BRAZAM:The Business Builder of Brazil
ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 156

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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N° 156/15 (2015:4)



BRAZAM:
Brazilian American
The Business Builder of Brazil

American Legion Dance e a Orquestra de Jazz de Paul Whitemann no Hotel Gloria


Trabalhos da A.B.E. no Canadá e nos EUA 2015.

Reflexões no Regimental Museum and Archives do Queen‘s Own Rifles of Canada, Casa Loima, Toronto


 
Palacio Monroe
Em ano no qual se comemoram os 450 anos do Rio de Janeiro, os estudos culturais em relações internacionais não podem deixar de considerar com especial atenção a presença norte-americana na antiga capital do país e a influência americana na sua vida cultural.

Já nos primeiros anos da capital remodelada, realizou-se no Rio o grande evento panamericano que teve a sua expressão arquitetônica no Palácio Monroe, um dos edifícios emblemáticos da cidade durante décadas. A sua demolição, em época relativamente recente, representou não apenas uma grave perda para o patrimônio arquitetônico e urbano da cidade, como também para a história cultural e das relações internacionais, em particular interamericanas.

Se os elos com os Estados Unidos já tinham sido estreitos desde o Império, entraram numa nova fase de intensificação sob a República, sendo um de seus momentos mais significativos a conferência panamericana realizada no cenário da cidade recentemente remodelada e em época marcada pelo Centenário da Abertura dos Portos.

Os elos do Brasil com os Estados Unidos  tornaram-se determinantes sob muitos aspectos com a eclosão da Primeira Guerra, com a participação da Primeira Guerra e com o seu desfecho. A vitória trouxe um estreitamento de laços de amizade, intercâmbios e uma intensificação da presença americana no Brasil e brasileira nos Estados Unidos.

Essa nova constelação política, com dimensões econômicas e culturais nos anos que se seguiram a 1918, não tem sido suficientemente considerada nos estudos culturais, em particular da música do Rio de Janeiro e do Brasil. Reservas relativamente à política norte-americana em meados do século XX parecem ter contribuido a esse silenciamento da influência norte-americana na vida músico-cultural do Brasil dos anos 20.

A reconstrução histórica dessa época a partir de uma perspectiva adequada apenas pode ser feita através do gradual levantamento de fontes pouco consideradas, tanto no Brasil, como nos EUA.

Brazilian American - The Business Builder of Brazil

Uma das fontes significativas para os estudos das relações americano-brasileiras do período posterior à Primeira Guerra é o Brazilian American, periódico dedicado ao fomento de relações comerciais entre o Brasil e os Estados Unidos.

Essa publicação oferece importantes subsídios para o estudo da presença americana - e anglofone em geral - na antiga capital do Brasil. Inúmeros são os nomes de personalidades da diplomacia e do mundo dos negócios residentes no Rio nela citados, salientando-se os de senhoras da sociedade que mantiveram intensa vida social e caritativa.

Por motivo de batizados, aniversários e casamentos, assim como por ocasião da chegada de navios americanos, essas senhoras organizavam nas suas residências encontros, almoços e chás.

Um dos  momentos que devem ser lembrados do período imediatamente posterior à Primeira Guerra foi o da vinda do navio American Legion ao Rio de Janeiro, em 1924. Para receber os compatriotas, a Sra. R. B. Whidden reuniu numerosa sociedade para jantar e jogo de bridge na sua residência no bairro de Santa Teresa. Com o navio, chegaram ao Rio influentes representantes da indústria e do comércio, entre êles Aaron Robert Heimann, da Republic Motor Truck Co. de Michigan.


Também a chegada do navio norte-americano Pan American deu ensejo à realização de recepções e soirées. O Brazilian American divulgava nomes de recém-chegados, assim como daqueles que se encontravam no Rio de Janeiro por mais longo período de tempo. Tornando público o hotel em que viviam, facilitavam contatos e visitas.


O Hotel Glória sempre mencionado no períodico foi um dos principais hotéis procurados por americanos e sede de jantares e reuniões americano-brasileiras. Esse fato foi também registrado por viajantes europeus, como foi o caso e Hermann Ulmann, no seu „Verão brasileiro“ em relações com a Europa (Brasilianischer Sommer: Im Rückblick auf Europa, Berlin: Widerstandsverlag 1930, 71-72).

„Nos terraços do Hotel Glória sentam-se esses homens altos, bem barbeados, esses novos senhores do mundo dos USA, esses modernos conquistadores com o lápis de fazer contas. Essa gente não vê muito do espetáculo grandioso da natureza que se desenrola sobre a serra. A noite profundamente escura é interrompida de forma cada vez mais frequente por ondas de luz azul, nas quais surgem delineadas as pontas da montanha do Dedo de Deus. Esses homens não ouvem o ruío louco, aguçado dos grilos, o murmurar das ondas. Impávidos, olham de cima para os bondes e ônibus que passam superlotados - será que pensam apenas nos seus dividendos? - sentam-se trajando os seus chatos smokings à frente de suas elegantes damas, a música toca - o que? - valsas vienenses, e, num canto não muito escuro, um par em lua-de-mel frui nessa noite particularmente bela a sua viagem ao modo anglo-saxão: ‚spooning‘.

