Europa, Brasil e o Pacífico do Norte


ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 157

Correspondência Euro-Brasileira©

 

_________________________________________________________________________________________________________________________________


Índice da edição     Índice geral     Portal Brasil-Europa     Academia     Contato     Convite     Impressum     Editor     Estatística     Atualidades

_________________________________________________________________________________________________________________________________

N° 157/17 (2015:5)





Europa, Brasil e o Pacífico do Norte na literatura de viagens
G. H. von Langsdorff (1774-1852) em Santa Catarina e no Alasca -
University of Alaska


 
Victoria BC. Foto A.A.Bispo 2015
A cidade canadense de Victoria, capital da Britisch Columbia, situada na ilha de Vancouver, é uma das cidades que, pela sua arquitetura, cultura e tradições, surge como uma das mais marcadas pela história e pelo cultivo da memória da costa do Pacífico da América do Norte. Representa, na sua fisionomia européia que lembra a Grã-Bretanha do século XIX e início do XX, um contraste com aquela de Vancouver, metrópole de moderna e arrojada arquitetura de edifícios de estrutura metálica e vidro. (Veja)


Esse cultivo da memória em Victoria evidencia-se na presença de vultos da história das navegações, de viajantes e missionários do passado em posição de relêvo na encenação urbana do centro da cidade. O principal destaque é aqui emprestado a James Cook (1728-1779), cujo monumento o representa expressivamente com o olhar dirigido ao distante e ao porvir, segurando mapas e cartas de navegação.


A estátua de Cook surge como que em contraponto àquela da rainha Vitória diante do Parlamento, da qual a cidade tirou o seu nome e com o qual se inscreve na série de cidades marcadas pela presença imperial britânica no mundo que perenizam com monumentos a memória da rainha, entre elas da Austrália, como Sydney, e a capital de Maurício.


Com esses dois monumentos, a cidade de Victoria celebra vultos chaves que representam a posse e a presença inglesa nessa região do Pacífico do Norte americano, as navegações que o possibilitaram e a sua inclusão no império transcontinental. O processo histórico celebrado na encenação urbana é complementada por uma série de placas comemorativas fixadas em muro que separa a principal via de Victoria das águas e que lembram navios que trouxeram militares, personalidades que desempenharam papel de importância na história local e missionários, tais como Marquis of Bute, Beaver, Cadboro, Labouchere, Panama e Pacific.


Os nomes de navios e personagens lembrados nas placas do centro de Victoria, desconhecidos ou pouco conhecidos nos estudos histórico-culturais referentes ao Brasil, aguçam a consciência da necessidade de estudos mais pormenorizados da literatura de viagens não imediatamente relacionada com o país para análises de processos nos quais também o Brasil se inseriu. Basta lembrar que, em época muito anterior ao estabelecimento de ferrovias transcontinentais como a Canadian Pacific Railway e a abertura do canal do Panamá, o trajeto navigatório entre a região e a Europa era em geral aquele que contornava o continente pelo Extremo de Magalhães, passando assim pelo Brasil, em geral pelo porto do Rio de Janeiro.


Entre esses navios, destacam-se aqueles nos quais viajou James Douglas (1803-1877), nome ligado ao Fort Victoria e que traz à memória as atividades da Hudson‘s Bay Company e o significado do deplorável comércio de peles que escurece até o presente a história norte-americana, assim como as corridas de ouro da década de 60 na região (Cariboo, rio Leech). O nome de Douglas vincula-se também à história do Alasca, então explorado pela Rússia, sobretudo como fundador de Fort Taku. Esteve em 1840 na sua principal cidade, Stika, centro do comércio russo de peles, obtendo a região do rio Stikine para a Companhia Russo-Americana (Russian American Company), o que definiu fronteiras do domínio britânico relativamente àquele de posse russa.


A consideração de fontes históricas nos estudos que relacionam o Brasil e o Alasca não pode limitar-se àquelas que refletem a perspectiva historiográfica britânica. Muito antes explorado por comerciantes russos e com estabelecimentos russos, tendo sido apenas adquirido do Império Russo pelos Estados Unidos em 1867, a sua história mais antiga exige que se atente a outras fontes na sua inserção em contextos globais adequados.


