Darmstadt, Brasil e a Escola da Sabedoria

ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 158

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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N° 158/4 (2015:6)




Darmstadt, Brasil e a „Escola da Sabedoria“ do conde Hermann Keyserling (1880-1946)
- a problemática da mulher na América e na americanização do mundo -
e o Novo Humanismo após a Segunda Guerra



40 anos da primeira visita ao Institut für Neue Musik un Musikerziehung in Darmstadt,
10 anos de conferência sobre processos músico-culturais nas Américas em Bad Nauheim

 
Darmstadt. Foto A.A.Bispo 1975
Darmstadt é cidade conhecida em meios musicais do Brasil sobretudo através do Institut für Neue Musik und Muzikerziehung e dos cursos internacionais de férias música nova do Internationales Musikinstitut Darmstadt.

Vários músicos brasileiros ali se especializaram e trouxeram impulsos para a composição e divulgação da música contemporânea no Brasil.

Esses impulsos não se resumiram à esfera da criação musical, uma vez que as atividades do instituto compreendem-se como sendo interdisciplinares, promovendo o diálogo entre compositores, educadores, músicos, musicólogos e outros profissionais interessados na reflexão e discussão de correntes inovativas de pensamento e de criação contemporânea.

Darmstadt nos trabalhos de difusão de música nova no Brasil nos anos 60 e 70

Consequentemente, sobretudo através de Paulo Affonso de Moura Ferreira, os impulsos recebidos de Darmstadt foram de importância no movimento de renovação de perspectivas dos estudos e da prática músico-cultural que, iniciado em meados dos anos sessenta do século XX em São Paulo, levou à criação de sociedade em 1968  (Nova Difusão). (Veja)

O estudo, a prática e a difusão de música contemporânea, em particular de compositores pouco conhecidos ou jovens, foram conduzidos sob o signo de uma renovação dos estudos e da prática através de um direcionamento das atenções a processos em relações internacionais.

Marcos nesses esforços foram concertos-conferências realizadas no Teatro Anchieta, entre 1968 e 1970. Já o título da ampla série „Música Nova Brasileira“ (Ed. Ricordi), então organizada e publicada, revela a influência de Darmstadt.

Uma as principais preocupações - também aqui revelando impulsos de Darmstadt - foi o da introdução da música contemporânea no ensino musical e o fomento de reflexões sobre correntes inovativas da criação musical em cursos de formação de professores. Já em 1970, ampliou-se o programa oficial de História da Música em conservatório orientado pela sociedade com curso de um ano de História da Música Contemporânea.

Com a criação da Licenciatura em Educação Musical e Artística, a música contemporânea passou a ser considerada também em áreas da Estética, da Estruturação Musical e da Etnomusicologia, uma perspectiva interdisciplinar também conhecida de discussões em Darmstadt, mas que adquiriu em São Paulo novas características através da orientação preconizada das atenções a processos e processualidades.

Direcionamento da atenção a processos - também a processos internos ao homem

Neste sentido, desempenhou papel relevante a consideração de uma tradição de pensamento que contribuia a uma mais ampla e diferenciada conceituação dos processos a serem estudados. Estes não deviam se resumir a processos na linguagem musical, ao desenvolvimento de correntes estéticas e de técnicas compositórias, à superação de esferas categorizadas do erudito-folclórico e popular, nem mesmo convencionalmente a desenvolvimentos históricos e econômico-sociais, mas sim também relativamente a processos interinos do homem.

Era essa perspectiva que surgia como de particular relevância na formação de professores, dizendo respeito de forma mais direta à Psicologia Educacional, à Pedagogia e, sob o aspecto etnomusicológico e dos estudos culturais empíricos em geral - Folclore -, à demopsicologia ou psicologia cultural.

Essa consideração de processos internos ao homem abria também novas perspectivas para reflexões sôbre desenvolvimentos culturais ou evoluções, um termo que passou a ser considerado de forma mais diferenciada e aprofundada.

O então autoritário grito de ordem „Prá frente Brasil“ adquiriu novos sentidos e relativações com essa atenção aguçada para questões de processos psíquicos na evolução cultural do Homem: correspondia o intendido e propalado desenvolvimento, entre outros através da abertura de estradas e devassamento de territórios até então cobertos de florestas e habitados por indígenas, realmente a um desenvolvimento do homem e da humanidade no Brasil?

Essa orientação das atenções a processos internos do homem - e assim músico-antropológicos - implicava numa renovação de perspectivas etnomusicológicas e mesmo de revisões de uma compreensão de Anthropology of Music, como tratada por Alain P. Merriam (1923-1980) no seu livro publicado em 1964, então leitura básica e alvo de reflexões críticas. Etnomusicologia não é não só o mesmo que Músico-Etnologia, Etnologia Musical e Musicologia Comparada, como também não é sinônimo de Antropologia da Música.

Essa compreensão de processos no complexo de relações entre processualidades no mundo externo através de pesquisas empíricas e histórico-culturais, e no mundo interior do homem, através de estudos psicológicos e da tradição filosófica e teológica recebeu fundamentais impulsos de Martin Braunwieser (1901-1991), compositor, regente, professor e homem de vasta erudição que vivenciou na Europa e no Brasil desenvolvimentos de diferentes correntes filosóficas, de pensamento voltado a processos evolutivos humanizadores que, apesar de todas as fundamentais diferenças, aproximava-se de preocupações teosóficas e antroposóficas.

Bad Nauheim. Foto A.A.Bispo 2006
Como uma das principais personalidades de círculos de língua alemã de São Paulo em fins da década de 20 e dos anos 30, pôde estudar em alemão obras de Hermann Graf Keyserling (1880-1946), o fundador da „Escola da Sabedoria“ de Darmstadt, em particular as suas „Meditações Sulamericanas“. (Graf Hermann Keyserling, Südamerikanische Meditationen, 2a. ed., Stuttgart Berlin 1933 (1a. ed. 1932).

Martin Braunwieser tinha tido conhecimento das obras de Keyserling já na sua juventude em Salzburg, quando lera o „Diário de Viagem de um Filósofo“ (Reisetagebuch eines Philosophen, 1918).

