Amirante e Mascarenhas: dimensões de nomes
ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 155

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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N° 155/2 (2015:3)



Amirante e Mascarenhas: dimensões de nomes
As ilhas do Índico nas navegações, descobrimentos e missões dos portugueses
- combate ao Islão e a conversão do rei das Maledivas sob D. Pedro de Mascarenhas (ca. 1484-1555) -


Colóquio nos Arquivos Nacionais das Seychelles
em prosseguimento a trabalhos da A.B.E. no Brasil e na Índia


 

No mundo insular do Índico, a presença do português se faz presente em denominações de várias ilhas, entre elas a do conjunto insular das Mascarenhas e da ilha Rodrigues, assim como a das ilhas Almirante. Nem sempre se reconhece a permanência desses nomes portugueses no Índico, uma vez que os termos surgem em mapas, textos geográficos ou turísticos em versão francesa ou inglesa, sendo os mais divulgados Mascareignes (em alemão Maskarenen) e Amirante.

Na cartografia mais antiga, a profusão de nomes em português das ilhas do Índico torna-se particularmente evidente. Este é o caso da „Africae nova descriptio“ de Guiljelmo Blaeu, onde encontra-se os denominações de Ilhas do Mascarenhas e Ilhas do Almirante, além de várias outras designações portuguesas como Baxas dos Banhos, Juan de Nova, Ilhas do Corpo Santo, Ilha de S. Francisco, Abrolhos, as Sete irmãs e os Três Irmãos.


Há uma situação singular nessa presença de nomes portugueses nas ilhas do Indico, uma vez que nelas não se fala o português, mas sim antes o francês e o inglês, para além do criolo e outras línguas. Por esse motivo, pouca atenção tem sido dada ao mundo insular índico nos estudos relacionados com Portugal e com o Brasil, uma vez que a atenção tem sido por demais marcada pela lusofonia.

Tornar-se necessário modificar essa situação, pois delimita e impõe obstáculos à análise de processos culturais. Como vem sendo discutido e salientado no âmbito dos estudos euro-brasileiros - em particular no debate relativo à designação do ISMPS - o uso do português como língua científica não implica na categorização do objeto dos estudos culturais como sendo lusófono. (Veja)

Há contextos e desenvolvimentos marcados pela ação portuguesa e comunidades derivadas da emigração lusa cujos membros já não falam o português e que não podem deixar de ser considerados nos estudos de processos culturais referenciados segundo Portugal, Brasil e outros países lusófonos e versados em português, como é o caso do Havaí (Veja).

Esse direcionamento da atenção a processos - não a uma cultura lusófona como objeto de estudos - adquire particular atualidade para o estudo adequado de comunidades de imigrantes portugueses e brasileiros inseridos em dinâmica integrativa nos Estados Unidos, no Canadá e em vários países europeus.

No caso das ilhas Amirante e Mascareignes, a situação que se oferece é ainda mais complexa, pois a historiografia não registra presenças mais duradouras ou mesmo atividades de colonização de portugueses.

Tem-se, assim, o fato aparentemente estranho de que nomes portugueses designem ilhas e arquipélagos que foram marcados por relações históricas, políticas e culturais com outras potências européias, com a Índia e outros países, não porém primordialmente com países de língua e formação portuguesa.

Não é por essa razão, porém, que se deva considerar a permanência dessas designações apenas como resquício sem maior significado de indicações cartográficas de remoto passado.

As referências a vultos da história das navegações portuguesas ou a datas de seu descobrimento pelos europeus perpetuam momentos e contextos nas interações entre o Ocidente e o Oriente, atualizando constelações geo-culturais e sistemas referenciais que já não mais existem, como, no caso, aquele da Índia Portuguesa. A consideração do espaço índico representa uma exigência para os estudos referenciados segundo o Brasil, uma vez que o país foi descoberto e colonizado por país que foi dirigido ao Oriente - não ao Ocidente, como a Espanha.

