Bondes do Rio:
ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 156

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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N° 156/6 (2015:4)




Bondes do Rio
The Rio de Janeiro Tramway, Light & Power Company em Toronto
e o sistema da Carioca



Estudos em Toronto pelos 450 anos do Rio de Janeiro e 10 anos de visita da A.B.E. à estação de Santa Teresa



 
Bonde de Toronto. Foto A.A.Bispo 2015
No ano em que se comemora o Rio de Janeiro pelos seus 450 anos, cumpre lembrar um sistema de transportes coletivos que acompanhou e co-determinou o seu desenvolvimento urbano, marcou a sua imagem por décadas, a vida de seus habitantes e a identidade de ruas e bairros.

Considerar sob a perspectiva cultural o fato de ter sido a capital do Brasil uma das cidades de mais desenvolvida rêde de bondes do Brasil com os seus 650 qm de trilhos e mais de 2300 veículos entre bondes, reboques e veículos de serviço é mais do que simples nostalgia ou curiosidade passadista.

É uma exigência de estudos da história e política urbana, da técnica e dos transportes em geral, de estudos culturais do quotidiano, de percepção da cidade e de processos culturais nas suas relações com as ciências aplicadas e o mundo das finanças em contextos globais.

Bonde de Toronto. Foto A.A.Bispo 2015
Nessa internacionalidade, o o estudo desse sistema de transportes não pode ser feito sem considerar as suas inserções em desenvolvimentos políticos mundiais.

Neste sentido, salientam-se as relações entre a América do Norte e o Brasil, em particular da presença e da atuação canadense no Brasil, cabendo reconhecer um papel relevante desempenhado pela The Rio de Janeiro Tramway, Light & Power Company no desenvolvimento, na vida, na cultura do dia-a-dia e na imagem do Rio por décadas.

Recíprocamente, essas atividades e investimentos no Brasil pela „Light“, feitos com intenções pragmáticas de lucro, garantiram a presença do Brasil no Canadá com a sede da The Rio de Janeiro Tramway em Toronto.

Essa cidade foi procurada em 2015 para a realização de estudos promovidos pela A.B.E..(Veja)

Atualidade: Renascimento dos bondes na Europa, nos Estados Unidos e no Rio

Não só a permanência, como a revitalização, reintrodução e introdução de bondes em muitas cidades da Europa revelam a atualidade desse sistema de transportes e dos estudos não só técnicos, de renovação de parques de veículos e histórico-patrimoniais, como também urbanísticos, sociais-urbanos, econômicos, de revitalização de centros, de melhoramento de qualidade de vida e de proteção ambiental nos diferentes contextos. A instalação de uma linha de bondes na Av. Rio Branco no presente - assim como projetos em outras cidades - indica que também o Brasil não se exclui deste desenvolvimento global.

As soluções encontradas para cidades como Paris, Londres, Manchester, Barcelona, Marselha, Nancy, Clermont Ferrand, Lille, Grenoble, Milão, Santa Cruz de Tenerifa, - apenas para mencionar algumas das já consideradas em trabalhos euro-brasileiros de urbanismo de orientação cultural - testemunham a diversidade dos aspectos considerados nos projetos, a criatividade e lógica de planejamentos e as qualidades técnicas e estéticas de veiculos e traçados de rêdes.

Assim como se estuda a história de sua introdução e do desenvolvimento desse tipo de transportes urbanos a partir e meados do século XIX, pode-se  traçar uma história do redescobrimento e revalorização. Esta iniciou-se já em fins da década de 70 (Edmonton, 1978), intensificando-se na de oitenta (Calgari, Heluan, San Diego, Utrecht, Buffalo, Constanta, Nantes, Tunis, Portland, Buenos Aires, Cluj-Napoca, Grenoble, Sacramento, San José, Craiova, Ust-Ilimsk, Guadalajara). Nos anos 90, o bonde passou a ser revalorizado em importantes cidades da Europa e dos Estados Unidos (Los Angeles, Baltimore, Istambul, Konya, Manchester, Paris, St Louis, Denver, Sheffield, Estrasburgo, Rouen, Valencia, Dallas, Saarbrücken, Oberhausen, Sydney, Birmingham, Salt Lake City, Antalia). No século atual, um número ainda mais crescente de cidades reintroduziram ou revalorizaram transportes urbanos de tração elétrica baseados em trilhos ou híbridos (entre outras: Lyon, Montpellier, Nancy, Orleans, Hudson-Bergen, Croydon, Heilbronn, Bilbao, Porto, Caen, Alicante, Bordeaux, Messina, Tacoma, Jerusalem, Dijon, Le Havre, Le Mans, Nizza, Toulouse, Valenciennes, Nanging, Shenyang, Dubai, Barcelona, Bilbao, Murcia, Bergen, Bursa,Heilbronn, Weil a. Rhein, Florença, Messina, Atlanta, Houston, Phoenix, Seattle, Washington D.C., Mendoza e.o.).

