América do Norte e a antiga capital do Brasil

ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 156

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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N° 156/1 (2015:4)



Tema em debate


Niagara & Pão de Açúcar

América do Norte e a antiga capital do Brasil
- a Primeira Guerra Mundial como marco referencial -


Ciclos de estudos no Canadá e nos EUA pelos 450 anos do Rio de Janeiro

 
A. A. Bispo
Este quarto número de 2015 da Revista Brasil-Europa/Correspondência Euro-Brasileira dá continuidade aos estudos em diferentes contextos internacionais que vêm sendo promovidos pela A.B.E. por motivo das comemorações dos 450 anos do Rio de Janeiro.

A concomitância dessa data com as rememorações dos cem anos da guerra mundial de 1914-1918, - cisão na história que marcou o fim da velha ordem européia -, faz com que as atenções se voltem prioritariamente a essa época da antiga capital do Brasil.

A metamorfose urbana que determinou a vida e a imagem do Rio de Janeiro do século XX foi expressão da Belle Époque do início do século XX, dos anos precedentes à Grande Guerra. Inseriu-se, assim, na constelação internacional que sossobraria dentro de poucos anos. Deu-se no auge de visões e convicções de progresso e evolução na civilização, na técnica, nas ciências, nas artes e na cultura, mas também da intensificação de campos de tensões europeus que levaram ao trágico conflito.

Rio de Janeiro. Foto A.A.Bispo 1981

Um dos principais fatores dessa potencialidade explosiva da antiga ordem era a antiga rivalidade entre a França e a Alemanha, agravada com o desfecho da Guerra Franco-Prussiana de 1870/71, conflito que levou à derrota francesa e à sua humilhação com a fundação do Império Alemão em Versailles.

Se a Alemanha vitoriosa passou a ser o principal referencial dos desenvolvimentos nas ciências e nas artes, acompanhados em Paris e procurados nos centros alemães por estudantes, intelectuais e artistas de todo o mundo, a França derrotada conheceu um recrudescimento auto-afirmativo de reconscientização das próprias forças, do seu grande passado, das suas características e qualidades diferenciadoras, de recuperação do orgulho galicano-nacional ferido.

Alemanha na sua recepção francesa no Brasil e a recepção francesa nos EUA

A barreira do idioma e da cultura, impondo dificuldades aos intelectuais e artistas latinos que visavam centros de irradiação como Berlim ou Bayreuth, levava a que estes se aproximassem de desenvolvimentos e a impulsos no pensamento, nas ciências e nas artes sobretudo através de sua recepção francesa. Esta era marcada ao mesmo tempo por admiração e ressentimentos, imbuída de anelos reafirmadores de identidade, captando tendências e modêlos a modo do recipiente.

Sendo a Bélgica pais de encontro e de interações de línguas e esferas culturais da França e da Alemanha, compreende-se no quadro assim esboçado o significado de Bruxelas para os estudos relacionados com o Brasil. Foi centro procurado por artistas e compositores, como Leopoldo Miguez (1850-1902) que, assimilando desenvolvimentos alemães segundo a mediação e a ótica político-cultural francesa, desempenhou papel relevante no Rio de Janeiro republicano.

Bruxelas foi principal polo de atuação de um diplomata cultural por excelência como M. de Oliveira Lima (1867-1928). (Veja) Dali partiu a promoção do Brasil através do Rio de Janeiro metamorfoseado em Viena (Veja), capital do império plurinacional no centro da Europa, cuja unidade na diversidade étnico-cultural era sobretudo possibilitada pela língua e cultura alemãs, e no qual ocorreu o atentado que desencadeou os trágicos desenvolvimentos.

O fim da velha ordem européia foi a redesintegração desse império de muitos povos e o da liderança cultural do mundo alemão, dando lugar a estados baseados em princípios de nacionalidade e ao recrudescimento do nacionalismo nas suas diferentes contextualizações.

Invertendo a situação de 1870/71, foi agora a vez da Alemanha de passar por uma humilhação em Versailles, iniciando a fase crítica de potência abalada e ferida, marcada por ressentimentos e esforços reafirmadores que levaram aos problemáticos desenvolvimentos dos anos trinta e à Segunda Guerra.