Diálogos sobre a inserção de ilhas do Índico na história da expansão portuguesa

Esse significado da designação portuguesa de ilhas do Índico foi, consequentemente, um dos aspectos discutidos em encontro de pesquisadores da A.B.E. nos Arquivo Nacionais das Seychelles na abertura dos trabalhos euro-brasileiros levados a efeito nesse país, assim como em Maurício e  La Réunion em 2015. (Veja)

Para as Seychelles, é justamente a designação de Almirantes ou Amirantes a um conjunto insular de suas „ilhas de fora“ (Outer Islands) o que permite da forma mais evidente a consideração do país nas suas inserções mais remotas na história da entrada européia no Índico.

Um país que devido à sua formação colonial pouca atenção tem merecido na pesquisa marcada pela ótica portuguesa dos Descobrimentos, surgindo como distante de questionamentos e do desenvolvimento das reflexões, adquire com as Amirantes um significado excepcional, pois traz à lembrança nada menos do que o nome de Vasco da Gama (ca. 1469-1524), o descobridor do caminho das Indias.

Consequentemente, lembrou-se nos diálogos as reflexões voltadas às possibilidades de uma aplicação de perspectivas culturológicas nos estudos dos Descobrimentos que marcaram o colóquio internacional levado a efeito pela A.B.E. e por instituições portuguesas em São Paulo por motivo da passagem dos 500 anos do feito de Vasco da Gama, em 1998. (Veja)

Entre os muitos aspectos desses estudos que, complementando aquele de fontes e mesmo ultrapassando preocupações da historiografia convencional encontram-se aqueles relativos à imagem e à memória de Vasco da Gama na sua irradiação nas várias regiões do globo, como considerado a seguir em ciclo de estudos desenvolvidos pela A.B.E. em Cochim. (Veja)

Dando continuidade a essas reflexões, o fato do nome de Vasco da Gama estar perpetuado no seu título de Almirante nas ilhas Amirante das Seychelles foi alvo de particular atenção no encontro dos Arquivos Nacionais desse país.

Nesse encontro, lembrou-se que o nome do grupo de ilhas é explicado como remontante a seu descobrimento por Vasco da Gama em 1502.

Neste ano, D. Manuel I concedeu a Vasco da Gama o título de Almirante do Mar das Índias. A denominação das ilhas segundo esse título pode ser vista como sinal do significado atribuído ao título, e que representava, do lado português, possivelmente uma reação à nomeação de Cristóvão Colombo (1451-1506) como Admiral do Oceano pelos soberanos espanhóis.

A viagem de 1502, a quarta das grandes navegações, foi antecedida também por protestos de Vasco da Gama quanto à entrega do seu comando a Pedro Álvares Cabral (1467-1520), que havia descoberto o Brasil em 1500.

A viagem no âmbito da qual Vasco a Gama passou pelas ilhas que se chamariam de ilhas do Almirante e posteriormente Amirante, foi feita por grande frota de 21 naves armadas e na qual tomaram parte vários de seus familiares, entre êles, em posições de comando, o seu primo Estêvão da Gama e o seu tio Vicente Sodré, além de Brás Sodré e Lopo Mendes de Vasconcelos.

No Índico, o empreendimento demonstrou o seu caratér militar no campo de tensões que já se agravara com a entrada dos portugueses em esfera de interesses econômico-comerciais de árabes e indianos através da implantação de pontos de apoio em esfera dominada por muçulmanos da África Oriental, entre outros em Sofala.

Dificuldades do estudo de fontes e de referenciação: Amirante e Mascarenhas

No encontro nos Arquivos Nacionais de Seychelles, considerou-se o fato singular criado pela história colonial posterior de ter pertencido as Seychelles no período colonial à Maurício, ali se encontrando grande parte das suas fontes históricas, de modo que as Amirante, atualmente pertencendo a seu território nacional, surgem referenciadas segundo as Mascarenhas.

Às Mascarenhas pertencem a atual Maurício, antiga Ile de France, hoje país independente ao qual também faz parte a ilha Rodrigues, bem como La Réunion, um Departamento do Ultramar francês. Situam-se ao oriente do Madagáscar, na esfera sudeste do Índico, a sul do arquipélago das Maledivas, este no cone sul da Índia, delas porém muito afastadas.

A Maurício pertence o atol de Agaléga, alem de Cargados, Carajos (Saint-Brandon), sendo que Maurício também reclama o domínio do atol de Diego Garcia, ainda sob administração britânica e ocupado por uma base militar americana.