A consideração de bondes nos estudos de trasportes e de planejamento urbano em geral não é, assim, apenas uma questão histórica de um passado encerrado em muitos países, mas diz respeito ao presente, à sua atualização e modernidade como um fenômeno das últimas décadas.

Sobretudo a França surge neste sentido como exemplo do sucesso da reintrodução de bondes na revitalização e reurbanização de centros de cidades e na substituição do transporte individual a favor do coletivo com as suas implicações sociais, ambientais e de recuperação de ruas e centros velhos, agora em muitos casos reservados para bondes e pedestres.

Patrimônio histórico e novas soluções

Bonde de Santa Teresa. Foto A.A.Bispo 1981
Em cidades de vários países da Europa (entre outros Alemanha, Bélgica, Países Baixos, Dinamarca, Suécia, República Tcheca, Itália, Finlândia, Suíça, Portugal) e em outras regiões do mundo (Nova Zelândia, Austrália, Russia, entre outros países), antigas rêdes conseguiram sobreviver às décadas marcadas por planejamentos urbanos dirigidos ao transporte individual e que culminaram na de 60.

Essa extinção em dimensões mundiais desse meio de transporte foi produto de concepções urbana, de planejamento s e de política que agora passam a ser reconhecidos cada vez mais como problemáticso e mesmo errôneos.

Essa desativação de transportes em trilhos nas cidades de todo o globo baseou-se não apenas em imperativos práticos e econômicos, mas foi fundamentada ou justificada por ideários urbanísticos e mesmo ideologias de cidades adaptadas e determinadas pelo automóvel, não sem também também motivos ou implicações político-sociais, entre outras de procura de superação de problemas criados por reinvidicações sindicais de trabalhadorres há muito empregados.

Cidades que possuem linhas históricas de bondes, algumas mantidas por tradição ou fins turísticos, procuram hoje coadunar as novas soluções com esse patrimônio técnico e do mobiliário urbano, que é por vezes caracterizador de imagens e identidades, como é o caso de Lisboa, São Francisco, Christchurch, Istambul, Toronto ou, até há pouco, do bairro Santa Teresa no Rio de Janeiro.

O Brasil pertenceu infelizmente - como a América do Sul em geral - àqueles países que destruiram quase que por completo densas rêdes de bondes existentes em muitas cidades (entre outras São Paulo, Santos, São Vicente, Guarujá, Campinas, Piracicaba, Porto Alegre, Salvador, Recife, Manaus, Belém, Aracaju, Belo Horizonte, Campo Grande, Campos, Guaratinguetá, João Pessoa, Juiz de Fora, Vitoria, Maceió, Natal, Niteroi, Pelotas, São Carlos, São Luís, Santo Amaro, Rio Grande).

Se o levantamento de linhas do passado e o seu estudo, assim como dos veículos vêm sendo desenvolvidos por pesquisadores em história de transportes, mais especificamente daqueles de trilhos, divulgados em publicações especializadas e já apresentando em muitos casos um alto grau de desenvolvimento, torna-se necessário aprofundar mais os estudos e as reflexões sob a perspectiva dos estudos culturais.

O processo de remoção de bondes na história da política urbana

Se a eletrificação das antigas linhas de bondes de tração animal e a instalação da grande rêde de trilhos diz respeito à história do desenvolvimento urbano de cidades como o Rio, pois possibilitou relações entre o centro e bairros, acompanhou e mesmo determinou urbanizações e desenvolvimentos de bairros, também a sua remoção gradativa merece ser considerada nas análises de transformações urbano-culturais.

Assim como em outras cidades, a década de 50, com o aumento do transporte individual e o crescimento de bairros com a especulação imobiliária, demolições e construções de edifícios, foi marcada pela supressão crescente de várias linhas de um meio de transporte coletivo que, em inversão de critérios, passou a ser considerado como um estorvo.

