Rio de Janeiro „cidade-luz“
ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 156

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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N° 156/5 (2015:4)




Rio de Janeiro „cidade-luz“
Light & Power Company Ltda. e metáforas de luz
O projeto hidroelétrico das Niagara Falls nas suas consequências para o Brasil



Ciclo de estudos da A.B.E. em Toronto pelos 450 anos do Rio de Janeiro


 
Rio. Foto A.A.Bispo 1992

Das várias expressões que procuraram e procuram designar o Rio de Janeiro como cidade de extraordinárias qualidades - cidade maravilhosa - coração do Brasil - há uma que merece particular consideração pelo fato de ter marcado durante décadas os relatos de viagens e as descrições da antiga capital do Brasil: „cidade luz“.

Também encontrada como „cidade da luz“, essa qualificação do Rio desperta diferentes e significativas associações que não podiam ter deixado de exercer influência na imagem da cidade e, através dela, do país.

Mais do que a luminosidade de dias ensolarados nas praias, é o Rio de Janeiro noturno que é assim decantado. Quase que dando continuidade à fascinação por paisagens noturnas na pintura romântica do século XIX, encontram-se em relatos de viagens do século XX fotos da cidade iluminada à noite, ilustrando descrições entusiásticas do espetáculo oferecido em noites de luar pelo céu estrelado na amplidão da baía da Guanabara e o mar de luzes das ruas e edifícios da então capital do Brasil.

Com a metamorfose urbana do Rio no início do século, as referências à cidade como „cidade luz“ se tornam mais frequentes e entusiásticas. Essa expressão passou agora a corresponder a comparações com Paris da cidade remodelada, despertando associações de mais amplas dimensões. A „cidade luz“ francesa era não só a Paris material, mas aquela da vida intelectual e artística, da vida social brilhante, que irradiava raios de luz ao mundo no sentido metafórico do termo.

Essa referência a Paris poderia ser analisada mais diferenciadamente no contexto político-cultural europeu estabelecido com o desfecho da Guerra Franco-Prussiana de 1870/71, e assim à concorrência da capital do país vencido a Berlim do Império Alemão então fundado, também esta cidade de luzes. Ter-se-ia sob esta perspectiva uma repercussão no Brasil da recepção francesa da cidade de luzes alemã no período anterior à Primeira Guerra. Posteriormente, o referencial passou a ser sobretudo New York, ou a recepção norte-americana de Paris, o que significaria uma americanização de processos receptivos de Paris e, por conseguinte, do Rio como „cidade luz“.


Luzes da Exposição de 1908: abertura ao mundo, prosperidade, progresso e paradoxos

Como verdadeira apoteose de luz ficou registrada a iluminação da cidade por ocasião da Exposição Nacional pelo Centenário da Abertura dos Portos, em 1908. Este evento de luzes, para a época em sua magnitude até então nunca vivenciado, pode ser visto como um marco na história do Rio de Janeiro como „cidade luz“ nos seus múltiplos significados. Uma de suas dimensões transcendeu sentidos pragmáticos de desenvolvimento técnico ou de simples ornamentação festiva da Exposição aos pés do Pão de Açúcar.

As maravilhas do progresso da técnica, unindo-se à opulência da riqueza natural e às empolgantes provas de crescimento industrial e comercial das várias regiões do imenso Brasil vieram de encontro ao entusiasmo pela revitalização espiritual do país como entendida pelos missionários estrangeiros que se dedicavam à reconstrução de conventos, à criação de escolas, de órgãos de divulgação, de sociedades religiosas e à dignificação do culto.

A luz do progresso material relacionou-se assim paradoxalmente com uma compreensão de progresso religioso que era, de fato, retroatiava, voltada ao passado, empenhada no combate à herança do Esclarecimento. (Veja)

A luz não equivaleu neste contexto àquela conotada como a do Iluminismo, do esclarecimento de mentes, mas, pelo contrário, a concepções teológicas relacionadas com a luz e que tinham a sua maior expressão no fomento do culto mariano, em particular de Maria Imaculada ou da Imaculada Conceição.

Explica-se, assim, o impacto vivenciado pelo franciscano alemão Fr. Petrus Sinzig O.F.M. (1876-1952) (Veja) ao visitar a Exposição logo após a realização do Dia dos Católicos no Rio de Janeiro.

„Algum tempo depois (...), um outro importante evento despertou a atenção do país ao Rio de Janeiro: a Exposição Nacional realizada por motivo do Centenário da abertura dos portos brasileiros às nações amigas.

„Não se pode negar que ela teve o efeito de uma revelação. A escolha do local aos pés do Pão de Açúcar, lavado pelas ondas da Baia da Guanabara, não poderia ter sido melhor. O desperdício de luz artificial à noite na magnífica entrada como por todo o lado despertou a crítica de alguns amigos da economia. Mas o panorama noturno foi como de conto de fadas. O ofuscante brilho da luz alcançava bem longe as vagas do mar. Os pavilhões de cada Estado concorriam entre si, e a direção geral fêz o possível para fazer jus também o gosto refinado dos amigos da música.

Passei todo um dia na Exposição. Perante os meus olhos maravilhados abriu-se uma tal riqueza nacional que apenas desejei ver esse progresso irradiar-se por todo o país.“ (P. Sinzig O.F.M., Mönch und Welt, Freiburg i. Br.: Herder, 1925, 202-203)

Luz e força em relações internacionais: The Rio Light and Power Company

O desenvolvimento apoteótico da iluminação do Rio que teve como importante marco a Exposição de 1908, não poderia ter ocorrido sem energia elétrica e sem os conhecimentos técnicos, os capitais e as energias empreendedoras estrangeiras. A iluminação que passou a ser um marco significativo da „cidade luz“ insere-se em contexto quer inclui outros empreendimentos possibilitados pela eletricidade, em particular dos transportes elétricos. Assim como „cidade luz“, o Rio foi também uma cidade de bondes (Veja), Pressuposto para esse desenvolvimento foi a geração de força a partir de usinas hidroelétricas.