O nome português Mascarenhas abrange assim ilhas de diferentes situações político-culturais da atualidade, não só um país independente como também um estado da própria França, uma „Europa“ no Índico.

Essas diferentes situações explicam-se também aqui por desenvolvimentos da história das navegações, do comércio e da colonização nas suas relações com as potências européias concorrentes da França e da Inglaterra. Colonizadas sobretudo pelos franceses, possuem em geral um fundo cultural francofone, ainda que Maurício tenha estado desde o início do século XIX até à sua independência sob a égide britânica, mantendo o inglês como lingua oficial.

A denominação das Mascarenhas do arquipélago índico traz à consciência o fato de terem sido portugueses os descobridores das ilhas para o Ocidente. O termo se refere a Dom Pedro Mascarenhas, vulto da história militar, política e diplomática portuguesa do século XVI. É a êle que se atribui o descobrimento das ilhas no início do século XVI em 1513, havendo porém incertezas quanto a datas.

Ilhas do Dodo?

Apesar de terem sido designadas segundo o nome de Dom Pedro de Mascarenhas, as respectivas ilhas já surgem indicadas no mapa de Cantino, de 1502.

Mesmo que esse registro tenha sido resultado de cópias de algum mapa árabe, em todo o caso demonstra que já se tinha notícia de sua existência, mesmo que não tivessem sido ainda alcançadas.

Também atribui-se ao português Diego Fernandes Pereira o descobrimento das ilhas, que teria ocorrido em 1507. Elas foram por êle denominadas de Ilha do Cerne, ou dos cisnes. Essa denominação seria  ou derivada do nome da nave - o que parece improvável - ou uma referência ao pássaro não-voador Dodo, hoje extinto, e que é ainda na atualidade figura emblemática das Mascarenhas, em particular de Maurício.

A designação das ilhas segundo Dom Pedro de Mascarenhas confirma-se na cartografia a partir de 1620, ou seja, de época bem mais tardia. Esse fato parece indicar ter-se aqui expressão de um procedimento de erudição na historiografia, ou seja, de uma atribuição a posteriori . Esse problema historiográfico seria similar àquele discutido com relação à designação de Diego Suarez no Madagáscar (Veja).

Pelo que se conhece, os portugueses não estabeleceram colonia nas Mascarenhas, utilizando as ilhas apenas para o provimento de água e víveres nas longas viagens no Oceano Índico. Esse fato teria ocorrido apenas esporadicamente, uma vez que os navios preferiam antes outras rotas, mais favoráveis, não se desviando tanto das costas da África. Teriam sido porém os portugueses que ali introduziram animais de fora, como porcos, reses e mesmo macacos, o que causou profundas modificações na fauna regional.

Entrada dos portugueses em esfera dominada por muçulmanos

A perenização no mundo insular do Índico desses nomes da história da Índia portuguesa, das lutas contra o Islão, da expansão missionária jesuítica e da intensificação do fervor religioso no decorrer do século XVI nas suas implicações em processos culturais não deve sugerir que essa região oceânica não tivesse sido conhecida antes da chegada dos portugueses.

A questão desse conhecimento anterior do Índico foi tratada por motvio dos 500 anos da descoberta da rota maríma da Índia por Vasco da Gama (G. Bouchon, „L‘Ocean Indien à l‘époque de Vasco da Gama“, Mare Liberum 1, 1990).

Esse artigo procurou trazer à luz alguns aspectos pouco conhecidos e que possibilitaram novos olhares da história da conquista na Áisa.  De início, salientou-se uma diferença essencial entre as áreas geográficas da expansão portuguesa. As navegações de alto mar no Atlântico, eram somente feita por europeus. Entrando no Oceano Índico, os portugueses penetraram numa esfera maritíma organizada através de séculos por sociedades mercantis estruturadas.

Se a India foi o objetivo das expedições portugueses,  foi por que ela era o centro vital do Oceano Índico, no cruzamento de rotas marítimas que ligavam os continentes. 

Dois lances contrarios dirigiam as velas vindas do Mar da China, do Oriente Médio e da Africa. No século IX, quando os árabes empreenderam as primeiras viagens transoceanicas até Cantão, foi nas costas e ilhas da India que faziam escala para esperar ventos favoráveis para o Extremo Oriente.

