Alfredo d'Andrade e o Borgo Medievale

ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 159/10

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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N° 159/10 (2016:1)





O Borgo medievale da Esposizione Generale Italiana de 1884 em Turim
e o seu arquiteto português Alfredo d'Andrade em paralelos com São Paulo


100 anos de morte de Alfredo d'Andrade (1839-1915)
Organalia 2015 de Turim pela Expo 2015 de Milão

                                                                         

 

A Expo 2015 em Milão representou um dos importantes acontecimentos internacionais da Itália de 2015, assim como significativo evento na longa e diversificada história de exposições mundiais.

Tendo sido acompanhada por escândalos e demonstrações, entre elas a do dia de sua abertura, 1 de maio, tornou-se alvo de atenção e publicidade não só positivas, obscurecendo em parte o significado da sua temática: Nutrir o planeta, energia para a vida (Nutrire il pianeta, Energia per la vita; Feeding the Planet, Energy for life). A exposição teve lugar na área da nova exposição de Milão.

Diferentemente de outras exposições, a Expo 2015 procurou não ser uma amostra de produções, mas sim um forum para a discussão de questões voltadas às relações entre tecnologia, inovação, cultura, tradição, criatividade e alimentação. O direito de todos os homens ao acesso de uma nutrição sadia e suficiente constituiu o centro das atenções.

O pavilhão da Itália na exposição, no âmbito do projeto Divertimento Ensemble, - realizado em colaboração com a cidade de Milão, com MITO SettembreMusica e Sentieri selvaggi -, lançou um concurso internacional de composição de título "Nutrire la musica" e no qual participaram 600 jovens compositores de diferentes países. As composições enviadas foram selecionadas por um juri internacional, escolhendo-se 46 compositores aos quais foi contratada uma nova obra inspirada no tema da exposição. As obras foram executadas em 18 concertos realizados na Expo Gate e no Teatro della Terra, pavilhão da Biodiversidade, sendo a seguir concedido um prêmio.

Atualidade da lembrança da Exposição de 1884: Organalia 2015, Turim

A Organalia 2015, inaugurou, em Turim, a Expo de Milão com um recital de órgão ao que se seguiu outro concerto organístico motivado pelo itinerário da relíquia da Santa Túnica de Turim a Chambery.

Este concerto, realizado no dia 24 de Abril na igreja do Santo Volto, com a participação do coro do Teatro Regio de Turim e do Conservatório Giuseppe Verdi, foi dedicado ao sacerdote compositor Lorenzo Perosi (1872-1956), mestre-de-capela da Basílica de São Marcos e Veneza, e diretor perpétuo da Capela Sixtina.

Perosi foi um compositor de grande significado para o Brasil, tendo formado e influenciado grande número de músicos de igreja e compositores. Do compositor foi executada a Missa Pontificalis, de 1897, assim como a Pontificalis secunda (1906) e um Magnificat. Os coros do Teatro Regio foram regidos por Claudio Fenoglio, ficando o órgão a cargo de Marco Limone.

Este organista lançou, em 2010, gravação de obras executadas no órgão Marzi di Piobesi de Turim  de autores piemonteses da época da passagem do século XIX ao XX. (ELEORG009) Uma segunda gravação (ELEORG036) foi feita em 2014 no órgão Carlo Vegezzi Bossi da Basilica del Corpus Domini em Turim, com uma antologia de compositores alemães do Romantismo.

O segundo "itinerário" da Organalia, dedicado à Expo 2015, realizou-se no dia 25 de Abril na igreja de San Massimo de Turim. Esse concerto foi dedicado à Esposizione Generale Italiana que teve lugar em Turim, em 1884.

O construtor de órgãos Carlo Vegezzi Bossi (1858-1927)

A Organalia quis celebrar a obra de Carlo Vegezzi Bossi (1858-1927), que para aquela exposição construiu um instrumento monumental de 3 teclados, com transmissão mecânica, posteriormente colocado naquela igreja, e que, após trabalhos de restauração feitos pela Bottega Organara Brondino Vegezzi Bossi, foi inaugurado com peças musicais que eram da prática em Turim nos anos da Exposição.