Vivenciou, na Europa e no Brasil, às discussões causadas por diferenças entre o pensamento do fundador da „Escola da Sabedoria“ e o da Antroposofia na Weltanschauung espiritualista de Rudolf Steiner (1861-1925), um tema relevante em círculos da Comunhão do Pensamento nos anos 30 em São Paulo.

Com essa corrente de pensamento remontante à „Escola da Sabedoria“ de Darmstadt, esta cidade, que tinha sido até então lembrada sobretudo através da sua importância posterior à Segunda Guerra na área da música nova, ganhou interesse relativamente a épocas anteriores da história da Alemanha nas suas relações com o Brasil, em particular daquela dos anos 20 da „República de Weimar“.

Darmstadt e a música nova no programa euro-brasileiro na Alemanha

Com o início do programa euro-brasileiro na Alemanha, em 1974/75 (Veja), esses estudos de processos culturais no complexo de suas conceituações e relações externas e internas ao homem tiveram continuidade em Colonia, então em estreitas relações com Darmstadt através do Estúdio de Música Eletrônica de Karlheinz Stockhausen (1928-2007), do compositor Johannes Fritsch (1941-2008) na Escola Superior de Música e da atuação e Mauricio Kagel (1931-2008).

Em 1976, no âmbito do Centenário da Casa de Festivais de Bayreuth, essas reflexões tiveram continuidade através de impulsos recebidos de Pierre Boulez. (Veja)

O interesse por caminhos inovativos na reflexão estética e na prática criativa contemporânea continuou a relacionar-se com as preocupações relativas a uma concepção de Antropologia da Música que não representasse apenas uma outra denominação da Ethnomusicology como concebida e praticada sobretudo nos Estados Unidos, mas que considerasse com particular atenção processos psicológicos na pesquisa empírica, histórica, sistemática e mesmo político-cultural.

Essas relações entre uma Antropologia da Música assim compreendida e a Etnomusicologia no sentido convencional de sua prática tornaram-se atuais com a criação da seção etnomusicológica do instituto de pesquisas da organização pontifícia de música sacra, em 1977.

Tendo ficado sob direção brasileira, os seus trabalhos se desenvolveram necessariamente em confronto com etnomusicólogos e professores da área que mantinham concepções e visões convencionais dos estudos etnomusicológicos e que propunham caminhos, objetos de estudos e mesmo soluções para problemas atuais de uma perspectiva inadequada.

Católicos, esses etnomusicólogos, apesar de procurarem tratar o homem no seu todo, propunham soluções para o tratamento de problemas religiosos musicais e da prática missionária através de aproximações, questionamentos e propostas que desconsideravam problemas músico-antropológicos mais profundos, necessariamente relacionados com processos interiores ao homem.

Condicionados e delimitados pela prática convencional da Etnomusicologia, não tinham a possibilidade de compreender significados de fenômenos músico-culturais relacionados com formas de culto e de práticas lúdicas da tradição católica, em particular latino-americana. Como professores, formaram estudantes, levando a doutoramentos e abrindo caminhos da carreira universitária a pesquisadores que, sobretudo na área de estudos „afro-brasileiros“ trouxeram, em vocabulário e segundo preceitos acadêmicos, uma solidificação cientificista de concepções há muito ultrapassadas e um retrocesso ao desenvolvimento das reflexões e análises.

Por parte da orientação do programa euro-brasileiro, a problemática colocou-se em plano totalmente diverso daquele concebido por etnomusicólogos - embora catóilicos - e teólogos: não se tratava de oferecer caminhos para a prática missionária a partir de receitas resultantes de análises de fontes gravadas, mas sim o de estudar a linguagem imagológica - e nela a música - de expressões culturais, de culto dúlico e práticas lúdicas transmitidas pela tradição sob a perspectiva músico-antropológica do homem interior nas suas relações com processos históricos e sociais e, assim, com desenvolvimentos humanos.

Maior profundidade histórica na consideração das relações Darmstadt-Brasil

Impunha-se analisar como e por que razões as colocações das Meditações Sulamericanas e da corrente de pensamento na qual se inseriam correspondiam a fatos realmente constatados empiricamente.

Como teria sido possível que uma aproximação filosófica, em particular filosófico-natural nas suas inserções na história das ciências do século XIX, o século de preocupações pela evolução nas ciências naturais, concordasse nas suas conclusões com imagens e mecanismos analisados empiricamente como intrinsecamente integrantes de práticas seculares?

A principal questão, porém, dizia respeito às relações alma/espírito nos processos interiores do homem: na tradição filosófico-psicológica, como explicitamente tratado por Keyserling, os processos psíquico-espirituais não eram considerados como metafísicos, aptos, assim, a serem considerados sob a perspectiva de estudos da evolução, desde que estes, naturalmente, considerassem aspectos relacionados com o espírito. O espírito, porém, era compreendido nessa corrente do pensamento diferentemente daqueles das concepções teológicas.

Como se explicaria a permanência, através dos séculos, de concepções que seriam antes não-metafísicas, não-transcendentais em expressões culturais cristãs?

Foi justamente na análise dessas questões que se esperou encontrar novos caminhos para a superação de impasses e de delimitações constatadas na esfera filosófico-teológica no âmbito eclesiástico, contribuindo a esclarecimentos e à superação de visões restritas da autoridade religiosa, de graves consequências para o desenvolvimento esclarecido da Humanidade.

Conferência sobre evolução músico-cultural nas Américas em Bad Nauheim


Tendo-se tratado o conceito de evolução no seu sentido histórico-social e mais amplo músico-antropológico referente ao Brasil em sessão sob o patrocínio da Embaixada do Brasil no Ibero-Club de Bonn, esse complexo temático voltou a ser considerado no contexto mais amplo das Américas em conferência realizada sob os auspícios da municipalidade de Bad Nauheim, em 2006.

Numa das principais cidades do Estado de Hessen, pôde-se, assim, retomar a consideração de estudos de processos entre o Velho e o Novo Mundo que, nas primeiras décadas do século XX, a partir de Darmstadt, foram de relevante significado não só para a história do pensamento de Hessen, mas para toda a Alemanha e mesmo para a Europa em geral.

Nessa ocasião, considerou-se as relações do antigo Grão-Ducado de Hessen com as reflexões relativas às Américas nos anos 20 da Alemanha, da época assim-chamada „República de Weimar.“

Essas relações foram devidas sobretudo ao conde Hermann Keyserling, fundador da „Escola da Sabedoria“ em Darmstadt, mas não só a êle.