Segundo G. Bouchon, tanto as fontes orientais como as européias do século XV são consideráveis e definem o quadro de uma região na qual os portugueses entraram . Salientando-se no estudo a diversidade e as peculiaridades das fontes históricas, lembra-se que o Oceano Indico é rico de vestigios arqueológicos, epigráficos e numismáticos, mas pobres de textos manuscritos. Destruidos pela humidade do clima tropical, aqueles da Asia do Sul não são conhecidos a não ser a partir de cópias apócrifas. Os arquivos melhor conservados encontram-se no Oriente Medio, no Egito e na Arábia.

Pedro de Mascarenhas (ca. 1484-1555)

O nome de Dom Pedro de Mascarenhas nas ilhas que teriam sido por êle descobertas perpetua um nome de militar, empreendedor comercial e defensor de interesses portugueses e da Cristandade no secular combate ao Islão e diplomata de especial brilho da história portuguesa do Oriente.

De família de tradições, posses e influência política, Pedro de Mascarenhas foi um homem imbuído da consciência de sua estirpe e de missão na ação portuguesa justificada pelo combate aos infiéis.

Tendo adquirido experiência no comércio de especiarias no Norte da África, transpôs o campo de tensões norte-africano ao Leste da África, também aqui região e confronto entre cristãos e muçulmanos. As suas viagens marítimas foram possibilitadas pela Casa da India, instituição fundada em 1499 e e dedicada à promoção do desenvolvimento econômico, comercial e colonial português com as regiões contatadas.

Descobrimento na procura de um caminho mais curto às Índias

Pedro de Mascarenhas serviu na esquadra de D. Garcia de Noronha (1480-1540), terceiro Vice-Rei da Índia, vulto de primeira grandeza na história da Índia Portuguesa, de renome pelas suas conquistas. (Veja)

Encontrando-se na esfera do Cabo da Boa Esperança, Pedro de Mascarenhas, ao tomar conhecimento, em 1510, de uma sublevação na região de Goa, tomou a iniciativa de formar uma esquadra para ir em auxílio dos portugueses na India. Em lugar de seguir ao longo da costa africana como de costume, atravessou a região pelo oceano, descobrindo o arquipélago que traz o seu nome, assim como o atol Diego Garcia.

O descobrimento deu-se conjuntamente com Diogo Rodrigues, sendo que o sobrenome deste último ficou vinculado à ilha respectiva de Rodrigues, hoje pertencente a Maurício. Teria sido Diogo Rorigues que deu o nome de Pedro de Mascarenhas ao arquipélago.

Atividades no Oriente, no Norte da África e na Europa - Vice-Rei da Índia

As suas atividades posteriores levaram-no à Malaca, onde foi capitão-mór entre 1525 e 1526. Dando continuidade a seu empenho militar no Norte a África, tomou parte de uma expedição a Tunis, em 1535 .

Na política e diplomacia européias, distinguiu-se sob D.João III (1502-1537) como embaixador português em Bruxelas, junto a Carlos V (1500-1558), e em Roma.

A nomeação a Vice-Rei da índia deu-se em 1554, sucedendo ao vice-rei D. Afonso de Noronha, e antecedendo o período do governador Francisco Barreto (1555-1558).

Importante mediador na ação dos jesuítas no mundo português

A imagem que transmitem as fontes apresentam Dom Pedro de Mascarenhas como um homem marcado pelo período de brilho manuelino, amante da representação, da pompa e da riqueza na representação de Portugal no mundo, ao mesmo tempo, porém, atuando já sob o signo diverso da época de D. João III, como personalidade de intenso fervor religioso.

Nos estudos contextualizados da história da ação jesuítica em processos culturais em regiões extra-européias, D. Pedro de Mascarenhas adquire significado pelo papel que desempenhou no estabelecimento de contactos com os jesuitas, entre êles com Francisco Xavier (1506-1552) e Simão Rodrigues (1510-1579), este último de particular relevância para o Brasil.

Diogo Rodrigues, como comandante do forte de Goa e governador de Salsete, correspondeu à política de intensificação religiosa da época mandando destruir em 1567 os templos hindus e pagodes.

A chegada de D. Pedro de Mascarenhas como Vice-Rei em Goa, registrada na correspondência jesuítica, testemunha os seus estreitos elos com a Companhia, uma vez que veio acompanhado por dois missionários, o Padre Francisco Vieira e Diogo do Souveral.

