A Guanabara no Madagáscar?
ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Diego--Suarez, Madagascar. FotosA.A.Bispo 2015. Copyright.Arquivo A.B.E.

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Diégo--Suarez, Madagáscar. FotosA.A.Bispo 2015 ©Arquivo A.B.E..

 
Diego--Suarez, Madagascar. FotosA.A.Bispo 2015. Copyright.Arquivo A.B.E.

Diego--Suarez, Madagascar. FotosA.A.Bispo 2015. Copyright.Arquivo A.B.E.
Pelos 450 anos do Rio de Janeiro, a A.B.E. promoveu um ciclo de estudos em Antsiranana/Diégo Suarez no norte do Madagáscar. O significado dessa cidade para estudos culturais em contextos globais referenciados pelo Brasil justifica-se pelo fato de ser a baía na qual está situada frequentemente comparada com a da Guanabara e por possuir também um Pão de Açúcar na baia dominada pela „montanha dos franceses“. (Veja)

Essas impressões visuais e associações múltiplas no impacto daquele que, vindo pelo mar, entra na grande baía, faz com que o Rio de Janeiro seja sempre recordado em Diégo Suarez.

Esses evocações e comparações não são recíprocas, pois no Brasil pouco se conhece o nome do importante porto malgache - ninguém pensa em Diégo Suarez ao ver a paisagem do Corcovado.

Diego--Suarez, Madagascar. FotosA.A.Bispo 2015. Copyright.Arquivo A.B.E.

A constante presença do Rio de Janeiro nessa baía do Madagáscar faz com que a região e a cidade surjam como favorável ponto de partida para estudos de paralelos e relações entre o Brasil e o Madagáscar.

Diego--Suarez, Madagascar. FotosA.A.Bispo 2015. Copyright.Arquivo A.B.E.
Este significado da baía e da cidade aprofunda-se quando se toma consciência de ser Diégo Suarez nome de dois navegadores ou de um navegador galego da grande época das viagens dos descobrimentos portugueses e que o seu descobrimento remonta ao mesmo ano daquele do Brasil: 1500. (Veja)
Diego--Suarez, Madagascar. FotosA.A.Bispo 2015. Copyright.Arquivo A.B.E.

Sendo o estabelecimento de elos entre Antsiranana/Diégo Suarez e o Rio de Janeiro resultado de impressões visuais e de comuns associações emblemáticas do Pão de Açúcar no Atlântico e no Índico, oferece-se a leitura da paisagem e da cidade malgache como caminho para uma primeira aproximação aos estudos culturas Madagáscar/Brasil.

Diego--Suarez, Madagascar. FotosA.A.Bispo 2015. Copyright.Arquivo A.B.E.

Entrando na cidade, porém, o observador externo que evoca o Rio ao entrar na baía de Diégo Suarez nada reconhece que pudesse ser comparado com o Rio de Janeiro. Essa absoluta falta de semelhança entre as duas cidades não significa que uma leitura da cidade malgache não possa introduzir estudos culturais que procurem desvendar e analisar relações entre o Brasil e o Madagáscar.

Diego--Suarez, Madagascar. FotosA.A.Bispo 2015. Copyright.Arquivo A.B.E.

Também nesse contraste entre a impressão visual da paisagem, à distância, e aquela que se ganha ao percorrer a cidade pode-se ver similaridades: na literatura de viagens há constantes referências de viajantes que, extasiados ao entrar na baía da Guanabara, decepcionaram-se e chocaram-se ao entrar na cidade.

O Rio de Janeiro que se oferece ao mundo como a imagem que o marcou e que também determinou aquela do Brasil, foi sobretudo o da cidade reconfigurada no início do século XX, nos anos anteriores à Primeira Guerra Mundial. (Veja)

Como empreendimento do regime republicano instalado por golpe militar em 1889, a remodelação portuária, urbanística e arquitetônica foi expressão de concepções e anelos que, de forma crescente, vigoraram nas últimas décadas do século XIX, fundamentados sobretudo na propagação de visões do mundo evolucionistas. Conceitos condutores foram aqueles da ontogenese, filogenese e recapitulação biogenética que, procedendo das ciências naturais, foram aplicados à cidade. (Veja)

Esse desenvolvimento coincidiu no Brasil com época da história cultural marcada pela predominância da influência francesa. Paris surgia como modêlo por excelência da cidade que, já remodelada à época do Barão Haussmann (1809-1891), representava o coração de uma nação que se impunha como culminância da cultura e civilização. (Veja)

Paris nos trópicos X cidade militar e colonial da França no Índico

O visitante de Diégo-Suarez confronta-se com uma cidade implantada pelos franceses na mesma época, também representativa do poderio francês no mundo, não porém segundo o modêlo de Paris, mas de uma arquitetura militar e colonial de nação que então expandia e consolidava o seu império colonial nas regiões extra-européias.