Neles cai repetidamente luz, quando dançam os relâmpagos de um temporal tropical ao longe. Mas isso não os incomoda. E o temporal não esfria nem um pouco o ar aquecido. Os vagalumes, que anam nos jardins, piscam como lanterninhas azuis, como sinais de luz místicos (...). „How sweet“. (loc.cit.)

The Ladies Guild e a Women‘s Aid Society


Entre as rêdes femininas norte-americanas/britânicas do Rio deve-se salientar a The Ladies Guild da Union Church. O encontro regular do Guild tinha lugar no Hotel Central. Essa liga organizava jornadas em residências particulares que começavam às 10 horas da manhã e se prolongavam por todo o dia.

Em 1924, a quinta edição das reuniões promovidas por essa Liga de Senhoras teve lugar na casa da Sra. U. V. Woolman, então situada na rua Senador Vergueiro.

O objetivo social dessa reunião era - como da liga em geral - o de arrecadar fundos para fins beneficientes, entre outros para enfermeiras de saúde pública que amparavam os pobres do Rio de Janeiro.  Embora realizando-se numa determinada casa particular, a reunião, como outras, foi organizada por várias senhoras relacionadas com a anfitriã, entre elas as senhoras Tucker, Lichtwardt, Tyler e Watson. O encontro foi marcado por uma palestra de Annie Marchant sobre as suas impressões ganhas em viagem aos Estados Unidos após a qual serviu-se chá às muitas senhoras presentes.

A Women‘s Aid Society também reunia-se regularmente em casa de uma das associadas. Em 1924, o periódico anunciou que seria a Sra. Buckley a anfitriã, recebendo os membros da sociedade na sua residência em Niterói. As associadas deviam tomar o bonde „Canto do Rio“. O objetivo dessa sociedade era caritativo, sobretudo de assistência a mulheres em dificuldades.

The American Legion Dance no Hotel Gloria

Um aspecto da presença norte-americana no Rio de Janeiro é aquele relativo às implicações político-culturais de relações econômicas. A sua consideração pode abrir perspectivas para a análise de desenvolvimentos culturais brasileiros nas suas inserções em processos políticos interamericanos.

Personalidades, fatos e correntes da vida cultural e artística do Brasil, á primeira vista resultados apenas de desenvolvimentos próprios do país, revelam-se como interrelacionados com personalidades, fatos e correntes nos Estados Unidos.

A consideração dessas relações pode abrir novas perspectivas sobretudo para o reconhecimento da função de atividades lúdicas, de jogos sociais e de manifestações artísticas, em particular da música e da dança em processos políticos.

Entre as instituições que merecem atenção salienta-se a American Legion. Como organização de veteranos do exército americano que participaram na Primeira Guerra, criada pelo General Theodore Roosevelt Jr. (1887-1944), homem de negócios e militar de renome pelos seus feitos na Guerra, a American Legion foi marcada por acentuado sentimentos de orgulho patriótico resultantes da vitória e da simpatia para com os países co-combatentes. Através de solenidades em memória à Guerra e eventos sociais, a Legião Americana não só teve acentuada influência na política, como também na vida social e cultural americana e dos americanos no Brasil.

Um dos aspectos caracterizadores desses eventos foi a saliência dada a imagens e emblemas militares e cívico-nacionais, em particular à bandeira. O culto à bandeira no Brasil, que teve a sua expressão no hino à bandeira, insere-se em contexto epocal amplo que encontra paralelos nos Estados Unidos.

No Brasil, um evento que merece ser recordado foi a American Legion Dance realizada no dia três de julho de 1924 nos salões do Hotel Glória do Rio de Janeiro. Nele estiveram presentes muitos membros das colonias estadounidenses e britânicas do Rio, assim como brasileiros amigos de americanos ou relacionados com negócios americanos no Brasil. Esse evento contou com a participação da Orquestra de Jazz de Paul Whitemann „Pan America“, conduzida por Harry Bellows, o que pode ser visto como marco da era do Swing na capital do Brasil.