Várias linhas foram suprimidas em ruas do velho centro, dando início, como em outras cidades do Brasil e de outros países, a um processo de negativas consequências para a vida urbana. A supressão dos bondes à beira-mar para dar lugar a amplas vias de tráfego rápido significou não só um progresso, mas uma perda, uma vez que esses veículos, abertos, eram adequados às condições climáticas, possibilitando a fruição do ar e da paisagem.

A supressão de linhas passou também a atingir os bairros e, numa presumida sistematização, removeram-se linhas mais curtas, como em Méier e Vila Isabel, assim como de São Cristóvão. A zona sul passou a ficar gradativamente sem os veículos, sendo estes retirados dos túneis. Em fins a década, a Ferro-Carril Carioca foi atingida com a supressão do ponto final na igreja da Ordem Terceira devido à remoção de parte da colina do Convento de Santo Antonio.

A década de 60 iniciou-se com a extinção da companhia do Jardim Botânico, restando algumas linhas que passaram a uma administração provisória, sendo que o último bonde da zona Sul trafegou em 1964. Nessa época, a Light resolveu separar-se dos seus empreendimentos de transportes. Em meados da década de 60, restavam as linhas de Santa Teresa, Alto da Boa Vista, Engenho Novo, Cascadura, Jacarepaguá e Bananal.

Bondes e exercícios de leitura urbana em colóquios euro-brasileiros

Em diferentes ocasiões foram incluídos exercícios de leitura urbano-cultural no bairro de Santa Teresa na programação de colóquios internacionais realizados pela A.B.E. no Rio de Janeiro. (Veja) Realizadas por motivo dos bondes, já não seriam hoje possíveis devido à suspensão dos serviços após acidente e que criou uma situação marcada por dúvidas quanto a seu reestabelecimento. Elas foram precedidas e acompanhadas por estudos de vários aspectos da história do sistema de bondes no Brasil e em particular no Rio, de sua função na percepção e na identidade de ruas e bairros, assim como o seu papel na história política e popular, de protestos e reinvidicações.

Em 2005, em colóquio internacional de estudos interculturais realizados pelas universidades alemãs de Colonia e Bonn e instituições brasileiras no Rio de Janeiro, quando diferentes aspectos de relações entre a cidade, a percepção urbana, música e dança foram considerados, decidiu-se a realização, no ano seguinte, de uma visita à estação de bondes de Santa Teresa para o prosseguimento das reflexões.


Assim, em 2006, pesquisadores da A.B.E. visitaram a estação desses veículos, tomando-se então conhecimento dos esforços de manutenção do serviço, problemas políticos, perspectivas de sobrevivência, de recuperação de veículos e de segurança, considerando-se os aspectos positivos e negativos de planos de fechamento de laterais de veículos tradicionalmente abertos.

À vista dessas remodelações, considerou-se a história da empresa Carioca e os veículos utilizados. Estes foram construídos no Brasil mas possuem motores inglêses, controladores da General Electric e estrados Peckham.

Lembrou-se nesse encontro que a conservação dos bondes em Santa Teresa teria tido como um de seus fatores justamente o interesse de visitantes estrangeiros pelos bondes à época dos 400 anos do Rio, em 1965, o que fêz também que se mantivesse o do Alto da Boa Vista como rota turística. Dez bondes foram então remodelados, fechados, providos de assentos estofados e pintados de prata e azul - os bondes „Rita Pavone“. Saiam da Praça da Bandeira em direção ao Alto da Boa Vista. Um carro menor fechado foi construido para Santa Teresa, trafegando só na linha Paula Mattos que tinha balões em ambos os fins. A comemoração dos 450 anos do Rio, no presente ano de 2015, também é acompanhada pela instalação de uma linha de bondes, desta vez na Av. Rio Branco. Esses fatos podem ser vistos como expressões de uma consciência ou de uma compreensão nem sempre conscientemente refletida do significado desse meio de transporte para a cultura urbana do Rio.


São Paulo - Toronto - New York, bondes em contextos internacionais

A organização canadense The Rio de Janeiro Tramway, Light & Power Company foi constituida em Ottawa, Canada, em 9 de Julho de 1904 por Alexander Mackenzie (1860-1943), então advogado em Toronto, o industrial Percival Farquhar (1864-1953), de New York, e Frederick Pearson (1861-1915), engenheiro, também de New York. 

A fundação no Rio seguiu-se à de São Paulo, onde Mackenzie e Pearson tinham criado o São Paulo Railway, Light & Power Company, em 1899, logo mudado para São Paulo Tramway, Light & Power Company, inaugurando-se a tração elétrica na capital paulista em 1900.