Trata-se de exemplo de cidade portuária implantada por interesses estratégicos do mundo colonial francês, da marinha e do estabelecimento de colonia francesa no Madagáscar. É uma cidade que até passado recente foi marcada por marinheiros, oficiais e soldados da Legião Estrangeira.

O tratado francês-malgache de 1885, criando o protetorado da França, garantiu a posse da baia de Diego-Suarez e dos territórios que o circundavam. A aquisição desse local deu à França uma das chaves do oceano Índico e a conseguinte posse do Madagasgar. Logo deu-se início a trabalhos para a criação de um porto de abrigo para a frota francesa no Índico e um vasto arsenal.

Ao mesmo tempo, lançaram-se as bases para o desenvolvimento de uma cidade francesa como centro de colonização. Construída assim para militares e para cumprir objetivos de domínio de mares, adquire assim significado para a história do planejamento urbano nas suas relações com a estrategia militar e com a política colonial européia do século XIX, em particular da França.

No início da presença francesa, havia na baía apenas um povoado constituído por algumas dezenas de cabanas, com habitantes muito pobres, remontante à secular mas obscura história da localidade. Os franceses instalaram-se primeiramente na Dordogne, o ancoradouro de navios, passando o primeiro comandante superior a residir no novo estabelecimento.

Os franceses levantaram o quartel dos soldados, construído pelos residentes da Dordogne e pela tropa, com restos da carga de um navio naufrado em Tamatave.

No Cabo Diégo instalou-se o arsenal, com hospital, quartel, fortes e depósito de carvão. Ao lado dessa cidade militar, projetou-se uma vila comercial que devia substituir o povoado malgache.

Os estudos urbanísticos referentes a Diégo Suárez, já em considerável número, salientam a dupla vocação local, a de cidade militar e a civil com funções comerciais. (Veja)

Recepção de Diégo-Suarez na França - comparações com a baía de  Brest

É significativo que nessa época de implantação colonial, o naturalista francês M. de Kergovatz, no relato de uma estadia de uma semana em Diégo-Suarez, tenha comparado a sua baía e o Pão de Açúcar na „baía dos franceses“ não primordialmente com o Rio de Janeiro, mas com uma francesa, a de Brest („Une semaine à Diégo-Suarez: Madagáscar“, Le Tour du Monde LXV/21, 1893, 321 ss).

„Entramos na baia a toda velocidade, pois a costa sul é perfeitamente segura. Passamos ao baixo do local onde logo se elevará um farol que é reclamado por todos os marinheiros. Nesse local, não se passa a mais de 500 metros ao largo. Nossa cidade estende-se pela costa sul do canal, onde os rochedos, cobertos de vegetação rasteira e retorcida pelo vento, já se encontram guarnecidas com longos parapeitos, (...) sobre os quais se movimenta uma armada de operários. São as baterias que devem tornar impenetrável o arsenal da França no Oceano Indico. Na ilha da Lua, ao pé de uma coluna que serve de ancoradouro, já se começa a levantar outras baterias. (...) 

A baia, onde todas as frotas do mundo poderiam manobrar, foi comparada a todas as baias célebres. Segundo a minha opinião, é com a de Brest que ela possui mais analogia. Como ela, acessível somente por um estreito canal, é dividida em duas por uma quase-ilha. Os estabelecimentos que ali foram criados terão relativamente aos de Brest a vantagem de serem localizados no sul da área, abrigados contra o vento dominante.

