O Pão de Açúcar e a imagem do Brasil
ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 156

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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N° 156/2 (2015:4)




O Pão de Açúcar e a imagem do Brasil

nas suas inserções em contextos políticos internacionais
Alemanha/Brasil no Caminho Aéreo e
Whirlpool Aero Car no Niagara


Recapitulações no Parque do Niagara promovidas pela A.B.E.
no âmbito das comemorações internacionais pelos 450 anos do Rio de Janeiro

 

O Pão de Açúcar merece ser considerado com especial atenção no ano em que são comemorados os 450 anos do Rio de Janeiro: como um dos principais marcos da paisagem decantada em todo mundo, determina a imagem da cidade e mesmo de todo o Brasil.

Rio. Foto A.A.Bispo 2007
Procurado por visitantes dos mais diferentes países, é do seu cimo que se descortina a fisionomia da cidade que predomina entre as muitas outras impressões da cidade e de sua natureza. Personalidades da política, intelectuais e artistas que visitam o Rio raramente deixam de tomar o „bondinho“ na Praia Vermelha para - passando pelo morro da Urca - subir ao Pão de Açúcar e dali descortinar a cidade e sua paisagem.

Também participantes de congressos e colóquios internacionais que foram promovidos pela A.B.E. nas últimas décadas não deixaram de incluir uma ida ao Pão de Açúcar, de onde pôde-se considerar a inserção da cidade no quaro natural único no mundo e linhas gerais da sua história urbana.

Este foi o caso de visita de participantes do simpósio internacional de música e cultura brasileira de 1981, do congresso de 1992 pelos 500 anos da América e da Conferência do Meio-Ambiente, do encerramento do triênio pelos 500 anos do Brasil, em 2002, assim como do colóquio e estudos interculturais para reflexões sobre prioridades na pesquisa cultural no início do terceiro milênio, em 2004.

Rio. Foto A.A.Bispo 2002

Rio. Foto A.A.Bispo 2007
Nessas visitas, a história do Caminho Aéreo do Pão de Açúcar foi sempre objeto de atenção, relembrada perante o busto do engenheiro brasileiro Augusto Ferreira Ramos (1860-1939) no monte da Urca, nascido e falecido no Rio de Janeiro, professor da Escola Politécnica de São Paulo. Esse engenheiro é ali lembrado em placa comemorativa como idealizador e realizador do Caminho Aéreo.

O busto é obra de Armando Sócrates Schnoor (1913-1988), professor da Escola de Belas Artes da Universidade do Brasil, autor, entre outros, de um busto de Heitor Villa-Lobos (1887-1959).

As impressões recebidas por pesquisadores, professores e estudantes foram continuamente consideradas em seminários e outros eventos que se seguiram. Correspondendo aos muitos relatos da literatura de viagens e de descrições em livros sobre o Brasil no Exterior, marcaram a atmosfera de convívio, influenciaram ou mesmo determinaram visões e colocações.

Foto H. Huelskath 2007
O significado do Pão de Açúcar nos estudos culturais em contextos internacionais deve assim ser recordado em 2015, salientando-se alguns de seus aspectos, por vezes inesperados ou pouco conhecidos como aquele da presença virtual do Rio através do „Pão de Açúcar“ na baía de Diego Soares no Madagáscar. (Veja)

A consideração do Pão de Açúcar sob perspectivas dos estudos culturais referentes ao Rio é, assim, mais do que uma simples e óbvia banalidade.

O Pão de Açúcar na abertura dos estudos dedicados à imagem do Brasil

O Pão de Açúcar foi foco das atenções do primeiro evento dedicado a questões da imagem do Brasil na Europa em 1982, inaugurando as reflexões e debates sobre o tema prosseguidas nas décadas posteriores e que co-determinaram a escolha do tema „Música e Visões“ para a abertura do congresso internacional de abertura de triênio de estudos pelos 500 anos o Brasil (1999-2002).