A empresa conseguiu permissão para as operações no Rio em 1905.  O Anuário Econômico do Brasil de 1911 apresenta um pormenorizado quadro da situação da companhia antes da Guerra, que então se encontrava em liquidação. A sociedade anônima canadense, constituida a 9 de junho de 1904, tinha como objetivo a exploração, sob todas as suas formas, de concessões de tramways, de iluminação e de força motriz.

Essa sociedade fusionou-se em julho de 1912 com a São Paulo Tramway, Light and Power e a São Paulo Electric Company, sob a denominação de Brazilian Traction Light and Power Co. O capital da nova empresa foi fixado em 120 milhões, dividido em 1.200.000 ações de $100 atribuidos notadamente aos velhos acionários do Rio de Janeiro à ração de 1 ação 3/5 por cada título.

A sede era em Toronto, com escritórios em Londres (46, Threadneedle Street) e em Paris (rue Louis-le-Grand). Tinha um capital social de 40.000.000 dólares, divididos em 400.000 ações de 100 dólares. Tem originalmente de 25 milhões de dolares, alcançado em 1909 a 31.250.000 dóilares e, em 1911, à cifra atual.

Esse significado das ações e títulos na realização de tão grande projeto parece ter sido a razão da denominação dos veículos em „bonds“.

Ao Conselo da administração pertenciam 15 membros, proprietários de dez  ações: MM. F. Pearson, W. Mackenzie, A. Mackenzie, W. C. Van Horne, A. Maia, Z.-A. Lash, D. B. Hanna, P. Farquhar, G. Flett, R. M. Horne Payne, E. R. Wood, W. Gow, E. Quellenec, J. Javal, Th. Verstraeten.

Em 1912, a Brazilian Traction, Light and Power Company Ltd. entrou na Bolsa. O empreendimento começou com o aproveitamento de energia de matérias primas naturaisl. O desenvolvimento brasileiro decorreu paralelamente àquele na América do Norte. Assim, em 1916, a Great Lakes Power Company Limited passou a fornecer em grande escala energia proveniente das hidroelétricas em Sault Ste. Marie e no Distrito Algoma, em Ontario.

Eletrificação, ampliação de rêdes e a metamorfose do Rio

Os anos decisivos do fomento dos veículos de tração elétrica no Rio foram aqueles marcados pelos grandes trabalhos de remodelação do porto, de saneamento, de reconfiguração urbana com demolições e reconstruções de grande porte no velho centro e abertura de novas ruas e bairros que marcou a fisionomia do novo Rio e a imagem do Brasil no Exterior (Veja).

As suas atividades coincidiram portanto com os grandes trabalhos de remodelação do porto, de saneamento, de reconfiguração urbana com demolições e reconstruções de grande porte no velho centro e abertura de novas ruas e bairros que marcou a fisionomia do novo Rio e a imagem do Brasil no Exterior (Veja).

Os bondes da Light foram assim elementos integrantes desse processo construtivo e revitalizador, parte do mobiliário urbano, fatores de vinculação entre o novo e o velho, entre os espaços recém-criados com o bota-abaixo e a expansão urbana e os antigos bairros centrais na densa rêde e suas ruas.

A eletrificação do transporte coletivo foi uma parte integrante dessa metamorfose urbana. Em 1910, deu-se a última viagem de um bonde de tração animal. Entretanto, em 1911 inaugurou-se ainda uma linha de bondes de tração animal da Linha Circular Suburbana (The Rio de Janeiro Suburban Tramway Limited), a última do gênero no Brasil. Era vinculada à organização inglesa Atlas Investment Corporation, que partia da Madureira até Irajá.

Assim como a reconfiguração do Rio não foi um capricho, mas sim baseada e justificada a partir de visão do mundo e do homem evolucionista (Veja), representada na obra do cientista natural e pensador alemão Ernst Haeckel (1834-1919) através da sua recepção francesa, também os bondes da Light inserem-se nesse edifício de concepções e convicções de evolução e civilização derivado de conhecimentos da biologia ou botânica.

Os bondes trafegavam nas artérias de um corpo urbano que era sanado e revigorado. Nessa imagem, que hoje surge como sendo apenas metafórica, os bondes relacionam-se com a circulação no saneamento e rejuvenescimento da cidade concebida como organismo, com a sua revitalização e, portanto, com energia.