A necessária consideração da „cidade luz“ no contexto internacional em que se inseriu dirige a atenção ao papel fundamental desempenhado pela companhia canadense The Rio Light and Power Company, conhecida popularmente em geral como Light. O estudo do desenvolvimento brasileiro exige assim a consideração dos pressupostos e os desenvolvimentos na América do Norte, em particular em Ontário,  e esses foram possibilitados pelo sucesso do aproveitamento energético das quedas do Niagara. (Veja)

O extraordinário potencial hidroelétrico representado pelos rios e cachoeiras do Brasil foi reconhecido pelos empreendedores norte-americanos, tornando-se fator determinante do desenvolvimento que possibilitou a „cidade luz“ e a cidade de bondes que foi o Rio de Janeiro. Esse desenvolvimento não poderia ter ocorrido sem a represa do Ribeiro de Lages, ainda que relativamente distante do Rio, obra que teve o seu paralelo em São Paulo na maior usina de força da Light,  possibilitada pelo represamento do Tietê. Esse significado das usinas hidroelétricas para a vida da então capital do país foi reconhecido em publicações que, no Exterior, consideraram o Brasil nos anos anteriores à Primeira Guerra.

Uma delas foi o Brazil in 1911, publicado em Londres por J. C. Oakenfull, em 1912. No capítulo dedicado à eletricidade e energia da água, salienta-se que as inumeráveis cachoeiras em quase todos os Estados do Brasil estavam destinadas em grande parte ao desenvolvimento econômico e comercial da República. Quase todas as maiores empresas do continente americano tinham alcançado sucesso com o uso desse recurso, sobressaindo-se aqui os empreendimentos canadenses possibilitados pela força proveniente do Niagara.

„A The Rio Light and Power Company has made use of a great dam at Ribeirão as Lages, 81 quilômetros do Rio e Janeiro, com uma capacidade de 224 milhões metros cúbicos de água. Com a força elétrica derivada dessa obra é possível suprir luz e força a toda a capital, além de operar um sistema muito extenso de bondes. A mesma empresa tem uma grande usina de força em São Paulo, utilizando o rio Tietê a 33 quilômetros da cidade.“ (J. C. Oakenfull, Brazil in 1911, Frome e Londres: Buttler & Tanner, 1912, pág. 146)

Rio de Janeiro, a cidade luz, é a capital da minha querida Patria (...)

Se o espetáculo de luz à época da Exposição deu-se aos pés do Pão de Açúcar, iluminando-o, assim como toda a baía, a partir da construção do Caminho Aéreo passou a ser aquele que se oferecia da cidade iluminada vista do seu cimo.

É essa visão da „cidade luz“ que predomina nos textos posteriores à Primeira Guerra. Em anos marcados pelas relações abaladas do Brasil com a Alemanha vencida e debilitada economicamente, o que impediu a sua participação na Exposição pelo Centenário da Independência do Brasil em 1922, o motivo da „cidade luz“ serviu à  afirmação de identidade brasileira de descendentes de alemães na capital da República.

O livro O Brasil e a Alemanha, publicado em 1922 com colaborações brasileiras e alemãs, incluiu significativamente um artigo sobre o Rio de Janeiro da atualidade, no qual o seu autor, considerando-se brasileiro apesar de sua ascendência alemã, salienta o espetáculo oferecido pela cidade iluminada vista do alto do Pão de Açúcar. (Veja)

Rio de Janeiro, a cidade luz, é a capital da minha querida Patria (...)
Quem visita pela primeira vez o Rio de Janeiro, com saudade se afasta dali novamente por saber que perde de vista os mais soberbos panoramas. (...)

O que mais admira a quem pela primeira vez visita o Rio de Janeiro é seu aspecto nocturno. O seu nome de cidade luz tambem tem a sua razão de ser e para proval-o basta o espectaculo deslumbrante á noite, do alto do Pão de Assucar. Assistir dali a transformação de toda cidade e porto num oceano de luz é um dos espectaculos mais imponentes que se póde offerecer a vista. Ao longo do caes um interminavel collar de perolas formado pelas innumeras lampadas que o circundam e seu reflexo nas aguas da Guanabara, são de um effeito assombroso. As praças e jardins bem como a illuminação particular extende-se até o alto dos morros onde a illuminação das villas particulares ajuda a completar a magnificencia do que o cerebro humano póde desejar de mais rico para sua imaginação. No porto, em meio das aguas da bahia, as embarcações ancoradas com seus signaes multicores invadem com seu reflexo todos os recantos que a vista póde alcançar. Completa este magnifico quadro o céo, com o seu reluzente Cruzeiro do Sul e a enorme Via Lactea.“ (Walter E. Hehl, „Rio de Janeiro hoje“, O Brasil e a Allemanha 1822-1922, 159-160, 160)

De noite, o Rio é quase que mais bonito do que de dia

Essa acentuação da beleza do Rio noturno no texto ufanista do teuto-brasileiro encontra-se também em descrições de viajantes alemães que passaram pelo Brasil. No livro „Brasil - hoje e amanhã“, publicado poucos anos após a Exposição de 1922, o seu autor, Fritz Köhler, chegou a afirmar que o Rio noturno superava em beleza o Rio visto de dia. (Fritz Köhler, Brasilien heute und morgen, Leipzig: F. A. Brockhaus 1926, 13-14)

Essa observação de Köhler merece ser considerada com atenção, pois em geral foi a grandiosidade da paisagem natural do Rio que foi sempre decantada, vista por alguns até mesmo em oposição à falta de beleza da antiga cidade e mesmo de suas obras arquitetônicas mais recentes. A paisagem natural, não sendo vista de noite, passou assim a dar lugar à „cidade luz“ noturna, ou seja, à obra do homem.