Precedido pela visita de pesquisadores brasileiros e de diversos países europeus ao Pão de Açúcar, em 1981, o complexo temático relativo a questões de imagem do país abriu o Forum internacional de estudos de processos culturais e educativos na cidade alemã de Leichlingen, acompanhado pela Primeira Semana Brasil-Alemanha de Música em 1982. (Veja)

A razão da atenção privilegiada ao Pão de Açúcar e também dos eventos dedicados às relações Brasil-Alemanha nessa cidade renana próxima de Colonia residiu no fato de ter ali nascido e encontrar-se a sepultura do engenheiro Julius Pohlig (1842-1916), lembrado na cidade como o seu mais destacado vulto devido sobretudo à sua atuação na construção do  transporte aéreo do Pão de Açúcar.

Rio. Foto A.A.Bispo 1981

Julius Pohlig, nascido 17.11.1842 em Leichlingen-Oberschmitte, falecido 30.1.1916 em Colonia, enterrado no Cemitério Evangélico Uferstrasse em Leichlingen. Engenheiro, construtor e empresário.

1874 Firma J. Pohlig Siegen

1879 Constração de trens a cabo

1890 Mudança para Colonia

1894 Construção de uma fábrica de máquinas em Colonia-Zollstock

1899 J. Pohlig AG

Com a aquisição de patentes para trens de cabo a Pohlig AG tornou-se uma empresa de significado internacional da técnica de transportes. Conhecida é a via de cabo de passageiros no Rio de Janeiro (Pão de Açúcar).



O busto de bronze de Pohlig na praça principal da cidade, é obra de um dos mais renomados escultores de plásticas de homens ilustres e de personalidades da política na Alemanha, muitas delas em praças públicas: Kurt Arentz (1934-2014).

Como a placa comemorativa menciona, se o nome de Pohlig e sua firma são particularmente conhecidos na Alemanha pela sua atuação no Pão de Açúcar, o de sua empresa mantém-se presente também em Colonia no teleférico que une os dois lados do Reno, o Rheinpark em Köln-Deutz com o parque à frente o Jardim Zoológico e da Flora no bairro de Riehl.

Se os visitantes europeus não deixam de subir ao Pão de Açúcar no Brasil, os brasileiros que participam de eventos nessa região da Alemanha também frequentemente atravessam o Reno nessas gôndolas, delas descortinando a fisionomia da cidade e sua paisagem o que deixa impressões que marcam a imagem do país e influenciam reflexões.


O nome de Pohlig, presente em denominações de ruas em Berlim e Colonia, é particularmente ligado à história de Colonia pelo fato de ter fundado em 1890 a empresa no bairro de Zollstock que, após incorporar outras firmas - Felten & Guilleaume em Mühlheim, Th. Otto e Th. Boach, deu origem, em 1892, à Pohlig GmbH/J.Pohlig AG.

Esse desenvolvimento da história da técnica de transportes e do empresariado de Pohlig surge como um exemplo de época marcada pela fé no progresso, no aumento contínuo dos conhecimentos, das ciências aplicadas, no crescimento econômico e na evolução da civilização do Império alemão fundado após a vitória alemã na Guerra Franco-Prussiana de 1870/1.

Os seus trabalhos foram realizados para a Companhia Caminho Aéreo Pão de Açúcar, empresa que havia sido fundada pelo engenheiro brasileiro Augusto Ferreira Ramos que, em 1909 alcançara a concessão para a construção e exploração de um transporte suspenso a seu cimo. Os trabalhos, cujos planos foram iniciados em 1910, levaram a término o primeiro trecho - até o morro da Urca - a 27 de Outubro de 1912. Seguiu-se, em 1913, o trecho até o cimo do Pão de Açúcar.

Essa inserção da obra de Pohlig em processos político-culturais de sua época não pode deixar de ser considerada quando dela se trata e, em sentido mais amplo, dos vínculos entre Colonia e o Rio de Janeiro, da Alemanha e do Brasil.

