Pianistas transbordantes de ufanismo
ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 156

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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N° 156/16 (2015:4)


„Ella toca como nenhuma outra mulher, e quiçá, como nenhum outro homem“

Pianistas transbordantes de ufanismo e o ensino musical sob a égide feminina
A visita ao Instituto Nacional de Música
da Professora Honorária Guiomar Novaes (1895-1979) em 1927




Retomando reflexões dos seminários Chopinismo, Chopinística, Chopinologia e Gender Studies
em relações internacionais da Universidade de Bonn e ISMPS

 
Escola Nacional de Musica. Foto A.A.Bispo 1981
Celebrando-se no corrente ano os 450 anos do Rio de Janeiro, cumpre considerar, sob o aspecto dos estudos internacionais, as inserções da antiga capital do Brasil em processos sociais e político-culturais mais amplos, vigentes também em outros países, detectando-se elos, paralelos e diferenças.

Um dos aspectos da análise de processos sociais e culturais que merecem particular atenção diz respeito à mulher como objeto e motor de desenvolvimentos, progressistas ou restaurativos, dirigidos ao futuro ou voltados ao passado, liberais ou conservadores, de esquerda ou de direita.

Esse significado é tanto maior devido ao fato de que importante fase da história pelos direitos, da auto-consciência e de atividades da mulher em vários campos a ciência e das artes em metrópoles européias ter-se dado na passagem do século XIX e XX, em particular na primeira década do novo século, em época, portanto, que imediatamente precedeu e se seguiu às profundas transformações urbanas do Rio de Janeiro e que marcaram vida e a imagem da cidade e do Brasil.

Ambos os desenvolvimentos - o da transformação do papel da mulher na sociedade e o cultural que teve a sua maior expressão na metamorfose urbana e cultural da capital do Brasil podem e devem ser considerados nas suas relações.

Análises de processos culturais concernentes à cidade e ao país exigem assim uma atenção particular a questões referentes à mulher, tanto no sentido da recepção de impulsos ou ações, como de agentes mantenedores ou transformadores de situações.

Essa exigência faz-se sentir sobretudo nos estudos culturais referentes à às artes, à literatura e à música em particular.

Escola Nacional de Musica. Foto A.A.Bispo 1981
Presença feminina na música: vida doméstica, de concertos e no ensino

Paradoxalmente, na memória e na história cultural, das artes e da música da primeira metade do século XX do Rio e Janeiro e do Brasil encontram-se registrados sobretudo nomes masculinos de literatos, artistas e compositores. Tem-se, assim uma situação deficitária de conhecimentos que prejudica o reconhecimento de mecanismos de processos culturais nas suas transformações, continuidades, descontinuidades, consequências e possíveis permanências no presente.

A revelação e a análise de uma história silenciada surge como uma exigência dos estudos culturais. Ela explica-se não tanto talvez por razões conscientemente discriminatórias na narrativa de escritores e pesquisadores, mas sim por dizer respeito a dimensões veladas de desenvolvimentos, fato explicável por condicionamentos culturais.

A atenção do analista deve assim ser dirigida a situações subjacentes da história cultural, ao que se encontra „por debaixo do pano“, mas que co-determinou e possivelmente co-determina desenvolvimentos.

Diferenciações: o papel da mulher não foi apenas progressista

Nos estudos de Gênero desenvolvidos nas últimas décadas a partir da orientação dirigida a processos propugnada pelo ISMPS e pela ABE, tem-se registrado a tendência de projeção ao passado de visões de movimentos emancipadores do presente.

Realizam-se a princípio análises na expectativa e no intuito de revelação de nomes, fatos e desenvolvimentos na suposição que tivessem tido cunho dirigido ao futuro, progressista, avançados ou de modernização, emancipatórios e assim superadores de situações transmitidas do passado e conservadoras, ou seja, antes liberais e liberadores.

Cada vez mais, porém, tem vindo à luz o papel predominantemente conservador exercido por mulheres na vida social, político-cultural, artística e sobretudo no ensino e, assim, na formação de gerações.