À noite, como salientado por Fritz Köhler, os contrastes que tanto enfeiavam a cidade desapareciam nas penumbras, e a rêde urbana iluminada transformava o panorama em entrelaçado gigantesco de colares de pérolas de luzes. A contemplação do Rio noturno deu ao autor ensejo de reflexões sobre uma superficialidade da beleza da cidade, que seria antes de fachada, correspondendo a uma tendência dos brasileiros às aparências e aos grandes gestos.

„De noite o Rio é quase que mais bonito do que de dia. No escuro desaparecem os contrastes, e o presente árduo recua, e a gente se entrega libertado ao ar tropical morno e à iniciante frescura da noite.

Então o Rio é a cidade da luz. Deve-se subir de bondinho ao Pão de Açúcar para poder fruir plenamente essa magnificência. Como colares emperolados emoldura uma coroa dupla de luzes irradiantes a baía e as costas do oceano atlântico. Ruas claras de luz entram pelos morros. Do outro lado da baia saúda, similarmente iluminado, a práia de Niterói, a capital do Estado do Rio de Janeiro.

Descendo-se do Açúcar e retornando à praia, surge sem peso, no escuro da noite, uma constelação estranha, as luzes da estação e do pavilhão no Pão de Açúcar e abaixo a meio caminho as luzes sobre um monte secundário, a Urca.

Pergunta-se sempre o que se esconde de valor por detrás da bela máscara dessa cidade; pois muito é só fachada, mas fachada muito bem pintada - os brasileiros gostam de grandes gestos. Em assuntos culturais, a solução é a França; a França dá o tom para as construções da cidade, para as modas, para tudo o que é exterior; também o exército tem instrutores franceses, enquando que a marinha é organizada a modo norte-americano. Mas percebe-se logo que por detras do francês há um outro espírito que atua, que pouco tem a ver com a gloire e o esprit.“ (loc.cit.)

Céu de estrêlas caído na terra

Se o Rio como „cidade luz“ foi motivo condutor do artigo de teuto-brasileiro ufano de sua pátria no livro Brasil e Allemanha de 1922, o organizador dessa obra, Alfred Funke, voltou a salientar o deslumbramento de luzes do Rio no seu „Brasil no século XX“, publicado em 1927. (Alfred Funke, Brasilien im 20. Jahrhundert, Berlin: Reimar Hobbing 1927, 169-17)

O autor considera aqui não só a iluminação das casas e das ruas, os colares ou cordões de luz sempre registrados em relatos de viajantes, mas sim também a luz dos holofotes que cruzavam os ares, do farol e os navios iluminados na baía. Nessa obra já se constata a comparação que tornou-se comum em descrições da capital brasileira: aquela entre o céu estrelado e o Rio iluminado.

Encantadora é a impressão do rio iluminado ao cair da noite - o poente é muito rápido no Rio - com os cordões de luz infinitos das avenidas, com os milhares de candelabros elétricos nas suas ruas e praças. Soma-se o farol do porto, as luzes dos navios, os cilindros branco-azuis intermitentes dos holofotes. Fala-se não sem razão de un céu estrelado caído na terra; só que as figuras desse plano estrelado é mais regular e denso do que o seu concorrente celestial. (loc.cit.)

Cultura e Natureza: a cidade terrena adquire um manto forrado de estrelas

A observação de que a beleza da paisagem natural da Baía da Guanabara dava lugar àquela da cidade iluminada à noite, dando ensejo a reflexões, levou a considerações mais profundas na obra dedicada à imagem do Brasil nas suas relações entre a Natureza e a Cultura do cientista natural Konrad Günther, publicada em em 1927. (Konrad Günther, Das Antliz Brasiliens: Natur und Kultur eines Sonnenlandes. Sein Tier- und Pflanzenleben, Leipzig: R. Voigtländers Verlag 1927, 15)

O autor dedicou a sua atenção sobretudo aos processos de escurecimento da paisagem natural no fim da tarde e à iluminação progressiva da cidade e arredores ao cair da noite. A crescente penumbra fazia com que toda a natureza revelasse nas suas formas processos remotos de configuração da terra, dirigindo a mente a decorrências primordiais de longínquo passado. Em contraposição, o desencadeamento da iluminação de ruas e casas do Rio, processando-se em rápida movimentação como colares de pérolas que se acendiam, sugeria um manto de estrêlas que passava a cobrir a cidade. Se durante o dia era o mar que dominava a paisagem, esta era, no Rio noturno, marcada pelo mar de estrêlas.

„Atrás da serra cai o sol. As cadeias transformam-se em cenários negros, por detrás dos quais o mar de ondas, vermelho-alaranjado, surge em chamas. Cadeias se definem uma das outras, como mundos que se tornam perfumes emerge entre elas névoa embranquiçada. Todas as formas adquirem algo de inacabado, pré-histórico.

Do outro lado, as sombras do Pão de Açúcar projetam-se fantasmagoricamente na baía, subindo cada vez mais alto as montanhas da entrada. As cores empalidecem, escurece.
De repente, relampeja dos fundos, uma série de luzes surge ao comprido da praia, uma segunda a ela se ajunta, com empurrões corre a corrente, que se torna cada vez mais longa, como se uma se acendesse na outra. De um momento para outro, filas de luzes deslizam também nas costas de Niterói e no oceano. A moldura de pérolas está fechada, e também a terra adquire um manto forrado de estrelas.

Mas soa o sinal da última partida. No silêncio noturno o bonde desce pairando, imerge cada vez mais de perto em encontro ao tapete lampejante. Em cima como em baixo no mar de estrêlas. Não se crê mais estar na realidade, é como um banha nos mais puros espaços de luz.“ (loc.cit.)

As luzes do Rio vistas de avião chegando ao cair da noite

Essas descrições entusiásticas do Rio noturno como „cidade luz“ possibilitadas pelo alcance dos altos do Pão de Açúcar após a construção do Caminho Aéreo, acentuaram-se e adquiriram novas características com o desenvolvimento da aviação, uma vez que esta possibilitava uma visão ainda mais ampla devido à maior altura, nela incluindo-se o próprio Pão de Açúcar.