Da parte dos vencedores, o desfecho da Guerra inaugurou uma fase de euforia sem precedentes, tornando-se Paris a capital cultural sem concorrentes à altura do mundo ocidental, sem poder ser ofuscada por outros centros, Berlim ou Viena.

As dimensões globais de uma guerra que foi a primeira mundial não podem deixar de ser consideradas na análise de processos culturais nos quais se inseriu o Brasil no século XX.

A declaração de guerra da Grã-Bretanha à Alemanha, colocando-a ao lado da França, teve consequências que ultrapassaram as continentais, uma vez que vastas esferas do mundo extra-europeu tinham sido há séculos marcadas pela concorrência e pelos confitos de interesses coloniais de ambos os países.

A expansão colonial francesa no período anterior à Guerra - como estudado no caso do Madagáscar (Veja) - representara sucessos na competição com ingleses, que haviam assumido o domínio de Maurício no já remoto contexto napoleônico, a antiga Ile de France de formação e língua francesa (Veja). As comunidades francofones das colonias tiveram os seus sentimentos afirmativos nativistas e de auto-consciência de origens européias derivados de complexos processos identificatórios coloniais acentuados com o galicanismo nacional francês, contribuindo reciprocamente para a sua intensificação na França(Veja)

Também o Canadá, em consequência da entrada da Grã-Bretanha na Guerra, nela tomou parte ao lado portanto das forças dos Estados Unidos, apesar das animosidades históricas recorrentes às lutas de independência americana em confronto com o loialismo canadense. Diferenças internas coloniais do Canadá francês e do britânico, tornaram-se secundárias com a concentração das forças contra o inimigo comum.

A intensificação dos elos do Brasil com os Estados Unidos sob o signo da vitória

A participação dos Estados Unidos na Guerra trouxe, com a vitória, simpatia pela América, pelos americanos e sua cultura na Europa e em outros países aliados, e pela França, pela cultura francesa e por aquela dos países amigos europeus e americanos nos Estados Unidos.

Uma das expressões mais evidentes da mudança na vida cultural deu-se com a difusão da música popular e do jazz na França e em outros países, influenciando a criação artística e trazendo uma americanização de modos de vida. Reciprocamente, mas com outras características, metrópoles como New York vivenciaram um fascínio pela alta cultura musical e modos de vida refinados e elegantes parisienses. (Veja)

Ter-se-ia aqui, em análise sumária, duas faces de um mesmo processo, diferenciado porém segundo esferas sociais e contextos culturais da recepção de ambos os lados: a aceitação e o entusiasmo por expressões americanas e americanizadoras em círculos sociais liberais, abertos a experiências, de intelectualidade progressista e antes de orientação de „esquerda“ do lado europeu, e o do fascínio e veneração pela cultura francesa nas suas expressões vistas como mais elevadas em círculos conservadores, de círculos privilegiados da sociedade ou em ascensão, patriótico-nacionalistas, antes de „direita“ do lado americano.

No quadro histórico assim traçado, revela-se a necessidade de análises diferenciadas dos desenvolvimentos culturais da antiga capital do Brasil antes e depois da Guerra nas suas transformações com a entrada do país na Guerra e a mudança de referenciais e de configurações com o seu desfecho vitorioso.

Se o Rio de Janeiro reconfigurado nos anos anteriores à Guerra foi repetidamente comparado com Paris remodelado décadas antes, os princípios que justificaram tal metamorfose foram baseados na visão evolucionista do mundo e do homem do alemão Ernst Haeckel (1834-1919), ainda que em recepção francesa. (Veja) Não só o papel da colonia alemã do Rio de Janeiro na sua vida cultural e político-cultural anterior à Guerra necessitaria ser considerado de forma mais aprofundada (Veja), mas sim também as relações indiretas - sobretudo através da recepção francesa - com as correntes de pensamento, das ciências e das artes alemãs.

Essa necessidade de análises mais diferenciadas dos elos entre a Alemanha e o Brasil nos anos anteriores à Guerra vem sendo salientadas a partir de um dos principais emblemas do Rio de Janeiro: o Pão de Açúcar.