Analisar com atenção essa história velada, subjacente a desenvolvimentos, significa em grande parte confrontar-se com situações de de defesa de valores e de sua transmissão através do ensino, de resistência a mudanças que poderiam colocá-los em risco, de esteios de um status quo e de recuperação, o que surge aparentemente em contradição com o caminho progressivo da emancipação feminina.

Esse paradoxo parece indicar que a tendência à permanência, à conservação de valores e ao fomento de sua continuidade e ampliação através de gerações tenha sido fator relevante no processo emancipatório, o que exige análises elucidadoras.

Educação feminina e nacionalismo

Reciprocamente, esse paradoxo parece indicar que desenvolvimentos no pensamento, nas artes e em especial na música de conotação nacionalista possam ser explicados por mecanismos culturais subjacentes ou de infra-estrutura da vida cultural relacionados com a problemática da mulher.

Esses movimentos revelam-se hoje contraditoriamente ao mesmo tempo como expressões de Modernismo e de conservativismo, defasados relativamente a tendências européias ou correspondentes às correntes político-culturais e estéticas mais conservadoras e mesmo reacionárias da Europa,

Pelas características da educação feminina em esferas mais privilegidas da sociedade do século XIX, esta concentrou-se sobretudo na ilustração e no cultivo de aptidões artísticas e musicais, ao lado de prendas domésticas para a vida do lar. Como na Europa da época, também no Brasil algumas senhoras de sociedade distinguiram-se já no passado como anfitriãs nos seus salões. Se atrizes e cantoras, sobretudo estrangeiras, alcançaram sucesso e popularidade no palco, na esfera pública e na publicidade, este continuou a ter a mácula de impropriedade para senhoras de distinção, por mais destacadas que fossem as suas aptidões.

No caso das brasileiras de especial talento que se aperfeiçoaram e que atuaram na Europa, foi o sucesso e a alcançado no Exterior que serviu como prova de respeitabilidade capaz de superar a mancha das dúvidas quanto ao caráter de mulheres que se expunham a público, exibindo-se como que apregoando as suas aptidões e revelando falta de reserva, ambições e vaidades.

Alunas do Instituto Nacional de Música formadas na Europa à epoca do „novo Rio“

Se já à época do Império várias brasileiras se destacaram como musicistas e procuraram os centros europeus para o seu aperfeiçoamento e projeção, foi sob a República que intensificou-se a ação da mulher na formação de novas gerações, de intérpretes assim bem formadas na educação de suas discípulas. Um dos centros marcados pela predominância de professoras foi a escola de música modelar da nação, o Instituto Nacional de Música.

É significativo recordar, neste contexto, o papel de algumas discípulas do Instituto Nacional de Música que ganharam prêmios de viagem à Europa nos anos anteriores à Guerra como formadoras de pianistas nos anos que se seguiram a 1918. Os anos 20 surgem sob determinados aspectos como de predominância feminina nessa instituição-modêlo.

Pelo Decreto 1774 de 7 de novembro de 1907, concedeu-se às alunas do Instituto Nacional de Música Suzana de Figueiredo, Helena de Figueiredo e Maria Isabel de Verney Campello a quantia de 3.000$ ouro como prêmio e viagem à Europa.

O prêmio foi concedido pelo Presidente Affonso A. M. Penna (18471909) em resolução sancionada e decretada pelo Congresso Nacional.

Um ano antes da deflagração da Guerra, Isabel e Marieta de Verney Campello apresentaram-se com o Mtro. Araújo Vianna, e os músicos Cardoso de Menezes Filho e Pedro Bruno na „Hora Musical“ da Escola de Belas Artes, executando também obras de autores brasileiros, entre êles Alberto Nepomuceno (1864-1920) („O Salon de 1913“, O Paiz, Rio de Janeiro, 2 de Setembro de 1913, 2).

Um marco histórico: visita de Guiomar Novaes como Professora Honorária ao INM

Isabel Campello foi uma das principais organizadoras da recepção da pianista brasileira Guiomar Novaes no Instituto Nacional de Música em 1927, cerimônia que pode ser considerada como um marco histórico de época marcada pela presença feminina no corpo docente e discente da instituição.