Nos primeiros anos do transporte aéreo, a chegada ao Rio devia dar-se antes do cair da noite, uma vez que não havia possibilidades técnicas para pousos noturnos. Os últimos aviões, assim, chegavam ao cair da tarde, hora em que se acendiam as luzes do Rio. Essa situação e a impressão que a iluminação provocavam nos passageiros cheios de expectativa de poderem pousar antes do anoitecer foram exemplarmente descritas no livro „Verão Brasileiro“, de Hermann Ullmann, publicado em Berlim, em 1930.

„Rio-Nacht“

„O avião defronta-se com um forte vento. Sombras frias pendem sobre montanha e mar. Longe, sobre a serra, começa a clarear no cair rápido da noite. Vamos chegar ao destino? Ou vamos ter que passar a noite numa laguna? Já agora emerge o cume largo da Gavea, mas a noite chega ainda mais rápido. O aeroporto não tem requisitos para aterrizagem noturno. O único pssageiro que viajava comigo tinha forçado em Santos que viajássemos, apesar das dúvidas do piloto e agora olhava sempre o relógio. O motor e o vendaval competiam em barulho. Já surgem luzes perante nós À distância, já passam por nós os tão famosos morros - e eu esqueço toda a tenção dessa competição com a noite.

Estamos já sobre as primeiras casas, quente e cheio de cores clareia já ali e lá um quarto iluminado no poente tardio. E de súbido - momento inesquecível, o coração bate mais rápido - acendem as luzes sob nós, corre uma roda de luzes com a rápidez de raio da plenitude brilhante do centro da cidade nos vales mais escuros da floresta dos subúrbios, clareia o negro das massas montanhosas, dança ao comprido da baia, inunda a planície. O piloto atira uma pistola de luz, já descemos ao porto e aterramos na água - um sonho não-terreno passou.

Cansado e suando nos sentamos na lancha que nos leva ao cais. (Hermann Ullmann, Brasilianischer Sommer: Im Rückblick auf Europa, Berlin: Widerstandsverlag 1930, 70-71)

A contemplação da aurora no Rio iluminado em vôo sereno de Zeppelin

O deslumbramento da cidade iluminada fêz-se sentir sobretudo nas naves aéreas - zeppelins -, que, navegando mais serenamente e pairando sobre as águas e a cidade, possibilitavam a contemplação demorada do espetáculo da cidade de luz, de escurecimentos e iluminações.

O testemunho mais significativo desse ponto alto da chegada ao Rio dos viajantes das naves aéreas encontra-se em livro publicado em 1930 e que condensa impressões ganhas em viagens do „Graf Zeppelin“ na América do Sul e do Norte. (Joachim Breithaupt: Mit ‚Graf Zeppelin‘ nach Süd-u. Nordamerika: Reiseeindrücke und Fahrterlebnisse, Lahr/Baden: Moritz Schauenburg 1930, 51-53)

Se na „face do Brasil“ de Konrad Günther a atenção foi dirigida ao espetáculo da gradual iluminação do Rio no escurecimento geral da natureza ao cair da noite, a contemplação dos passageiros do Zeppelin voltou-se ao espetáculo do gradual esclarecimento da paisagem ao amanhecer e ao nascer do sol, acompanhado pelo apagamento gradativo das luzes da cidade.

A chegada ao Rio deu-se à noite, quando dois céus se uniam - o estrelado dos altos e o manto de estrelas da cidade iluminada -, um espetáculo que passava a dar lugar, ao amanhecer, àquele do surgimento do amplo cenário natural na sua impressionante beleza.

„Temos sempre um vento contrário que atinge até 10 metros-segundos. A nossa velocidade é de ca. de 83 quilometros por hora a quatro motores com 1420 rotações. Ao redor das 22 horas, infelizmente demasiadamente tarde, o vento mudou-se em direção a nordeste, tínhamos ao redor das 22:30 as rochas claramente traçadas do Cabo Frio sob nós. À distância, clareava como um hálito leve o mar incomensurável de luz da capital brasileira. Ao aproximar-nos, reconhecemos como que miríades de luzes brilhantes de um lado, e no céu semeado de estrêlas a lua pálida que descia lançava luz opaca nas águas escuras da baía do Rio. Rio é uma das mais bem iluminadas cidades do mundo; em especial, as vias de tráfego amplas que emolduram por todo o lado a praia são uma obra maravilhosa da técnica de iluminação. Essa pintura noturna inebriante  deu lugar à paisagem não menos impressionante da baía de beleza transcendente com o seu maravilhoso porto, quando a aurora matutina passou a espalhar no horizonte a sua luz suave.

Dr. Eckener dera a ordem há muitas milhas de distância da costa de navegar apenas com dois motores, para que o sossego noturno da população não fosse incomodado sem necessidade. O Graf Zeppelin sobrevoou daqui para ali a costa até cerca das 6 horas da manhã. Muito antes do nascer do sol, na expectativa do magnífico espetáculo que nos esperava, tudo estava em movimentação a bordo. O Dr. Eckener, como sempre desde cedo no posto, anunciou que provavelmente íamos pousar dentro de uma hora. Se tivessemos nos dirigido a São Paulo, esclareceu-nos mais tarde, teríamos chegado demasiadamente tarde no Rio para partirmos de novo a tempo a Pernambuco; para além do mais, esse desvio teria usado demasiadamente gás devido à altitude da famosa cidade cafeeira.

