O homem intrépido em situações de rush
ed. A.A.Bispo
Revista
BRASIL-EUROPA 157
Correspondência Euro-Brasileira©
O homem intrépido em situações de rush
ed. A.A.Bispo
Revista
BRASIL-EUROPA 157
Correspondência Euro-Brasileira©
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N° 157/1 (2015:5)
Tema em debate
Alasca & Brasil
O homem intrépido em situações de rush
e a problemática do primado da ação em processos sócio-culturais nas Américas
Poucas regiões do continente americano surgem como mais distantes entre si sob o ponto de vista geográfico, histórico e cultural do que o Brasil e o Alasca. Nada indica, à primeira vista, haver pontos em comum quanto à formação histórica, ao presente e a questões que se levantam nas duas regiões do Sul e do Norte do continente.
Ocupação de espaços, colonizações e migrações, distintas nas duas esferas continentais, assim como a reduzida presença de brasileiros no Alasca ou de nativos do Alasca no Brasil não justificam de início a intenção de um tratamento em conjunto das duas regiões americanas.
Os estudos históricos e culturais relativos ao Brasil dirigem a sua atenção compreensivelmente sobretudo a Portugal, ao espaço do Atlântico, em particular à África e à América Latina. Os do Alasca, exigem primordialmente a consideração do mundo anglo-saxão, dos Estados Unidos nas suas relações com a Grã-Bretanha e a presença britânica no Canadá.
Há um vulto da história das ciências no Brasil que estabelece uma ponte entre a Alemanha, Portugal, Brasil e a América Russa do início do século XIX: o cientista alemão a serviço do Império russo G. H. von Langsdorff (1774-1852). As suas observações feitas durante viagem de circum-navegação, publicadas em inglês no Alasca e disponibilizadas pela editôra da Universidade do Alasca garante a presença do Brasil - mais especificamente de Santa Catarina - nos estudos da época da expansão russa e criação do estabelecimento que por décadas seria a principal cidade do Alasca. Os estudantes que se dedicam assim ao estudo da história do Alasca anterior à aquisição americana defrontam-se assim com o Brasil visto pelo cientista viajante. (Veja)
Trazer à luz que a consideração relacionada do Brasil e do Alasca pode abrir perspectivas na análise de processos históricos, econômicos e culturais e levar a conhecimentos que não são sem relevância em contextos globais, contribuindo a esclarecimentos de desenvolvimentos de significado atual, é o objetivo desta edição da Revista Brasil-Europa, a quinta de 2015.
Os textos aqui publicados relatam observações e reflexões promovidas pela A.B.E. em cidades da British Columbia, de Ontario e do Alasca, em maio do corrente ano.
Visitas a instituições e contatos locais inseriram-se em programa de estudos euro-brasileiros dedicado às relações entre a América do Norte e o Brasil desenvolvido sob o signo das comemorações dos 450 anos do Rio de Janeiro. Alguns resultados desses ciclos de estudos foram publicados sob o moto „Niagara e Pão de Açúcar“ no número anterior desta revista. (Veja)
A presente edição dá, assim, continuidade a esses relatos, dirigindo porém a sua atenção a uma região da América do Norte que apresenta não apenas similaridades, mas também profundas diferenças com outras regiões dos Estados Unidos e com o Canadá.
No decorrer das viagens promovidas pela A.B.E. pôde-se constatar a presença de brasileiros em grande número que realizam excursões pelo Alasca.
Esse singular interesse pelo Alasca é mais explicável no caso de outros latino-americanos, mais próximos geograficamente do Alasca. Também trocas-de-idéias com viajantes provenientes da Colombia e do México, alguns atuantes em universidades, contribuiram ao aguçamento de percepção e consideração de desenvolvimentos relacionados.
O Alasca tornou-se na atualidade foco das atenções mundiais com recente viagem do Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama.
Significativamente, foram questões ambientais que estiveram principalmente em pauta, sobretudo a do aquecimento da atmosfera, que se evidencia no Alasca de forma inquietante na diminuição das geleiras. Este e o caso do Mendenhall Glacier,Tongass National Forest, próximo´de Juneau. Essa atenção a problemas ambientais e climáticos acentua a consciência das dimensões globais de desenvolvimentos, transpassadoras de limites nacionais, o que também deve ser considerado sob a perspectiva dos estudos culturais.