O Pão de Açúcar como marco emblemático nos estudos da imagem do Brasil

O Pão de Açúcar marcou as preocupações por questões de imagem do Brasil desde o primeiro evento a ela dedicado na Europa: o da inauguração do Forum dedicado ao Brasil e da Primeira Semana de Música Alemanha-Brasil realizada em Leichlingen, cidade próxima de Colonia, em 1982. (Veja

A justificativa da escolha do Brasil nos eventos daquela cidade - residiu no fato de ali ter nascido Julius Pohlig (1842-1916), o engenheiro responsável pela construção do „bondinho“ do Pão de Açúcar e fundador de empresa técnica e de construção de máquinas de renome internacional sediada em Colonia. (Veja) Perante o seu monumento em Leichlingen, lembrou-se de que os trabalhos de Pohlig no Rio de Janeiro testemunham de forma altamente significativa o período áureo das relações entre a Alemanha e o Brasil do período anterior à Primeira Guerra Mundial. (Veja)

Esses elos foram múltiplos, não podendo ser analisados de forma indiferenciada. Por ocasião desse primeiro Forum tinha-se acabado de realizar o Simpósio Internacional Música Sacra e Cultura Brasileira, em São Paulo, de modo que no centro das atenções encontrava-se a ação dos religiosos alemães que vieram ao Brasil para revivificar os conventos brasileiros, em particular, no caso, os Beneditinos e os Franciscanos no Rio e Janeiro. (Veja)

O desenvolvimento católico que possibilitou o apoio aos intentos restauradores do clero brasileiro e o envio de religiosos ao Brasil de forma alguma representava a cultura alemã no seu todo, restringindo-se apenas a regiões católicas do Império que era primordialmente protestante e que tinha na sua capital cosmopolita um vida cultural profana, vital e altamente diversificada, assim como de condução de vida liberal e emancipatória determinados círculos da sociedade.

A energia renovadora e libertária de Berlim antes da Guerra e o Rio

Era Berlim como metrópole irradiadora de novas tendências e fornecedora de impulsos renovadores que era principalmente procurada por estudantes, intelectuais e artistas, muitos do Novo Mundo.

Uma dessas personalidades que merecem ser lembradas é Maud Allan (1873-1956), pianista canadense nascida em Toronto e educada em San Francisco que, procurando Berlim para desenvolver-se, entrou em contato com círculos intelectuais e artísticos que a levaram a abandonar a música para tornar-se dançarina, tornando-se a principal intérprete de Salomé, e mesmo identificando-se com essa imagem tornada famosa pela obra de Oscar Wilde (1854-1900).

Apresentando-se no Rio de Janeiro em 1913, foi acertadamente recebida como uma representante da renovação da dança de I. Duncan (1877-1927) no seu empenho pela expressão da natureza do homem no seu íntimo, libertária de normas e disciplinações, e pela valorização dos movimentos da natureza em geral, fazendo da dança uma arte global, de renovação estética e de vida, emancipatória e progressista, oposta à vida musical dominada pela ópera e da moral pela religião.

O fato de logo após a sua presença no Rio ter sido alvo de escândalo e perseguições homofóbicas na Inglaterra, que nela viam uma agente do Império Alemão, testemunha retroativamente a existência de círculos abertos à recepção de correntes internacionais progressistas no Rio de Janeiro e do qual um dos principais centros era Berlim. (Veja)

Mulheres de direita transbordando de nacionalidade após a Guerra

A ação restauradora católica conduzida por missionários estrangeiros e possibilitada pelo regime republicano não deixou, porém, de ter os seus frutos através do intenso trabalho educativo desenvolvido.

Sobretudo as mulheres, formadas em colégios religiosos e agregadas em associações piedosas e coros deveriam vir a ser veículos da recatolização e da defesa da fé e da moral nas famílias e nos locais de trabalho.

Com a entrada do Brasil na Guerra e com a propaganda correspondente, o combate com armas femininas pelo Catolicismo e pela moral passou a ser imbuido de ênfase patriótica, nacionalista na defesa contra o perigo visto como representado pelo elemento estrangeiro no Brasil e pelo comunismo. Entre essas armas para a arregimentação feminina no empenho de formação e conquista de homens para o combate pelos valores através do amor de mães, esposas e irmãs, a música desempenhou papel relevante.