Paul Witheman (1890-1967) trazia renome como principal motor de um desenvolvimento nobilitador e „embranquecedor“ do Jazz através do emprêgo de recursos orquestrais, a introdução de cordas, e de tênicas mais elaboradas de harmonia e instrumentação. A sua trajetória, marcada pelo sucesso inicial como regente regente da orquestra do Hotel Fairmont em São Francisco, assim como nas suas apresentações em Atlantic City, Nova York, em 1920, alcançara repercussão internacional com o disco Whispering, daquele ano. Witheman e sua orquestra estiveram na Europa, em 1923, e, em 1924, apresentaram em primeira audição a Rhapsody in Blue de George Gerschwin (1898-1937), composição que alcançaria grande repercussão através do filme King of Jazz, em 1930, também na esfera do pensamento músico-cultural do Brasil.

Guiomar Novaes (1895-1979) no Brazilian American

Do lado brasileiro, o grande nome na história da diplomacia cultural entre os EUA e o Brasil foi o da pianista Guiomar Novaes, altamente acatada entre os americanos no Brasil.

Significativamente, o Brazilian American publicou, em 1924, um extenso texto a respeito da pianista, lembrando de início que, se um Hall of Fame do Brasil fosse algum dia instituído, ninguém se surpreenderia que nele fosse dado o primeiro lugar a Guiomar Novaes, a modesta e reservada jovem paulista cujo talento era admirado e aclamado nos Estados Unidos, onde era amada e venerada. (A. Flatt, „Guiomar Novaes“, Brazilian American July 12, 1924, 17)

O autor do texto não tinha a intenção de apreciar o seu valor como artista. O público sabia que a pianista pertencia ao grupo restrito dos pianistas verdadeiramente grandes da época. Dos muitos que já tinham visitado o Brasil nos últimos anos ela podia ser apenas comparada a Alexandre Brailowsky (1896-1976).

O autor demonstra no seu texto ter conhecimento dos comentários em jornais americanos por repetir observações neles lidas. Um desses topoi era o da comparação de Guiomar Novaes com a venezuela Teresa Carreño (1853-1917).

Essa comparação resultava sobretudo do fato de serem mulheres e de possuirem „virilidade“ na execução.

Lembrava-se que a América do Sul até então produzira apenas dois grandes pianistas de projeção internacional, sendo ambos do sexo feminino. Uma, Carreño, era uma „leoa do teclado“, a outra, a brasileira, podia ser chamada de uma „gazela do teclado“. A venezuela atacava o seu instrumento com vigor e impressionava sobretudo em passagens de bravura. Novaes, ao contrário, acareciava o seu Steinway, produzido efeitos delicados que eram combinados com cascatas cintilantes de figuras e escolas que fundiam as emoções do ouvinte, despertando uma admiração que se aproximava de adoração.

A pianista brasileira alcançava a sua maior excelência como intérprete de F. Chopin (1810-1849). Mesmo as obras mais conhecidas do compositor polonês adquiriam sob a sua interpretação aspectos inesperados e novos. O autor tinha podido constatar essa excelência em recital totalmente dedicado a Chopin que Guiomar Novaes dera no Rio de Janeiro três anos atrás.

O Brazilian American não podia deixar de considerar a tradição criada pela pianista em oferecer como extra de seus programas a fantasia do Hino Nacional Brasileiro do virtuose e compositor norte-americano Louis Moreau Gottschalk (1829-1869). A obra, de grande dificulade técnica, era vencida com brilho e impetuosidade pela pianista. Independentemente dos seus programas exaustivos, e de quantos números extras oferecesse, sempre era solicitada pelo público a executar o Hino Nacional nesse arranjo para concerto do virtuose norte-americano. Nas palavras do autor do texto, essa prática tinha quase que características de culto, de um ato sacrificial, sendo consequentemente presenciado com devoção e reverência pelos ouvintes, levantando-se todo o auditório.

O artigo surgia por motivo dos concertos que a pianista oferecia no Teatro Municipal do Rio de Janeiro e que eram coroados de sucesso público. Tendo tornado-se mãe, a pianista afastava os receios de muitos que essa nova fase da vida fosse prejudicar a sua dedicação à arte. Pelo contrário, a pianista ganhara uma nova dignidade como esposa e mãe, e, como gesto simbólico, ofereceu no seu segundo concerto uma Berceuse de Chopin com particular ternura.

O Brazilian American não deixou de lembrar, por fim, que os maiores triunfos da pianista tinham sido alcançados nos Estados Unidos, onde já se tornara uma instituição. Foram esses sucessos americanos que repercutiram no Brasil, favorecendo o seu reconhecimento no próprio país. Os americanos tinham assim orgulho do papel que desempenharam no desenvolvimento da carreira da pianista e no lugar privilegiado que os EUA ocupava no seu coração.


De ciclo de estudos da A.B.E.
sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo


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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A.(Ed.). „BRAZAM: Brazilian American. The Business Builder of Brazil. American Legion Dance e a Orquestra de Jazz de Paul Whitemann no Hotel Gloria “.
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 156/15 (2015:04). http://revista.brasil-europa.eu/156/BRAZAM_1924.html


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