O totem e o paisagismo urbano

ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 157

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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N° 157/16 (2015:5)





O totem e as „cidades maravilhosas“
Questões culturais de paisagismo urbano consideradas no parque Stanley de Vancouver
pelos 450 anos do Rio de Janeiro



 
Vancouver. Foto A.A.Bispo 2015. Arquivo A.B.E.

Vancouver é uma das cidades de melhor qualidade de vida do globo. É considerada como uma das mais belas quanto à sua situação na natureza, concorrendo com o Rio de Janeiro e Sydney. As suas qualidades podem ser apreciadas sob diferentes pontos de vista, apresentando-se a cidade como modêlo sob vários aspectos.


Vancouver. Foto A.A.Bispo 2015. Arquivo A.B.E.

Um deles é o arquitetônico e urbanístico, salientando-se Vancouver pelo seu sky line de edifícios de alta qualidade e que não denota a fisionomia desorganizada quanto à configuração vertical e mesmo horizontal de muitas metrópoles. Vista do mar, a cidade apresenta-se com uma frente construída marcada por coerência e mesmo unidade de configuração, com edificações predominantemente de vidro e metal, o que confere ao todo leveza e transparência.


A qualidade de vida de Vancouver resulta porém sobretudo de seus parques, jardins e arborizações de ruas, o que denota uma especial e exemplar preocupação por parte da administração e de particulares, talvez uma herança da tradicional atenção britânica ao paisagismo em geral, adquirindo este ainda maior excelência sob as condições econômicas de Vancouver.


Vancouver. Foto A.A.Bispo 2015. Arquivo A.B.E.

A fronte ajardinada de Vancouver e o  Stanley Park


Como na tradição britânica interagem parques, jardins e a paisagem - chegando a conferir características de parque mesmo a matas e terras de uso agrícola - a cidade canadense é emoldurada por um grande parque que se insere na natureza envolvente.


As comparações entre Vancouver e o Rio de Janeiro que salientam a beleza das paisagens naturais em que se situam não podem deixar de considerar que, no caso da cidade canadense, trata-se em grande parte do labor preservacionista e de criação paisagística do homem na conservação, valorização e uso dos recursos oferecidos pela natureza.


O maior parque urbano de Vancouver, e mesmo do Canadá é o Parque Stanley, próximo ao centro e que se interliga com a área ajardinada à beira da água que contorna a cidade. É denomninado segundo Frederick Arthur Stanley (1841-1908), Governador-Geral do Canadá à época de sua instalação em 1888. Situa-se na ponta norte de uma península que entra pelo fiorde Burrard Inlet. Este parque não pode deixar de ser considerado em estudos de paisagismo, pois é um dos maiores parques urbanos do continente americano. Ali se conservam árvores seculares e raras da vegetação da costa oeste da América do Norte em mata com mais de meio milhão de árvores.


Vancouver. Foto A.A.Bispo 2015. Arquivo A.B.E.

Cultura indígena no paisagismo do Parque Stanley


O Parque Stanley merece ser considerado com atenção nos estudos culturais sobretudo pelas suas relações com a cultura indígena do continente.


Se em geral os parques e jardins urbanos das Américas fora implantados segundo modêlos europeus ou projetos que atentaram primordialmente a critérios estéticos ou funcionais, sem levar em consideração o passado indígena das terras assim configuradas, o Parque Stanley surge como exemplo não só de respeito e justiça para com as antigas populações, mas também das possibilidades enriquecedoras de uma valorização da cultura indígena em diálogos com tendências da arquitetura, do urbanismo e das artes visuais contemporâneas.


Vancouver. Foto A.A.Bispo 2015. Arquivo A.B.E.

O Parque Stanley encontra-se em área que, tradicionalmente, é de posse comum de vários grupos indígenas, as assim chamadas „First Nations“. A importância desse território costeiro para a economia e a vida indígena, com as suas grandes possibilidades de pesca no passado manifesta-se no fato de ter sido uma das regiões de mais densa população indígena da América do Norte.


O local era frequentado e os seus recursos utilizados não apenas pelos grupos que ali viviam, mas também por grupos de outras regiões ligados aos primeiros por elos de parentesco ou outros.


Essa situação reflete-se no Parque Stanley não apenas sob o aspecto histórico ou de direitos de posse, mas também no seu próprio patrimônio natural. Muitas das árvores centenárias que ali se encontram apresentam sinais da ação humana em remoto passado, constituindo um conjunto denominado de „árvores culturalmente modificadas“ (Culturally Modified Trees).