Darmstadt como cidade das artes e do pensamento sob o Grão-Duque Ernst Ludwig

Tendo perdido as suas propriedades no Báltico e transferindo-se em emigração para a Alemanha, residindo primeiramente no castelo de Bismarck Friedrichsruh, o conde Keyserling recebeu convite do Grão-Duque Ernst Ludwig von Hessen und bei Rhein (1868-1937) para vir a Darmstadt constituir um círculo de filósofos que correspondesse em inovatividade, significado e projeção à colonia de artistas que fizera da cidade-residência, no período anterior à guerra, um os principais centros da Art Nouveau da Europa.

A cidade tinha sido um centro criativo de arte compreendida na sua globalidade, da „obra de arte tota“l, unindo arquitetura, paisagismo, artesanato artístico, design em vidro, cerâmica, metal, de móveis e luminárias. Paralelamente, o balneário de Bad Nauheim transformou-se em outro centro do Art Nouveau entre 1904 e 1911, construindo-se instalações de fontes e de repuxos, teatro e casas de jardinagem.

Esse último grão-duque de Hessen-Darmstadt, que perdeu o seu trono com a proclamação da república alemã em 1918, era um homem de alta formação cultural, artística e musical, compositor, empenhado em questões sociais, aberto a inovações técnicas e ao progresso econômico, tolerante em questões morais e religiosas, e um mecenas que tinha tido como objetivo fazer de Hessen uma região florescente e, nela, as artes.

Keyserling surgia assim como filósofo ideal para dar prosseguimento ou retomar esse significado de Hessen e Darmstadt. uma vez que compreendia a filosofia em estreitas relações com a arte, escrevendo, em 1921, o livro „Filosofia como Arte“ (Philosophie als Kunst, Darmstadt: Otto Reichl, 2a. ed. 1922). A sua visão da vida humana ers fundamentalmente musical: como expõe na introdução dessa obra, „a vida humana, da hora do nascimento ate à morte - e no caso daquele que cria espiritualmente para alem desta, equivale a um poema sinfônico. Novas melodias, novos temas soam da inspiração em determinados espaços de tempo, um tempo segue ao outro de forma não previsível; e, todavia, o todo apresenta uma unidade temporal que não pode deixar de ser reconhecida“.

Leste-Oeste. O teuto-báltico Keyserling e elos com a Rússia de Hessen, Cultura e Natureza

A atuação de Keyserling em Darmstadt não teria sido possível sem o apoio do Grão-Duque Ernst Ludwig. Este era um neto da rainha Vitória, e assim do país admirado antes da guerra por Keyserling como a mais alta expressão da cultura na Europa.

O Grão-Duque tinha estreitos laços familiares com a Rússia, uma vez que as suas irmãs casaram-se com russos, e uma delas tornara-se a czarina Alexandra Feodorowna (1872-1918).

Dessa forma, havia estreitas proximidades com Keyserling, que provinha do Báltico e estudara em ginásio russo. Com a sua segunda mulher, Eleonore zu Solms-Hohensolms-Lich (1871-1937) de Hessen, o Grão-Duque visitou Bad Nauheim, em 1910, juntamente com o Czar russo Nicolau II (1868-1918) e a Czarina Alexandra, um ponto alto na história do balneário.

Após essa visita, o balneário passou a ser procurado por russos, transformando-se em centro de encontros internacionais de aristocratas e personalidades da cultura e das artes.

A família imperial russa, com todos os seus filhos, foi morta à época da Revolução russa, uma tragédia que abalou profundamente o Grão-Ducado, justamente à época de sua supressão com a perda da guerra.

Após a proclamação da república alemã, o Grão Duque foi um dos poucos soberanos que continuaram a viver nos antigos locais de residência, dedicando-se ao paisagismo, à jardinagem e à „Escola da Sabedoria“. Esse interesse pelo paisagismo e pela arte da jardinagem era influência britânica, assimilada pelo Grão-Duque em visitas à Inglaterra.

Tanto em Darmstadt como em Bad Nauheim procurava-se unir a arte, a arquitetura à natureza, fazendo essas cidades de Hessen centros ideais para a Escola da Sabedoria, uma vez que Keyserling dedicava-se com particular empenho à Filosofia da Natureza.

A „Sociedade de Filosofia Livre“, a „Escola da Sabedoria“ e a sinfonia do espírito

A fundação da „Escola da Sabedoria“ partiu de um texto programático de 1919 de título „O que nos é necessário, o que eu quero“, onde Keyserling salientava que o principal objetivo da Escola seria uma nova vinculação e alma e espírito, acentuado que queria dizer em primeiro lugar uma humanização ao mais alto nível, não um aumento de saberes. O seu aluno e colaborador, Oscar A. H. Schmitz (1873-1931), vinha de Salzburg da época do círculo da academia fundada por docentes e alunos do Mozarteum, em cuja tradição se insere a A.B.E. (Veja)

Com a sua experiência, pois a sua entrada universitária em Berlim tinha sido impedida, Keyserling anteviu os problemas que o intento do Grão-Duque de criar uma colonia de filósofos em Darmstadt trazia devido à filosofia institucionalizada acadêmicamente e que não se coadunava com a sua compreensão de uma prática filosófica orientada segundo uma sabedoria enraizada e vivenciada na vida.

Como organização mantenedora, criou, em 1920, a Sociedade de Filosofia Livre (Gesellschaft für Freie Philosophie).

Keyserling inaugurou a „Escola da Sabedoria“ em 1920 com uma conferência de título „Cultura do ser e do poder“ („Seins- und Könnenskultur“).  Nela, salientou que o poder assim tematizado apenas pode levar à desumanização e à auto-destruição.

Durante anos, até 1927, essa Escola realizou jornadas anuais que se tornaram um evento de relevância na abalada Alemanha dos anos 20, visitada por escritores, artistas e pensadores do país e do estrangeiro. Criou-se um anuário, onde foram publicados os trabalhos da Escola da Sabedoria e que, já no seu nome, revelava a intenção da entidade: ser um candelabro irradiador de luz (Der Leuchter: Jahrbuch der Schule der Weisheit), Oito volumes desse anuário foram publicados entre 1919 e 1927.