Importância crescente do Pacífico e perspectivas nos estudos de processos culturais
Aquele que pretende considerar o Alasca deve colocar-se em posicionamento geográfico-mental adequado, distanciando-se de visões quase que exclusivamente atlânticas que marcam os estudos voltados ao Brasil.
A configuração geográfico-espacial que assim se descortina e na qual os processos culturais do passado e do presente devem ser prioritariamente considerados, revela a atualidade de uma maior atenção ao Alasca - e daBritish Columbia - nos estudos internacionais, também naqueles relacionados com o Brasil.
Ela vem de encontro à crescente importância econômica, política e cultural de países asiáticos e da área do Pacífico em geral que se constata no presente.
A presença singularmente numerosa de brasileiros em viagens ao Alasca surge como um sinal de uma também crescente orientação ao Ocidente, do Atlântico ao Pacífico, e que representa, ao mesmo tempo, um sinal de aproximação às nações vizinhas, de integração latinoamericana e interamericana em geral.
A atenção ao Alasca nos estudos euro-brasileiros vem assim de encontro aos intuitos de atualização dos estudos transatlânticos e interamericanos, através de sua consideração relacionada e em superação da exclusividade de referenciais nacionais decorrentes da história colonial. (Veja)
Neste sentido, os trabalhos realizados agora no Alasca dão continuidade aos muitos ciclos de estudos já promovidos pela A.B.E. em outros países latino-americanos vizinhos do Brasil (Veja), nos Estados Unidos (Veja), no Norte da Europa (Veja), no Pacífico (Veja), na Ásia (Veja) e no Índico (Veja).
O despertar de interesses de brasileiros pelo Alasca que se constata na atualidade não pode levar à suposição de que sejam recentes os estudos euro-brasileiros relativos a esse Estado separado territorialmente dos demais Estados dos Estados Unidos.
Essa impressão errônea pode ser causada por textos na Internet e emissões de televisão que anunciam empreendimentos que se consideram pioneiros na procura de brasileiros residentes no Alasca, de reconhecimento de elos ou de estabelecimento de pontes.
Os estudos desenvolveram-se em trabalho conjunto de seminário dedicado à cultura de grupos étnicos do Ártico em geral dirigido pela Profa. Dra. Ula Johansen, diretora do Institut für Völkerkunde da Universidade de Colonia e de colóquio dedicado aos indígenas sul-americanos, em particular do Brasil, estes sob a direção de especialistas austríacos. Os trabalhos incluiram visitas a coleções etnológicas em bibliotecas e museus, concentrando-se sobretudo no estudo da arte e da música de esquimós e de indígenas da América do Norte em cotejos com aqueles da América do Sul, em particular do Brasil.
Similaridades e diferenças, estas também decorrentes da história dos descobrimentos e de desenvolvimentos históricos posteriores e outros fatores de mudanças culturais foram consideradas sob a perspectiva da Etnologia Indígena ou, no sentido mais amplo, de um conhecimento de povos e países - Völkerkunde - na sua problemática teórica e metodológica.
Esses estudos deram continuidade a intuitos brasileiros voltados a uma renovação teórica de áreas culturais através de uma orientação da atenção a processos. Relativamente a questões relacionadas com indígenas, esses intuitos tinham levado a levantamento e a estudos de posições teóricas e métodosda literatura à época da introdução da Etnomusicologia nos estudos superiores de Licenciatura em Música e Educação Artística. (Veja)
Em época de abertura de estradas em regiões até então pouco exploradas do Brasil, a atenção então despertada para mudanças sociais e culturais de grupos indígenas através dos contatos aguçou a consciência de uma necessidade para a consideração de processos na história e no presente, o que supera divisões convencionais de áreas disciplinares, exigindo cooperações interdisciplinares.
Contextos internacionais, transamericanos e globais dos estudos indígenas
Os esforços desenvolvidos desde a década de 70 levaram a viagens de contatos e estudos pela Amazônia e Brasil-Central, ao tratamento do complexo temático em simpósios e congressos, levando por fim ao início de um amplo programa internacional de estudos no Rio de Janeiro, em 1992, data da passagem dos 500 anos do Descobrimento da América e da Conferência Internacional do Meio Ambiente no Rio de Janeiro. (Veja)
No decorrer dos trabalhos que se seguiram, acentuou-se a convicção de que a temática indígena não só necessita ser tratada sob a perspectiva interdisciplinar de especialistas de diferentes áreas de conhecimentos, como também em dimensões que ultrapassam fronteiras nacionais.