Alzay. Foto A.A.Bispo 1983. Arquivo A.B.E.
O interesse por essa história da América do Norte russa anterior à aquisição do Alasca pelos Estados Unidos evidencia-se na publicação em inglês, no Alasca, das observação da viagem de circunavegação do globo nos anos 1803 e 1807 de Georg Heinrich von Langsdorff/Grigory Ivanovich Langsdorff (1774-1852) (Bemerkungen auf einer Reise um die Welt in den Jahren 1803 bis 1807, com 28 gravuras e uma partitura musical, Frankfurt a.M.: Friedrich Wilmans, 1812).(Remarks and Observations on a Voyage Around the World from 1803 to 1807, trad. Victoria Joan Moessner, Limestone Press History Series 41, 1993). A obra, editada por Richard Pierce (1918-2004), é hoje distribuída pela editora da Universidade do Alasca.


Com essa tradução, estudantes e leitores em geral do Alasca passaramm a dispor de uma obra que relaciona a época russa da região com o Brasil, trazendo à consciência que o cientista alemão von Langsdorff, que publicou o seu texto já como Conselheiro da Corte do Império Russo, é um dos mais importantes nome da história das ciências relacionadas com o Brasil, autor de volumosa obra, representando o maior vulto que estabelece pontes entre a Alemanha, Portugal, Brasil e o Alasca, então russo. (Veja)


Heinrich Graf von Langsdorff nos estudos euro-brasileiros


O seu nome e a sua obra foram salientados em sessão realizada na Câmara do Guarujá no âmbito do congresso de encerramento do triênio de estudos internacionais pelos 500 anos do Brasil, em 2002.


Nessa sessão, a Dra. Esther d'Almeida Karwinsky teceu considerações sobre o significado de sua obra. Referindo-se em particular a G.G. Manizer, conhecido no Brasil já há muito („Música e instrumentos de música de algumas tribus do Brasil“, trad. do russo por A. Childe, Revista Brasileira de Música I, 1934, 303ss.; A expedição do acadêmico G. I. Langsdorff ao Brasil, São Paulo, 1967), a erudita pesquisadora trouxe à lembrança a necessidade de estudos mais aprofundados de documentação e materiais existentes em instituições russas, de difícil acesso e insuficientemente estudados por pesquisadores brasileiros e mesmo europeus.


Lembrou-se, aqui, que esse desideratum vem sendo expresso já há muitas décadas, encontrando, porém, grandes dificuldades para a sua realização. O arquivo da expedição só foi reencontrado em 1930, no Museu do Jardim Botânico de S. Petersburgo (então Leningrado).


Em 1946, Rodrigo Melo Franco de Andrade, diretor do Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, informava a Dom Clemente Maria da Silva Nigra, Diretor do Museu de Arte Sacra da Bahia, a existência de material sobre o Brasil em museu soviético. Esse prelado, indo a Moscou, confirmou a informação, verificando que o material se encontrava nos arquivos da Academia de Ciências, em Leningrado.


Em 1973, a Academia de Ciências publicou o catálogo abrangendo toda a documentação da expedição Langsdorff como uma primeira fase de um projeto de muito maiores dimensões.O principal coordenador da edição soviética do católogo foi Boris Komissarov, da Faculdade de História da Universidade Estatal de Leningrado.


Em 1978/79, o Centro Nacional de Referência Cultural promoveu a tradução desse catálogo, sendo publicado pela Fundação Nacional Pró-Memória, em 1981. Com essa tradução, de Marcos Pinto Braga, procurou-se despertar o interesse de pesquisadores brasileiros pela obra de von Langsdorff, cuja consideração, no Brasil, não corresponde a seu significado. (A Expedição científica de G. I. Langsdorff ao Brasil, 1821-1829, Brasília: SPHAN/Pró-Memória, 1981)


A publicação desse catálogo em português no ano do Simpósio Internacional de Cultura Brasileira levado a efeito em São Paulo, foi considerada na primeira edição do Forum de estudos inter-e transculturais e Semana Teuto-Brasileira de Música levados a efeito na cidade de Leichlingen, terra natal do engenheiro celebrado na Alemanha como construtor do Caminho Aéreo do Pão de Açúcar. (Veja)


Nos anos seguintes, procurou-se aprofundar os conhecimentos relativos ao contexto de formação de von Langsdorff na Alemanha, visitando-se a sua cidade natal, Wöllstein, na região Rheinhessen, assim como as vizinhas Alzey e Bad Kreuznach. A consideração dessa região, sob a égide da França até o Congresso de Viena em 1816, tornou compreensível a proximidade de von Langsdorff ao mundo cultural francês, o que se manifesta na sua correspondência com cientistas e eruditos franceses, entre êles com Auguste de Saint Hillaire (1779-1853).