Ao surgir da luz matutina, a nave, no seu brilho prateado, tomou a direção das casas brancas dos subúrbios a oeste. Um quadro de incomparável beleza! Essa cidade gigantesca, de 1 1/2 milhões de habitantes, deitada entre baías encantadoras, colinas e rochas íngremes que se levantam a gigantescas alturas em meio ao mar de casas. Ao comprido da costa corriam os primeiros automóveis. Nas ruas, começava a vida. As sirenes dos vapores estacionados no povo acordavam os mais tardios. Como nos relataram mais tarde, a sociedade do Caminho Aéreo colocara bondinhos extras no cume do Pão de Açúcar à frente da entrada do porto, de modo que tornou-se possível ver a nave aérea de uma altura de 360 metros, o que era aproximadamente a altura do Graf Zeppelin. De São Paulo, o centro da plantação de café, há ca. de 500 km no interior, veio uma grande comissão que queria homenagear o Dr. Eckener com uma coroa de flores. Infelizmente, a densa multidão não permitiu que chegassem à gôndola.

Sobrevoamos agora o centro da cidade, sobre a qual caiam os raios do sol que subia de forma visível. A serra do Corcovado prendeu o nosso olhar, em cujo mais alto cume está sendo levantado uma imagem de Cristo de monumentais dimensões, que deverá irradiar à noite luz de inumeráveis lâmpadas como sinal de uma cultura cristã. Impressões cada vez mais majestosas nos atingem, de modo que apenas as podemos fruir de forma esvoaçante. Em plenitude esbanjadora espalhou a natureza os seus dons nesse magnífico pedaço de terra. (...)

A recepção, que o Zeppelin teve no Rio de Janeiro, é considerada como uma das mais espetaculares que a cidade até então tinha preparado para viajantes aéreos do Exterior. (...)“ (loc.cit.)

Nesse livro, a „cidade luz“ brasileira é considerada em cotejo com New York, também conhecida pela sua resplandescência. Tendo contemplado o Rio de Janeiro noturno, os passageiros do Zeppelin tiveram a oportunidade de ver a metrópole americana de noite.

„Para possibilitar uma alegria especial aos numerosos passageiros americanos então chegados, o Dr. Eckener conduziu a sua nave durante uma nave sobre a New York noturna.

Para sempre essa viagem noturna ficará inesquecida. Em amplidão infinita o mar de luzes se estendia sob nós, e até onde os olhos alcançavam essa maior cidade do mundo irradiava em todas as cores imagináveis; todo um bairro luzia em avermelhado. Raro uma mancha escura na vasta circunferência, mesmo a água brilhava com os veículos iluminados. Entre os arranha-céus de Manhattan, o Graf Zeppelin, com absoluta segurança, voava em obediência a todo gesto do piloto. Agora encontravamo-se no Central Park sobre a gigantesca torre do hotel Sherrys Netherland, onde tínhamos morado durante três dias. (...) Ao passar o edifício Woolworth- e Singer, precisamos dirigir o nosso olhar para cima, nós pairávamos a saber 50 metros mais abaixo do seu cume iluminado. Seguindo a correnteza do Hudson e do East River, reconhecemos claramente as amplas superfícies de água com as suas pontes iluminadas. Alegremente saúdam-nos vapores e balsas, que com graves uivos das sirenas e os agudos dos apitos a vapor faziam um grandioso concerto. Durante muito tempo soará nos meus ouvidos a força primeva desa música noturna. Viajamos sobre Brooklyn, onde se encontram os grandes vapores das sociedades de navegação alemãs. Ao longe irradia o mar de luzes multicolor do mundialmente famoso local de excursões Coney Island. Mais uma grande curva, e após uma boa 1 1/2 hora de viagem saímos em direção de Long Island, one talvez vivem os mais ricos do mundo, abandonando ao redor da meia-noite o continente americano“. (ibidem 91-92)

Luzes do Rio e sinestesia

Uma das descrições mais ambiciosas do ponto de vista literário do cair do sol no Rio de Janeiro e  do acender das luzes da cidade encontra-se no livro „Dias e Noites Brasileiras“, de Waldemar Bonsels e Freiherr Adolph von Dungern, publicado em segunda edição, em 1931. (Waldemar Bonsels e Freiherr Adolph von Dungern, Brasilianische Tage und Nächte, Berlin: Reimar Hobbing, 2a. ed. 1931, 12-13)

Para melhor expressar a emoção e o encanto sentidos no crepúsculo do Rio, os autores usam da descrição das nuances e transformações de cores no céu, nas montanhas e no mar, assim como o acender de luzes da cidade, estabelecendo relações entre estrelas terrenas e celestiais nas suas múltiplas reflexões no mar e na terra. O texto passa a usar de recursos sinestésicos, inserindo na descrição visual sons e ruídos sentidos ou imaginados. É nesse complexo da percepção do espetáculo do cair da noite no Rio que os estrangeiros captavam as dimensões do exótico, sentindo-se desorientados. Os principais referenciais de orientação - as constelações do hemisfério norte - faltavam no céu brasileiro, e esse céu diferentemente configurado tinha a sua correspondência no céu de estrelas das luzes da cidade noturna.

„O sinal vermelho do céu vespertino passou lentamente a um forte laranja, e os cabeços e as encostas dos gigantes montanhosos, que contornam o Rio de Janeiro a ocidente, descansam em negro nesse céu colorido irreal como cenários fantásticos de um teatro da natureza imenso e exótico. O mar colorido atira as suas superfícies lisas em baías na cidade branca, da qual lampejam luzes no rápido cair do sol. Bem abaixo de mim, um por um, ponto por ponto, acende o vale do céu estrelado de lâmpadas da cidade; em toda a amplidão crescem imensamente, as estrelas terrenas e celestiais misturam-se na imagem e no reflexo no mar e na terra. Alteza e frieza do exótico apertam o coração, que entre susto e encanto percebe a majestade da face do mundo.

Suavemente, vagas sobem até as alturas de florestas. O homem, o animal e o veículo, a água e o ar com evaporações leves soam ameaçando maciamente em admoestações incompreensíveis e ao mesmo tempo atraentes à medida que o segrêdo da noite que rapidamente cai passa a cobrir com manto azul formas e cores, fazendo de tudo uma unidade. Em qualquer lugar numa curva da magnífica estrada que serpenteia, que leva aos altos de Santa Teresa, canta lamentando um bonde nos trilhos; no porto abaixo corre o punhal azul de um holofote a costa rochosa, na qual, como quadros de uma lanterna mágica, surgem silenciosamente nítidas manchas da paisagem, parecendo esvoaçar, diluir.