Se a idéia, portanto, era alemã, em desenvolvimento teórico-filosófico dos conhecimentos científico-naturais britânicos de Darwin (1809-1882), se a sua recepção tinha sido através da França, a movimentação, a energia - e a agitação, a alegria, o barulho - representados pelos bondes eram norte-americanas.

Bondes nas relações entre a América do Norte e o Brasil

Assim compreendendo, os bondes elétricos surgem como um demonstrativo da intensificação das relações entre a América do Norte e o Brasil à época de anelos americanistas e pan-americanistas já anteriores à Guerra. Representam neste sentido um processo americanizador que tornar-se ia dominante a partir de 1918 com a hegemonia dos países vencedore. O período de principal significado dos bondes foi consequentemente o dos anos 20 e 30.

Essa americanização deve ser considerada diferenciadamente, pois os interesses estadounidenses tiveram seus contraentes brasileiros, - em particular a família Guinle -, e circunstâncias diversas levaram a perdas e co-determinaram ruínas de empresários canadenses.

Em 1926, correspondendo ao nacionalismo da época, o seu nome foi traduzido para Companhia de Carris, Luz e Força do Rio de Janeiro, permanecendo porém acertadamente como „Light“ na linguagem popular.

A obra de dimensões gigantescas que foi a eletrificação do transporte urbano de trilhos na América do Norte e do Brasil, assim como os recursos necessários para realizá-la, exigiu energia e capitais. A implantação do sistema de bondes elétricos em Toronto e a atuação multinacional a partir do Canadá foi possibilitada sobretudo pelos capitais gerados do aproveitamento energético das quedas de Niagara. Também no Rio de Janeiro, o desenvolvimento do sistema de bondes levou à construção pela Light de uma hidroelétrica em Ribeirão das Lajes, em 1906. (Veja)

Bondes da Light, de outras rêdes e os bondes da Carioca

A companhia, na sua expansão, passou a atuar na Vila Isabel,  tomando a si os sistemas mais antigos de São Cristóvao e dos Carris Urbanos, remodelando-os, e, ampliando o seu campo de ações, já em 1907 a operar como companhia telefônica e em obras de gás.

Em 1909, as companhias do Jardim Botânico, que servia a Zona Sul e da Carioca foram englobadas e conectadas com a da do centro na Lapa, passando a comprar energia da empresa canadense. Os bondes partiam de ambas as companhias do ponto-final na Avenida Rio Branco, junto ao Hotel Avenida.


Os bondes da Carioca permaneceram separados das redes conectadas, pois usavam de outra bitola, de menor largura devido à área disponível no aqueduto. A empresa tinha adquirido uma concessão para instalar uma rede nas montanhas que conectava o Corcovado com o Alto da Boa Vista através da Floresta da Tijuca; os trabalhos, iniciados em 1904, tendo chegado o primeiro carro no Sumaré em 1906.

A Light adquiriu e eletrificou a ferrovia do Corcovado, com locomotivas vindas da Suiça, inaugurando o serviço em 1910, considerado como pioneiro na história das ferrovias elétricas do Brasil. A ferrovia do Corcovado, projetada já pelo Barão de Mauá em 1857, alvo de projetos ingleses, franceses e belgas, tinha sido construida em 1884, tendo sido aberta ao tráfego a linha do Alto da Boa Vista em 1898. O projeto do Sumaré, porém, não teve sucesso por diferentes motivos, técnicos e não por último pela concorrência em atratividade turística pela construção do bondinho do Pão de Açúcar.

Extraordinária expansão de rêdes de trilhos no Rio

Em 1910, a The Rio de Janeiro Tramway, Light & Power Company tinha uma rêde que perfazia 221 quilômetros, atingindo o centro da cidade e a zona Norte, com 213 bondes e 210 reboques, além de 70 com outras funções.

Em 1911, eletrificou as linhas do bonde de Jacarepaguá. Já em 1912, o número de veículos de passageiros que corriam no Rio era de 340, em 1920, 450.

Carcaça brasileira, estrutura e motores ingleses e norte-americanos

No início de sua atuação, a companhia adquiriu bondes norte-americanos a partir de 1905. Alguns, vindos de St. Louis, foram usados em Niterói e em Belo Horizonte, outros, passaram a transitar no Rio. A companhia, porém, deixou de adquirir outros veículos nos Estados Unidos. Da Inglaterra vieram bondes a partir de 1907. A partir de 1908, os canadenses começaram a construir bondes na estação de Vila Isabel, comprando motores na sua maioria da United Electric.

