Música e dança na identidade creola
ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 155

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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N° 155/13 (2015:3)



Música e dança na identidade creola
Contradanças, quadrilhas, polcas e mazurkas nas Seychelles e no Brasil


Pesquisa da Música Popular em Processos Transculturais e World Music 2015
Estudos promovidos pela A.B.E. nas Seychelles
pelos 450 anos do Rio de Janeiro e 350 anos da chegada dos franceses às Mascarenhas


Com os agradecimentos á Biblioteca Nacional das Seychelles


 
Seychelles. Foto A.A.Bispo 2015. Copyright
Aquele que se dedica estudos de música e dança surpreende-se, nas Mascarenhas ao encontrar práticas e expressões musicais, trajes, movimentos e gestos de dançarinos que muito lembram aqueles conhecidos do Brasil.

Essa impressão de familiaridade, ainda que de início vaga, causa admiração e levanta questões, uma vez que essas ilhas do Índico encontram-se distantes geograficamente do Brasil e não apresentam elos históricos com a esfera luso e brasileira que justifiquem tais afinidades.

Trata-se, assim, inicialmente de um enigma que traz à consciência a necessidade de análises músico-culturais segundo processos e processualidades mais diferenciadas do que aquelas nacionais, as determinadas pela língua - no caso do espaço lusófono -, por contatos diretos, encontros e interações de grupos populacionais ou mesmo pela história da escravidão.

Uma análise de similariades e diferenças de uma sentida familiaridade deve dirigir-se de forma mais sutil a processos subjacentes às expressões e práticas.

Seychelles. Foto A.A.Bispo 2015. Copyright
Aquele que se defronta com algumas expressões de música e dança das Seychelles se surpreende sobretudo em perceber afinidades com uma country music que poderia ser associada antes com o Texas ou Norte do México.

Como se explicaria tal afinidade, se não houve contatos mais próximos ou interações dessas ilhas do Índico com a América do Norte?

Como se explicaria uma aparente afinidade entre danças e música associadas com terras áridas do far West em plena opulência tropical das Seychelles?

A análise musical no sentido convencional do percebido acusticamente poderia ajudar a distinguir elementos que corroboram tal impressão de similaridades, seria porém superficial, não explicando os mecanismos processuais que levaram a expressões sentidas como familiares.

Como vem sendo defendido há décadas nos trabalhos euro-brasileiros representados pelo I.S.M.P.S. e pela A.B.E., um intento de chegar-se a conclusões quanto a processos através de um procedimento por assim dizer positivista de levantamento de dados musicais através de registros sonoros e suas análises, traz em si o risco de essencialização do objeto de estudo e levar a falsas hipóteses de origem e errôneas interpretações de funções e sentidos.

Importância dada à música e à dança nas Seychelles

Seychelles. Foto A.A.Bispo 2015. Copyright
À música é concedida importante função na salvaguarda, valorização e desenvolvimento da língua e expressões musicais e de dança creolas na formação da identidade e da imagem das Seychelles.

Em Victoria, capital do país, há um conservatório no qual docentes de instrumentos também se dedicam ao resgate e transcrição de músicas tradicionais.Esse trabalho levou a publicações de partituras que representam hoje importantes subsídios para a pesquisa musical, inclusive para comparações com com músicas transmitidas pela tradição no Brasil.

Seychelles. Foto A.A.Bispo 2015. Copyright
O Colégio Nacional de Artes, seção da Divisão Cultural, uma instituição secundária, oferece cursos em artes visuais e de performance, dando oportunidade a alunos de escolas secundárias a candidatar-se a uma vaga em cursos de artes gráficas, belas-artes, moda e texteis, música, dança e drama.

Os cursos musicais oferecidos por essa instituição seguem programas internacionais, de modo que os estudantes, com os seus certificados, podem continuar os seus estudos no Exterior.

As Escolas de Música e Dança desse Colégio pretendem dar início a cursos em música tradicional e dança para jovens, assim como para interessados em geral. 