„A 25 de Setembro, chegou o senhor Dom Pedro Mascarenhas que vinha por viso-rey e em sua companhia o Padre Francisco Vieira e Diogo do Souveral, com que nos alegramos muito no Senhor; no collegio e fora tem os pares as ocupaçõis acustumadas, e toos se ocupão em o que a santa obedientia lhe ordena.“ (Carta do irmão Aires Brandão aos irmãos a Companhia de Jesus em Portugal, Goa, 23 de Dezembro de 1554“, Documentação para a História das Missões do Padroado Português do Oriente, Índia V, 382 ss., 392).

Em carta do próprio Vice-Rei ao Padre-Mestre em Portugal, tem-se um testemunho pessoal do empenho de D. Pedro de Mascarenhas pela ação dos jesuítas na Índia e pelo colégio ali instalado. Apoiava também através de „esmola de especiarias“ empreendimentos da Companhia em Portugal. Nessa sua carta, nunciava que naquele ano ia um padre da Companhia com outro companheiro à Etiópia por que parecia-lhe ser necessário acudir aos portugueses que ali estavam a serviço do Preste, que não eram poucos e que não tinham assistência sacerdotal. Era necessário também descobrir aquela terra e com o seu bom exemplo de vida, começar a ganhar a vontade do Preste para a vinda do Patriarca e seus companheiros.

„O seu collegio de São Paulo achei desbaratado de padres, polos muitos que Nosso Senhor foy sirvido de levar pera si; não fui tão ditozo que alcançasse ver o Padre Mestre Francisco nesta terra, pelo muito que me aproveitara falar com elle; consolo-me em saber que estara em parte donde milhor nos podera a todos ajudar.“ (Carta do Vice-Rei D. Pedro Mascarenhas ao Padre Mestre Mirão, Goa 7 de Janeiro de 1555, op.cit VI, 9-10)

Conversão do rei das Maledivas e intervenção de portugueses na política insular

O nome de Mascarenhas ao conjunto de ilhas do Índico perpetua a lembrança de uma época particularmente marcada pelas tensões entre cristãos e muçulmanos nessa esfera do globo e de intensificação das atividades sistemáticas de missionação cristã.

Esse desenvolvimento poderia ser visto como uma extensão ao Oriente da situação de confronto religioso-cultural no Norte da África e esta como resultado de uma luta secular de expulsão dos muçulmanos da Península Ibérica no contexto da Reconquista cristã do Ocidente.

Assim como no Ocidente e nos primórdios dos empreendimentos portugueses na costa norte da África no século XV, a conversão de muçulmanos ao Cristianismo sempre foi das mais difíceis - senão quase impossíveis - tarefas dos intentos missionários.

Assim como no Ocidente no caso de régulo Djolof no século XV, sucessos na conversão de muçulmanos em posições de influência podem ser explicados por situações de tensões nas suas respectivas terras. Procurando apoio militar dos europeus, o batismo surgia como pressuposto para a obtenção desse apoio. Um tal sucesso era motivo de júbilo e grandes festas por parte dos portugueses, pois esperava-se de um líder assim convertido a cristianização do seu povo ao retornar com a ajuda portuguesa.

O caso da conversão do régulo Djolof no século XV repetiu-se na Índia à época de D. Pedro de Mascarenhas com relação ao batismo do rei das Maledivas. Essas ilhas situadas ao sul do cone continental da Índia, são até hoje conhecidas pelo rigor do Islão ali praticado e pela repulsa decisiva de outras religiões. A conversão daquele que era designado como sendo o rei das Maledivas não podia deixar de ser visto como um ato de extraordinário significado para os portugueses na Índia. Por intermédio de D. Pedro de Mascarenhas, vindo como Vice-Rei em 1554, o próprio rei de Portugal dirigiu-se em carta ao rei que abandonara „a lei de Moamé“ e que então se encontrara em Cochim. Também essa conversão, porém, relacionou-se com a procura de ajuda militar portuguesa devido a problemas internos de poder no mundo insular. Em resposta enviada por esse rei de 27 de janeiro de 1555, depreende-se que D. Pedro de Mascarenhas ordenara o envio de uma armada para recolocar o rei no poder na sua terra, um soberano que mostrava-se tão piedoso que assumira como armas a cruz com uma coroa de espinhos e as chagas. Repetiu-se, assim, também neste empreendimento, situação e intentos conhecidos da conversão do Djolof de décadas atrás.