Ao lado de Isabel Campello, a pianista foi recebida, entre outras, pelas professoras Maria dos Santos Mello, Jandyra Costa, Maria Eliza Polonio, além de Britto Cunha, assim como de grande número de alunas.

A festiva recepção justificou-se pelo fato de ser Guiomar Novaes professora honorária do Instituto Nacional de Música, tomando assim a sessão também dimensões de aula especial para a qual algumas alunas foram preparadas.

A recepção aproveitou a oportunidade da presença da pianista no Rio de Janeiro, onde realizara uma série de recitais no Teatro Municipal, organizados pelo seu esposo, o engenheiro Dr. Ottavio Pinto, que a acompanhou na visita ao INM.

Das reportagens de jornais, pode-se reconstruir o ato festivo da visita de Guiomar Novaes e que se revela como uma cerimônia predominantemente feminina, de mulheres para mulheres.

O mais pormenorizado registro ofereceu o jornal A Noite sob o título „A brasileira de mãos divinas“. („O Instituto de Musica recebeu, hoje, a visita da brasileira de mãos divinas“, A Noite, Quarta-feira, 10 de Agosto de 1927).

Ela e seu esposo foram recebidos à porta do instituto pelo diretor do INM, pelas professoras que organizaram o evento e muitas de suas discípulas. Ao entrar no saguão, foi saudada com uma chuva de pétalas de rosa e aplausos. Acompanhada pelas professoras e pelas muitas alunas, foi conduzida ao gabinete da direção. Ali, teve lugar uma breve palestra. Em seguida, subiu pelo ascensor ao salão no primeiro andar, onde teve lugar a cerimônia.

Um professor leu um breve discurso que, segundo o jornal, devido à emoção, quase não conseguiu pronunciar as palavras, não sendo ouvido.

A seguir, tomou a palavra uma aluna do segundo ano, a menina Mercedes Ricarte, que louvou a pianista como sendo uma legítima glória da música brasileira, congratulando-se com as suas colegas e com o Instituto pela sua presença, em honra da qual pediu aos presentes que a saudassem com um viva. Ao terminar, a jovem oradora foi abraçada e beijada por Guiomar Novaes. Mais uma vez choveram pétalas de rosas, sendo a ela oferecidos muitos ramalhetes de flores.

Terminada a cerimônia, os assistentes passaram para o salão de concertos, onde, após aplausos, teve início uma audição de alunas da instituição.

A participação masculina na cerimônia limitou-se à presença de um grupo de alunos da banda de música da Escola 15 de Novembro.

Balada de Chopin e Polichinelo de Heitor Villa-Lobos - saudação de Mercedes Ricardi

A hora aprazada chegando áquelle edificio foi a grande artista ali recebida pela directoria, professores e grande numero de alumnos sendo, depois de curta visita a algumas dependencias do edificio levada até ao foyer onde foi batida a chapa que publicamos.

Conuzida, logo após ao salão principal realisou-se pequena audição de alumnas, dignando-se a grande virtuose a acceitar o convite para uma exhibição de sua divina arte. Escusado é dizer que Guiomar Novaes Pinto foi recebida debaixo de grande e espontanea ovação. Interpretou ao piano a 3° Ballada e Chopin, ouvida pelos circumstantes com o mais religioso e silencioso enthusiasmo. A assitncia não queria deixal-a partir; foi-lhe concedido ainda Polichello, de Villa-Lobos.

Antes de ser conuzida ao salão, foi a divina interprete saudaa pelo director do Instituto em nome do corpo docente e pela alumna Mercedes Ricarte em nome de suas collegas. Guiomar Novaes Pinto abanonou o Instituto coberta de flores e debaixo da mais estrondosa salva de palmas.