A maior parte dos veículos era de construção das próprias companhias. Estrados vieram dos Estados Unidos, motores da Inglaterra, os corpos foram construidos no Brasil. Bondes mais antigos, importados da Inglaterra e da Alemanha, passaram a ser substituidos. Diferentemente de São Paulo e de outras cidades, a Light do Rio não comprou veículos usados de outros países. Houve, porém, trocas de veículos entre as companhias. A grande maioria dos veículos era constituida por bondes abertos, havendo apenas na o Jardim Botânico reboques fechados de segunda classe. Entretanto, nos anos 20, os bondes foram em geral fechados num dos lados. Na maior parte das linhas criaram-se balões nos terminais.

Os bondes e o New Brazil republicano

No encontro na estação de Santa Teresa, considerando-se a menção dos bondes da Carioca na literatura referente ao Rio de Janeiro, recordou-se em particular da obra The New Brazil da jornalista, escritora e historiada americana Marie Robinson Wright (1866-1914), considerada como principal escritora da América do Norte de sua época.

Natural da Georgia, atuou como jornalísta no Sunny South, semanário de Atlanta. Em New York, foi correspondente do New York World. Deu início a viagens pela América Latina no início dos anos 90, escrevendo livros sobre o Brasil e outros países, ilustrados com imagens de alta qualidade.

Em outubro de 1899, Marie Wright e uma acompanhante chegaram ao Brasil com o objeto de observar a situação do país sob a República. A sua admiração pelo país e seu desenvolvimento pode ser constatada no livro The New Brazil, its resources and attractions, historical, descriptive and industrial, publicado em 1901, dedicado a Manoel Ferraz de Campos Salles (1841-1913), Presidente da República: „A leader among the great men who are shaping the destiny of the western World and honored as one of the foremost stattesmen in the creation of the New Republic. (Marie Robinson Wright, The New Brazil. Its resources and Attractions. Historical Descriptive, and Industrial, Philadelphia: George Barrie & Sonn, 116 e 118)

A obra quis descrever a vida e o progresso de uma nação que despertava expectativas de grande prosperidade. Nesse intuito, os bondes do Rio não poderiam deixar de ser considerados com atenção.

„Com a beleza do seu lindo ambiente, o Rio possui atrações sem rivais como lugar de residência dos mais agradáveis. Um excelente sistema de bondes tornam facilmente acessiveis os mais remotos subúrbios e mesmo durante as estações opressivas do ano uma viagem de meia hora leva o residente a uma atmosfera de deliciosa frescura. Do Largo Carioca, o ponto central de partida da maior parte das linhas, um bonde liga com Santa Teresa, ofecendo o trajeto uma das vistas mais pitorescas imagináveis; o alto apresenta uma sucessão de terraços, com mansões de aparência convidativa entre as árvores. O velho aqueduto Carioca corre ao longo do lado da via, um elo de conexão entre a indústria moderna e a medieval.

Nos distritos suburbanos do Rio há muitas cidades florescentes, dentro de fácil distância por trem ou linhas de bondes. Dessas, Campinho contém o laboratório de pirotécnicas, que supre um dos mais importantes acessórios para as festas da capital; Cascadura tem uma linha de bonde, e um bem equipado hospital sob a direção da Misericórdia.“ (loc.cit.)

„With the charm if her beautiful environment, Rio possesses unrivalled attractions as a most delightful place of residence. An excellent street-car system makes the remote suburbs easily accessible, and even during the oppressive seasons of the year a half hour‘s ride will take the resident into an atmosphere of delicious coolness. From the Largo Carioca, the central starting-point for all the main lines, an inclined railway connects with Santa Theresa, the route offering one of the most picturesque views imaginable; the summit presents a succession of terraces, with villas looking invitingly out among the trees. The old Carioca aqueduct runs along the side of the road, a connecting- link between modern and mediaeval industry.

(...)

In the suburban districts of Rio are many flourishing towns, within easy distance by railway or street-car lines. Of these, Campinho contains the laboratory of pyrotechnics, which supplies one of the most important accessories to the fiestas of the capital; Cascadura has a street-car line, and a well-equipped hospital under the direction of the Misericordia.

(Veja em continuidade, nesta edição)


De ciclo de estudos da A.B.E.
sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo



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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A.(Ed.). „Bondes do Rio.
The Rio de Janeiro Tramway, Light & Power Company em Toronto
e o sistema da Carioca“.
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 156/6 (2015:04). http://revista.brasil-europa.eu/156/Bondes_do_Rio.html


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