O Parque Stanley adquire um significado memorial por recordar os primeiros momentos da história de contatos entre europeus e indígenas, primeiramente com o espanhol José María Narváez e com o capitão George Vancouver em fins do século XVIII. Na região viviam grupos de diferentes povos, entre êles sobretudo Squamish, que ali possuiam uma aldeia (Chaythoos), assim como Sihxim, Ch‘elxwa, Oxachu, Papiyek e Skwtsa.


O próprio navegador que emprestou o seu nome à cidade foi ali recebido pelos indígenas em canoas de forma que impressionou os europeus pela sua dignidade e civilidade.

A história dos contatos positivos de ingleses com os indígenas tiveram outro momento significativo à época em que a Grã-Bretanha temia ataques russos no território.


O Parque situa-se assim em área marcada por tensões de interesses internacionais, em particular também entre aqueles leais à Coroa e os Estados Unidos republicano.


A área surge, neste complexo contexto global como significativa sob muitos aspectos e interpretável segundo o posicionamento político do observador. Foi justamente a situação estratégica e fronteiriça da região que favoreceu a conservação do seu patrimônio florestal. Declarada zona militar, foi poupada pelos empreendimentos madeireiros que também na América do Norte delapidaram a natureza.


O significado histórico, cultural e ambiental do parque foi reconhecido pelas autoridades britânicas que, em 1886, fundaram a cidade. A sua criação foi um dos primeiros atos administrativos municipais, que alugou a área militar para instalá-lo. O parque foi inaugurado em 1888. Inicialmente administrado por uma comissão de seis membros, passou em 1890 à alçada de uma direção de parques de Vancouver, com sete membros eleitos pelos habitantes da cidade.


Vancouver. Foto A.A.Bispo 2015. Arquivo A.B.E.

De encontros positivos, tempos de destruição e de revalorização da presença indígena


Apesar dos momentos positivos dos encontros entre europeus e indígenas, a história do Parque também traz à luz atos destrutivos experimentados pelos nativos com a expansão da presença européia na região e fundação da cidade. Restos de um grande povoado ali existente em tempos remotos, que se salientara por possuir uma casa comunitária de extraordinárias dimensões, e que seriam hoje de grande relevância arqueológica, foram destruídos com a construção de uma estrada. Após uma grande festa indígena (Potlatch) em 1875, as autoridades administrativas determinaram o arrasamento da aldeia ali localizada com a justificativa de evitar-se epidemias. Nas últimas décadas do século XIX, as últimas moradiais indígenas no Parque foram derrubadas e os indígenas expulsos.


Ao contrário dessa situação em fins do século XIX e início do XX, o Parque Stanley revela na atualidade o reconhecimento dos valores culturais indígenas para o presente e a revalorização do passado indígena da área. O principal sinal desse empenho é a área monumental de totem poles indígenas, entendidos como „coat of arms“ dos indígenas da British Columbia.


Esses poles são considerados como característica distintiva dos povos da costa ocidental da British Columbia e do baixo Alasca. Elaborados em cedro vermelho ocidental, as suas esculturas representam eventos reais ou míticos. Com em outros locais onde se apresentam totens, salienta-se no Parque Stanley que esses monumentos nunca foram objeto de culto religioso.



Tradição e criação contemporânea de artistas indígenas


Essa área do Parque Stanley apresenta também postes esculpidos de interiores de casas. Esses postes serviam nas casaas de cedro dos indígenas para suportar a estrutura da cobertura. Uma dos postes ali levantados é uma réplica feita pelo artista Tony Hunt de poste do indígena Charlie James do início do século XX, hoje conservado no Museu de Vancouver.


Com essa réplica, traz-se ao conhecimento dos visitantes que Charlie James desenvolveu um novo estilo colorístico e de técnica de elaboração plástica que marcou a história da criação artística no século XX, influenciando artistas que o seguiram e que foram, em parte com êle relacionados por elos de parentesco.


Uma fotografia de postes de casas na casa grande comunitária de aldeia da Alert Bay por ocasião de um potlatcch em 1983 revela a dominância do espaço interno por esses conjuntos esculpidos nas suas relações com a dança. O „Thunderbird House Post“ é um dos mais expressivos exemplares de arte indígena no Parque, apresentando na sua base um homem agarrado por um urso, sobre o qual se levanta a grande ave de asas abertas.