Entramos a todo o vapor na baia, passamos a ilha aux Aigrettes, onde um sinal marca o lugar reservado a um farol (....). Á esquerda, ao fundo da baía dos franceses, se levanta a curiosa ilhota do Pão de Açúcar, coberta de árvores até o cimo. Já estava diante de nós, quase que entre duas baías, a vila e Antsiranane, cabeça da nossa colonia, e a vila de Diégo, entre as quais se abre a baía de la Niévre. (op,cit. 321-322, tradução)

Diversidade étnica e cultural na cidade em febre construtiva: „mélange ethnographique“

O crescimento da cidade civil foi resultado da vinda, a partir de 1895, de malgaches de diversas regiões do país, atraídos pelas possibilidades de trabalho criadas pela presença da marinha francesa. Tornou-se uma cidade marcada pela diversidade de grupos populacionais e culturais, tanto derivado dos marinheiros, militares e comerciantes europeus, como pelos trabalhadores malgaches das mais diversas regiões e grupos étnicos, dos Hovas do tipo malaio e dos Sakalava, além de indianos do Malabar vindos da Réunion e de Maurício, e daqueles da China, do mundo árabe e da África, assim como de mestiços islamizados das Comoras.

O cientista francês, no citado Le Tour du Monde, salienta a diversidade étnica e cultural de Diégo-Suarez à época da construção da colonia.

„Mais les Antaimours ne sont pas les seuls manoeuvres á Diégo-Suareza. Voici les Makois, anciens esclaves venus de la côte d‘Afrique, les Anjouanais et Camoriens mêlés d‘Arabes et de noirs, grands, au type presque européen, malgré la couleur foncée de leur peau. Vêtus de longues robes en lambeaux relevées autour des reins, ils travaillent sans ardeur et s‘arrêtent volontiers pour causer (...). Puis sont les Indiens malabars venus de la Réunion, les Hovas au type malais, enveloppés dans leurs lambas blancs semblables à des toges, et coiffés de vastes chapeaux de paille à fond rapporté, du plus bizarre effet; les Sakalaves, des Chinois, des Européens au teint coloré, à la démarche vive; toutes les races de l‘ile et du monde semblent s‘être donné rendez-vous dans les rues marchandes de Diégo-Suarez pour y compliquer encore l‘étennant mélange ethnographique que présente Madagáscar. (op.cit.)

De local de piratas e negreiros a colonia: problemas sociais e política colonial

Para trazer à consciência não só a extraordinária diversidade étnica e cultural da colonia nascente e o „cruzamento de todas as raças da Índia, África e Europa“, mas também a excepcionalidade desse desenvolvimento sob o pano de fundo do passado do Madagáscar, o autor lembra que o país tinha sido durante séculos ilha de encontros de corsários, piratas e negreiros que se aproveitavam da navegação comercial das Índias Orientais.

En effet, à part quelques nobres hovas qui ont évidemment gardé pur le sang malais de leurs ancêtres, et quelques noirs assez fraichement débarqués de la côte africaine, je crois qu‘il serait impossible de trouver une seule tribu où ne soient croisées toutes les races de l‘Inde, de l‘Afrique et de l‘Europe. Qu‘on songe que pendant quatre siècles Madagáscar a été le rendez-vous de tous les corsaires, négriers ou pirates qui exploitaient les flottes des Indes Orientales!“ (op,cit. 323)

A assim registrada dinâmica resultante do encontro e das interações de diferentes grupos populacionais de todos os continentes implicava porém em problemas sociais, evidenciados na criminalidade acentuada com a facilidade de aquisição de armas e agravados com o alcoolismo e as drogas.

Essa situação levantava dúvidas no observador francês quanto à política colonial. Deveria ser esta conduzida segundo objetivos exclusivamente pragmáticos de expansão e de defesa de interesses econômicos e estratégico, ou deveria ser guiada por ideais humanos e sociais? Como conciliá-los?

Je ne sais trop, (...) comment concilier ces vues philanthropiques avec l‘idée que l‘on se fait en France de la vraie politique coloniale. Créer à tout prix des débouchés pour notre commerce et notre industrie, cela est très bien, mais l‘alcool, l‘opium, le poison, les armes de guerre, doivent-ils être librement! (op.cit.326)

Dependendo financeiramente apenas das taxas de alfândega, o comércio de Diégo-Suarez levou a imposição de altos tributos a serem pagos à entrada e à saída da cidade, o que levou a que os navios comerciais passagem a utilizar-se do porto de Ambodivahibe, controlado pelos Merina.

Segundo especialistas franceses, dever-se-ia assim declarar Diego Suarez porto franco para todas as mercadorias, excetuando-se as bebidas alcoólicas, cujas taxas deveriam ser usadas para trabalhos de melhoria de condições sanitárias e hospitalares. Com essa medida, poder-se-ia assim talvez conciliar os dois objetivos mencionados pelo cientista francês: o dos interesses econômicos e estratégicos da França e aquele de ideais humanitários e sociais.