O objetivo é o de proporcionar educação artística aos cidadãos durante toda a sua vida, correspondendo à política governamental. Ao mesmo tempo, procura-se criar oportunidades de desenvolvimento e de alcance de excelência de modo a permitir a participação de artistas locais na vida musical internacional.

Música popular na capital mundial da cultura creola - Festival Kreol

As Seychelles, que tem o creolo como primeiro idioma oficial, seguindo-se a ela o inglês e o francês, orgulha-se de ser considerada capital mundial da cultura creola. Já há anos a língua e a cultura creola vêm sendo estudadas e promovidas pelo Instituto Creolo, transformado recentemente em instituição internacional. (Veja)

Essa internacionalização foi iniciativa de La Réunion, sendo personalidades desse departamento francês do ultramar também empenhados na valorização do creolo e, assim, das raízes culturais francofones da cultura das Mascarenhas.

No contexto das cooperações entre as Seychelles e La Réunion, realiza-se também o Festival Kreol. Esse evento corresponde à política governamental das Seychelles segundo a qual, em expressão presidencial „um povo sem cultura é um povo sem futuro“. Correspondentemente, o Festival Kreol tem sido aberto com a participação de políticos e delegados de ambos os países, sobressaindo-se o Presidente James Alix Michel, do Vice-Presidente Dany Faure, o antigo Presiente Sir James Mancham, e ministros e membros do Govêrno das Seychelles.

Seychelles. Foto A.A.Bispo 2015. Copyright
Aos lados do grande pórtico da Biblioteca Nacional, a importância da música nas Seychelles do presente é documento por monumento no qual se encontram gravados os vencedores de competições musicais do Festival dos últimos anos: Simon Amad (1993), George Payet (1994), Saturn (1995), Jean Marc Volcy (1996), Patrick Victor (1997), Raymond Clarisse (1998), Hudson Dorothe (1999), Patrick Joseph (2005), David Andre (2007), Jose Charles (2010) e Sandra Esparon (2013).


Contra-danças/country danses e quadrilhas nas Seychelles e no Brasil

Nas Seychelles, como também em Maurício, ilha com a qual foi vinculada através dos séculos, o repertório de música e dança tradicional marcado pelo cultivo de contradanças, da quadrilha, da polca e da mazurca dirige a atenção a um fundo do patrimônio cultural remontante à época colonial francesa.

As danças e práticas instrumentais que tanto lembram a „country music“ e a „contry danse“ remontam às contredanses inglesas.

Estas não teriam vindo necessariamente apenas a partir da presença colonial inglesa no início do século XIX, pois também na França houve a recepcão de contredanses
inglesas, nela inserindo-se a própria quadrilha que tornou-se tão popular na França continental e nas colonias.

Para o ouvido brasileiro, as afinidades se evidenciam sobretudo no fato de lembrarem práticas musicais conhecidas da tradição „caipira“ de quadrilhas, e assim com festas de São João nos seus elos com a terra, com a gente simples das lides agrícolas lembradas na festa do Precursor, o maior homem da antiga Humanidade terrena ou carnal.

Sabe-se, porém, que essas danças mantidas hoje apenas em festas populares foram intensamente cultivadas em salões do século XIX nas cidades brasileiras, executadas em
bailes por orquestras e cultivadas no âmbito doméstico em peças instrumentais, havendo também uma considerável literatura pianística brasileira correspondente.

Reconhece-se, assim, a irradiação nas duas esferas do globo de fenômenos culturais europeus nos quais, de forma lúdica, cultivou-se formas de expressões populares associadas com determinadas regiões vistas como repositórios de tradições populares.

Que também nas Seychelles a quadrilha e outras danças de baile de conotações regionais da Europa foram, como no Brasil, de início cultivadas em círculos mais privilegiados da sociedade, isso indica o fato
de que também ali realizavam-se arranjos de melodias famosas de óperas do século XIX, havendo por exemplo quadrilhas sobre temas da Norma ou da Traviata.