Nos trabalhos da Escola, participaram destacadas personalidades da época, sendo as suas contribuições a um tema previamente selecionado „orquestradas“ nas jornadas realizadas anualmente.

Os conferencistas eram concebidos como que instrumentos de uma orquestra que executavam uma „sinfonia do espírito“.

Entre os nomes que se relacionaram com a Escola da Sabedoria encontram-se os de Thomas Mann (1875-1955), Max Scheler (1874-1928), Carl G. Jung (1875-1961), Ernst Kretschmer (1888-1964), Hendrik de Man (1885-1953), Ernst Troeltsch (1865-1923), Leo Frobenius (1873-1938), Leo Baeck (1873-1956)  Hans Driesch (1867-1941), Georg Groddeck (1866-1934), Richard Wilhelm (1873-1930) e sobretudo Rabindranath Tagore (1861-1941), para o qual chegou-se a organizar toda uma semana.

Publicados em francês, os livros de Keyserling escritos na década de 20 alcançaram grande difusão no Exterior, também nas Américas. Paralelamente, desenvolveu uma intensa atividade como conferencista.

Parapsicologia e estudos psíquicos no Brasil - H. Drietsch e a Academia Cesar Lombroso

Um dos mais significativos nomes do círculo da „Escola da Sabedoria“ que revela os estreitos elos entre o pensamento científico-natural e a filosofia nas suas relações com o Brasil foi Hans Driesch.

Esse biólogo e filósofo adquiriu particular significado no programa de estudos euro-brasileiros desenvolvidos desde 1974/75 devido ao fato de ter sido Professor de Filosofia na Universidade de Colonia. Foi nomeado em 1911 a professor extra-ordinário e, em 1920, a catedrático de Filosofia.

Em encontros nessa universidade, lembrou-se que Hans Driesch esteve no Brasil, onde ocupou-se, em São Paulo, com o fenômeno do médio espírita Carlos Mirabelli (Carmine Mirabelli) (1889-1951), o fundador, em 1917, do Centro Espírita São Luiz.

Driesch estabeleceu, assim uma ponte entre a „Escola da Sabedoria“ e correntes dedicadas a fenômenos paranormais, psíquicos e de energia bio-física no Brasil, em particular a Academia de Estudos Psíquicos Cesar Lombroso, ainda que por muitos fosse esta considerada e atacada como não-científica.

Hans Driesch tinha feito o seu doutoramente sob a direção do evolucionista Ernst Haeckel (1834-1919) e, correspondendo aos anelos orientalistas de sua época, realizou viagens pelo Oriente, dedicando-se à filosofia indiana.

A sua carreira de vida e as suas concepções apresentam similaridades com as de Keyserling, tanto na sua crítica ao materialismo no tratamento da Evolução, como pelo seu interesse pela Filosofia da Natureza, tornando-se um dos principais representantes da corrente de um novo Vitalismo no pensamento alemão dos anos 20. Dessa formação e orientação de pesquisa passou a ocupar-se com a parapsicologia a partir de 1924, sendo nomeado em 1926 a presidente da Sociedade de Pesquisa Psíquica (Society for Psychical Research).

Keyserling: período da história marcado pela América e a americanização do mundo e do pensar

É no contexto da „Escola da Sabedoria“ de Darmstadt, tanto na corrente teuto-báltica a que se prende Keyserling, como nos desenvolvimentos europeus e norte-americanos que deve ser visto seu livro referente à América do Norte e que necessariamente deve ser considerado juntamente com as Meditações Sulamericanas.

A tradução alemã dessa obra, com o sub-título de „O levantar de um Novo Mundo“, foi publicada em 1930. (Amerika: Der Aufgang einer Neuen Welt, Stuttgart/Berlim: Deutsche Verlags-Anstalt 1951).

Esse livro, embora escrito primeiramente em inglês (America set free) e para ser lido por americanos, tendo Keyserling procurado expor as suas idéias de forma apropriada à mentalidade americana, é marcado, no seu todo, por uma visão acentuadamente crítica da América e do seu desenvolvimento cultural.

Tendo escrito o livro para americanos e com base em conferências feitas em linguagem coloquial na América para expor as suas concepções, esse livro foi a primeira obra que expôs a sua filosofia de forma acessivel para um círculo mais amplo de leitores.

A justificativa de sua publicação na Alemanha foi a de que a Europa passara a viver um período histórico norte-americano. Não se tratava de reconhecer ou não os Estados Unidos, mas reconhecer que o que vigorava era a perspectiva do mundo dos norte-americanos.

Assim, os pensadores culturais europeus apenas poderiam tornar-se portadores de significado histórico à medida que se afirmassem, e para isso era necessário conhecer até mesmo os menores problemas vitais dos Estados Unidos. O fato do mundo viver em período histórico norte-americano revelava que os pressupostos da vida tinham-se modificado.

A época do idealismo alemão estava finda, assim como se encerrara a época da cultura grega no distante passado. Tudo o que se pensava não tinha mais relevância global, pois se vivia em época do mais radical realismo de todos os tempos. Keyserling, o geólogo-filósofo, denominava esse período da história como aquele da „época do espírito dominador da terra“. Esse realismo significaria uma transformação do modo de pensar culturalmente.

Tendo findo o idealismo, aquele que dirigisse o seu anelo ao alcance de estágios mais elevados do homem não seria um homem mais elevado, mas sim um homem sem conhecimento da realidade.

O espírito dos Estados Unidos era aquele da nova época. Este estaria, porém, numa fase embrional. Assim, Keyserling escrevera esse livro com a intenção de mostrar aos americanos o caminho para a sua realização própria, uma vez que viam os seus problemas de uma maneira errônea e colocavam objetivos de forma questionável.

Devido à mundialização do pensamento e dos desenvolvimentos, não haveria problema americano que não fosse também o da Europa. Este era a questão fundamental que explicava a americanização da Europa e do mundo,.Essa americanização, porém, decorria em sentido errado, sendo, e assim era necessário corrigir pontos de vista sobre a problemática americana, uma tarefa que era também uma problemática alemã.


Na sua obra Spektrum Europas, tinha procurado mostrar as possibilidades da Europa de alcançar significado no pensamento mundial, mas o caminho para tal exigia um renascimento através de um conhecimento mais profundo da América.