Um texto de Júlia Lopes de Almeida (1862-1934), presidente de honra da Legião da Mulher Brasileira, de 1921, (Veja) testemunha o significado da pianista Guiomar Novaes (1895-1979)  (Veja) nessa luta conservadora e que, formada na França, adquirira extraordinário sucesso nos Estados Unidos, de renome pela sua identificação com as forças patrióticas norte-americanas. (Veja)

Guiomar Novas tornou-se ícone e uma as principais agentes dos elos entre os círculos de elite e de classe média em ascensão conduzidos por mulheres dos Estados Unidos e o Brasil. Chopin tornou-se um dos emblemas do amor patriótico de um músico longe da terra natal, em Paris, atualizado no seu significado a partir da situação dos poloneses da Primeira Guerra e nos imigrantes dos Estados Unidos e assim transplantado para o Brasil.(Veja)

Quando de sua apresentação no Rio de Janeiro em 1924, a publicação Brazilian American (Brazam) reconheceu este significado de Guiomar Novaes como uma verdadeira instituição dos Estados Unidos e para as relações entre ambos os países na numerosa sociedade estadounidense e britânica/canadense da capital do país.

Significamente, a sua atuação ocorreu em ano marcado pela American Legion Dance, sob os auspícios dos Correios e da Legião Americana de Veteranos de Guerra no Rio de Janeiro, onde apresentou-se a Whiteman‘s Jazz Orchestra do Pan America no Hotel Glória. Também como nos Estados Unidos, a Ladies‘Guild e outros círculos sociais femininos mantinham no Rio de Janeiro intensa vida social e artística. (Veja)

Em 1926, a pianista realizou concertos memoráveis no Rio de Janeiro e que conseguiram atrair grande público de classes influentes na política e na cultura com programas que demonstram a formação francesa da pianista sob o signo do galicanismo e de sua recepção norte-americana.

O patriotismo por assim dizer pan-americano da artista não se manifestava expressamente no programa, mas na execução extra das Variações sobre o Hino Nacional Brasileiro de L. M. Gottschalk (1829-1869), sempre capaz de desencadear arroubos de entusiasmo de um público que levantava-se de suas poltronas para ouvir a obra. Entre aqueles que perceberam e criticaram a função político-cultural dessa prática emblemática dos concertos de Guiomar Novaes destacou-se o compositor e crítico Ernani Braga (1888-1948). (Veja)

Em 1927, repetiram-se ainda com maior intensidade os sucessos da pianista no Rio, cuidadosamente preparados de São Paulo pelo seu marido, o engenheiro e músico Dr. Otávio Pinto. (Veja) Nessa ocasião deu-se memorável visita ao Instituto Nacional de Musica, da qual era professora honorária, sendo recebida e homenageada pelo seu corpo docente e discente que, com poucas exceções, era feminino. (Veja)

No quadro que se recria a partir de fontes, constata-se o extraordinário papel exercido pela mulher compreendida como paladina da conservação de valores, imbuida de sentimentos patrióticos de brasilidade e de combate anti-esquerdista nos anos que se seguiram à Guerra na vida e no ensino musical do Rio de Janeiro.

Como os programas de concertos testemunham, esse nacionalismo político conservador não era oposto à manutenção de um repertório imbuído de espírito nacional galicano, mesmo quando incluia autores não franceses, mas oferecido a partir de sua recepção nos Estados Unidos, apto a despertar arroubos patrióticos.

A ação de brasilidade das legionárias de direita política não exigia assim programas com composições com elementos tirados ou inspirados no folclore, porque era movida por critérios outros, antes correspondentes às armas emocionais atribuídas às mulheres, aquelas fundamentadas no amor de mães, esposas e irmãs a serviço da influenciação de seus filhos, maridos e irmãos.

Pode-se compreender, assim, os ímpetos de renovação que sentiam personalidades de músicos e pesquisadores marcados por preocupações intelectuais e construtivas da linguagem musical, entre os quais se sobressaiu Luciano Gallet (1893-1931), compositor, educador, pesquisador e músico com formação de arquiteto. Entende-se, também a incompreensão que encontrou no ambiente do Instituto Nacional de Música e o seu insucesso.

