Florença e Brasil: imagens de quatro décadas

ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 159/5

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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N° 159/5 (2016:1)






Florença e Brasil nos estudos de processos culturais

Imagens e aspectos de quatro décadas de estudos euro-brasileiros I

                                                                         

Pelos 150 anos de Florença como capital do Reino da Itália (1865-2015)

 
Florenca, 1982. Foto A.A.Bispo

Florenca, 1982. Foto A.A.Bispo
Por motivo da passagem dos 150 anos de Florença como capital do Reino da Itália (1865-2015) tornou-se oportuno recapitular e retomar alguns trabalhos euro-brasileiros relativos a Florença realizados nas últimas décadas.

Esses trabalhos foram iniciados com uma primeira vista a Florença no âmbito do programa respectivo de estudos em 1975.

Florenca, 1982. Foto A.A.Bispo
Em 2015, membros da A.B.E. realizaram repetidas viagens a Florença, tendo a oportunidade de observar desenvolvimentos atuais e considerá-los no debate sobre processos culturais na atualidade.

Florença é de extraordinária importância na História da Arte e da Música nas suas diferentes épocas e aspectos, sendo o seu monumental patrimônio - em particular aquele de seus palácios, de suas igrejas e da arte sacra - objeto imprescindível de estudos histórico-artísticos e musicais não só na Europa, como também em países extra-europeus, incluindo-se aqui o Brasil.

Foi, assim, constantemente considerada no Brasil em cursos em escolas de Belas-Artes, de Arquitetura, em conservatórios e em publicações.

Se são os bens arquitetônicos, artísticos e musicais mais antigos, de fins da Idade Média, da Renascença e do Barroco aqueles que sempre foram e são os mais
Florenca, 1982. Foto A.A.Bispo
considerados em estudos genéricos de arquitetura e arte européia ou da escola florentina ou da ópera em Florença numa "história da música universal", o século XIX não pode deixar de merecer particular atenção em estudos referenciados segundo o Brasil.
Este século foi aquele da grande emigração italiana ao Brasil e dos elos do país com o movimento da unificação nacional  italiana, no âmbito do qual surgiu o Reino da Itália, em 1861, do qual Florença foi capital entre 1865 e 1871.

As atenções relativas a elos Itália-Brasil são monopolizadas, em geral, pela lembrança do  principal heróido movimento que, sob a influência da Sardenha, levou à união dos muitos estados que constituiam a Península e, assim, à configuração da Itália como estado nacional: G. Garibaldi (1807-1882).

Nos intuitos de criação de estado nacional tratava-se de superar os pequenos estados na unificação nacional integradora. Não se pode, assim, deixar de considerar, em estudos relacionados com o Reino da Itália, os conflitos com a Igreja e com o Papado quanto a suas propriedades territoriais.

A ordenação a ser superada era aquela remontante o Congresso de Viena de 1815, no qual procurou-se recuperar a ordem política e político-cultural anterior à era napoleônica e às reformas da Revolução Francesa de 1789.

Como em grande parte da Europa, o ano de 1848 representou um marco histórico no movimento de aspirações nacionais de superação dos muitos estados que dividiam o continente.

O processo de formação nacional do Brasil e a Toscana no século XIX
É compreensível que, pelo significado extraordinário de Florença para as artes, a atenção a Florença por parte de brasileiros tenha-se processado sobretudo na esfera artística. Conhecida de estudos da pintura, escultura e arquitetura por brasileiros, foi um dos centros itálicos
procurados por artistas que se especializaram ou procuraram impor-se na Europa.

Se as artes continuaram a ser principal foco do fascínio despertado por Florença através das décadas, também as ciências, a literatura e  a erudição determinaram elos entre a Toscana e o Brasil.

Como marco referencial nessas interações surge a visita a Florença de Dom Pedro II.

Essa visita deve ser considerada no contexto das transformações políticas e de referenciamento político-cultural interno-europeu por que passou Florença em meados do século XIX.

O antigo Ducado da Toscana era estreitamente vinculado ao império austríaco dos Habsburgs, havendo assim estreitos elos familiares e rêdes de relações sociais com a família imperial do Brasil, lembrando-se que Dona Leopoldina, a primeira Imperatriz do Brasil, mãe de Dom Pedro II, era Arquiduquesa da Áustria (1796-1826).

A visão de Florença e dos desenvolvimentos na Toscana em geral continuaram a ser determinados em grande parte pela ótica de Viena, mesmo depois de ter-se proclamado o reino da Itália pelas forças revolucionárias.


