria partir da população mais pobre, portadora ainda de tradições religiosas. A sua experiência na terra natal, onde fundou uma congregação de jovens e atuou entre fiéis de modesta condição social no dialeto local, marcou a sua orientação pastoral e a dos Missionários da Provence. Essa congregação por ele fundada, dedicava-se à recatolização da população rural, em parte através de missões populares.


Em 1841, Eugène de Mazenot, já como bispo de Marselha, auxiliou Mons. Ignace Bourget (1799-1885), de Montréal, na procura de missionários para o Canadá, o que explica os estreitos elos desse desenvolvimento do catolicismo restaurativo francês com Montreal e Quebec, iniciando a sua extensão a outras partes do mundo marcadas pela cultura francesa. (Veja)


Em Marselha, Eugène de Mazenot foi um dos grandes promotores do culto mariano, tendo-se perenizado em muitas igrejas, em particular da catedral de la Major e da Basílica Notre-Dame de la Garde, um dos principais monumentos arquitetônicos e artísticos que testemunham a linguagem de imagens marítima do culto mariano da Europa. (Veja)


Polonia-Madagáscar. Estabelecimento dos Missionnaires Oblats de Marie Immaculée no passado recente


A nova fase de intensificação do culto mariano remontante à restauração francesa mas já transformado sob as novas tendências do Concílio Vaticano II deu-se através da Polonia. Em 1980, estabeleceram-se no Madagáscar quatro padres poloneses da Congregação dos Missionnaires Oblats de Marie Immaculee.


A orientação missionária da ordem é expressamente a de estar presente entre os pobres, objetivo adequado na situação de pauperidade do Madagáscar. Nesse objetivo, o procedimento de Eugène de Mazenot no contexto de restauração católica da França a partir da população mais simples e pobre adquire uma nova atualidade e outras conotações. Os missionários procuram empenhar-se a partir da realidade da vida, que no caso do Madagáscar é em primeiro lugar o da pobreza.


Um dos anelos defendidos é que essa pauperidade de um dos países mais pobres do mundo não se transforme em miséria.


A pobreza material não é vista como impecilho à riqueza interna do homem, mas sim, pelo contrário como uma possibilidade de deixar transparecer o Humano.


Nesse sentido, a congregação procurou locais dos mais difíceis e isolados para a sua atuação, primeiramente em Marolambo, na parte sul de Tamatave e, no caminho de Marolambo, em Ambinanindrano. Mahanoro, onde passaram a atuar em 1986, tornou-se centro de irradiação e auxílio a outras missões.


A ação missionária passou a desenvolver-se também nos bairros mais pobres e abandonados da cidade de Tamatave. Em 1988, foi confiado aos missionários a paróquia de Nossa Sra. de Lourdes dessa cidade. Nas celebrações comemorativas de 2000, construiram uma nova igreja paroquial em Fianarantsoa, dedicada significativamente a São Eugene de Mazenod.


Os Oblatas passaram a atuar não só no hospital e na prisão de Tamatave, mas também na universidade. Criou-se um centro audivisual, o OMIFILM em Fianarantsoa e o „Apostolado do Mar“ para a pastoral marítima. Criou-se um noviciado em Ambinanindrano, e, em 1996, o Pré-Noviciado em Tamatave.



Dimensões culturais do princípio do partir da realidade - espíritos e culto a ancestrais


Tendo como princípio o partir da realidade, os missionários são confrontados com a intensidade do culto dos ancestrais no Madagáscar, importante parte de sua cultura.


Concepções, práticas e observâncias relacionadas com a morte, o sepultamento, túmulos e com o desenterramento de mortos após alguns anos continuam marcar a vida mesmo de cristãos.


Dando continuidade à tradição, práticas e compreensões de fiéis revelam um contínuo contato com o mundo dos espíritos, com comunicações entre a vida neste mundo e no das sombras, concepções profundamente enraizadas culturalmente.


A procura das possibilidades de „inculturar“ o cristianismo em cultura assim marcada determina em grande preocupações teológicas. O Madagáscar - a „Lemúria“ - revela uma intensidade de concepções e práticas de comunicação e intercessões de espíritos que parece até mesmo superar aquela conhecida do Brasil. Estudos comparativos entre os dois contextos, o malgache e o brasileiro, impõem-se.


Desenvolvimentos paralelos de procedimentos pastorais entre os dois países determinam similaridades. Uma delas pode ser constatada sob o aspecto musical, como pode ser testemunhado em cantos de grupos femininos carismáticos de Tamatave.


A atuação de Missionaires Oblats de Marie Immaculée no Brasil, em particular junto a indígenas e pobres do Nordeste estabelecem outras pontes entre o Brasil e o Madagáscar, apesar da diferença de contextos.


De ciclo de estudos da A.B.E.
sob a direção de

Antonio Alexandre Bispo




Todos os direitos reservados

Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A.(Ed.).„ Águas do Atlântico, do Índico e Maria.
Notre Dame de Flots em Ambatoloaka e Nossa Senhora de Copacabana“. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 154/7(2015:02).http://revista.brasil-europa.eu/154/Atlantico_Indico_e_Maria.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2015 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Academia Brasil-Europa
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
reconhecido de utilidade pública na República Federal da Alemanha

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