Sobretudo os últimos capítulos da obra conteem a quintessência do pensamento de Keyserling sobre ética, cultura e espiritualidade, nunca tendo antes tratado dessas questões de forma tão clara.

A dominância da mulher na América e a mulher na problemática americana

A „América“ de Keyserling, após uma introdução, é dividida em duas partes, que tratam respectivamente da „Paisagem americana“ e da „Problemática Americana“. Nesta segunda parte, ao lado de ítens dedicados à „Primitividade“, ao „Ideal-animal“ ou ao „Privatismo“, trata da soberania da mulher nos Estados Unidos.


Este capítulo merece uma atenção especial nos estudos euro-brasileiros, pois foi sobretudo através de círculos de mulheres que o Brasil esteve mais representado nos Estados Unidos nos anos 20 e 30, salientando-se aqui a personalidade da pianista Guiomar Novaes (1895-1979).A sua extraordinária carreira na América do Norte deu-se em estreitas relações com entidades de mulheres, clubes e artistas, e também as suas atividades no Brasil deram-se em décadas de intensificação do movimento feminino, em particular da Legião da Mulher Brasileira. (Veja)


As argumentações e o modo de pensar de Keyserling relativas ao sexo e a suas implicações na vida espiritual exigem hoje críticas e revisões, não deixam de ser, porém, na sua complexidade, deficiências e mesmo insuportabilidade de formulações, um documento de significado para a história dos estudos de gênero e das relações euro-americanas no pensamento psicológico-cultural nas décadas de 20 e 30.



Keyserling inicia o seu capítulo sobre a dominância da mulher lembrando que, na primeira parte da sua obra considerara as forças primordiais e os processos da natureza, lembrando que só forças fortes espirituais poderiam controlá-las e redirigí-las a seus caminhos originais.


Para êle, o meio-ambiente modifica o homem, e cada continente e cada paisagem cria uma fisionomia específica a cultura. Só ordenações nascidas do espírito podem agir de modo regulador nessas influências, estabelecendo equilíbrio. A mais potente das forças naturais encontrava-se nos dois sexos. A mulher, em particular, tinha a possibilidade de vivenciar a maior das maravilhas da natureza: o de gerar filhos. Compreender-se-ia, assim, que fossem tomadas por um „complexo de Deus Todo-Poderoso“.


A relação entre os sexos numa sociedade, como salienta Keyserling, é de fundamental importância, sendo necessária a interação recíproca e mesmo uma síntese para o desenvolvimento psicológico e espiritual do homem e da sociedade.


Se alguns escritores julgassem que, a partir de sua experiência com mulheres emancipadas estas não necessitassem do homem, Keyserling era de outra opinião. Mais do que sob o aspecto físico - o „relógio biológico“ faz com que a mulher espere apenas por pouco tempo, decepcionando-se se não consegue logo o que quer - ela necessitaria do homem para o seu desenvolvimento psíquico.


Mesmo as senhoras dos clubs norte-americanos femininos - consideradas como „formidables“ - precisariam reconhecer que um orgulho desmedido seria próprio de um tipo humano inferior. O desenvolvimento não seria aquele que partia de um acentuara diferença dos sexos, nem o da emancipação da mulher, mas sim aquele da problemática das relações polares no interior do homem, ou seja, uma questão psicológica.


Graças à Psicoanálise, saber-se-ia que o homem é um ser psicológico, não material, explicando-se o significado das imagens para a sua vida. Tudo é pai, mãe ou esposo, e só em personalidades excepcionais e espirituais e que há outras formas de orientação; para um artista ou filósofo, complentaridades encontram-se no universo das imagens e das idéias, o que explicaria que muitos deles não se casam.


Para Keyserling, seria ridículo falar de uma superioridade do homem ou da mulher, assim como seria ridículo falar de uma superioridade do polo positivo ou negativo na eletricidade.


O ideal é que ambos - homem e mulher - fossem considerados como sendo de mesmo valor e direitos, e de que ambos possam alcançar o seu pleno desenvolvimento.


Se a igualdade de valor for destruída com a supremacia de um dos polos, então o outro é destruído a partir de dentro, por razões intrínsecas, não exteriores.


Se o homem dominar de modo excessivo, a mulher perde em qualidade e valor, o mesmo vale reciprocamente.


Desequilíbrio das relações de polaridade. Atitudes imperialistas


A predominância da mulher torna-se evidente na sociedade onde se revelam impulsos que procuram, - como uma mulher que ama -, atrair, conquistar, ganhar simpatia através de mimicry e, por fim, possuir. É uma sociedade que quer ser up to date.


A simples existência de um polo masculino bastaria para despertar esses impulsos existentes potencialmente. A capacidade de adaptação significaria assim uma realização antecipada de relações de correlação entre sexos ou a sua recuperação, caso tenha sido um dos polos destruído.


Após a Primeira Guerra, teria sido a mulher que, no modo de vida e nas vestimentas primeiramente expressara uma nova relação entre os sexos.


O homem pareceria ser mais independente, pois representa o princípio a variação, da inconstância e da vontade ao risco, sendo mais ligado á sua obra do que à mulher e os filhos. Essa independência era, porem, na maior parte dos casos fictícia. Quando atraído e preso, o homem é mais algemado do que qualquer mulher numa relação. O homem é muito mais influenciável do que a mulher. Uma extrema situação seria aquele do patriarcado absoluto, onde o homem é tirano e a mulher escrava. Outra é a do matriarcado absoluto, onde dá-se o oposto. Entre esses dois extremos haveria todo o tipo de nuances e passagens.


O patriarcado puro valeria em todo o mundo civilizado da época como estando chegando ao fim graças ao Esclarecimento e ao movimento de emancipação feminina. Mas existiria um pais no qual o seu oposto, o matriarcado absoluto parecia vencer: os Estados Unidos. (op.cit. 293)


Durante as suas conferências na América, Keyserling procurou não medir palavras, provocando as audiências para poder perceber, nas reações, o estágio do desenvolvimento da consciência americana. Muitos apoiaram-no, e as mulheres se irritaram sobretudo por ver nas suas opiniões uma revelação de „segredos de profissão“. Como típico de membros de classes dominantes, não queriam que os seus subordinados tivessem deles conhecimento. O mais interessante, porém, foi o fato de que muitos homens se revoltaram com as suas afirmações. Alguns negavam a predominância tirânica de mulheres dizendo que os homens ainda tinham o poderio econômico nas mãos e, assim, mantinham o controle.