A Academia de Belas Artes de Florença e Dom Pedro II

A correspondência diplomática brasileira da época imperial testemunha o significado da visita de Dom Pedro II a Florença. Como em regra nas suas estadias no Exterior, o imperador brasileiro estabeleceu contatos e deixou uma imagem de soberano esclarecido e erudito, amigo das ciências e das artes, particularmente interessado nos desenvolvimentos itálicos, uma vez também que a própria Imperatriz era natural de Nápoles.


A Academia de Belas Artes de Florença assume uma posição de particular relêvo entre as instituições florentinas que testemunham os contatos estabelecidos. A Academia enviou a Dom Pedro II grande número de objetos em gêsso, cópias de obras de arte para exposições e de uso na formação de artistas. Esses materiais, que foram enviados diretamente ao Rio de Janeiro, em quinze caixas, eram oferecidos pelo Imperador à Academia Imperial de Belas Artes.


A remessa foi feita pelo Dr. Artur Teixeira de Macedo, que, por engano, enviou as caixas a seu pai, Joaquim Teixeira de Macedo, sendo as mesmas por isso seguradas na Alfândega do Rio de Janeiro. Revelando-se serem destinadas ao Imperador, foram por fim liberadas. (Dom Pedro II e a Cultura, Rio de Janeiro 1977, N°524, pág.101)



"A Batalha do Avaí" de Pedro Américo (1843-1905) segundo Francesco Becherucci


Outro nome relacionado com a vida artística de Florença que surge na correspondência diplomática do Brasil é o de Francesco Becherucci. O interesse de Becherucci pelo Brasil manifestou-se no fato de ter tratado o quadro da batalha de Avaí, de Pedro Américo (1843-1905), um pintor que manteve elos estreitos com Florença, cidade onde veio a falecer (Illustrazione del quadro, La battaglia de Abahy dell'insigne pittore Pedro Americo, scritta da Francesco Becherucci, Florença, 1877).


Becherucci escreveu uma carta a Dom Pedro II, que este remeteu ao Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário do Brasil na Itália, barão de Javari, Conselheiro João Alves Loureiro (1812-1883), pedindo que tomasse conhecimento do assunto nela tratado e perguntando se devia dar algo a esse professor, e, no caso, qual a quantia. (op.cit. N° 627, pág. 118).


Busto de Crisostomo Ferrucci (1797-1877) por Vincenzo Consani (1818-1887)


Os elos que aqui se revelam entre o Ministro do Brasil e o meio artístico da Academia de Belas Artes de Florença manifestam-se também no fato de que um dos professores da instituição, o escultor Vincenzo Consani, ter oferecido uma de suas obras para que fosse adquirida por Dom Pedro II, em 1878.


Consani era escultor de renome na família ducal de Lucca e, em Florença, apresentara obras na exposição de 1861. Distinguindo-se na criação de estátuas, não só de figuras mitológicas, mas também de vultos da história e da política, Consani propôs que o imperador brasileiro adquirisse um busto de mármore do recentemente falecido comendador Crisostomo Ferrucci (1797-1877).


Essa oferta, ainda que recusada pelo imperador (op.cit. N°597, pág. 113), faz supor que Dom Pedro II conhecesse não só Vincenzo Consani como o homenageado, historiador, poeta e erudito, estudioso de versos e inscrições latinas, bibliotecário e que, dese 1857, tinha sido diretor da Biblioteca Mediceo Laurenziana de Florença.



Arte de trabalho em madeira - efígie de Dom Pedro II de M. A. Baccetti (1850-1903)


Entre os artistas florentinos do século XIX que merecem ser considerados com especial atenção salienta-se o do escultor, artista em madeira e de criador de móveis artísticos Marcello Andrea Baccetti (1850-1903), natural de Montisani, localidade na província de Florença.


Por muito tempo caído no esquecimento, esse artista desperta no presente renovado interesse, sendo obras suas procuradas por colecionadores, estando presentes em catálogos de antiquários e leilões. Baccetti trabalhou no estúdio-oficina de Angelo Barbetti, até hoje lembrada na Rotonda dei Barbetti no centro de Florença. Construída entre 1844 e 1848 como ciclorama, a rotunda foi adquirida por Barbetti em 1863 e transformada em sede de estabelecimento de manufatura de móveis e entalhos artísticos.