Por essa razão, apresentou-se o CD ELEORG037 de título "Belle Époque em Turim", realizado nesse monumental órgão. Tanto a gravação como o concerto ficaram a cargo do organista, pianista e compositor de Turim, Roberto Cognazzo. O programa contou com obras de Meyerbeer, Verdi, Gounod, Massenet, Saint-Saens, Catalani, Marenco e Wagner. Apresentou-se também uma Marcha Fúnebre de Franco Faccio (1840-1891), da sua ópera Amleto (1865), recuperada de manuscrito da Biblioteca do Conservatório, com a colaboração de Gigliola Bianchini.
O instrumento restaurado e celebrado representa um monumento histórico do órgão romântico italiano e que passa agora a ser revalorizado após décadas de críticas estéticas e construtivas do órgão sinfônico do século XIX. A iniciativa italiana é de grande significado para os países que possuem órgãos Bossi, entre êles também o Brasil.

O ponto culminante dessa tradição organeira foi possibilitado pela união de duas grandes firmas, a de Vegezzi Bossi e a de Vittino. Esta última remontava à firma criada em 1824 por Carlo Vittino, organista da catedral de Cuneo e à qual colaboraram os seus filhos Annetta (1816-1886), Vittorio 81817-1885) e Francesco (1848-1923). Em particular merece ser salientada Annetta, pelo fato raro de representar a mulher na atividade de construção de instrumentos.

Ambas as firmas de Piemonte passaram a trabalhar conjuntamente com o casamento de Annetta Vittino com Giacomo Vegezzi Bossi, em 1865. Annetta assumiu a direção técnica a produção, Giacomo tomou a si a tarefa de entonar e afirmar os órgãos que passaram a ser distribuidos por diversas cidades da Itália e do Exterior.

O instrumento criado para a Esposizione Generalle Italiana em Turim, em 1884, foi resultado dessa colaboração, recebendo a máxima condecoração.

Mesmo após a morte de Vegezzi Bossi, em 1883, a fábrica continuou a produzir instrumentos sob a designação de Annetta Vittino Ved. Vegezzi Bossi e Carlo Vegezzi Bossi até 1886. Em 1892, a firma alcançou renome internacional com o grande órgão da igreja do Carmo, em Turim, instrumento destruído na Segunda Guerra.

Reconhece-se, hoje, que os instrumentos Bossi - e a sua estética sonora - representam uma expressão de uma época, de uma concepção que vincula a tradição antiga italiana e as novas tendências européias sob o aspecto técnico e fônico.

A empresa foi capaz de manter os principais princípios da tradição de construção de órgãos italiana, adaptando-a segundo as exigências da Europa central e ocidental. Apesar da sua modernidade na Itália, contribuiram a manter em todo o mundo características sonoras identificadas como italianas.

A Esposizione Generale Italiana de 1884 e o Borgo Medievale

É significativo que uma das maiores realizações da construção instrumental italiana do século XIX tenha ocorrido na Exposição Geral Italiana de 1884.

Esse evento foi um marco na história cultural e manufatureira da Itália, também da arquitetura e das artes. Representou um ponto alto do historicismo romântico nas suas relações com o desenvolvimento técnico.

A Itália já contava, na época, com uma longa tradição de exposições. Fora em Turim que se realizara a primeira, em 1805, organizada pela Câmara de Comércio por ocasião da ida de Napoleão a Milão. Outras realizaram-se em 1811 e 1812. A partir de 1829, o Reino da Sardinha instituiu as exposições trienais, sendo já a primeira realizada no Castelo do Valentino.

Com a proclamação do Reino da Itália, teve lugar a primeira exposição nacional em Florença, em 1861, inaugurada pelo rei. Em 1871, seguiu-se a exposição industrial em Milão, promovida pela Associazione industriale italiana, assim como feira de dimensão nacional em Turim, realizada no Museo industriale, criado em 1862.

Nessas exposições, o termo indústria não deve ser entendido no sentido atual, mas como expressão geral do que a nação fazia. Feitos e progresso produtivo manufatureiro, artesanal, técnico e nas artes não era vistos como contrários à história e á tradição, mas sim, pelo contrário, como vindo de encontro à política cultural do Risorgimento, da reconscientização da história, as artes e da cultura do passado na Itália unificada, nacional e liberal. 

As atenções eram dirigidas à instrução artístico-industrial e, concomitantemente, à necessidade de criação de um estilo que fosse, como a nação, unificado e nacional. As produções as artes decorativas regionais interagiram num todo do Reino da Itália como estado nacional, o que era procurado justamente pela revalorização da história a partir de uma perspectiva romântica.

Do ponto de vista arquitetônico, a maior atenção deve ser dedicada ao Borgo Medievale, a construção que, pictoricamente levantada às margens do Po, no Parco del Valentino, e que sugere um burgo do século XV.