Não só os indígenas no início dos contatos com os europeus não se enquadravam nos limites de países que muito posteriormente foram fixados, não podendo ser assim questões histórico-culturais tratadas adequadamente sob um ponto de vista anacrônico de projeção ao passado de fatos do presente, como também as situações e os desenvolvimentos atuais exigem sob diferentes aspectos a transpassagem de fronteiras.
O direcionamento da atenção a processos, seus mecanismos e estruturas, apesar de partir de contextos locais e regionais, implica na consideração de suas dimensões continentais e mesmo globais.
Consequentemente, incluiram-se no projeto visitas a instituições especializadas em diferentes países, em particular dos Estados Unidos, salientando-se aqui o centro George Gustav Heye Center na Smithsonian Institution, aberto em 1994 em New York.
A consideração de situações, de tendências do pensamento, de iniciativas na América do Norte foi acentuada após a sessão de encerramento do Congresso Internacional pelos 500 anos do Brasil na Sala do Índio do Museu de História Diplomática do Itamaraty, em 2002. (Veja)
Devido a consideração privilegiada de determinados complexos temáticos nesse congresso, os trabalhos que a êle se seguiram passaram a considerar com especial atenção relações entre estudos indígenas e áreas de debates Pós-Colonialismo/Identidade/Imigração, Interações Rural/Tribal, Memória/Futuro. Nesses olhares dirigidos sobretudo ao presente, tornou-se indispensável o prosseguimento dos trabalhos voltados aos indígenas em outras regiões do globo, considerano-se em particular nos fenômeno do indian revival na América do Norte.
Como constatado, entre outros, no Abbe Museum em Bar Harbor (Veja), predomina nos centros e estudos norte-americanos uma difundida consciência de que as culturas indígenas não desapareceram mas mantém-se vivas apesar de todas as transformações, que não só se procura conservar e promover tradições e bens culturais das First Nations como também revitalizar formas de expressão em diálogo com tendências atuais.
Visita de museus e centros de cultura indigena em Toronto, Vancouver e Alasca
A presente edição traz relatos de visitas recentes promovidas pela A.B.E. a centros de estudos e museus de cultura indígena em Ontario, na Britisch Columbia e no Alasca (USA).
A problemática básica tematizada no „Ano Colombo“ de 1992 relativamente à perspectiva eurocêntrica de visões históricas e à ausência do indígena na cultura memorial salientada na sessão no palácio Itamaraty em 2002 foi retomada perante os portraits de vultos indígenas no Royal Ontario Museum em Toronto. (Veja)
Essas reflexões tiveram continuidade na seção respectiva do Tongass Forests Center de Ketchikan, Alasca, aqui concentrando-se não na pintura histórica, mas na de retratos de personalidades indígenas do presente, empenhadas na manutenção patrimonial e rvitalização cultural. (Veja)
Esse enfoque privilegiado de imagens e do visual teve as suas dimensões mais profundas na consideração dos totem poles como principal objeto de estudos e de iniciativas de valorização e revivificação atualizada de culturas indígenas na costa oeste da América do Norte.
O Totem Heritage Center, em Ketchikan, testemunha um caminho que leva do despertar de consciência do valor patrimonial de culturas indígenas, - nas quais os totem poles surgem como bens memoriais e emblemáticos -, aos esforços de sua continuidade atualizada no presente a serviço da memória e identidade de grupos indígenas através da formação de artistas entalhadores.