Interesses militares e civís e desenvolvimento de uma nova cidade comercial

Esses problemas que se colocavam à política e à administração colonial nos primeiros anos do estabelecimento francês em Diègo-Suarez diziam respeito a tensões entre interesses militares e civís e sua solução exigia a obtenção de recursos financeiros para o desenvolvimento satisfatório da sociedade que ali se formava. Uma nova fase do desenvolvimento da urbe foi possibilitada com a vinda do primeiro governador civil para o território em 1887.

Para vencer os problemas que se colocavam, o governador concentrou os serviços civis então também na área militar em Antsirinane, utilizando-se de taxas para estabelecer melhoramentos da cidade situada no planalto. Mesmo assim, a cidade civil ficava atrás da cidade militar, que apresentava grandes instalações para a artilharia, casas particulares bem construídas e outras comodidades. Essa predominância militar acentuou-se com a transformação de Diégo-Suarez em ponto de apoio da frota francesa no Índico.

Apenas a partir de 1905 surgiram maiores possibilidades para o fortalecimento da autoridade civil e da cidade comercial, alcançando esta um ponto de florescimento e de brilho na mesma época em que o Rio de Janeiro se transformava, tendo o seu porto reformado, a cidade comercial derrubada e vastas áreas reurbanizadas. (Veja)


Reordenação espacial de Diègo-Suarez em cotejos com o Rio

As referências quanto aos planos de ordenação de Diègo-Suarez à época de sua implantação sob a égide colonial da França auxiliam ainda hoje a leitura da cidade, podendo ser nela reconhecidos.

A antiga povoação era a baixa, junto ao ancoradouro, entre a praia e a íngreme encosta que levava à parte alta, em terrenos aquosos e pouco salubres, focos de febres. Era constituida apenas por pobres construções e cabanas, mas que muito se desenvolvera com a chegada de trabalhadores de diferentes proveniências.

Era essa cidade que os europeus primeiramente encontravam, surpreendendo-se com a sua movimentação e com as más condições urbanas e de moradia, em particular com as de higiene e saúde. Tropas, funcionários, comerciantes e moradores ali se comprimiam em pequeno espaço. Ali chegavam as pirogas em época na qual uma duna não permitia que navios encostassem no cais. Era marcada por terrenos aquosos e pouco salubres.

Essa cidade estava destinada a ser posta abaixo, concentrando-se os planos de ordenação urbana na parte alta, onde nos primeiros anos, ainda sob o regime militar, não era permitido construir, ali havendo apenas dois redutos de defesa.

A demolição e o saneamento desse antigo centro foram acompanhados por trabalhos de melhoria no porto, cortando-se a duna, abrindo-se canais e novas ruas. Esses trabalhos - quase que à mesma época daqueles no porto e no antigo centro comercial do Rio - não puderam, porém, impedir que essa cidade baixa continuasse a ser a zona menos salubre de Diégo-Suarez.

A cidade que se implantou na parte alta, plana e espaçosa, seguiu claros princípios racionais que indicam a influência do pensamento militar.

Abriram-se largas ruas, que se cruzavam em ângulo reto, e levantaram-se casas que obedeciam a critérios ordenadores e que ainda hoje conferem uma unidade à fisionomia da cidade: as casas e as lojas do andar inferior são recuadas relativamente à rua por passagem coberta no térreo e varandas no superior.

Essa solução apresentava a vantagem de proteger os comerciantes e os moradores do calor, possibilitando sombra e, com as suas grandes portas e janelas, ventilação. Apenas algumas casas se destacavam dessa urbanização uniformemente planejada.

Nesse novo centro, ao longo de ruas que levavam ao cáis e à praça do correio, estabeleceram-se sobretudo comerciantes europeus - franceses, indianos, gregos, italianos.

Também aqui o pesquisador lembra desenvolvimentos no Rio da época, onde - guardadas as proporções - os novos quarteirões que passaram a ter o seu eixo na Avenida foram marcados pela internacionalidade de suas casas comerciais.