Andrea Baccetti trabalhou também junto a Luigi Frullini (1839-1897) no estabelecimento por êle criado em 1867, centro de uma importante fase da arte de entalhe e de produção de móveis artísticos "de estilo".


De família de entalhadores, Frulini estudou na Academia de Belas Artes e, como órfão, na oficina de A. Barbetti. Frullini adquiriu renome com trabalhos apresentados na Esposizione nazionale italiana de Florença, em 1861.


Essa primeira exposição nacional, que abrangia produtos agrícolas, industriais e de Belas Artes (Esposizione Nazionale di Prodotti Agricoli e Industriali e di Belle Arti), realizou-se logo após a proclamação do Reino da Itália. Procurava-se, nessa mostra, apresentar resultados da ação conjunta da nação unificada, expondo-se não apenas produtos, mercadorias e instrumentos de trabalho, como também obras de pintura, escultura e mesmo de fotografia.


Através sobretudo de participações em exposições, Baccetti adquiriu renome internacional, tendo sido suas obras e móveis apreciados na Côrte italiana e vendidos no Exterior, também na América do Norte e na Austrália.


A sua obra não se restringiu à manufatura de móveis artísticos, da arte de entalhe, mas também à escultura em madeira, distinguindo-se com os seus trabalhos de entalhe representativos de fauna e flora, de animais, flores e frutos.


Sob o ponto de vista estilístico, é considerado como representante de um historismo eclético; procurou recriar estilos de diferentes contextos do passado, dedicando-se a estudos e a reelaborações da linguagem visual bizantina, gótica, mourisca e renascentista. A sua arte de construção de móveis não só exigiu estudos históricos e técnica artesanal, como também aptidões artísticas que faziam de produções utilitárias elementos cenográficos de modos de vida.


Obras suas gozaram de prestígio pela passagem do século, sendo também apresentadas na exposição nacional de 1898 em Turim, de particular significado para o Brasil. (Veja)


Em 1872, Marcello Andrea Baccetti realizou uma efígie de Dom Pedro II entalhada em agrifoglio(Ilex Aquifolium), madeira valiosa e de sentidos simbólicos como palma, cujas folhas eram empregadas tradicionalmente em procissões de Ramos e, talvez por essa razão, utilizada como referência às palmeiras do Brasil.


Baccetti criou a sua obra motivado pela visita do imperador brasileiro a Florença, remetendo-a posteriormente a Dom Pedro II.


O Ministro do Brasil na Itália, o barão do Javary, Conselheiro João Alves Loureiro, enviando a obra ao Brasil, informava que esta não tinha sido muito admirada na Itália, mas que a sua execução tinha sido elogiada pelo escultor Raffaello Romanelli (1856-1928), um especialista na matéria.


Com essa referência, o Ministro indica ter procurado a opinião de um renomado escultor para a apreciação da obra a seer enviada aa Dom Pedro II. Romanelli, de família de escultores e pai do renomado escultor Romano Romanelli (1882-1968), autor de grandes monumentos de vultos históricos que ornamentam muitas cidades, estudara na Academia de Florença, ali ensinando, conhecendo provavelmente de perto a arte de Andrea Baccetti.


Confirmando o recebimento da obra, Dom Pedro II pede ao Ministro transmitir os seus agradecimentos ao artista, presenteando-o com um alfinete de peito, cujo valor não devia ultrapassar 400 ou 500 francos, quantia a ser sacada através do visconde de Itajubá, em Paris. (Dom Pedro II e a Cultura, op.cit. N° 289, pág. 59).



Henrique Oswald em Florença e Dom Pedro II - papel do I° barão do Javarí


Encontra-se, na literatura histórico-musical brasileira, repetidas menções ao apoio concedido por Dom Pedro II ao jovem Henrique Oswald, quando este se encontrava em Florença. Essas menções são acompanhadas de interpretações romanceadas ou sugerem contextos que tanto enaltecem a magnânimidade do imperador brasileiro como também as qualidades excepcionais do jovem musicista.


O apoio financeiro concedido por grande número de anos a H. Oswald surge como um dos mais testemunhos da extraordinária proteção de Dom Pedro II às artes, em particular à música. Se, porém, no caso de um Antonio Carlos Gomes (1836-1896) foi este justificado pelos sucessos do compositor no Brasil, que permitiam prever uma carreira promissora, aquela do jovem musicista de Florença levanta questões. Embora nascido no Rio de Janeiro e tendo passado anos de infância em São Paulo, não possuia nacionalidade brasileira, pela qual teria optado apenas ao alcançar idade maior, não por último devido ao apoio imperial. Ou seja, o apoio de Dom Pedro II foi concedido, de início, a um jovem promissor estrangeiro.