Reproduzimos abaixo as palavras pronunciadas pelo director e alumna Mercedes:

„Exma Sra. Guiomar Novaes. É com especial agrado que vos recebo hoje nesta casa que mais uma vez visitaes e da qual sois professora honoraria pelo voto unanume do Conselho. Os vossos dotes artisticos que vos fizeram notavel entre os notaveis constituem um justo orgulho para a nossa patria que vos admira com fervor e devotamento, e por isso mesmo os professores e alumnos deste instituto, tomados de grande satisfação pela vossa presença aqui, exultam de alegria por esse facto signiicativo que bem traduz a harmonia, a cordialidade reinante entre todos - vós e os elementos que nesta casa se conjugam e trabalham para o bom nome da instituição. Sobre o vosso merecimento artístico, que poderei dizer de novo? Acompanho, contricto, esse côro unanime de applausos á artista brasileira que tão alto tem sabio elevar o seu paiz, dentro e fóra delle, pareceno-me ouvir neste momento o reboar de palmas que o vosso estylo, o vosso sentimento esthetico ainda ha pouco arrancaram áquelle publico e escól que vos revia no Theatro Municipal. Continuae a palmilhar a estrada da gloria, a honrar o nome brasileiro e, ficae certa, de que em caa um de nós pulsa um coração amigo que vos compreende, que vos exlta. Bemvinda sejaes, pois, neste tempo de arte que tambem é vosso e que hoje se abre para receber a grande artista que sois vós.“

„Guiomar Novaes - Escolhida por meus collegas para significar-vos o nosso apreço, a nossa admiração, venho, nestas despretenciosas phrases, trazer-vos as nossas cordiaes saudações e felicitar-vos por esses constantes laureis conquistados superiormente na vossa carreira artistica, que tanto ennobrece a patria brasileira. Os alumnos deste Instituto são felizes de poderem neste momento dizer-vos, de viva voz, quaes os seus sentimentos para com a grande artista que é também professora honoraria do estabelecimento, por seus altos meritos. Esses sentimentos são da maior admiração pela notavel pianista que não cessa de colher novos louros para engalanar-lhe a fronte. Aceitaes, pois, as nossas congratulações pela vossa presença nesta casa e a expressão dos nossos votos de grandeza e felicidade.“

„A brasileira de mãos divinas“ - designação americana

A designação que marcou a recepção de Guiomar Novaes no Instituto Nacional de Música - a de ser „a brasileira de mãos divinas“ - era de origem estrangeira, mais especificamente dos Estados Unidos. Esse fato já tinha sido registrado no mesmo jornal A Noite, de 6 de agosto de 1927, ao relatar o sucesso dos recitais dados pela pianista.

„Os críticos norte-americanos, em estudos traduzidos e divulgados no Brasil pela A Noite haviam, confirmando as esperanças que todos tinhamos no genio da excelsa pianista, celebrado com enthusiasmo os primores da technica e os outros predicados pessoaes da grande artista que, segundo elles, as platéas da grande Republica septentrional applaudiam de pé emprestando, assim, reverencia ao enthusiasmo.

Em contacto com a grande brasileira, na presente temporada, o publico esta capital verificou a justeza de conceitos da critica norte americana, e as manifestações agora tributadas a Guiomar Novaes Pinto excedem em affeto e intensidade a quantas aqui lhe haviam sido feitas.

Póde a A Noite referir-se, nestes termos, a Guiomar Novaes: - assistiu ao brilhante alvorecer de sua carreira, acompanhou a evolução de seus processos, e testemunha o novo surto de seu genio.

Reflete-se, em nossas palavras, o conceito que o grande publico, juiz dos juizes, expressa nas formidaveis acclamações á excelsa artista, nos dias memoraveis de seus concertos“. (loc.cit.)

Recepção dos sucessos de Guiomar Novaes nos EUA e no Canadá

Os comentários norte-americanos divulgados pelo jornal A Noite e que serviram de inspiração à cerimônia no INM foram apresentados como tendo sido recebidos pelo serviço telegráfico, afirmação que deve ser compreendida no sentido de terem sido enviados ao jornal pelo Dr. Ottavio Pinto, o marido da pianista.

Grande atenção foi emprestada sobretudo ao grande sucesso obtido em recente concerto realizado no Scott Auditorium, em Toledo, Ohio.