O estudo mais aprofundado dessa personalidade de obra pouco compreendida surge assim como necessário para uma análise diferenciada do período posterior à Guerra e que faz remontar a atenção a Darius Milhaud (1892-1974), adido cultural francês no fim da Guerra no Rio de Janeiro, e, mais anteriormente, a Glauco Velásquez (1884-1914). Através de Milhaud, estabelece-se de novo ponte com a França, mas de um Paris não tradicionalista, aberto à recepção das expressões culturais americanas, capaz de tornar-se modêlo paradigmático da renovação da cultura ocidental procurada por jovens do derrocado Império Áustro-Húngaro e que escolheram as suas „Saudades do Brasil“ como emblema.

Em estudos sobre a ação político-cultural da mulher latinoamericana de orientação política de direita, tem-se considerado que um ápice das legionárias brasileiras foi alcançado com o seu empenho na construção do Cristo Redentor no alto do Corcovado.

Esse monumento, inaugurado em 1931, surge assim como um resultado de processos político-culturais que levaram à situação dos anos 30, podendo servir como imagem significativa da década que se iniciou. O Pão de Açúcar, diferentemente, através do Caminho Aéreo inaugurado em 1912/1913, em trabalho técnico alemão, remonta ao Rio inserido em relações internacionais anteriores á Guerra.

Qual seria, porém, a imagem que possa representar ou auxiliar visualmente a condução de reflexões sobre processos culturais compreenidos entre o período entre o fim da guerra e 1930?

As quedas do Niagara como imagem emblemática

As quedas do Niagara podem ser tomadas neste sentido como significativa imagem. Se o Caminho Aéreo do Pão de Açúcar foi inaugurado nos anos que imediatamente precederam a eclosão dos conflitos bélicos, o teleférico - o transbordador - do Niagara, que liga os Estados Unidos ao Canadá, foi inaugurado já em anos de Guerra, não tendo tecnologia alemã, mas sim espanhola.

Ambas as construções representam pontos altos no desenvolvimento da tecnologia de transportes a cabo da época, inseriram-se porém em contextos políticos diversos das relações internacionais modificadas pela Guerra. O transbordador não une, como no Rio, um monte a outro, mas as bordas de dois países da América do Norte, correspondendo simbolicamente à união de forças americanas e britânico-canadenses e das francesas presentes em ambas as esferas.

A consideração relacionada do Pão de Açúcar e das quedas do Niagara não é nova. Uma das obras mais prestigiadas jamais escritas sobre o rio de Janeiro, a de André Maurois (1885-1967), ilustramda com imagens de Jean Manzon (Rio de Janeiro, Fernand Nathan, 1951, 5), abre significativamente com a menção das cataratas da América do Norte.

„Oscar Wilde escreveu que as quedas do Niagara são a primeira decepção de toda a vida conjugal americana. Era verdade à sua época. Muitos casais jovens faziam as suas viagens de lua-de-mel ao Niagara, esperando ali encontrar uma das maravilhas do mundo. Não viam ali mais do que uma cascata, gigante, sem dúvida, mas sem original beleza. Tinham esperado muito mais, não podendo ficar satisfeitos com essa monotonia massiva.

Existe, ao contrário, no nosso planeta, lugares que têm o renome de serem os mais admiráveis da terra que, entretanto, não só correspondem às expectativas dos visitantes, mas parecem ser aina mais belos do que a imaginação havia pintado. Esse é o caso de Veneza, de Paris, de Toledo; este é o caso também da Baía do Rio de Janeiro.“ (loc.cit.)

Há, além do mais, um estreito relacionamento entre as quedas do Niagara e o Rio de Janeiro: o da energia elétrica que possibilitou a potência econômica de empresários e firmas que atuaram de forma decisiva no Brasil na construção de usinas energéticas, de eletrificação, de iluminação de ruas e de sistemas de transportes de tração elétrica que marcaram a vida e a fisionomia da antiga capital do Brasil através das décadas.

Ciclos de estudos da A.B.E. em Ontário

As dimensões desses vínculos entre desenvolvimentos em Ontário e o Rio de Janeiro puderam ser considerados em viagem promovida pela A.B.E. a Toronto e Mississauga, centros da presença lusófona nos Estados Unidos, de imigrantes portugueses e também de grande número de brasileiros.