Entretanto, segundo Keyserling, a posição subalterna ou não do indivíduo depende antes da influência psicológica. Poder material não quer nada dizer e apenas se torna fator relevante quando nele se acredita. Este nunca foi o fato na Europa, na India ou na antiga China. A Europa sempre acreditara em poder material, mas não em poder financeiro como última instância. Esta fé no poder miraculoso do dinheiro representava uma das originalidades da América e as suas raízes encontravam-se no privatismo. O papel da mulher nos Estados Unidos seria o de uma instancia dominadora, comparável ao colonialismo e ao imperialismo britânico na Índia. (op.cit. 295)


Tratando de conceitos de democracia, Keyserling considera relações entre concepções de vida democráticas e aristocráticas, e de orientações entre o saber e diferenças de ser, salientando que, em geral, chega-se a uma solução intermediária, a um compromisso.


Uma exceção seria a América, onde a mulher corporificava um tipo superior de ser, uma casta mais alta. O alcance dessa posição teria sido resultado do fato da mulher ter ficado fora da imagem do ideal democrático. Para o homem, a irradição imediata da mulher era o do seu ser, de modo que, para o americano, não se tratava de projeção de uma imagem do inconsciente a um objeto, mas de conhecimento da realidade.


O americano, que no seu pensamento defenderia exclusivamente a competência, vivenciaria um desenvolvimento paradoxal:  no caso da mulher, acentuava o ser; esta, porém, vê-se à luz do princípio da competência, do poder. Foi o respeito do homem pela mulher que possibilitou que esta chegasse a tal auto-consciência, ou seja, um mecanismo que era conhecido de antigas sociedades aristocráticas. A mulher americana sentia-se superior e esse sentimento era o fundamento da sua real dominância. (op.cit. 300).


A mulher americana irradiaria características de classes dominantes: sentimento de autoridade própria e a falta de necessidade de comprová-lo, uma vez que é sentido como óbvio. As americanas dispenderiam dinheiro como os aristocráticos bon vivants do passado. A cortesia do americano para com mulheres era uma outra da européia: enquanto aqui era o respeito do mais forte perante o mais fraco, na América seria o da classe mais inferior perante a superior.


Aqui se encontrariam os fundamentos existenciais do „terrível poder“ dos clubes de mulheres e outras organizações de mulheres dos Estados Unidos, segundo Keyserling. Do ponto de vista financeiro, as organizações masculinas eram mais fortes; como a mulher, porém era reconhecida como pertencente a uma casta mais elevada, a sua influência estava acima de toda a relação com fatos.


Justamente a „religião do trabalho“ americana teria levado a que a mulher assumisse a dominância psicológica. O trabalhador é submisso ao senhor que por poder que a aos outros faltam, pode governar o trabalho dos outros. Houve, na história, escravos que foram muito mais ricos do que os senhores. A natureza daqueles que regem difere daquela dos que trabalham, pois podem contar com a simples auréola do ser. Povos dominadores como a Inglaterra, segundo Keyserling, podem ser preguiçosos, deixando que outros trabalhem para êles, A relação do inglês para os seus súditos extra-europeus corresponderia àquela da mulher perante o homem americano.


Durante as suas viagens para conferências na América, Keyserling sempre pensou um harém oriental, só que lá não eram as mulheres que estavam encerradas, mas os homens nos seus escritórios.


A inferioridade do homem em comparação com a mulher seria, para o filósofo, a principal característica da ordem social americana. Essa perda de equilíbrio, esse excesso de pêso de um dos polos na correlação dos sexos, levava a um enfraquecimento do outro. O excesso de significado de um polo foi em princípio um resultado de causas externas e o seu método aquele de usar a falta de união do outro partido.


Em todo o globo, para Keyserling, os únicos reais vencedores da Primeira Guerra tinham sido as mulheres. Elas não teriam chegado a essa situação se não tivesse havido a tradição patriarcal e puritana que lhes possibilitara ter muito tempo livre em casa, enquanto os homens trabalhavam; isso salientara o ser no lugar do poder.


A dominância da mulher na área da Educação e cultura, ensino e formação artística


Importante fator dessa situação de dominância unilateral era, para Keyserling, o fato de ser a maioria dos professores dos EUA constituída por mulheres.


Para o filósofo, isso explicaria um extraordináriamente forte complexo de mãe nos Estados Unidos, o que levava a um permanente infantilismo. Haveria, porém, razões internas para essa tirania de mulheres na América, ainda que esta se manifestasse através de causas externas.


Assim como riqueza tinha tido em sociedades de remotos passados um poder mágico, tal como a caça num povo caçador, nos EUA via-se a riqueza não como resultado de capacidade, mas da precisão de ritos mágicos. A alma americana ainda se encontraria na esfera da magia, uma vez que nos EUA dominava a fé na riqueza. Aquele que acredita no poder mágico do dinheiro, crê que este o fazsuperior. Essa consciência é que explicaria a atitude do americano perante a mulher: pensava que dominava por ter as finanças e a economia nas mãos, mas seria, na verdade, inferior.


O sentido de propriedade seria uma característica primeiramente feminina: ela recebe, conserva, herda; o impulso masculino seria antes o de conquistar, não, porém, o de possuir. Os grandes homens de finança americanos não tinham interesse tanto em possuir, mas sim em ganhar. Na América, o significado dado à propriedade era tão grande que tudo se fazia para assegurá-la. Também o privatismo da América seria uma expressão a mulher, cujos interesses sempre teriam sido de natureza privada em sentido pessoal, em contraposição aos interesses públicos do homem. Se toda a nação é regida pelo privatismo, então ela revelaria a dominância da mulher. O mesmo poderia ser visto na política externa: a mulher sempre se orienta segundo um círculo mais fechado, aquele dos mais próximos, tratando aqueles que a êle não pertencem sem o menor escrúpulo, e nisso vendo-se em razão; esse mecanismo teria a sua expressão na política externa. Outro sinal da dominância da mulher seria o culto da criança.