A universidade de Göttingen, na qual von Langsdorff estudou Medicina e doutorou-se, em 1797, foi alvo de repetidas visitas na procura de dados e na realização de estudos de contextos relativos a vários eruditos das diferentes áreas das ciências e da cultura que
se destacaram em viagens de pesquisas e explorações.


Os elos de von Langsdorff von Portugal resultaram do fato de, como médico da Corte do príncipe Christian August von Waldeck e Pyrmont (1744-1798), ter acompanhado esse militar a Portugal, onde devia assumir o comando de forças armadas, logo falecendo, porém, em Sintra.


Estudos do contexto cultural em que se inseriu esse príncipe foram promovidos pela A.B.E. em diferentes ocasiões em Bad Arolsen.



Von Langsdorff foi, entre os cientistas que estiveram no Brasil, aquele que possivelmente trouxe mais profundos conhecimentos da língua e cultura portuguesa, ou mesmo ibérica em geral. Aprendeu o português em Portugal, tendo vivido também na Espanha, em 1801/1802. Com esses conhecimentos da cultura portuguesa, von Langsdorff esteve em condições de registrar semelhanças e diferenças de modos de vida de Portugal e do Brasil que visitou, colonia e, a seguir, parte do Reino Unido e país independente.


Na sessão de 2002, salientando-se que a esfera internacional que marcou a vida futura de von Langsdorff foi a da Rússia, lembrou-se que também um outro grande vulto de língua alemã da diplomacia cultural relacionada com o Brasil também esteve na Rússia: Sigismund von Neukomm (1778-1858). A lembrança dessa personalidade da Restauração - compositor do Congresso de Viena - salientou a necessidade de estudos mais aprofundados das inserções de von Langsdorff no contexto político europeu conturbado de nações que resistiam ao movimento revolucionário desencadeado na França e às ocupações napoleônicas.


Já em 1803, von Langsdorff foi nomeado membro da Academia de Ciências da Rússia no Exterior. A entrada a serviço dos interesses russos deu-se com a sua participação na expedição científica russa de circunavegação do globo, preparada, por ordem do Czar Alexandre I (1777-1825) e que partiu de Kopenhagen, em 1803. Já de 1804 datam as suas impressões e observações em Santa Catarina, de extraordinário significado para os estudos culturais, e que passam a ser agora alcançáveis em inglês aos estudantes da Universidade do Alasca.


Nesse mesmo ano de 1804, Langsdorff foi enviado ao Japão em malograda missão diplomática.  No ano seguinte, realizou viagem aos domínios da Companhia Russo Americana (Russian American Company, às ilhas Aleutas e ao Noroeste da América do Norte. Ali dedicou-se ao estudo da cultura dos Coloches. Em 1806, na Califórnia, coletou dados a respeito da vida dos índios nas missões franciscanas.


Em 1812, após ter sido escolhido como membro extraordinario da Academia de Ciências de Petersburgo, foi nomeado consul-geral no Rio de Janeiro. Nesse cargo, a sua principal tarefa era a de prestar auxílios a mercadores russos, providenciando abastecimento para os navios da Companhia Russo Americana ((Russian American Company)


Desenvolvendo estudos em bibliotecas e museus, além de realizar viagens pelo país, von Langsdorff adquiriu profundos e diferenciados conhecimentos do Brasil, dos povos indígenas e do desenvolvimento de suas cidades e regiões, interessando-se também pela questão da imigração. Uma de suas viagens levou-o em 1816 à região do ouro, tendo visitado várias cidades de Minas Gerais. Tornou-se assim o principal agente de informações sobre o país ao Império Russo, enviando estudos, materiais e dados relativos ao trabalho de cientistas-viajantes de outras potências que realizavam trabalhos no Brasil. O seu grande projeto foi o de organizar uma expedição científica russa no Brasil no sentido de não deixar que apenas outras potências européias adquirissem informações e conhecimentos através dos muitos cientistas que atuavam no país. Essa expedição, que entrou na história das ciências do Brasil, e na qual tomaram parte, entre outros, Jean Moris Eduard Ménétriès,