Também essa cidade comercial nova experimentou em Diègo-Suarez uma rápida expansão. Como o naturalista francês no seu relato salientou, era surpreendente para aquele que desembarcava e que pensava que a cidade baixa já era importante pela sua movimentação ver uma colonia tão nova estender-se sobre o plantalto quase que a perder de vista, onde belas residências em pedra ou em madeira, com varandas sustentadas por elegantes colunas.

O naturalista francês registrou com admiração a febre construtiva em Diégo-Suarez. Por todo o lado observavam-se casas em construção; só numa avenida podia-se contar vinte novos edifícios. Por todo o lado viam-se atividades e sinais de uma prosperidade que surgia como quase que incrível, sabendo-se a cidade atual não existia há mais do que desde sete anos. Ela contava então com ca. de 5000 habitantes, sem a guarnição, que era de um milhar de homens. O conjunto da colonia possuia ca. de 15.000 habitantes. Tudo dava a impressão de um país em pleno crescimento, progresso e prosperidade

Vida cultural: marinheiros e comerciantes, bandas de música, instrumentos e dança

As características da implantação de Diégo-Suárez, analisadas sob a perspectiva do urbanismo e da arquitetura, abrem caminhos para estudos de sua vida cultural. O significado de sua consideração ultrapassa os limites de interesse local e regional, uma vez que a colonia, como mencionado, se transformou em centro de múltiplas interações sociais e culturais de grupos populacionais de todo o país e de outros continentes. Estudos de processos culturais inter-e transculturais, como iniciados e promovidos pela A.B.E., possuem em Diégo-Suárez significativo objeto de observações e análises.

Também nos estudos culturais oferece-se como critério básico aquele que parte dos princípios militares do estabelecimento, passando a considerar o crescimento populacional e a sua diversidade na cidade baixa e o desenvolvimento urbano da cidade alta, civil, predominantemente de comerciantes europeus, cuja vida social e cultural correspondia ao rápido progresso e prosperidade da colonia.

A predominância militar, em particular da marinha francesa, explica o significado da música de banda na colonia.

A prática de banda no Madagáscar não era recente, possuindo já uma tradição de décadas. Tinha sido iniciada com a vinda de um músico europeu por ordem real e que formara muitos instrumentistas. A música de banda em Diègo-Suárez representou uma nova fase nessa história, novos repertórios e instrumentos.

Um objeto de atenção deveria ser também o da introdução de instrumentos e músicas de marujos e soldados, cantos tradicionais do mar e música popular da passagem do século, explicando-se assim a ampla difusão de certos instrumentos no Madagáscar, entre outros o acordeão.

A cidade comercial de Diégo-Suárez, com os seus prósperos comerciantes europeus, sugere a necessidade de consideração mais diferenciada da recepção de música e dança de salão no Madagáscar. Também aqui não se tratava de um novo desenvolvimento, pois já há décadas cultivava-se na Corte danças européias como quadrilhas, polcas e schottischs, fato registrado em meados do século XIX por Ida Pfeiffer (1797-1858) (Veja).

Essa viajante descreveu também as características singulares de execuções, passos e posturas, que, assim como os trajes, apesar de basearem-se em modêlos europeus, passavam por transformações decorrentes de improvisações e invenções recriadoras. Deve-se partir, no caso de Diégo-Suárez, que em sociedade de comerciantes europeus recém-chegados, introduziram-se novos repertórios e danças da moda da passagem do século que diferiam na prática de execução e na sua realidade sonora daqueles recebidos há décadas atrás.

Não corresponderia à nova época da colonia francesa, marcada por espírito de progresso e receptivo de novos desenvolvimentos, música e dança recorrente à recepção européia do passado, de décadas nas quais quadrilhas, polcas e schottischs tinham sido de moda. Nas suas referências à música do povo, de tradições populares e regionais, pertenciam essas a outros tempos, mais remotos do século XIX. Essas, com características que assumiram com as transformações por que passaram, passaram a ser vistas como tradicionais, cultivadas por habitantes do pais, não pelos recém-chegados da Europa ou de outros continentes.

Essa visão das decorrências explica o fato singular e surpreendente à primeira vista, que músicas e danças hoje apresentadas como tradicionais ou folclóricas lembram expressões sonoras e coreográficas de country dances conhecidas de outros contextos, seja da América do Norte, seja até mesmo do Brasil. Nessas apresentações consideradas como folclóricas, em trajes, gestos, instrumentos musicais e textos, estabelecem-se relações lúdicas com a própria vida rural resultante de recepção européia de meados do século XIX, de período assim anterior à tomada de posse colonial do país pela França.