Um atelier de formação estético-cultural, artística e artesanal da plástica de totem poles encontra-se no Saxman Village‘s Totem Park, uma área que expõe de forma monumentalizante totem poles do passado e do presente, onde se realizam apresentações de dança e música e que demonstra a extensão à temática indígena de concepções de museus ao ar-livre. (Veja)
Quanto aos estudos universitários específicos, nenhuma instituição pode, neste sentido, ser comparada ao Museum of Anthropology da University of Britisch Columbia em Vancouver. Monumentais exemplares de totem poles do passado e do presente dominam os espaços internos desse museu de avançada arquitetura de inspiração indígena, estabelecendo relações entre o interior e o exterior, superando delimitações espaciais em diferentes sentidos, apresentando também obras criadas em intercâmbios com artistas de culturas indígenas de outras partes do globo. Esse diálogo entre interior e exterior, entre a casa, a comunidade e a natureza manifesta-se no Stanley Park em Vancouver, trazendo a presença cultural indígena à configuração paisagística e urbana desta cidade canadense de avançada arquitetura, de extraordinária qualidade de vida e que chega a ser comparada ao Rio de Janeiro pela sua beleza natural. (Veja)
O Museum of Anthropology de Vancouver favorece ainda a consideração de temas relacionados com representações visuais e imagológicas indígenas nas transformações culturais causadas pelos contatos na história colonial do continente e sobretudo com a ação missionária cristã por possuir uma grande coleção de máscaras utilizadas em tradições de festas religiosas da América Latina.
Também materiais provenientes do Brasil se encontram ali conservados e expostos. (Veja) O estágio já alcançado pelos estudos euro-brasileiros dos mecanismos de um edifício de concepções e imagens de antiga proveniência, assim como da antiga hermenêutica que nele se manifesta permite que se constate problemas teóricos no tratamento dessa temática no museu de Vancouver.
As relações interior/exterior tematizadas em parques e museus ao ar-livre de cultura indígena, e que traduzem os estreitos elos da vida e de expressões artísticas com a natureza, levam, em sentido complementar, àquela da representação da cultura indígena em encenações em museus com a finalidade de despertar maior empatia no confronto de visitantes com a cultura indígena nas suas inserções naturais.
Cultura/Natureza: Florestas do Brasil e do Alasca
A consideração de interações Cultura/Natureza pressupõe aquela de processos desencadeados pelos encontros e intercâmbios comerciais de russos e europeus com os indígenas da região e sobretudo pela descoberta de ouro em Klondike em fins do século XIX.
O rush do ouro marcou a história do Alasca, levou ao estabelecimento de cidades e vias de comunicação e à configuração de sua população. Compreende-se, assim, que a memória desses tempos pioneiros é parte fundamental da história e da cultura de várias cidades, sendo principal objeto de estudos histórico-culturais e celebrado em monumentos, expressões artísticas e atividades turísticas.
Dimensões de períodos de rush na história das Américas - Brasil e Améríca do Norte
As extraordinárias proporções da febre de ouro, que trouxe ao Alasca homens à procura de enriquecimento de várias nações, deve ser vista em contextos epocais e globais. Inscreveu-se em processos de expansão européia e americana em direção ao Ocidente e ao Norte, foi expressão da certeza no progresso do século do desenvolvimento técnico, industrial e científico. Decorreu à mesma época do apogeu da borracha no Brasil, de empreendimentos e corrida a regiões até então pouco exploradas da atual Rondônia e do Acre.
Os dois contextos foram marcados por estradas de ferro que entraram não apenas na história regional e na memória de suas cidades, como também na história global dos meios de transportes como ferrovias do ouro e da morte: a Madeira-Mamoré Railway no Brasil e a White Pass and Yukon no Alasca. Em ambos exitem hoje museus ferroviários e promovem-se viagens com trens históricos em trechos do antigo trajeto.
Um desses aspectos diz respeito ao papel da mulher nessas regiões de homens que para ali vieram e ali viveram sem as suas famílias, trazendo à tona uma problemática pouco considerada e mesmo silenciada nos estudos culturais.
É conhecida, da literatura referente à Rondônia, aspectos da vida mundana de Porto Velho à epoca da construção da Madeira-Mamoré, em particular do Club Internacional, como local de bailes, dança, jazz, jogos e prostituição. Em 1993, o artista e músico Hélio Melo, em Rio Branco, Acre, tem encontro da A.B.E. tratou do papel de mulheres nos barracões de seringais procurados por trabalhadores da floresta no seu tempo livre, lembrando o significado desses encontros para estudos de dança e música.