O comentarista do Toledo Times acentuara, nos seus elogios, o fato da pianista brasileira ser mulher: „Ella tocca como nenhuma outra mulher, e quiçá, como nenhum outro homem“.

Essa observação, porém, encontra-se de forma similar em críticas e comentários de vários outros jornais, de diferentes regiões. Neles salientava-se o fato de ter a América Latina oferecido ao mundo dois grandes pianistas, estes, porém, do sexo feminino: a venezuela Teresa Careño (1853-1917) e a brasileira Guiomar Novaes. Também diferentes comentaristas acentuaram a „virilidade“ dessas duas artistas, ainda que manifestando-se de diferentes formas. Essas observações, que surgem quase que como idéias fixas, tinham marcado, entre outras, as críticas da apresentação da pianista brasileira com o cantor Edward Johnson em Toronto, Canadá. (Veja) Tudo indica que foram, assim, empregadas conscientemente na promoção de sua esposa pelo seu marido Ottavio Pinto.

„Destacamos do nosso serviço telegraphico:

Toledo, 28 (Ohio, Estados Unidos). O recital realizado nesta cidade pela brilhante pianista brasileira, sra. Guiomar Novaes, constituiu um dos mais ruidosos acontecimentos artisticos.

O amplo salão do Scott Auditorium, onde a eximia pianista brasileira se exhibiu, estava repleto de um publico selecto e conhecedor da arte musical.

Noticiando a estréia de Guiomar Novaes, o Toledo Times escreveu:

Ella toca como nenhum outra mulher, e quiçá, como nenhum outro homem.

As suas interpretações são maravilhosas, parecendo mesmo diabolicas. Guiomar Novaes sente de tal modo as composições que executa, que arrebata o auditorio, trnasportando- para a região do sonho e da musica.

O Toledo Blade, referindo-se a essa estréa, assim se pronunciou

A excepcional performance da artista brasileira Guiomar Novaes será sempre lembrada, pois a impressão que ella deixou no grande auditorio foi de completo deslumbramento de arte intensa..“ (A Noite, loc.cit.)

Caminhos do processo receptivo: São Paulo/EUA/Rio de Janeiro

O mesmo teor das notícias que marcaram a recepção de comentários de concertos nos Estados Unidos de Guiomar Novaes no Rio já tinham marcado as críticas em São Paulo, antecedentes a seus recitais na capital do país.

„As lisonjeiras noticias que apareceram de Guiomar Novaes em Toledo foram confirmadas in totum. Guiomar é verdadeiramente uma artista no sentido mais amplo da palavra. Possue todos os requisitos necessarios para interpretar, como o faz, toos os generos de musica, conservando a cada um com espantos precisão e inexcedivel revelo, os seus caracteristicos. Em uma palavra - é uma virtuose. (Folha da Manhã, 29 de Março de 1927)

Referindo-se ao concerto realizado no Rio, o Estado de S. Paulo salientou que a lotação do Teatro Municipal fora esgotada, o que somente se registrara com Alexander Brailowsky (1896-1976) na última vez que realizou uma série de recitais. Também essa referência ao renomado intérprete de Chopin encontra-se repetidamente em comentários de diferentes autores e regiões, indicando possíveis sugestões de Ottavio Pinto na promoção de sua esposa.

„A senhora Guiomar Novaes, como de costume, foi acclamadissima, tocando varios trechos extra, e só se retirando o publico depois de satisfeitos nos pedidos insistentes, para que a illustre pianista executasse as variações do hymno de Gotschalk.(O Estado, 26. 07.1927)

Nacionalismo conservador feminino sem linguagem nacional na música

A recepção de Guiomar Novaes no Instituto Nacional de Música foi o ponto alto da atuação da pianista no Rio de Janeiro de 1927, preparada pelo seu marido em contatos com a Empresa Ottavio Scotto, concessionária do Teatro Municipal. (Veja) A recepção realizou-se após a matinée de despedida de Guiomar Novaes, no dia 7 de agosto de 1927.