Da expedição participaram, entre outros o naturalista Jean Moris Eduard Ménétriès (1802-1861), o pintor Johann Moritz Rugendas (1802-1858) e o botânico e ornitólogo Georg Wilhelm Freyreiss (1789-1825), cientista de sua região natal. À época da Independência do Brasil,. a expedição percorreu áreas do Rio de Janeiro, estudando a colonização suíça em Nova Friburgo, fundada em 1819. Em 1824, Langsdorff deu início a grande viagem à Província de Minas Gerais, visitando não apenas as cidades, como também aldeias indígenas, coletando materiais. Seguiu-se uma expedição a São Paulo, com a participação, entre outros, dos pintores Amadei Adrian Taunay (1802-1828) e Hercules Florence (1804-1879).


Von Langsdorff nos estudos de projeto internacional de culturas indígenas


Em Langsdorff percorreu o Mato Grosso, regiões fronteiriças com a Bolívia, realizando pesquisas no alto Paraguai e no Guaporé. Desceu ao Amazonas pelos afluentes do Tapajós e visitou aldeias Bororo. No Amazonas, entrou em contacto com o povo Mundurucu, visitando aldeias desses índios e dos Maué, já então em contacto com a população branca. Em 1828, observou a cultura do grupo Caripuna na região do Madeira-Guaporé.


Assim, pela primeira vez, realizou-se uma pequisa abrangente do planalto brasileiro, pois Langsdorff atravessou os altos dos rios Paraná, Paraguai e Tapajós.


No âmbito do projeto dedicado às culturas indígenas remontante à introdução da área da Etnomusicologia em São Paulo, em 1972  e desenvolvido a partir do Congresso Internacional de Musicologia realizado no Rio de Janeiro em 1992 com o apoio do Serviço do Exterior da Alemanha (Veja), foram sobretudo os trabalhos de von Langedorff referentes a culturas indígenas que mereceram particular atenção.(A.A.Bispo, „Deutsch-russische Erforschung Mato Grossos und der Madeira Region“, Die Musikkulturen der Indianer Brasiliens IV, Musices Aptatio 2000/2001, Rom/Colonia 2002, 224-226)


Von Langsdorff deixou manuscritos com resultados coletados e observações. Entre êles, tem-se notícia de um rascunho com registros concernentes aos índios Caiapó, de 1826, de notas sobre índios do Pará, de 1827/28, e observações concernentes à Fazenda de Camapuã, de 1826.


Von Langsdorff procurou também informar-se de trabalhos já realizados, tendo estudado, entre outros, os documentos relativos à Próvincia de Mato Grosso, de 1827, as „Notícias sobre os índios“, contendo "Descripção relativas as nações indígenas que habitão dentro do Destricto diamantino e seus sertões", escrito por Antonio José Ramos e Costa, em Diamantino, a 16 de março der 1827; as "Notícias sobre duas nações habitantes dentro do districto de Va Maria", escrito por João Pereira Leite, em Jacobina, a 20 de fevereiro de 1827, as "Memorias relativas aos Indios Barbaros que habitam na fronteira do Paraguai; e nos limites do Imperio, com quem os Brasileiros tem algumas relações commerciaes“(Mandadas tirar pelo Illmo e Exmo Sr. Joze Saturnino da Costa pera Presidte deste Prova), escrito pelo capitão José Craveiro de Sá, em Cuiabá, a 20 de fevereiro de 1827, e a "Relação das diversas Nações de Indias, que habitavam a Provincia de Matto Grosso.“


Impressões do Brasil nas Bemerkungen auf einer Reise um die Welt 1803 bis 1807


Na tradução das Bemerkungen auf einer Reise um die Welt in den Jahren 1803 bis 1807 publicada em inglês pela Universidade do Alasca (Remarks and Observations on a Voyage Around the World from 1803 to 1807), von Langsdorff descreve, no segundo capítulo, a sua chegada ao Brasil, a sua estadia em Santa Catarina, a vila de Nossa Senhora do Desterro, trata de usos e costumes, descreve uma dança de escravos, relata as suas excursões à terra firme, dá notícias sobre artes, ciências, instituições públicas, sobre a produção de rícino, assim como registra observações medicinais e histórico-naturais.