Transportes a cabo: de cargas na área da minérios a passageiros

O confronto com a história de vida e as obras de Pohlig mantém-se hoje presente nos trabalhos euro-brasileiros., uma vez que o centro de estudos da A.B.E. se situa próximo à cidade de Siegen, onde Pohlig foi professor da Baugewerbeschule. Nessa cidade, após ter atuado como conselheiro na Friedrich-Wilhelm-Hütte em Troisdorf, fundou, em 1874, o seu escritório de engenharia dedicado a projetos de construção de máquinas e de transportes para minas e siderurgias, para transportes a cabo de carvão e minérios. Foi, assim, dessa área de atividades  - minas - que se desenvolveu a sua especialização em veículos suspensos que levou à sua contratação para os trabalhos no Pão de Açúcar.

Outro aspecto a ser considerado é que a formação de Pohlig remonta à Escola Superior Técnica de Karlsruhe, onde realizou os seus estudos e atuou no meio acadêmico como membro do Corps Cheruskia Karlsruhe. Foi dessa instituição que Pohlig recebeu, após construção do bondinho do Pão de Açúcar, o título de doutor em engenharia honorário (Dr.-Ing.e.h..).

Essa importância da atuação de Pohlig no Rio de Janeiro para a história da engenharia de transportes é compreensível devido ao fato dela constituir um empreendimento particularmente ousado. A construção de via de transporte suspensa de passageiros sem pilares de apoio tinha sido apenas  tentada em alguns projetos na Espanha e na Suiça.

Memória e tradição de Pohlig na atualidade no Brasil

A consideração de Pohlig, de sua obra, seus pressupostos e consequências não pode também deixar de dar atenção à presença de sua tradição e atualidade de sua memória no Brasil. Esta não se limita aos históricos exemplares dos carros amarelos utilizados durante cem anos até 1972, e conservados musealmente no morro da Urca, mas inclui também a consideração de sua continuidade na firma Pohlig-Heckel do Brasil Ltda, fundada em Belo Horizonte, em 1955.

A denominação dessa firma lembra a história da produção de veículos a cabo e de transporte de equipamentos não só de Julius Pohlig, mas tambén de Adolf Bleichert (1845-1901), em Leipzig e Ernst Heckel (1934-1949), em Rohrbach, este último invento das grandes cabines de veículos aéreos a cabo. Após a Segunda Guerra, essas empresas constituiram a firma Pohlig-Heckel-Bleichert Vereinigte Maschinenfabriken AG (PHB) situada em Colonia. Foi essa firma que foi convidada pela indústria de aço belgo mineira para a realização de uma via férrea de veículos a cabo em Monlevade, Minas Gerais.

Essa firma desenvolveu outros projetos de grande porte no Brasil, trabalhos realizados em colaboração com a central alemã em Colonia, servindo a muitas indústrias, portos, fábricas de cimento ou e veículos. À época em que a central alemã fusionava-se com a companhia PHB Weserhütte (PWH), a maior da Alemanha na área, a companhia Pohlig Heckel do Brasil alcançava grande desenvolvimento, agora com empresários nacionais. Por ocasião das comemorações dos 50 anos dessa firma, lembrou-se de Pohlig, sua obra empresarial e sua atuação no Brasil.

Técnica construtiva em montanhas na Alemanha e os aerotransbordadores

Considerando os contextos internacionais relacionados com a construção do bondinho do Pão de Açúcar, não se pode esquecer que o projeto de Augusto Ferreira Ramos inseriu-se em desenvolvimento da engenharia de trasportes e das ciências aplicadas em geral, ainda que a Alemanha representasse país particularmente avançado na área de transportes de equipamentos em obras em montanhas.

Deve-se lembrar, entre outros, do engenheiro espanhol Leonardo Torres y Quevedo (1852-1936), inventor e matemático, pesquisador nas áreas do automatismo, da engenharia e da aeronautica, criador de „transbordadores“, ou seja, de veículos transpassadores de bordas ou margens.

Este engenheiro construiu, em 1887, o transbordador de Portolin, com tração animal, no seu povoado natal de Molledo. Posteriormente, criou o transbordador do rio León, motorizado.  Patente um sistema de caminho funicular aéreo de cabos múltiplos com o nome de aerotransbordador ou aerocar. Especializou-se na construção de navetas suspensas a partir de 1902 e, em 1907, construiu uma via de transporte de passageiros suspensa que levava ao Monte Ulia em Donostia-San Sebastián, construido pela Sociedad de Estudios y Obras de Ingeniería de Bilbao e que adquiriu projeção mundial, sendo considerado como o primeiro teleférico do mundo.