O Alasca oferece exemplos de possibilidades de tratamento de questões relativas à mulher em regiões de predomínio quase que absoluta de homens. Em Ketchikan, encontra-se um monumento à mulher que veio para ganhar a vida com o seu próprio corpo, elevando-se até mesmo a antiga zona de prostituição da cidade a museu ao ar livre de interesse cultural e turístico. (Veja)
Essa plástica - provavelmente a única no mundo que celebra uma mulher com essa profissão - pertence a um conjunto memorial que apresenta os tipos humanos que participaram da origem de Ketchikan e mesmo do Alasca à época da corrida do ouro. Nele encontram-se representados não só garimpeiros e mineiros, indígenas que possibilitaram o achamento do ouro em Klondike, mas também a de um aviador.
Centenários da aviação no Alasca e da ligação aérea São Paulo-Rio
Essa lembrança do papel da aviação no Alasca adquiriu atualidade com a passagem dos 100 anos do primeiro vôo em Fairbanks, em 2013. Essa celebração coincide com aquela do centenário de uma outro feito da história da aviação: a do primeiro vôo, sem escalas, entre São Paulo e o Rio de Janeiro por Eduardo Pacheco Chaves (Edú Chaves) (1887-1975), em 1914. (Veja)
Os paralelos entre os dois ousados feitos aereos possuem aspectos músico-culturais nos dois contextos. Em Ketchikan, na data do primeiro vôo no Alasca, no 4 de Julho, dia da Independência americana, teve lugar uma parada da banda de música local, cuja fotografia surge como um dos principais documentos histórico-culturais da cidade e da região, então elevada a Território. Já à época da aquisição do Alasca pelos Estados Unidos há décadas atrás, tinha-se composto uma marcha „Aláska“, publicada em Chicago. No apogeu dos anos de ouro, a marcha adquiria um sentido amplo, metafórico, de marcha da civilização e da americanidade de ode à liberdade individual, de empreendendorismo e, ao mesmo tempo, de integração daqueles provindos de muitos países no todo nacional. (Veja)
Também no Brasil, compôs-se uma marcha „Aláska“ por um descendente de imigrantes italianos que vieram ao Brasil à procura de trabalho e de prosperidade, de ascensão material e social, desempenhando determinante papel na vida cultural, em particular musical. Significativamente, essa marcha „Aláska“ foi criada por músico da esfera do Centro Musical de São Paulo, instituição que, em 1913, representou importante marco na cooperação artística e assistencial de músicos profissionais no âmbito secular, antepassado do sindicato de músicos profissionais.
Imigrantes italianos de ampla formação artística cooperaram ao lado de músicos provindos de esferas tradicionais da população, em particular também daqueles de bandas de música. É significativo, neste contexto, que a marcha „Aláska“ tenha sido publicada numa mesma edição juntamente com a marcha two-step „Edú“ de J. Antão Fernandes, o principal representante da música de banda militar da época, cujo renome ficou sempre vinculado àquele da banda da Força Pública do Estado. (Veja)
A dedicatória da marcha ao aviador paulista, qualificando-o como intrépido, chama a atenção ao espírito de gloricação da intrepidez, da coragem, da ousadia, da audácia empreendedora e da livre iniciativa vigente nesses anos anteriores à Primeira Guerra em diferentes latitudes.
Esse espírito impregnou a época do rush do ouro do Alasca, mas foi também aquele de imigrantes à procura de futuro promissor em São Paulo à época do apogeu cafeeiro e do culto à „ordem e progresso“ republicana com a sua valorização do militar.
Esse espírito de glorificação da ação intrépida de homens audaciosos à procura de riquezas, êle próprio resultado de uma época e de processos globais, co-determinou a visão do passado, o orgulho e a própria identidade paulista nas suas expressões posteriores de extraordinária valorização do Bandeirantismo.
Caminhos do ouro: Minas Gerais, Garimpeiros no Mato Grosso, Califórnia, Alasca
Essa lembrança das entradas pelo sertão e das bandeiras de homens intrépidos à procura de ouro e pedras preciosas, traz à consciência que o rush de ouro do Alasca não foi o único na história das Américas, e nela aquele de Minas Gerais a partir de fins do século XVII foi o mais excepcional quanto às suas manifestações artístico-culturais.