O texto que trata da sua chegada a Santa Catarina é uma das entusiásticas descrições da natureza do Brasil da literatura de viagens. Como salienta, se um viajante, após meses de viagem marítima, via com alegria todo e qualquer rochedo, por mais agreste que fosse, a chegada ao Brasil significava uma experiência única devido à exuberância da natureza.


Entre os registros de maior significado para os estudos histórico-culturais contam-se aqueles relativos a festividades e danças presenciadas por von Langsdorff em Santa Catarina. Tendo visitado a região em época anterior à imigração centro-européia que marcaria a sua fisionomia, as observações de Langsdorff dizem respeito a modos de vida e expressões lúdicas em tradição portuguesa e de escravos africanos. O cientista alemão a serviço da Rússia teve ocasião de vivenciar o período do ano mais rico em manifestações populares festivas, o do ciclo de Natal e Reis. Von Langsdorff registra que, na noite anterior à festa dos Reis, era costume que aquele que se oferecesse a uma pessoa amada ou a amigos uma serenata. Nada sabia desse uso, sendo surpreendido, à noite, com os sons suaves de cantos melodiosos, acompanhados por flautas e violões.O efeito dessa música encantadora, em particular à noite, era conhecido dos europeus, não sendo necessário descrever o fascínio que exerciam esses trechos em modo menor nos ouvidos ainda adormecidos pelo sono. Somente na manhã seguinte tomou conhecimento que essa prática era um sinal do bem-querer e da amizade. (Bemerkungen...I, op.cit. pág. 44-45)


A descrição de von Langsdorff das festividades que presenciou na passagem de ano de 1804 pertencem às mais expressivas e pormenorizadas das fontes históricas relativas a danças e a práticas musicais populares, em particular de escravos. Ainda que o observador tenha interpretado a dança e a música de terreiro que vivenciou em recito fechado devido a mau tempo como expressões genuinamente africanas, a sua descrição revela indícios de complexos processos de interações culturais na recepção de festas e sentidos do calendário cristão. A sua referência a estrelas, sóis, espelhos, papéis dourados e prateados indica relações com a linguagem simbólica do período das 12 noites da tradição ocidental. A própria concessão de um dia de liberdade aos escravos registrada por von Langsdorff revela a continuidade de antigas práticas de inversão de papéis e situações conhecidas na sua referenciação bíblica da festa dos Santos Inocentes de 28 de dezembro.

“Wir hatten das Vergnügen das Neujahrsfest von 1804 hier zu feiern, und an den Lustbarkeiten Antheil nehmen, die bey dieser Gelegenheit Statt zu finden pflegen. Die Negersclaven nämlich, welche das ganze Jahr durch sehr streng zur Arbeit angehalten werden, erhalten bloß und allein bey dem jedesmaligen Jahreswechsel einige Tage ihre Freiheit, und belustigen sich alsdann nach ihrer Weise, indem sie sich während dieser Zeit von neuem in ihren Nationaltänzen, die man nicht ohne großes Interesse ansehen kann, üben. Obleich die beste Beschreibung dieser characteristischen Tänze nur eine höchst unvollkommene Darstellung zu geben im Stande ist, so will ich mich doch bemühen, wnn auch nur einige Scenen derselben, auszuheben und mitzutheilen.