Esse procedimento também pode ser constatado no Brasil, sendo documentado que por significativo número de quadrilhas baseadas em árias amplamente divulgadas no século XIX e que constituiram importante parte do repertório de música de baile de cidades do Brasil, salientando-se aqui, entre outras, Parati.

A sega nas Seychelles

A sega adquire também grande significado para a cultura das Seychelles. Essa expressão de música e dança, difundida na esfera insular do Índico, considerada em ilhas como Maurício até mesmo como importante elemento da identidade cultural, tem dado motivos a hipóteses de origens que devem ser corrigidas. Essas hipóteses afirmam a sua proveniência nos escravos africanos vindos para as plantagens de Maurício, o que pode ser demonstrado como sendo infundado.

A sega apresenta uma complexa diversidade na sua realidade sonora e coreográfica e no instrumentário. Costuma-se distinguir uma sega tradicional e uma popular contemporânea, uma antiga - que é reconstruída a partir de hipóteses de origens - e uma moderna, desenvolvida em interações com correntes da música popular internacional. (Veja)

As Seychelles adquirem significado especial nos estudos relacionados com a sega por trazerem ao centro das atenções a questão do creolismo.

Neste sentido, a sega, sendo remontante à recepção francesa de danças e músicas associadas com situações culturais ibéricas, permite ser entendida como expressão do creolo no sentido daquele europeu já nascido no mundo colonial ou de seus descendentes, movido por anelos afirmativos perante os europeus da metrópole.

A atenção atual à internacionalidade do creolo na cooperação cultural entre La Réunion e as Seychelles dirige a atenção a paralelos e afinidades entre a sega do Indico e expressões creolas do Caribe e das Guianas, abrindo perspectivas para estudos mais avançados nos respectivos contextos.

Deve-se diferenciar aqui entre esses paralelos resultantes de similares processos receptivos no passado em comparáveis situações coloniais com as expressões mais recentes de interações entre a sega índica e expressões do Caribe, seja com o Reggae jamaicano, resultando o que é conhecido como Segae, assim como entre a Moutya e a Reggae, chamada de Mouggae.Também conhece-se recentemente interações com a Benga de Kenya.

Essa mistura com a reggae e correntes internacionais são também conhecidas como „mercenárias“. É tarefa de análises determinar no edifício de concepções e imagens em que se insere a sega as estruturas e mecanismos intrínsecos que possibilitam referenciações com o „negro“ em diferentes contextos (Veja).

O simbolismo do côco de mar e a música e dança das Seychelles


Num dos edifícios principais de sua capital, Victoria, o dos Correios, encontram-se plásticas nas quais o cantor que se acompanha percutindo o seu instrumento surge ao lado do côco de mar.

Um dos principais emblemas da ilha - o coco da palmeira de Seychelles, endêmico das ilhas - (Veja), é apresentado assim em estreitas relações com a música.

Essas relações não podem ser entendidas apenas a partir do fato de ser o coqueiro que produz esse fruto de extraordinárias dimensões apenas ocorrente no país.

Os sentidos culturais do coco-de-mar, e a sua própria denominação relativa ao mar exigem, para ser compreendidos, uma perspectiva situada a partir das praias das Maledivas.

É dessa posição que se explica a tradição da vinda do côco do mar, de árvores submersas, de suas relações com a mitologia indiana e de seus paralelos e suas harmonizações com os relatos bíblicos.

É a partir desse edifício imagológico que podem ser feitos estudos adequados de assuntos e motivos, assim como da função de expressões culturais.


De ciclo de estudos da A.B.E.
sob a direção de

Antonio Alexandre Bispo


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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A.(Ed.). „Música e dança na identidade creola. Contradanças, quadrilhas, polcas e mazurkas nas Seychelles e no Brasil“.
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 155/13 (2015:03). http://revista.brasil-europa.eu/155/Musica_na_identidade_creola.html


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