A consideração do muito posterior rush do Alasca pode aguçar a percepção para aspectos insuficientemente considerados nos estudos da época do ouro de Minas nos seus elos com outras regiões da então colonia, com o Rio de Janeiro e com a Europa. Retomam-se, assim, sob novos ângulos, reflexões encetadas em colóquio dedicado ao Caminho do Ouro e ao garimpo no Brasil em Parati, no âmbito do congresso de encerramento do triênio de trabalhos científico-culturais pelos 500 anos do Brasil, em 2002. (Veja)
Um desses aspectos que merecem atenção é o revalorização e mesmo redescobrimento da época do ouro de Minas Gerais no decorrer do século XX nas suas inserções internacionais e na sua influência na imagem do país no Exterior. Significativo nome que deve ser aqui lembrado é o de Peter Fuss (1904-1978), autor de sólida formação que, quano residente no Rio de Janeiro nos anos 30, publicou em língua alemã textos acompanhados de material fotográfico de alta qualidae. (Veja)
Rush, confrarias e ordens secretas de obreiros em diferentes contextos
É porém o próprio conceito de rush que mereceria reflexões teóricas mais aprofundadas. Marcado antes pela corrida de ouro no Alasca, possui implicações amplas. Êle contraria uma imagem indiferenciada de processos no sentido de desenvolvimentos ou fluxos contínuos e consequêntes. O termo traz à consciência na análise cultural de períodos de corridas e febres, de concentração de tráfego nos diferentes sentidos da palavra, de „congestionamentos“, de confluência populacional de diferentes origens e regiões. Entregues a si, homens decididos a fazer vida sentiram em diferentes contextos a necessidade de apoio mútuo na luta pela existência, a confraternizações, o que poderia explicar o significado das irmandades no Brasil do passado.
A „Fraternidade Ártica“ do Alasca, criada no rush de Klondike, para além de seus objetivos de auxilio mútuo e da organização de atividades sociais e culturais, documenta edifícios de visões do mundo e do homem, assim como ritos muito próximos da tradição maçônica. A internacionalidade da Maçonaria - também então particularmente ativa em regiões pioneiras da Rondonia e do Acre - abre caminhos para estudos mais aprofundados de processos culturais transnacionais. (Veja)
Modos de vida e expressões artístico-culturais exigem ser consideradas à luz dessas situações febris de rush, acompanhadas de exacerbamento de ímpetos de enriquecimento, de concorrência, não raro de violências.
As igrejas de Minas indicam que esse rush de homens à procura de riquezas e daqueles obrigados ao trabalho a seu serviço teve uma correspondência na concentração de sentimentos voltados à magnificência divina, surgindo o brilho da arquitetura e das artes não tanto como expressão da gana de ouro, mas sim talvez como corretivo a essa explosão de desejos de riquezas materiais.
O rush do Alasca, ocorrendo em outra época e sob outras condições, não deixou igrejas resplandescentes. Deixou localidades que, na qualidade de sua arquitetura, não podem ser comparadas com aquelas da época de ouro de Minas. Diferentemente do Catolicismo da época da colonia brasileira, a presença da religião no Alasca foi marcada pela ação de missionários protestantes que, na tradição do pensamento reformatório contextualizado nos Estados Unidos, representaram êles próprios concepções e princípios de uma ética de trabalho e de vida correspondente aos desejos de sucesso material.
Esboça-se, com essas sugestões, caminhos para um tratamento mais aprofundado e mesmo filosófico dessas diferenças, que se tornam premente atuais numa época em que no Brasil grupos evangelicais em tradição norte-americana propagam de forma crescente uma „teologia da prosperidade“.
Antonio Alexandre Bispo
Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A..“Alasca & Brasil. O homem intrépido em situações de rush e a problemática do primado da ação em processos sócio-culturais nas Américas“. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 157/1 (2015:05). http://revista.brasil-europa.eu/157/rush_Alasca_e_Brasil.html
Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira
© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2015 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
Academia Brasil-Europa
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
reconhecido de utilidade pública na República Federal da Alemanha
Editor: Professor Dr. A.A. Bispo, Universität zu Köln
Direção gerencial: Dr. H. Hülskath, Akademisches Lehrkrankenhaus Bergisch-Gladbach
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Fotos A.A.Bispo, 2015 ©Arquivo A.B.E.