Embora muitos visitantes de Turim suponham tratar-se de um histórico burgo original, o Borgo medievale foi construído entre 1882 e 1884, sendo inaugurado pelo rei Umberto (1844-1900) e pela rainha Margherita (1851-1926) no ano da exposição. Foi projeto de um grupo de intelectuais e artistas que se inspiraram na arquitetura de castelos do Piemonte, realizando cuidadosas pesquisas quanto a materiais e técnicas de construção. História, História da Arte, Etnografia e Folclore uniram-se assim na realização de um dos edifícios neo-medievais mais  relevantes da História da Arquitetura.

No seu interior, o visitante pode visitar igrejas e outras construções, entre elas a Rocca, que inclui o burgo menor. Ali instalaram-se durante a Exposição lojas com produtos artesanais, com vendedores em trajes históricos. Assim como construções em exposições que se seguiram - e que levaram à destruição também de obras de interesse histórico-cultural para o Brasil - apenas a Rocca deveria ser conservada. Felizmente, porém, o burgo não foi demolido, transformando em museo civico em 1942.

A Seção de Arte Antiga na Esposizione: de pavilhão a burgo do Piemonte

Correspondendo ao historismo do século XIX, mas compreendido na sua inscrição contextual italiana no sentido de valorização do passado a serviço da unidade do Reino nacional, a Esposizione incluiu uma seção artístico-arquitetônica. Para a mesma, constituiu-se uma seção de Arte Antiga como comissão de escritores, historiadores, artistas, arquitetos, arquivistas e eruditos em geral em assuntos artísticos.

Essa comissão passou a reunir-se em 1882, sob a presidência de Ferdinando Scarampi di Villanova com a finalidade de  elaboração de um projeto de pavilhão. A essa comissão passou a fazer parte Alfredo de Andrade, erudito artista português dedicado ao estudo da arquitetura italiana medieval como base da criação de projetos.

Planejava-se, de início, para representar a unificação da nação no Reino da Itália, a construção de um pavilhão que retomasse estilos arquitetônicos de diferentes épocas e regiões da Itália medieval. Simbolizar-se-ia, assim a unidade na diversidade da Itália a partir de suas bases históricas medievais.

Abandonou-se porém a idéia de criar-se um pavilhão com estilos arquitetônicos de diferentes épocas e regiões da Itália medieval, o que corria o risco de vir a ser uma mistura heterogênea de estilos, para além de implicar no difícil intento de identificar configurações típicas de regiões e épocas da Itália medieval.

Optou-se pelo projeto de um burgo que reconstruisse a arquitetura de um dos séculos mais significativos da Idade Média italiana - o Quattrocento - na sua contextualização em determinada região: o Piemonte, terra de tão grande significado para o Reino da Itália da época. A obra, assim, ao mesmo tempo reconstrução idealizada e encenação, representou um intento de engrandecimento valorizador do Piemonte.

Para a construção do burgo medieval, da aldeia e o burgo menor, procurou-se com precisão por assim dizer filológica reproduzir detalhes construtivos e decorativos da época e da região, o que exigiu estudos históricos, arqueológicos e artísticos pormenorizados. O conjunto foi marcado por reproduções da tradição artesanal na cerâmica, em madeira e em metal do país.

Significado de Alfredo Cesar Reis F. de Andrade

Sobretudo pelo papel relevante que desempenhou no projeto do Borgo medioevale, o arquiteto e artista português Alfredo d'Andrade merece ser rememorado pelo centenário da sua morte.

Caído no esquecimento nos estudos nacionais portugueses e italianos por situar-se entre dois países - nasceu em Lisboa mas viveu e naturalizou-se italiano - Alfredo d'Andrade oferece a partir da sua vida e obra perspectivas para a leitura diferenciada de edifícios marcados pelo historismo arquitetônico nas suas contextualizações político-culturais na Itália e suas extensões na obra de arquitetos que atuaram fora dela, salientando-se aqui o caso do Brasil.

De família portuguesa de negócios, Alfredo d'Andrade iniciou-se cedo nos estudos da pintura e da talha, sendo orientado pelo artista espanhol Trifón de Avillez. Prevendo-se que seguiria a carreira comercial, foi enviado a parceiros nos negócios paternos em Gênova, centro portuário de comércio marítimo. O jovem Alfredo d'Andrade, porém, preferiu dedicar-se às artes decorativas, da pintura paisagística e da arquitetura do passado.