Preciso indagar-me onde estou. Nem as constelações do céu me respondem, nenhum sinal conhecido das alturas lembra a terra natal. Onde está Orion, onde o Carro e as Pleiades? A traquilidade das santas leis celestiais choram, mas como que habitada por novos deuses e sem a segurança e o amor dos antigos pagos de paz que luziu sobre os nossos dias de infância e os nossos mortos.

A praia de Copacabana, o cinto de luz irradiante da grande promenada no mar, acende-se, a baía vestiu a sua armadura da noite. Semicírculo a semicírculo estendem-se as cadeias de estrelas ao redor das baías do mar; não há nenhuma cidade do mundo que seja tão esbanjadora de luz como o Rio. Copacabana é o meu objetivo noturno. Como é que encerrará este dia, que foi tão rico em imagens e formas?“ (loc.cit.)


Vibrações de luz e sons - musicalidade da iluminação do Rio

Também a descrição de Kasimir Edschmid, no seu „Brilho e Miséria da América do Sul“, é marcada por recursos sinestésicos para expressar o deslumbramento do crepúsculo no Rio. Também aqui não é o estático da paisagem, mas o decorrer dinâmico das transformações o motivo condutor das reflexões. O autor percebeu sobretudo um movimento vibratório, ondulatório, falando de vagas na paisagem, ondas de luz e cores que correspondiam a fenômenos sonoros. A intensidade da emoção resultante do co-vibrar daquele que contemplava as vibrações do espetáculo global fazia com que o Rio surgisse como a maior maravilha entre as cidades e regiões mais maravilhosas do mundo. (Kasimir Edschmid, Glanz und Elend Süd-Amerikas- Roman eines Erdteils, Frankfurt am Main: Societäts-Verlag 1934, 445-446)

„“O sol tinha caído e pintou os cumes das montanhas de vermelho-ferrugem. Agora veio a iluminação de sonho do Rio.

Os dez picos, as sete baías, as florestas pendentes... tudo imergiu; tornou-se uma espiral, como que puxada pelos dedos do Criador, vibrando em ondas cada vez mais belas e vibrantes, tornou-se um halo de respiração que transformou todas as melodias, levantando-se e caindo, e por fim dissolveu-se in eine em uma introspecção que quase que tirava a consciência.

Tudo imergiu em prata. Atrás do emaranhado das palmeiras sobre a plataforma surgiu a lua saindo do mar.

A baia tornou-se rosa e branca. Os golfos começaram a irradiar luz, e as correntes de luz dos fiordes traçavam linhas claras. As florestas sob Göhrs transformaram-se em massa misteriosa, sobre a qual êle pairava, como que fora do mundo.

Mas os grilos cantavam assustadoramente das profundezas, e os urubús negros começaram a voar. Um grande navio de passgeiros, que parecia pequeno das alturas, passou silenciosamente da baia sob o Pão de Açúcar e deu sinal com o forte Santa Cruz. O mar permaneceu claro por muito tempo.

A lua alcançou agora as florestas e encheu-as de luz como uma bomba. E agora, de repente, apagaram-se as casas que estavam no istmo como um brinquedo para anjos - e agora por todos os lados começaram a arrojar luz as torres dos faróis e desenhar nos céus grandes círculos. E se os ponteiros dos faróis batiam nas montanhas, movimentavam-se como olhar  suave do Criador sobre a cidade.

Göhrs tinha visto a Acrópolis e o Colosseu ao luar, Dar-es-Salam ao cair do sol, Veneza nos seus momentos mais encantadores, êle tinha visto as pirâmides emergiram do deserto à distância de 20 quilômetros e a seguir, nas proximidades, as gigantescas vagas de pedra descer dos céus, êle conhecia Bagdad, Istambul, Cidade do Cabo, Damasco, Jerusalem, êle conhecia Estocolmo, quando a corrento do Mälar movimentava-se como um herói germânico na noite, êle conhecia o Taurus, a Kalahari, o Kilimandscharo com as suas geleiras, os bastiões de Rhodos no Mediterrâneo, êle conhecia o Líbano, Chartres, Avignon, o sul da Floresta Negra e o panorama de Chipre a partir do mar, o de Castello dei Cesari do Palatino e as colinas sabinas, a visão de Perugia a Assisi através da Toscana, êle conhecia o Mar Negro e as quedas do Zambesi e as minas de ouro de Kimberley, a vista do Alhambra de Granada, êle conhecia St. Goar no Reno e a venerável Würzburg, assim como Lucerna e Toledo, o Mar Vermelho e os muros de Tetuan... as maravilhas do mundo.

Aquilo, porém, era o apogeu.“ (loc.cit.)

As luzes noturnas como a maior contribuição do homem à beleza da paisagem do Rio

A expressão „A cidade da luz“ surgiu como título de sub-capítulo em uma das obras referentes ao Brasil mais divulgadas na Alemanha de fins da década de 30: o „Brasil: Retrato de um grande país tropical“. ((Wolfgang Hoffmann-Harnisch, Brasilien: Bildnis eines tropischen Großreiches, Hamburg: Hanseatische Verlagsanstalt 1938/43, 27)

Um pensamento já sugerido em publicações anteriores tornou-se condutor das reflexões do autor: a supremacia do Rio noturno sobre o Rio diurno, a criação da pujança de luzes da cidade como a maior contribuição do homem à beleza da paisagem natural.

„A cidade da luz

Quando aproximei-me da cidade era seis horas. Durante 12 horas tinha o sol tropical atravessado e dourado com a sua luz o verde mar e a areia amarela. Agora desapareu com estranha pressa. Sombras caem, colorem-se primeiramente de vermelho-chama, a seguir de violeta escuro. Depois, montanhas e casas encontram-se por segundos em completa escuridão.