Outro exemplar que merece ser salientado é o „Sky Chief Pole“ esculpido em 1988 pelo artista Tim Paul - da cultura Hesquiat - e pelo artista Art Thompson - Ditidaht - com a finalidade de representar importantes caracteres da história Nuu-chah-nulth. Uma fotografia histórica testemunha o uso de figuras de boas-vindas numa aldeia Ohiaht.


Na sua obra ali exposta, o artista parte da representação de um homem sábio segurando topati. Acima dele, vê-se um lobo, a seguir uma serpente luminosa, uma baleia, a ave, um pescador real e o chefe celestial segurando a lua.


Em dizeres de Tim Paul, a linguagem visual tem dimensões espirituais, o que diferencia a sempre constatada preocupação de antropólogos em salientar que os totem poles nunca foram objetos religiosos.


„Our art comes from spirituality. Even after the onslaught of another culture, our spirituality and our beliefs are alive. In this pole we wanted to acknowledge the arts and ceremonies of our grandparents‘ generation and show that the arts are here today, just as we are here - alibve and intact.“


Pesquisa antropológico-cultural e incentivo à criação - artes plásticas e do movimento


Os artistas entalhadores Ellen Neel e seu tio Mungo Martin foram dos primeiros que alcançaram amplo reconhecimento pelos seus totem poles comissionados por museus, cidades e colecionadores de arte. Neel foi a primeira mulher que se tornou entalhadora da Costa noroeste.


A obra apresentada - Kakaso‘las, People come from far away to seek her advice“ - foi completada em 1955 para a loja Woodward‘s Department Store. Em memória do papel pioneiro de Neel no alcance de reconhecimento internacional, o Museu de Antropologia da Universidade de Britsh Columbia colocou essa obra à apreciação pública no Parque.


No Oscar Maltipi Pole, traz-se à lembrança que as estórias de origens das „first nations“ contam que animais e seres sobrenaturais contribuiram à fundação de linhagens de parentesco. Essas estórias são celebradas em cantos, danças e totem poles entalhados.


O pole foi criado pelo artista Oscar Maltipi em 1968. Original da ilha Turnour, Maltipi realizou estudos no Museu da British Columbia sob a direção do artista e professor Henry Hunt. Em fotografia, mostra-se a realização de danças por ocasião de celebração da obra no Parque Stanley, em 1987.


O Ga‘Akstalas, entalhado por Wayne Alfred e Beau Dick, em 1991, baseia-se em projeto de Russel Smith. Esse pole representa várias figuras importantes na cultura Kwakwaka‘wakw.

O homem da barca de cedro vermelho é um ancestral que sobreviveu o grande dilúvio e deu a seu povo a primeira canoa. O hero Siwidi, cavalgando uma baleia, foi levado para o fundo do mar à casa do chefe do mundo das águas e de lá trouxe o direito o uso de todas as máscaras do reino do mar. A gigante Dzunukwa senta-se à base do pole, simbolizando o seu papel central em dar a seu povo magia e prosperidade.

„We wanted this pole to be a beacon of strength for our young people and show respect for our elders. It is to all our people who have made contributions to our culture.“

O polo mortuário do chefe Skedans é uma réplica feita pelo artista Bill Reid - do povo Haida - com o seu assistente Werner True, em 1964. A face da lua no seu cimo foi reentalhada por Don Yeomans, em 1998. A antiga versão do pole encontrava-se ereta na aldeia Haida de Skidegate ao redor de 1870. O pole homenageava o chefe de Skedans e representava a sua descendência. A filha e o genro do chefe eram representados por pequenas figuras nas orelhas do urso pelo fato de terem levantado o pole e dado um potlatch em memória do chefe. Numa cavidade retangular no topo do pole encontravam-se os restos mortais do chefe.

Leitura dos totem poles e a percepção da natureza envolvente


Os visitantes do parque são instruídos na leitura adequada da linguagem visual dos totem poles. Explica-se que devem ser lidos de baixo para cima e oferece-se alguns elementos fundamentais para uma primeira percepção de sentidos das representações esculpidas. Assim, ensina-se que a  águia representa o reino dos ares, a baleia o domínio das águas, o lobo o gênio da terra e o sapo a zona intermediária entre a terra e o mar.



De ciclos de estudos a A.B.E.
sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo



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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A.(Ed.).“ O totem e as „cidades maravilhosas“. Questões culturais de paisagismo urbano consideradas no parque Stanley de Vancouver.“
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 157/16 (2015:05). http://revista.brasil-europa.eu/157/Totem_e_paisagismo_urbano.html


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Fotos A.A.Bispo, 2015 ©Arquivo A.B.E.