Por motivo dos 30 anos de registro e reconhecimento de utilidade pública do Instituto de Estudos de Cultura Musical da Esfera Lusófona na Alemanha essas comunidades foram visitadas. Os elos  entre o instituto e os migrantes lusófonos no Canadá foram relações mantidos vivos por visitas anuais do vice-presidente da instituição, o musicólogo Dr. Armindo Borges.(Veja)

Questões de migrações estiveram no centro das atenções desde o início do programa de interações internacionais iniciado em 1974 na Alemanha e remontante a movimento que, no Brasil, procurou uma renovação da pesquisa e e da prática cultural através de uma orientação a processos, não a esferas categorizadas da cultura.

A situação da Alemanha dividida nas suas implicações no tratamento de questões de imigração de lingua alemã no Brasil e o processo de aproximação e de integração das nações européias trouxe à consciência a necessidade de uma renovação teórica dos estudos correspondentes.

Referenciais mais amplos do que aqueles nacionais da perspectiva de antigas metrópoles de regiões colonizadas deviam determinar os enfoques e, com isso, processos inter- transnacionais, inter- e transregionais e inter- e transcontinentais.

No ano comemorativo dos 300 anos da imigração alemã às Américas, em 1983, essa reorientação de perspectivas dos estudos migratórios trouxe à discussão a necessária renovação dos estudos transatlânticos nas suas relações com aqueles voltados a processos interamericanos.

Assim como os integrativos europeus, também as novas situações e os desenvolvimentos entre as nações do continente americano deviam ser consideradas nas suas interações, um intuito renovador que já se discutia no âmbito do Instituto Interamericano de Musicologia (Montevideo) e de sua representação na Alemanha.

Aspectos desse complexo temático foram tratados em simpósio internacional em Washington, em 1983, assim como em eventos que se seguiram. A consciência de que não apenas as imigrações européias no Novo Mundo mas também, reciprocamente, as crescentes migrações de portugueses, brasileiros, africanos e asiáticos de língua portuguesa aos países da Europa nas suas relações com comunidades de migrantes lusófonos em outras partes do mundo marcou a realização, em 1989, de colóquio internacional de pesquisadores brasileiros e portugueses na comunidade portuguesa de migrantes de Colonia. Esta, dirigida pelo Dr. Armindo Borges, encontrava-se em estreitos vínculos com aquela de Mississauga/Toronto.

Toronto e Mississauga compreendem-se hoje como cidades pluriétnicas e multiculturais, valorizando essa Diversity como fator de desenvolvimento, de vitalidade, energia, progresso material e imaterial, tornando-se, assim, com as suas importantes universidades e instituições culturais, centros privilegiados para a condução de estudos de processos culturais, em particular daqueles relacionados com a imigração nas suas dimensões globais e interações intercontinentais americanas.

A música desempenha na dinâmica cultural de Toronto um papel de extraordinária importância, fazendo com que essa cidade surja ao lado ou ainda mais do que Montréal como a de mais vital vida musical do Canadá. Nessa energética situação músico-cultural, marcada por interações de correntes, tendências e contribuições de diferentes proveniências, a música do Brasil assume singular relevância.

Como em outras regiões do mundo que contam com comunidades de imigrantes e seus descendentes, os complexos desenvolvimentos sociais e culturais experimentados pelos novos cidadãos e seus descendentes no campo de tensões de impulsos integrativos e diferenciadores necessitam ser refletidos na procura de tomada de consciência quanto a inserções em processos relativos à nova situação de vida.

Esse empenho leva à mudança de referenciais na consideração do passado, à procura de pressupostos e pré-condições de situações e, assim, de levantamento de nomes e fatos históricos que precederam e prepararam situações atuais.

Antonio Alexandre Bispo



Todos os direitos reservados

Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A.(Ed.). „Niagara & Pão de Açúcar. América do Norte e a antiga capital do Brasil - a Primeira Guerra Mundial como marco referencial.“
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 156/1 (2015:04). http://revista.brasil-europa.eu/156/America_do_Norte_e_Rio.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2015 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


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Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
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Niagara. Foto A.A.Bispo 2015







Fotos A.A.Bispo, 2015 ©Arquivo A.B.E.