Essa instalação, porém, foi suspensa após poucos anos, já não se encontrando em funcionamento à época da construção do bondinho do Pão de Açúcar. O nome „Caminho Aéreo“ sugere uma maior proximidade ao termo aerocar do que às alemãs, que salientam antes o conceito de cabo de aço.


Esse engenheiro espanhol construiu posteriormente o Whirlpool Aero Car, um veículo que atravessa a bacia circular dos Whirlpool Rapids, a ca. de 4 quilômetros das quedas de Niagara. Essa obra foi construída pelo The Niagara Spanish Aerocar Co.Ltd. entre 1915 e 1916, na fronteira entre o Canadá e os Estados Unidos.

Enquanto o Caminho Aéreo do Pão de Açúcar é uma obra dos anos que precederam à Primeira Guerra, marcado ainda por elos com a Alemanha como potência política, econômica e de liderança nos desenvolvimentos técnicos e científicos, o aerocar do Niagara, inserindo em contexto totalmente modificado pela eclosão da guerra, representa já uma outra fase da história dos transbordadores aéreos de passageiros.

O papel alemão no Caminho Aéreo visto depois da Primeira Guerra


Uma constatação que pareceu inigmática no início das reflexões sobre a imagem do Brasil em 1982 perante o busto de Julius Pohlig na sua cidade natal de Leichlingen foi a discordância de atribuições do feito de realização do Caminho Aéreo na Alemanha e no Brasil. Na Urca, tinha-se lido em placa comemorativa, que o engenheiro brasileiro Augusto Ferreira Ramos tinha sido não só o idealizador, como também o realizador do Caminho Aéreo; em Leichlingen, a obra de construção era atribuída a J. Pohlig. Na Urca, tinha-se registrado a construção com estruturas aparentes a modo da tecnica de enxamel, tradicional na Alemanha, e tão presente em fotografias de publicações mais antigas sobre o Brasil.

Essa discordândia quanto a atribuições e à pouca lembrança do papel alemão no Pão de Açúcar explica-se pela cisão representada pela Primeira Guerra uma vez que, com a entrada do Brasil, as relações com o Império alemão foram abaladas e cortadas, com implicações não só para o uso da língua alemã no Brasil, como também na apreciação do papel de alemães e da Alemanha no Brasil anterior à Guerra, ou seja, na consideração histórica de desenvolvimentos.

Uma releitura de relatos de viagens de visitantes alemães ao Brasil dos anos posteriores à Guerra oferece testemunhos dessa situação e da sua percepção da perspectiva da Alemanha. Exemplo significativo é a descrição do Caminho Aéreo no livro „Brasil no século XX“ de Alfred Funke (1869-1941), intelectual de formação teológica evangélica, publicista, influente personalidade no empenho de reestabelecimento e promoção das relações entre a Alemanha e o Brasil na década de 20, em particular do fomento da colonização. (Veja)

Nesse relato, Funke lembra de início que o Pão de Açúcar tinha sido inatingível no passado, escalado apenas como feito extraordinário por cadetes da Escola Militar quando do retorno de Dom Pedro II da Europa, representando o seu acesso um sonho acalentado por décadas. Lembra, porém, que, no Brasil apenas se salientava o papel desempenhado por brasileiros nessa obra, assim como da companhia canadense Light and Power para o fornecimento de energia elétrica, silenciando-se a participação alemã. Corrigindo essas afirmações, diz que brasileiros teriam antes colaborado na obra alemã, podendo-se dizer, neste sentido, que a sua colaboração fora relevante.

(Veja em continuidade)


De ciclo de estudos da A.B.E.
sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo

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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A.(Ed.). „O Pão de Açúcar e a imagem do Brasil nas suas inserções em contextos políticos internacionais Alemanha/Brasil no Caminho Aéreo e Whirlpool Aero Car no Niagara“.
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 156/2 (2015:04). http://revista.brasil-europa.eu/156/Caminho_Aereo_Pao_de_Acucar.html


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