Gewöhnlich taumeln sich die Negersclaven mit vielem Ungestüm und Geräusch in den Straßen umher, dieses Mal abeer regnete es so sehr, daß sie gezwungen waren in einigen elenden Hütten, in öffentlichen Schenken und Trinkgelagen ihre Bacchanalien zu feiern. Der Tanzplatz war leicht im Orte aufzufinden, denn von witem schon ertönte die Musik und das Gejauchze der Tänzer; ich sage Musik, obgleich kein einziges unserer europäischen Ton- oder Saiteninstrumente, ja nicht einmal ein Dudelsack zu hören war. Ein monotonisches Geschrei, ein wildes geräuchvolles jedoch tactmäßiges Trommeln, ein Beckenschlagen und Klappern, ein Rasseln und Händeklatschen zeigte schon in weiter Entfernung den Sammelplatz an. Beym Eintritt in diesen Freudensaal würde der entgegenströmende übelriechende Qualm, vieler in engen Raum eingeschlossener und von dem heftigen Tanzen und Springen stark ausdünstender Neger, schon hinreichend gewesen seyn, die Neugierde der meisten zu befriedigen oder vielmehr abzuschrecken; wagte man sich indessen, mit einiger Ueberwindung noch etwas näher, so hatte man das Veergnügen die Urbewohner Africa‘s in America tanzen zu sehen. Der König oder Anführer einer tanzenden Horde zeichnete sich sogleich durch körperliche Größe, Wuchs und Anstand vor der übrigen Ballgesellschaft aus. Er führte als Held sein Volk, das in einem Kreise um ihn her versammelt war, an. Statt des stahlblauen Helms, war sein Haupt mit glänzenden Goldpapier und bunten Federn geschmückt, an Statt des eisernen Brustschildes strahlten kleine Spiegel, Goldfranzen, Silberflitter; Sonnen und Sterne von Gold- und Silberpapier waren allenthalben in großer Menge angebracht. In der linken Hand führte der Held ein etwa zwei Fuß langes Rohr, das mit vielen dicht neben einander stehenden Einkerbungen versehen war, über welche er unaufhörlich mit einem kleinen in der rechten Hand führenden Stäbchen wegraspelte. Das übrige tanzende Chor hatte ähnliche Stöckchen, Klappern und Schellen, kurz, geräuschmachende Instrumente aller Art. Statt der Musikanten saßen einige Neger in einer Ecke auf der Erde und schlugen mit den Händen auf die über einen ausgehöhlten Baumklotz gespannte Ochsenhaut. - Dies war die Trommel. Die meisten Anwesenen der Ballgesellschaft waren, eine Häftsbinde oder halbe Beinkleier ausgenommen, beynahe ohne alle Bedeckung, mit vielen bunten Federn, seidenen Bändern und einem Diadem von Goldpapier geziert. - Einige hatten ihre Gesichter mit Masken bedeckt, andere dieselben mit rothen, weißen und andern abstechenden Farben fürchterlich und gräßlich beschmiert. Neger und Negerinnen bildeten, wie eben gesagt einen Kreis um ihren Anführer, traten dann, je nachdem sie mehr oder weniger Geschicklichkeit zu besitzen glaubten, als Solotänzer in die Mitte desselben, und machten als solche die sonderbarsten und seltsamsten Bewegungen; die übrigen sangen oder schrien vielmehr einige unverständliche africanische Lieder dazu. Die Hüften und Beckenknochen drehten sie auf eine unglaublich schnelle Art in horizontaler kreisförmiger Wendung, indeß der obere Theil des Körpers beynahe stille stand, und auf dem untern, der sich in heftiger Bewegung befand, gleichsam zu balanciren schien; eben so schüttelten sie die Hals-, Achse-, Schulter- und Rückenmuskeln auf eine so ganz unbeschreibliche Weise, daß sie jeden einzelnen ihrer Musikeln in der Gewalt zu haben schienen. Die größte Geschicklicchkeit bewies eine halb nackte Negerin, welche mit der heftigsten Musikel- und Hüftenbewegung eine ausserordentliche Geschwindigkeit und zugleich die künstlichste Versetzung der Füße verband. Die Verzerrung der Gesichtsmuskeln, das Aufblasen der Backen und andere gräßliche Geberden machten noch überdem einen wesentlichen Theil der Vollkommenheit des Tanzes aus.

Die mancherlei Schatiirungen der vielen mit dem herabtrifenden Schweiße vermischten Farben, womit der scharze Körper beschmiert war, ließ sich leichter ansehen, als durch Worte schildern. Der Hauptgegenstand dieser Tänze besteht in Vorstellung gewöhnlicher Handlungen des Lebens,  z.B. Fischfang, Jagd, Krieg u.s.w. und durch die treue Darstellung verfehlen sie so wenig ihre Absicht, daß sie unsern europäischen Ballettänzern sehr füglich neuen Stoff zur größern Ausführung ähnlicher Gegenstände darbieten könnten. Wenn man noch dazu die Wärme des Klima‘s und die in einem engen Raum eingeschlossene Menge von Menschen berücksichtigt, so kann man sich leicht vorstellen, daß die durch solche widernatürliche Anstrengungen erhitzten Körper beynahe in Schweiß zerflossen, und daher mußte man desto mehr die Dauer dieser Tänze bewundern, die zuweilen eine ganze Stunde anhielten.“ (Bemerkungen... I, op.cit. 42-44)