Todas as reflexões de Keyserling levavam por último a demonstrar que na América haveria uma supremacia do espírito da gana sobre o princípio do espírito. (op.cit. 306)


Por isso, preferia-se a rotina à mudança, seguir modas era apenas uma reação compensatória de um desejo íntimo de estabilidade. A repetição era mais importante do que a originalidade, o que explicaria o prestígio de ideais do que seria normal - o acento dado à „normalidade“. A quantidade de leis e ordenações na América seriam também aqui expressão de um anelo de proteção e minimização de riscos.


Toda a moral convencional mostraria essa dominância da mulher. O homem, por natureza, procurava mais mudança na sua vida sexual do que a mulher; essa porém, ainda que vivendo de forma livre a sua sexualidade, dava extraordinária atenção a seu bom nome, prestígio e dignidade, do ser „respectable“ a todo custo. (op.cit. 306)


Até mesmo a proibição do consumo de álcool - a abstinência - revelaria um predomínio da mulher. (op.cit. 307)


Como com o poder cresce o desejo de mais poder, em matriarcado tão acentuado como na América a mulher chegaria à convicção de que ao homem não cabia nada mais do que se comportar bem; estes obedeceriam tanto mais quanto menos seguissem os princípios de variação e de iniciativa.


Necessidade de emancipação masculina na cultura, nas artes e na educação


A maior parte dos americanos de famílias tradicionais não queriam reconhecer que a mulher predominaria na cultura a nação. Na sua inconsciência, teriam a idéia de que é o homem que luta pela vida, uma vez que nunca houve um homem tão extremamente patriarcal como no Puritanismo, e até á pouco, predominara de fato a mulher como mãe e dona-de-casa.


O atual estado poderia ser explicado como uma reação a uma extremo representado pelo secular patriarcalismo.


Para Keyserling, porém, não se trataria de história, mas da alma real da América. Para um observador externo, a atitude de mulheres que lutavam em atitude heróica contra homens era a de uma luta contra algo inexistente, contra fantasmas, pois o homem já era um fraco, o antigo patriarca já praticamente não existia, pelo menos na área da cultura, das artes, da educação e a assistência.


Uma consequência da tirania da mulher seria o subdesenvolvimento dos princípios da variação e da iniciativa.


O desenvolvimento desses princípios na esfera comercial revelava uma redução, uma especialização. Quando assuntos privados e interesses de grupos passam a dar o tom, então não haveria artistas reais. É a mulher que é utilitarista, não o homem. Este é o aventureiro, a eterna criança. Desde Eva seria a mulher que levava tudo a sério, que quer ter de tudo responsabilidade. Se para o homem o amor é lúdico, para a mulher questão de vida e morte.


No utilitarismo norte-americano, tudo parece ter sido concebido por uma mãe responsável. Nessa atmosfera, o gênio do artista se perde: aquele que e sensitivo e inconstante sempre foi um horror de donas-de-casa. O  homem é que representa a parte da humanidade romântica e idealística, a mulher sempre foi mais objetiva, pragmática, atenta à própria respeitabilidade.


Keyserling estava convicto de que as mulheres, em seus círculos fechados, estavam agora contentes de poder representar um idealismo que durante séculos os homens teriam procurado impor e contra o qual tinham resistido. As mulheres passaram a encenar um papel de idealistas n culutra, nas artes e na educação.


Se isso era compreensível da perspectiva da mulher, do ponto de vista da cultura era detrimente. As mulheres americanas se ocupavam com assuntos do espírito - mais do que em outras partes do mundo - , mas o faziam no sentido de ler livros, de promoção educativa, de divulgação de saber, de conservativismo de terra, de regiões e da nação.


A educação, como compreendida na América, era um assunto feminino, uma expressão mecanista comparável áquela de rebentos na vida animal: todos devem ser educados para a vida prática na sua serieade, todos devem ser diligentes trabalhadores, todos devem ser tão normais quanto possível, pois normalidade é coisa da terra - e todos devem ter títulos - a mania de condecorações e medalhas de mérito é coisa de mulher na sua ânsia de respeitabilidade. Nenhuma as antigas monarquias européías conhecera tanta gana por medalhas de mérito como aquela das mulheres que se condecoravam mutuamento por méritos - uma situação ridícula e grotesca. (op.cit. 312)


Assim, a América era o país mais educador e menos criativo do mundo. (op.cit. 315) Tudo seria esperado da educação, nada se falava da inspiração. Inspiradores, porém, não seriam os educadores, mas aqueles que portam o Logos spermatikós - que não e só agente no sexo masculino. O homem americano não era diferente da mulher, e isso se revelava na especialização, na diligência comercial e financeira. Essa aptidão econômica nada mais era do que uma compensação do seu subdesenvolvimento. A atitude materialista da América seria mais um testemunho da dominância psicológica da mulher.


Modernas amazonas: hipertrofia de ego, dureza, cinismo, falta de escrúpulos


A conquista da mulher na América poderia ser vista como um desenvolvimento a um estágio mais elevado, do qual estaria orgulhosa. Keyserling, porém, observou que na América dominava o tipo da antiga amazona: dura, sem escrúpulos, cínica, atrofiadas na esfera dos sentimentos e das emoções.


Nenhum homem, por mais egoísta que fosse, poderia concorrer com essas mulheres egocêntricas e ambiciosas. Traindo o ideal tradicional do feminino, o que exigia uma alta cultura dos sentimentos, a mulher tornara-se mais dura, cínica e egocêntrica do que o homem.  (op.cit. 323) O homem se transformara em escravo de seus caprichos.


Fatos significavam para essas mulheres tudo, sentido, nada. Criar fatos em multidão de realizações e eventos, procurando assim estabelecer situações de poder era o que valia.  O homem americano tornara-se doce, submisso, subalterno, fazendo ou pagando tudo o que dele se exigia. Era êle que era em geral abandonado pela mulher, não ao contrário. 


Toda a progressividade da americana significaria para Keyserling nada mais do que um excessivo acento exagerado,extrapolador no negativo dado àquilo que era do polo masculino.


A predominância da quantidade sobre a qualidade - da execução e da promoção


Entre as características de um caráter mecanicista e sem vida da modalidade de vida norte-americana, Keyserling cita a senilidade como consequência da permanência do espírito do século XVIII, a primitivização, cuja expressão era o materialismo, e a predominância da rotina como resultado da crença de que a última instância é o mundo exterior, não o interior, e, por fim, da quantidade sobre a qualidade.