Aí, porém, a lua se levanta. Ela é vermelho-escuro, e sobe rapidamente e direito à altura, como um balão de ar. Com ela aparece o exército de estrelas, agrupadas ao redor do Cruzeiro do Sul.

Bem como um técnico cenógrafo, o iluminador celestial transforma dentro de poucos minutos a atmosfera do panorama.

Agora segue um último e mais forte efeito: de repente enflama, lampeja sobre cadeias de montanhas, as costas, casas e ruas, e o cintilar das luzes eternas mistura-se com o reluzir das pequenas chamas colocadas pela mão do homem. Lá longe, são as luzes de Niteroi; a coroa que em milhares de reflexos se deita sobre a ilhazinha, atravessa as janelas do arsenal da marinha; o cometa, que desliza sobre a cúpula é o cesto do bondinho que sobr o Pão de Açúcar; as longas linhas de pontos duplos, que correm em parte em direção do mar, em parte na baía, designam caminhos na costa e pontões de cais. Também do lado das montanhas relampeja de correntes de luz que sobem como foguetes da inundação da massa do meio., para se dissolveram no fim em jato de dispersão.

Este parece-me ser a contribuição mais significativa que o homem deu a esse local de magnificência natural e celestial: a esbanjadora plenitude das luzes noturnas.“

A falta de tempo para a contemplação do iluminar do Rio de turistas apressados

Se o Cristo Redentor no Corcovado no início dos anos 30 e a sua iluminação reacentuou sentidos religiosos na metáfora da luz aplicada à capital do Brasil, as radicais transformações urbanas desde a década de 50 modificaram as impressões obtidas pelos visitantes estrangeiros da „cidade luz“ ou „cidade da luz“.

Viajantes centro-europeus como J. Hanzelka e M. Zikmund, continuam a registrar a impressão deslumbrante do surgir das luzes na cidade ao cair da noite, que metaforicamente passa a cobrir a cidade como um manto. (Jirí Hanzelka e Miroslav Zikmund, Südamerika: Zwischen Paraná und Rio de la Plata, Berlin: Volk und Welt, 1956, 331-334)

Diferentemente das descrições mais antigas, não só é o Cristo Redentor o ponto alto do movimento do acender de estrelas desse manto, então iluminado por raios de luz de holofotes, como também os reflexos das luzes nas paredes dos altos edifícios que gradualmente passavam a substituir as antigas construções. As luzes coloridas de reclames passaram a marcar a fisionomia noturna da „cidade luz“.

Um aspecto crítico que até então não se registra em relatos é aquele que diz respeito à capacidade de fruição do espetáculo do crepúsculo do alto do Pão de Açúcar por parte de turistas. A contemplação do escurecer e iluminar da paisagem e da cidade, tendo como pré-condições tempo e silêncio, não podia ser feita a não ser de forma muito superficial por turistas apressados e barulhentos. A crítica dos autores dirigiram-se aqui sobretudo àqueles passageiros de cruzeiros que tinham apenas poucas horas para conhecer o Rio.

„O céu encobre-se rapidamente no manto da noite. Apenas no horizonte ocidental salienta-se do cimo do Corcovado a silhueta da estátua do Cristo. As luzes do Rio irradiam cada vez mais claramente na crescente escuridão, aumentam e fundem-se em repuxos de luz que sobem dos fundos das ruas ao céu noturno e que rebatem com a magnificência de cores das luzes neon nas paredes dos arranha-céus.

No horizonte a ocidente alumiam-se os holofotes e atiram a sua luz no monumento de concreto branco do Corcovado. Parece nesse momento que se estarrefece no espaço. As luzes da periferia lampejam ao longo nebuloso como estrelas numa noite de verão.

Luz e trevas, terra e mar, a cidade rumorejante lá embaixo e o silêncio solene aqui em cima, que se dilui no calar da infinita amplidão da noite subtropical e na falta de limites do Atlântico. Sem ruídos seguem os gigantes do oceano a sua rota, uns retornam com saudação de países distantes, outros abandonam fortalecidos o porto de descanso para conquistarem novos horizontes.

Ao norte faíscam relâmpagos no ar e caem colericamente nos rochedos das montanhas ao redor de Petrópolis....

Degraus de pedra arruinados nos levam ao centro de um pequeno bananal. Um canto afastado sob folhas rasgadas, um banco de pedra, silêncio. Das profundezas sobem jorrando os chafarizes de luz coloridos. Um momento no qual a realidade se transforma em sonho.

Mas de repente o sonho torna-se prosaica realidade.

Äääoouuu! Isn‘t it beautiful? Oh boy! Oh boy! Look!“

Julgando pela intensidade do grito, que soou direto atrás de nós, a admiração do Rio noturno tinha alcançado o seu ponto culminando também nesse visitante apressado. Em muitos. Nas exclamações misturavam-se de tempo em tempo as observações prosaicas daqueles que acabavam de tomar conhecimento que estavm no alto e que em 5 minutos precisariam descer com o próximo bondinho.

„certainly a well lighted city... - Tudo o que é verdade, uma cidade bem iluminada...“

Uma senhora de mais idade lançou bem no nosso nariz a sua bengala no ar e apontou em direção da costa lampejante: „That‘s waht they call necklace over there?

O seu marido não tinha pelo que parece compreensão para o estudo de detalhes.

„Okay. E agora?“

„Night Club. Let‘s go!“

(...)

Finalmente tudo ficou silencioso a nosso redor.

No oriente queimam no horizonte nuvens vermelho-brasa sobre a escuridão do mar e lançam os seus reflexos na superfície da água nas pequenas baías. Entre elas reduz-se o negro da noite nas manchas das pequenas ilhas e penínsulas de colinas. A enorme lua emerge do mar. A morna brisa marinha traz o canto das cigarras da pequena mata vizinha a nossos ouvitos. Bem ao longe, faróis contam os segundos. Das profundezas vêem a nós o longínquo rumor das ondas.

