Pisa e Brasil na Historia das Ciências

ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 159/7

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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N° 159/7 (2016:1)





Balle di Scienza: Pisa e Brasil na História do Direito e das Ciências

Projeção universitária de Pisa e do Osservatorio di Firenze

                                                                        

Visita à Universidade de Pisa promovida pela A.B.E. nos 450 anos de Galileo Galilei (1564 -1641/2)

- ano da exposição Balle di Scienza: Storia di errori prima e dopo Galileo (2014) -



 
Pisa. Foto A.A.Bispo 2015

Pisa. Foto A.A.Bispo 2015
Pisa, na Toscana, situada às margens do Arno, nas proximidades de sua desembocadura no mar ligúrico, é conhecida e visitada por brasileiros sobretudo pela sua famosa torre. Esta torre pendente domina a imagem da cidade, constituindo um dos principais atrativos da Toscana e da Itália, também a da região, do país e mesmo da Europa. Ao lado da torre Eiffel ou da ponte de Londres, a torre inclinada de Pisa pertence à série de edifícios emblemáticos procurados por turistas de todo o mundo.

Em geral é apenas em segundo momento que a atenção de visitantes passa a ser dirigida ao fato de ser a torre um campanário da catedral, esta situada, juntamente com o seu batistério, em espaço da mais alta expressividade e de extraordinário significado histórico-arquitetônico e artístico, emoldurado pelo imponente Camposanto com monumentos arqueológicos e museus que se levantam a partir da Piazza dei Miracoli.

A procura de Pisa por razão de seu patrimônio artístico e sua história surge não como motivo principal de viagem para a maioria de seus visitantes.

Estes são atraídos por uma construção cujo interesse reside principalmente na sua inclinação e, assim, num aspecto técnico, de engenharia, de solos, de fundamentos e de física em geral. De imediato coloca-se a questão da causa da inclinação da torre, explicada pelas condições do terreno, de pouca solidez, lamascento e arenoso, de aterragens e de aluvião, no passado à margem de águas, o que levou que cedesse sob o peso da construção. Também se dirige a atenção ao singular intento de correção da pendência na edificação dos andares superiores.

Um pêndulo no interior da torre demonstra aos visitantes a acentuada inclinação da construção, recordando-lhes necessáriamente leis do mundo físico.

Pisa. Foto A.A.Bispo 2015

Não são, assim, aspectos numinosos da escolha do terreno para a construção do templo no passado e que poderiam abrir perspectivas para a análise histórico-artística, mas sim antes questões científicas que mais prendem o interesse daqueles que visitam a torre inclinada de Pisa.

Significativamente, lembra-se continuamente do nome de Galileo Galilei (1564-1641/2), que teria, segundo a tradição, ali efetuado experimentações que lhe possibilitou descobrir as leis da queda livre de corpos.

O nome do cientista que como poucos outros revolucionou a ciência e a visão do mundo do homem, a ponto de ser obrigado pela Igreja a revogar as suas descobertas, surge assim estreitamente vinculado àquele de Pisa, sua cidade natal. Já essa lembrança bastaria para chamar a atenção dos visitantes ao significado de Pisa para as ciências no passado e no presente.

Esse significado, porém, que se manifesta nas suas muitas instituições científicas, em particular na sua universidade, das mais importantes da Itália e mesmo da Europa, é porém pouco considerado pela maioria dos visitantes da cidade, cuja estadia em geral se limita à área do Duomo com a sua torre enclinada.

Poucos são aqueles que visitam, entre outros, o histórico Jardim Botânico de Pisa, a Universidade, a Scuola Superiore Sant'Anna e a Scuola Normale Superiore. Os visitantes que resumem a sua estadia à Campanile e ao Duomo não atentam ao cunho acadêmico e universitário da vida da cidade, cuja população corresponde em número àquele dos jovens estudantes que nela residem em período de aulas.

É, porém, o significado de Pisa para a história das ciências que merece particular atenção dos estudos de processos culturais em relações internacionais, também daqueles referenciados segundo o Brasil.


Se a arquitetura e as grandes obras artísticas do Duomo, do campanário, do batistério, da necrópole e das coleções em museus pisanos constituem objetos indispensáveis de estudos na Hiistória da Arquitetura e das Artes, é a Universidade de Pisa com as suas diversas faculdades que alcança relevância internacional de grande atualidade na política universitária e de ensino. Ao lado da assim-chamada "Reforma de Bologna", o nome de Pisa é uma constante nas concepções educativas e de formação escolar e universitária do presente de países europeus através dos "Estudos de Pisa".

A história de Pisa - antiga república ao lado de outras da Toscana, como Florença, para a qual perdeu a sua antiga autonomia - revela-se estreitamente relacionada com desenvolvimentos florentinos.