O principal aspecto era o da mecanização. O mecânico seria sempre não-criativo, algo morto e aparentado ao morto. Todas as amazonas americanas representavam a perda das forças criadoras propriamente femininas. A sua diligência residia na esfera do executivo e da promoção - da auto-promoção. O verdadeiramento criativo seria porém expressão do indivíduo no seu todo. Dessa situação explicar-se-ia a falta de satisfação e falta de tranquilidade do americano, mesmo de infelicidade, o que o levava a trabalhar sem parar.


Como as mulheres da América se distinguiam tanto na esfera da organização e direção executiva, a América perdia a sua alma.


Essa situação explicava a não-criatividade da América: homem e mulher viam instintivamente no criativo o valor mais alto, mas ambos se sentiam impotentes, procurando a culpa no outro. O homem depende da inspiração feminina, que é a dos sentimentos e emoções, a mulher a inspiração masculina. Em termos da filosofia oriental, a mulher americana tinha perdido Shakti, o seu dom no sentido de força inspiradora e isso levara ao caráter mecanicista do trabalho nos EUA.


O problema da América não residia no matriarcalismo, mas sim na perda de equilíbrio da relação homem-mulher no sentido de uma tirania da mulher, ou seja uma deformação.


A única solução dessa situação seria a de um desenvolvimento no sentido contrário: o da emancipação do homem.(op.cit. 335)


A posição do homem na América correspondia, na época, àquela da mulher nas sociedades tradicionais do Oriente, em particular islâmicas. Se a sua vida material eraconfortável, então se contenta com um mínimo de bem-estar de alma - tão minimal que um europeu dificilmente otoleraria.


A frequência com a qual homens se comportavam como contadores de anedotas, gracejos e palhaços em casa e em reuniões revelaria a triste condição de compensar através do riso a sua triste situação.


As mulheres, porém, sentiam-se como os aristocratas do passado. Não o real progresso da emancipação feminina era o motor das manobras de grupos de mulheres organizadas, mas o de adquirir ainda mais monopólio de poder. (op.cit. 336) Ao contrário, o homem americano adquirira por demais qualidades femininas: só pensava no trabalho, na economia, na segurança, na conservação, no sério da vida, na conquista de cargos e posições, em medalhas de mérito.




Intelecto e espírito. Da reconstrução espiritual e da fundação de um novo Humanismo


Após a Segunda Guerra, num de seus últimos textos, Keyserling tratou do problema da reconstrução espiritual da Europa e da fundação de um novo Humanismo europeu.


Para êle, de suas obras, a única que manifestava a sua teoria do Conhecimento e Estética de forma válida era o seu livro publicado em francês sob o título „Sur l‘art de la Vie“. Essas súmulas do seu pensamento foram tratadas em ensaios sobre „De la juste designation; De la concentration; De la polyphonie; De l‘art oratoire“.


Keyserling procurava salientar que distinguia entre Geist e espírito, falando de uma reconstrução espiritual - não „geistig“ da Europa. Sob „geistig“ pensar-se-ia há séculos antes em intelecto. O intelecto, para êle, era porém a mais a-espiritual função do homem como animal, separando-se da totalidade o homem.


Para a sua materialização, o intelecto exige um impulso do espírito, mas como se poderia constatar do terror e da destruição da época de guerra, leva à destruição e à destruição de si. Uma reconstrução não seria possível a partir de um intelecto separado, autônomo.


No passado, quando o intelecto ainda não se tinha separado do todo, a situação era outra. Essa problemática já tinha tratado na primeira obra maior da „Escola da Sabedoria“, no livro „Conhecimento criativo“ (Schöpferische Erkenntnis, Darmstadt: Otto Reichl 1922): a razão correu à frente do desenvolvimento de todo o organismo espiritual-psiquico e, por fim, o deteriorou; o que se torna necessário é uma nova vinculação de espírito e alma.


Como tratou na sua obra „O livro da origem“ (Das Buch vom Ursprung, Baden-Baen: Bühler 1947), seria necessário fazer despontar nova vida da origem espiritual, da totalidade da vida pessoal. Essa vida a partir da origem, da totalidade do homem, pouco compreendida devido à especialização dos conhecimentos, seria a nova espiritualidade que poderia configurar um novo cosmo no caos atual. Isso significaria uma outra dimensão de espiritualidade daquela propagada pelas religiões, acima de valorações de raças e nações.


Esses impulsos tinham sido sempre os motores da „Escola da Sabedoria“, que procurou atuar em independência relativamente à universidade, à igreja, ao Estado e a partidos. Uma época verdadeiramente espiritual poderia ser apenas uma da inclusividade e não da exclusividade, da implicação e não da explicação, da integração e não da discriminação.


Keyserling lembra que tinha tratado dessa diferença entre intelectualidade e espiritualidade em muitas conferências na América do Sul. Uma nova cultura espiritual poderia apenas se desenvolver se nascesse uma nova época determinada pela espiritualidade, compreendida porém de forma muito mais ampla do que aquela espiritualidade das religiões.


O caminho ascendente espiritual estaria em dependência do reconhecimento de valores do ser como critério máximo. A tarefa fundamental do espírito no indivíduo seria a conquista do próprio destino. A realização propria do indivíduo - e assim a sua vida conduzida pelo espírito - poderia apenas acontecer a partir de dentro para fora. O Humanismo que remonta ao século XVIII levara a desenvolvimentos profundamente desumanizadores por ter partido de um homem abstrato, que não existe.


Um novo Humanismo poderia ser apenas alcançado partindo-se do valor primordial do cerne do indivíduo. Justamente a massificação exigiria como contraposição uma concentração interior e, a partir dela, de uma nova universalidade.


De ciclos de estudos da A.B.E.
sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo


Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. (Ed.).“ Darmstadt, Brasil e a „Escola da Sabedoria“ de H. Graf Keyserling (1880-1946)
- a problemática da mulher na América e na americanização do mundo -e o Novo Humanismo após a Segunda Guerra“
. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 158/4  (2015:06). http://revista.brasil-europa.eu/158/Darmstadt_Brasil.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2015 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


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Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
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Fotos A.A.Bispo, Darmstadt 1975, Bad Nauheim 2006 ©Arquivo A.B.E.