Van Langsdorff oferece também dados a respeito da prática musical em famílias de Santa Catarina, e que, segundo a descrição, pertencia à tradição de pastorís da época da passagem do ano. Em noite de luar, presenciou cantos - „agradáveis árias de muita expressão“ - em sua homenagem oferecidos por duas jovens rendeiras ou bordadeiras. No seu comportamento, demonstravam grande pureza e singeleza. Sem instrumentos musicais, acompanhavam-se com uma concha com pedrinhas no seu interior, agitando-as com muita dignidade, de modo que o instrumento produzia agradável efeito. Trata-se, aqui, possivelmente, de uma versão adaptada do „pandeiro de pastoril“ conhecido do Nordeste e remontante, no seu sentido simbólico, aos antigos sistros. (Bemerkungen...I, op.cit. 46)


Cultura/Natureza: mortandade nos mares em duas latitudes e expansão russa no Alasca


As observações de von Langsdorff adquirem particular interesse em estudos sob o signo do binômio Cultura/Natureza por registrarem o estado já crítico de diminuição de cetáceos pela sua caça em Santa Catarina, e, no Pacífico Norte, pelo quase que extermínio de vida animal causado pelo comércio de peles praticado pelos russos no início do século XIX.


A caça radical de lontras marinhas levava a seu desaparecimento, obrigando os russos a ampliarem cada vez mais a sua esfera de ação, entrando pela terra firme. Procuravam, assim manter essa fonte de riqueza e o crédito da Companhia de Comércio que contava com o privilégio imperial russo.


Assim procedendo, os russos chegaram ao Norfolk-Sound, região em que ainda viviam muitas lontras. Por essa razão, essa região  já tinha sido apropriada há anos por um ousado e violento aventureiro: Baranoff. Tendo expulsado os indígenas, fundara ali estabelecimentos para o comércio de peles. Aqueles, chamados de Caluschos pelos russos, denominavam-se a si próprios Schitchacha, ou seja, habitantes de Sitcha ou Schitcha. Fundando-se um estabelecimento para a caça, este tomou o nome de Sitcha, tornando-se por décadas a principal cidade do Alasca russo.


Após ter construído defesas, casas e depósitos, e procurado acalmar os indígenas com presentes, von Baranoff retirou-se para Kodiak. Anos depois, russos e aleutos que se dedicavam à pesca, ao corte de madeira e a outros trabalhos, foram atacados pelos Caluschos e mortos. Soube-se, por alguns que se salvaram, que o estabelecimento de Sitcha havia sido destruído. Entretanto, a importância dessa localidade devido à quantidade de lontras existentes na região levou a nova conquista e seu restabelecimento. Assim, já no verão de 1804 - época em que von Langsdorff se encontrava em Santa Catarina - Baranoff dirigira-se com vários navios ao Croß-Sound, à sangrenta caça de lontras. (Bemerkungen...I, op.cit. 72 ss.)


(...)




De ciclos de estudos a A.B.E.
sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo



Todos os direitos reservados

Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A.(Ed.).“Europa, Brasil e o Pacífico do Norte na literatura de viagens. G. H. von Langsdorff (1774-1852) em Santa Catarina e no Alasca - University of Alaska.“
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 157/17 (2015:05). http://revista.brasil-europa.eu/157/Langsdorff_Santa_Catarina_e_Alasca.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2015 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Academia Brasil-Europa
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
reconhecido de utilidade pública na República Federal da Alemanha

Editor: Professor Dr. A.A. Bispo, Universität zu Köln
Direção gerencial: Dr. H. Hülskath, Akademisches Lehrkrankenhaus Bergisch-Gladbach
Corpo administrativo: V. Dreyer, P. Dreyer, M. Hafner, K. Jetz, Th. Nebois, L. Müller, N. Carvalho, S. Hahne
Corpo consultivo - presidências: Prof. DDr. J. de Andrade (Brasil), Dr. A. Borges (Portugal)




 










No texto: Alzey (1983) e Bad Arolsen (2012). Coluna: Victoria BC. Fotos A.A.Bispo, 2015 ©Arquivo A.B.E.