As menções biográficas referentes às circunstâncias que levaram ao apoio de Henrique precisaram ser reconsideradas nos estudos musicológicos em fins da década de 70 após a publicação da obra Dom Pedro II e a Cultura pelo Arquivo Nacional, produto de pesquisas de Maria Walda de Aragão Araújo (Rio de Janeiro, 1977).


Nessa obra, constata-se que, em ofício dirigido em 1878  ao (I) barão de Javarí - Conselheiro João Alves Loureiro (1812-1883) - então Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário do Brasil na Itália, Dom Pedro II pedia informações sôbre Henrique Oswald, que teria escrito de Florença ao Imperador. Nessa ocasião, enviava a carta de Henrique Oswald ao Ministro para que este, à vista da mesma, inteirasse-se do que ela expunha, pedindo que a mesma fosse devolvida.  (op.cit. n° 674, pág. 126)


Constata-se, desse fato, que Dom Pedro II, em 1878, pouco ou nada sabia a respeito de H. Oswald. Pedia ao Ministro que levantasse e transmitisse informações a respeito do jovem que a êle escrevera de Florença.


Este, por sua vez, tinha usado argumentos para justificar um pedido de apoio financeiro, cabendo ao Barão de Javarí avaliar se eram pertinentes. O Ministro, vindo de encontro à solicitação imperial, transmite ao Rio de Janeiro as informações desejadas, sugerindo que H. Oswald fosse apoiado.


Em outro ofício, Dom Pedro II pede ao Barão de Javarí que estipulasse a importância a ser concedida a Henrique Oswald, então designado, em francês, como Henri. (op.cit. N° 712, pág. 133)


O papel de João Alves Loureiro, primeiro barão de Javary, então em Roma, foi assim decisivo na concessão do apoio financeiro ao jovem músico de Florença. Este diplomata, conselheiro do Imperador, tinha sido agraciado com o baronato em julho daquele ano. João Alves Loureiro desempenhou assim significativo papel na promoção do músico brasileiro, como também o foi no caso de Carlos Gomes.


Foi através dele que o compositor, então em Milão, recebeu, em 1876, a ordem de 12 e Maio de 1876  para criar um hino por motivo do centenário da independência americana, e que foi executado na Filadélfia, no dia 4 de Julho de 1876. Carlos Gomes manteve troca de correspondência com o Ministro, pedindo dados para que pudesse realizar a composição adequadamente.


Em telegrama, o próprio Dom Pedro II dá as informações diretamente a Carlos Gomes, dizendo que este devia ser escrito para orquestra e entre ao Ministro, assegurando que o mesmo seria executado por bons instrumentistas brasileiros. No dia 19 de maio, seguiu a partitura manuscrita do hino para orquestra e banda.


Música de H. Oswald editadas em Florença em concerto na Alemanha, em 1975


Obras de Henrique Oswald foram publicadas em Florença, salientando-se a casa Genesio Venturini, estabelecida na Via Leonardo da Vinci e, em Roma, no Corso Umberto. 


A difusão das obras para canto foi facilitada pelo fato de ser a letra em italiano. Entre elas, menciona-se aquelas executadas e, primeiro concerto dedicado ao compositor na Alemanha, em 1975, interpretadas por Maura Moreira, entre elasOfelia, Il Genio della Foresta, L'Angelo del Cimitero e La morta, editadas em 1904.




Súmula de trabalhos da A.B.E.e do I.S.M.P.S. sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo, Universidade de Colonia


Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A.(Ed.).“Florença e Brasil nos estudos de processos culturais“
. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 159/5 (2016:01). http://revista.brasil-europa.eu/159/Brasil_e_Florenca.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2016 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Academia Brasil-Europa
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
reconhecido de utilidade pública na República Federal da Alemanha

Editor: Professor Dr. A.A. Bispo, Universität zu Köln
Direção gerencial: Dr. H. Hülskath, Akademisches Lehrkrankenhaus Bergisch-Gladbach
Corpo administrativo: V. Dreyer, P. Dreyer, M. Hafner, K. Jetz, Th. Nebois, L. Müller, N. Carvalho, S. Hahne
Corpo consultivo - presidências: Prof. DDr. J. de Andrade (Brasil), Dr. A. Borges (Portugal)




 







Florença. Fotos A.A.Bispo 1981©Arquivo A.B.E.