No seu concerto de despedida, a pianista apresentou obras de Gluck/Saint-Saens (Airs de Ballet, da opera Alceste), Beethoven (Sonata op. 31 n° 2), Schumann (Carnaval), Debussy (Soirée dans Grenade, Detalla (Andaluza), Oswald (Berceuse), Listz (10° Rapsodia hungara).

A inclusão do Carnaval de R. Schumann nos programas de Guiomar Novaes trazia associações com significativo evento de New York. Quando o compositor russo W. Woskowsky, quase agonizado, foi alvo de concerto beneficiente, o programa foi confiado a 19 pianistas de renome mundial, os quais executaram o „Carnaval“, tocando cada um uma parte, sendo a marcha final tocada pelos 19 artistas. A Guiomar Novais coube a execução de Lettres dansants.

A matinée de despedida. „Guiomar Novaes termina, amanhã, a série de récitas maravilhosas que organisou para este anno nesta capital. As tres récitas já realisadas foram tres grandes successos de bilheteria e de arte pianistica. O dedicado a Chopin, então, foi uma verdadeira maravilha de boa música, e o Theatro Municipal, cheio, cheissimo, vibrou de enthusiasmo real. A matinée de amanhã, em despedida, Guiomar Novaes dedicou-a ao povo carioca que tanto a estima e, mais, a admira. Será, portanto, novo e extraordinario successo, e a a extraordinaria artista patricia bem merece tudo quanto lhe der de sua sympathia, estima e mesmo admiração a nossa população. ( O Globo, 6 de agosto de 1927)

As críticas do concerto salientaram o fato de ter sido este dirigido por Ottorino Respighi (1879-1936), sendo esta a sua despedida do Brasil. A possibilidade da realização de um concerto da pianista sob a regência de Respighi tinha sido aventada pelo seu marido em cartas dirigidas ao concessionário do Teatro Municipal quando da preparação dos recitais. (Veja) Os comentários do concerto, porém, registraram que a despedida de Respighi foi ofuscada pelo brilho da pianista.

„Iniciada com dois numeros das dansas antigas, finamente executados pela orcheestra, a primeira parte terminou com o concerto em la menor op. 54 de Schumann, para piano e orchestra.

A solista foi Guiomar Novaes. Dirigiu a orchestra O. Respighi. Interpretação geral admirável, direcção segura e finissima do illustre musicista iltaiano que se revelou regente notavel de obras alheias, porque até agora só o tinhamos apreciado na direcção das suas proprias producções. A oreuestra esteve de uma rara felicidade e toda a obra teve em conjunto uma execução excellente.

A nossa illustre pianista brilhou na sua parte e foi de certo, hontem um dos grandes dias de sua bella carreira artistica. Justissimos os applausos dos assistentes e enthusiasticos que recebeu: pena foi que a maravilhosa solista, que ouvimos com tanto encanto, se esquecesse lamentavelmene, no turbilhão das palmas, que ellas eram tambem dirigidas a Respighi, grande artista que dirigiu a execução do concerto e que neste momento se despeia do nosso publico. Como teria sido agradavel a toda a platea ver surgir no palco, trazido pela mão de Guiomar Novaes, o grande Respighi, e envolvel-os a ambos na mesma ona de applausos frementes!

O primeiro Tramonto abriu a segunda parte e teve irreprehensivel interpretação por parte da orchestra e da sra. Respighi, que mais uma vez demonstrou a sua arte superior. O concerto encerrou-.se com o esplendido poema symphonico ‚I pini di Roma‘. - numa execução primorosa que levoantou o auditorio em estrondosa ovação a Respighi.“


De ciclo de estudos da A.B.E.
sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo


Todos os direitos reservados

Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A.(Ed.). „Pianistas transbordantes de ufanismo e o ensino musical sob a égide feminina
A visita ao Instituto Nacional de Música da Professora Honorária Guiomar Novaes (1895-1979) em 1927“.
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 156/16 (2015:04). http://revista.brasil-europa.eu/156/A_mulher_no_Instituto_Nacional_de_Musica.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

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Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
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Editor: Professor Dr. A.A. Bispo, Universität zu Köln
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