Em visita à Exposição Universal de Paris, em 1855, impressionou-se com obras o pintor paisagista suíço Alexandre Calame (1810-1864), expostas no Palais des Beaux-Arts, extraordinário pintor de paisagens dos Alpes e da Itália. Com êle estudou pintura em Genebra.

Percorrendo a Itália, realizou estudos de obras de arte e arquitetura em várias regiões, entre elas em Civitavecchia, Roma, Nápoles e Florença.

Nos anos sessenta, dedicou-se à pintura, com intensos estudos e interações com os "macchiaioli" de Toscana e com artistas piemonteses.

Nessa época, passou a interessar-se mais intensamente pela arquitetura medieval, pelo descobrimento de bens no território, a seu estudo, conservação e restauração. O seu nome prende-se assim estreitamente à história da conscientização de bens patrimoniais, de sua manutenção e restauro.

Juntamente com outro especialista, restaurou em 1871 o castelo de Issogne a partir de estudos aprofundados históricos, filológicos, regionais e do construído. Alfredo d'Anrade dirigiu a restauração de edifícios medievais no Piemonte e Valle d'Aosta. Em 1886, foi nomeado Delagato Regio para a conservação de monumentos do Piemonte e da Ligura e, em 1891, diretor do Ufficio Regionale per i Monumenti del Piemonte e della Liguria. Participou também na restauração de centros monumentais, entre êles o de Florença.

O projeto do Borgo Medievale de Turim já fora, assim, preparado por iniciativas voltadas à revelação de bens piemonteses da Idade Média tardia. Foi, ao mesmo tempo, marco de desenvolvimento de concepções patrimoniais e modêlo.

Em 1911,Alfredo d'Andrade  foi um dos autores do projeto do pavilhão piemontês na Esposizione Internazionale de Roma, retomando assim o caminho já seguido no Borgo Medievale de Turim. Para essa feira, recriou um castelo valdostano com a reprodução acurada de elementos do repertório arquitetônico e decorativo regional.


Extensões de procedimentos do historismo italiano em S. Paulo

O procedimento marcado por erudição, estudos históricos, artísticos e regionais que teve como principal marco a reconstrução ideal do Borgo Medievale piemontês de Turim, não se limitou, assim a essa construção da Exposição de 1884.

Como talvez a mais expressiva manifestação de uma idéia de ressurgimento em época da unificação nacional italiana, reunia em si anelos cientifícos, patrimoniais de conservação, restauro, reconstrução e progresso das indústrias e das artes a partir de sua fundamentação em passado idealizado.

A técnica e a arte construtiva de arquitetos e artistas italianos no Exterior - assim como de estrangeiros que desenvolveram estudos na Itália - refletiram uma concepção histórica orientada segundo um anelo nacional italiano que levou a construções de um passado apresentado na sua compleição com base em estudos pormenorizados.

Um dos mais significativos exemplos da extensão dessa arquitetura historicista italiana na esfera extra-européia pode ser visto no Palácio das Indústrias no Parque Dom Pedro II, em São Paulo. Também aqui o termo "indústria" deve ser compreendido na sua acepção ampla, comum na Itália da época. O Parco do Valentino, o mais antigo e emblemático de Turim, encontra aqui um paralelo no Parque Dom Pedro II, as águas do Po no Tamanduateí, o Borgo Medievale no Palácio das Indústrias.

Guardadas as diferenças estilísticas explicáveis pela época mais tardia de sua edificação, o Borgo medievale de Turim abre caminhos para a leitura mais diferenciada do Palácio das Indústrias. O autor do seu projeto foi Domiziano Rossi (1865-1920), arquiteto nascido em Gênova e falecido em São Paulo, professor do Liceu de Artes e Ofícios.

Talvez ainda mais do que o Teatro Municipal e outros edifícios representativos da capital paulista que trazem o nome de Ramos de Azevedo (1861-1928), o Palácio das Indústrias surge como um dos principais exemplos da atividade construtiva de italianos no Brasil, representando mais do que qualquer outro um monumento dos anelos político-culturais da Itália nacional compreendida como ressurgida.

Súmula de trabalhos da A.B.E.e do I.S.M.P.S. sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo, Universidade de Colonia

 

Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A.(Ed.).“ O Borgo Medievale da Esposizione Generale Italiana de 1884 em Turim
e o seu arquiteto português Alfredo d'Andrade em paralelos com São Paulo“
. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 159/10 (2016:01). http://revista.brasil-europa.eu/159/Alfredo_de_Andrade.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2016 by ISMPS e.V.
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Fotos: Turim 2005/6, A.A,Bispo ©Arquivo A.B.E