„Dom Pero Mascarenhas, seu viso-rey nestas partes, me mandou a esta cidade de Cochim huuma carta de Vosa Alteza...primçipalmente a mim que dexey a ley de Mafamede e tomey aa da verdade, que he a de Noso Sennhor Jeshu Christo. (...) e aguora vay comiguo Pero de Ataide Inferno, que o viso-rey Dom Pero laa manda com humaa armada a meter-me em pose de huma parte de meu reyno, que me huum meu vasallo come aa muitos anos“. (El-Rei das Maldivas a El-Rei de Portugal, Cochim, 27 de Janeiro de 1555, op.cit. VI, 11-12).

Esplendor de D. Pedro de Mascarenhas e exemplaridade cristã

Devido a esses estreitos elos entre interesses, poder militar e conversão, a estrategia no contato com nobres muçulmanos como o citado rei das Maledivas diferenciava-se daquela da ação missionária juntos aos pobres da Índia e na formação cristã de crianças dos diferentes povos como praticada pelos jesuítas.

Se D. Pedro de Mascarenhas apoiava a ação da Companhia, vinha de encontro, pelas características de sua personalidade e modos de vida, amante da pompa e do brilho de encontro às necessidades de representação de poder e de imposição pessoal no contato com líderes muçulmanos.

Essa incoerência nos seus procedimentos era assim apenas aparente, representando duas faces de uma mesma moeda, necessária em época marcada pela intensificação das tensões entre cristãos e muçulmanos no Índico.

Em Portugal, porém, essa tendência de D. Pedro de Mascarenhas pelo esplendor dos trajes e modos de vida já não parecia ser mais adequada em época que se acentuava os anelos de reforma da vida eclesiástica e de intensificação do fervor piedoso. As críticas que se lhe faziam devido a esse modo de vida marcado por pompa e brilho são mencionadas em carta a êle enviada pelo Infante D. Luís, em 1555, ano do seu falecimento. Nessa carta, o Infante anunciava com alegria o retorno da Inglaterra à obediência à Santa Sé e criticava o movimento reformatório na Alemanha como expressão de soberbia. Em admoestação formulada como conselho de amigo, lembrava da exemplaridade que devia ser dada pelos cristãos quanto a modos de vida, marcados que deviam ser por modéstia, simplicidade e falta de cobiça, uma vez que Cristo dera ao mundo lei muito branda, mas exemplos muito rigorosos.

„Depois que partistes deste reino se começou a murmurar por esta terra que usaveis de mor abastança em vossa mesa e mais atiladamente em vossos trajos do que convinha por este exemplo que acima diguo. E posto que eu dou a isto as falhas que se devem dar as cousas que se dizem dos ausentes, pareceo-me que se não perdua en vo-lo escrever porque vos veleis desta parte como cousa a que tendes natural inclinação e a quem nessa terra tambem a tem e he total destroição dos que a elle vão. (...) Sua Alteza vos manda este anno doze padres da Companhia de Jesus que são pera converter o mundo e certo que os deveis mais de estimar que muita gente de guerra e affirmo-vos que eu em muito o tenho e muito me alegro de ver em vosso tempo o que ainda não vi, a saber: não me acordo que visse ir pera a India doze homens iuntos de quem se presumisse provavelmente que yam sem cobiça, o que destes presumo“. (Carta do Infante D. Luís ao Vice-Rei da Índia D. Pedro Mascarenhas, Lisboa, 23 de Março de 1555, op.cit. VI, 20ss.)

De ciclo de estudos da A.B.E.
sob a direção de

Antonio Alexandre Bispo


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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A.(Ed.). „Amirante e Mascarenhas: dimensões de nomes. As ilhas do Índico nas navegações, descobrimentos e missões dos portugueses - a conversão do rei das Maledivas sob D. Pedro de Mascarenhas (ca. 1484-1555)“.
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 155/2 (2015:03). http://revista.brasil-europa.eu/155/Amirante_e_Mascarenhas.html


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