Um aspecto que deve ser considerado nos estudos de processos em relações globais é o da influência da presença de marujos, legionários e trabalhadores de outras regiões e países na vida de características mundanas de bares, albergues e casas de prostituição. O pesquisador pode aqui partir de resultados de estudos já realizados no contexto do Atlântico, em particular em Mindelo, no Cabo Verde. (Veja)


Assim como Mindelo, também Diégo-Suárez teve a sua importância determinada por uma posição geográfica favorável ao abastecimento de navios em viagens transoceânicas. Se no passado o abastecimento de água e víveres nas ilhas podia ser feito em estadias curtas, o desenvolvimento da navegação a vapor passou a exigir instalações para o depósito de carvão. Estas, por sua vez, exigiam mãos-de-obra. (Veja) Nesse sentido, com funções similares respectivamente no Atlântico e no Índico, Mindelo e Diégo-Suárez podem ser considerados em cotejos quanto a desenvolvimentos e problemas sociais e culturais, apesar da diferença de contextos.


Uma cidade marcada por nostalgia da época do ouro: chanson „C‘est à l‘Hôtel des Mines“


A época de apogeu de Diégo-Suárez descrita nos relatos coloniais pertence há muito ao passado. Dele restam como testumunhos construídos, alguns edifícios de interesse histórico-arquitetônico, mansões e prédios comerciais. Essas construções e o seu estado em grande parte arruinado emprestam á cidade um cunho decadente, uma atmosfera marcada por nostalgia e saudosismo, apesar da movimentação comercial que marca o seu centro urbano.

A maior e mais impressionante ruína de Diego Suárez traz à lembrança um outro fator de significado no desenvolvimento da cidade: o da época do ouro. Trata-se do Hotel de la Marine, construido por Alphonse Mortages, o descobridor das minas de ouro d‘Andavakoera, chegado a Diégo em 1897.

O edifício Hotel des Mines foi por várias décadas a maior e mais representativa construção da cidade. Vendido em 1925 à Marinha francesa, tornou-se hotel da Marinha ou „Hotel Marine“. Assumido em 1975 pela Marinha malgache, passou a abrigar famílias e viajantes, função que cumpriu até à década de 80. Destruído pelo ciclone Kamisy, dele restaram hoje apenas ruínas.

Mesmo nessas condições, a construção permite que se reconheça as referências orientais do seu estilo, representativo da arquitetura de conotações exóticas européia e sua por vezes paradoxal recepção no próprio mundo extra-europeu.

O estilo mourisco da arquitetura, porém, não deve ser visto como corpo estranho no contexto histórico-cultural malgache nas suas relações com a Europa. A recepção do mourisco através da via francesa no Madagáscar é muito mais antiga. Ela foi também registrada por Ida Pfeiffer na Corte de Antananarive em meados do século, que a percebeu justamente na dança considerada como das mais representativas do país e do Índico em geral: a sega. (Veja) Estabelecem-se assim, inesperadas relações entre essa expressão e a realidade construída do Hotel da Marinha, ainda que de época posterior.

O Hotel de Minas ou da Marinha, com a sua decoração refinada e o seu amplo pátio interno, debruçado sobre a baía, foi o principal e mais belo da cidade e talvez do mundo colonial francês em geral. Tornou-se legendário para viajantes e militares que transitavam pelo Índico, por ali serem recebidos com especial deferência em ambiente marcado por refinamento e conforto.

A sua imagem foi marcada musicalmente por uma chanson, „C‘est à l‘Hôtel des Mines“, popular a partir de 1925.


De ciclo de estudos da A.B.E.
sob a direção de

Antonio Alexandre Bispo




Todos os direitos reservados

Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A.(Ed.)„A grande baía malgache com o Pão de Açúcar e sua cidade. A Guanabara no Madagáscar?“.
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 154/2(2015:02). http://revista.brasil-europa.eu/154/Guanabara_no_Madagascar.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2015 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


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Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
reconhecido de utilidade pública na República Federal da Alemanha

Editor: Professor Dr. A.A. Bispo, Universität zu Köln
Direção gerencial: Dr. H. Hülskath, Akademisches Lehrkrankenhaus Bergisch-Gladbach
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154/2 (2015:2)



A grande baía malgache com o Pão de Açúcar e sua cidade
A Guanabara no Madagáscar?



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