Depois todos os ruídos calam-se na plataforma panorâmica. A lua pendura-se no opal brilho suave do firmamento. As vagas eternamente intranquilas atravessam o espelho do mar prateado, cortadas da baía e da corrente interrompida pelas sombras fantasmagóricas das montanhas.

Do outro lado, em qualquer lugar dos morros escuros, lampeja de vez em quando a luz de uma lanterna, crianças e adultos deitam-se nos seus casebres de lata no chão de terra batida e vêem através das frestas nas paredes a mesma face pálida do lampião  que parece irreal...

O sino da sala de máquinas chama para o retorno.

As luzes tornam-se mais próximas, crescem, separam-se, sobem das profundezas. O diadema irradiante do Pão de Açúcar foge sem parar na noite.

Cidade Maravilhosa, uma afastada periferia, afunda por detrás das montanhas, o mar de luzes sob nós reflete-se na espuma da maré, a cidade esconde-se atrás de uma guirlanda de luzes da costa.

Estação intermediária. Jazz e buzinas de autos da cidade.

Sem ruído, o minúsculo iluminado castelinho entre céu e terra retorna pairando à terra de sonhos.“  (loc.cit.)

Luzes e miséria na „cidade luz“ no olhar de viajante da República Democrática Alemã

A designação „cidade da luz“/“cidade luz“ retorna como motivo condutor do pensamento de um viajante  que fêz a sua viagem em navio de carga e cuja atenção foi sobretudo voltada aos problemas da realidade social por detrás das aparências e grandes gestos. (Herbert Nachbar, Brasilienfahrt, Rostock: VEB Hinstorff 1961,90-91)

A estátua do Cristo Redentor iluminada, surge ao olhar do viajante como de sentido ambivalente, de um gesto de benção que também embraçava injustiças sociais. Se outros autores salientaram o silêncio dos altos do Pão de Açúcar como necessário à contemplação do espetáculo do crepúsculo e do iluminar da cidade, o viajante refere-se ao silêncio que se estabelecia até mesmo em navios de carga nessa hora do dia, também êles imergindo numa atmosfera de paz. Como um motivo desconhecido de outros relatos, o autor salienta o poder evocativo desse momento de encanto, que fazia surgir recordações de tempos passados, da longínqua infância e de estórias e lendas. Esse poder evocativo da hora de encanto do crepúsculo do Rio de Janeiro é que fazia com que o Brasil surgisse como um país de sonho, de lenda.

Essa vista de longe da cidade iluminada, porém, modifica-se com o passeio feito pelo viajante pelas ruas do Rio noturno. A cidade-luz revela-se como cidade de sombras, cheia de contrastes e falta de segurança, com grande parte de sua população vivenda em negra miséria. O autor lembra que não era esse Rio real propagado pelas agências de viagens, que o mostravam apenas como cidade de brilho, de luzes das grandes avenidas, silenciando o Rio do trabalho e do povo pobre.

„As montanhas da Serra do Mar nos acompanharam tal como um banco de escuras nuves toda a noite e todo o dia de nossa viagem ao Rio. E quando o sol desaparece, vemos à frente sobre um alto morro a estátua de Cristo. Iluminada por fortes holofotes, eleva-se essa estátua de 30 metros de altura sobre o Corcovado, abençoando justos e injustos do mesmo modo. (...)

Cem mil luzes chegam a nós; reluzindo em todas as cores, refletindo-se na água, projetam cintos de luz compridos, coloridos, movimentados, no cinzento profundo do Altântico. De todas as montanhas e ilhas irradiam luzes. O ar quase que não se movimenta e é tão suave que podemos ander sem casaco no convés para contemplar essa magnificência de lenda. Pode ser ilusão, mas o quadro é cheio de paz. Ninguém pode fugir da profunda impressão, emergem semi-esquecidas palavras e histórias da infância, histórias de hora de adormecimento, lendas contadas pela avó. ‚E êle chegou do mar numa baía que era tão bela, tão cheia de cores e movimento por trabalho de paz, que acreditou ter finalmente encontrado um país de lenda...‘ Sim, aqui começa o país de lenda. E o nosso navio é uma parte da atividade pacífica que enche essa mais bela baía do mundo dia e noite. Navios passam tranquilamente por nós; aviões, muitos cada minuto, sombras murmurejantes e rumorosas sobre as nossas cabeças. Até mesmo das sombras lampejam luzes sobre nós. E o nosso navio procede bem lentamente.

(...) Voltamos cansados, fazemos um passeio pelas ruas silenciosas. Um pequeno passeio à noite pelo Rio de Janeiro - êle nos mostrou todos os contrastes do Brasil. A nossa vida segura torna incompreensível que um de cada três cariocas - assim se chamam os habitantes do Rio - precisa viver numa miserável cabana. De três milhõs de pessoas, um milhão vive na miséria., Verdadeiramente um balanço que dá orgulho! E entre aqueles que têm trabalho, o salário médio no Rio é de 7000 cruzeiros. Mas um terno de loja custa quase o mesmo. E um apartamento de três quartos 12000 a 15000 cruzeiros.“

(...)

As companhias de viagem nos mostram o Rio do brilho, das avenidas largas. Mas há ainda um outro. Há o Rio do trabalho e da gente pobre. Fomos às favelas, e lançamos um olhar por detrás da cortina do alegre Rio de Janeiro. E ali vi a fisionomia dessa cidade não diferente do que a face de São Paulo e Santos. A pobreza é por todo lado igual...“ (op.cit.)


De ciclo de estudos da A.B.E.
sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo


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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A.(Ed.). „ Rio de Janeiro ‚cidade-luz‘. Light & Power Company Ltda. e metáforas de luz
O projeto hidroelétrico das Niagara Falls nas suas consequências para o Brasil“.
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 156/5 (2015:04). http://revista.brasil-europa.eu/156/Rio_Cidade_luz.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

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ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


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