O próprio Galileu viveu e faleceu na região de Florença. Por motivo dos 150 anos de Florença como capital do Reino da Itália em unificação nacional, cumpre, assim, considerar com especial atenção a irradiação da tradição pisana do pensamento e das ciências nessa nova fase de Florença. É a partir dessas relações pisano-florentinas que se abrem perspectivas para a compreensão de aspectos até hoje pouco considerados da história de elos entre o Brasil e a Toscana.


Cultura literária em linguagem pisana transmitidas ao Brasil através de Florença

Um testemunho que o meio intelectual pisano-florentino tinha conhecimento da erudição e do interesse de Dom Pedro II (1825-1891) pelas letras, pela cultura e pelas tradições italianas é o fato de Renato Fucini (1843-1921), poeta e escritor conhecido como Neri Tanfucio, ter oferecido ao imperador, em 1872, a sua obra Cento sonetti in vernacolo pisano, lançada em 1871. (Dom Pedro II e a Cultura, Rio de Janeiro 1977,N° 804, pág. 146)

Fucini, após ter estudado na Universidade de Pisa e abandonado a Medicina, trabalhou em estúdio de Engenharia em Florença, descobrindo o seu talento poético de inspiração popular frequentando um tradicional café, one registrou casos transmitidos pela tradição oral e que elaborou em forma de sonetos.

Com esse oferecimento ao imperador do Brasil, Fucini reconhecia o interesse do soberano pela cultura tradicional italiana, pelas narrativas, lendas e poesias populares. Esse oferecimento sugere também os elos de Dom Pedro II com a Biblioteca Riccardiana de Florença, onde o autor atuou. Instalada no Palazzo Medici Riccardi, fundada como biblioteca particular, era, desde 1815, biblioteca aberta ao público.

Estudos jurídicos na Universidade de Pisa e o Brasil

Uma particular consideração merece a tradição dos estudos jurídicos em Pisa na sua relevância para o Brasil. A história dos estudos superiores no Brasil é fundamentalmente marcada pela predominância dos estudos de ciências jurídicas e sociais, lembrando-se que, no Império, as faculdades que determinaram a vida intelectual e mesmo política do Brasil foram aquelas de Direito de São Paulo e de Recife/Olinda.

A correspondência diplomática testemunha relações entre os estudos jurídicos da Toscana e o Brasil através da personalidade de Giovanni de Gioannis Gianquinto (1821-1883).

Este professor de Direito Público Administrativo na Universidade de Pisa, cidade onde faleceu, tendo também lecionado em outras universidades, como a de Pavia, era conhecido pelas suas muitas publicações em várias áreas jurídicas, entre elas em Direito Romano, Direito Internacional e Filosofia do Direito.

Entre os temas tratados por Gianquinto distinguiram-se aqueles de Direito Admnistrativo comunal e da Itália em época de profundas transformações político-administrativas, o que exigia reformas e adaptações. Sob este aspecto, pode-se citar a sua obra Nuovo Diritto amministrativo d'Italia, (Pavia 1864).

Gianquinto ofereceu a Dom Pedro II obras suas sobre "Legislação Comparada" e "Confisco por contrabando de Guerra". O oferecimento desta última (Della Confisca Per Contrabbando Da Guerra, 1872) merece ser assinalado com atenção, uma vez que o assunto assumia atualidade para o Brasil marcado pela Guerra do Paraguai.

Em ordem ao Ministro Residente do Brasil na Itália, primeiro barão de Javarí, Conselheiro João Alves Loureiro (1812-1883), Dom Pedro II agradecia a Gianquinto pelo oferecimento. (op.cit., N° 284, pág. 58).


Ciências Naturais: Astronomia. O Osservatorio de Arcetri e o Brasil

Seguindo-se à área jurídica, a atenção dos estudos de relações científico-culturais pisano-florentino-brasileiras deve ser dirigida às matemáticas e às ciências naturais, em particular à Astronomia.

O desenvolvimento dos conhecimentos astronômicos marcou a história científica italiana do século XIX, revelando até hoje os muitos corpos celestes nomes de cientistas que os descobriram e que testemunham a intensidade dos estudos respectivos em alguns dos principais centros da Península.

Também no Brasil despertara o interesse pela Astronomia e ciências correlatas, o que levou à formação de coleções de aparelhos e à instituição de observatórios, entre êles o Imperial Observatório Astronômico e aquele, ainda que incipiente, do Seminário de São Paulo.

Compreende-se, neste contexto, o interesse de Dom Pedro II por questões de Astronomia e ciências correlatas e de maior aplicação prática para o desenvolvimento do Império, seja na área de Astronomia de Posição para fins de orientação e referenciamento geográfico, seja na área da Meteorologia.

Torna-se compreensível, assim, que o imperador brasileiro tenha mostrado interesse pelo Osservatorio de Arcetri, próximo de Florença, o maior telescópio italiano. Esse observatório tinha sido inaugurado em 1872, após três anos de construção.

Representava a realização de um projeto acalentado há anos, fomentado sobretudo pelo astrônomo Giovanni Battista Donati (1826-1873).

Este inseria-se na tradição de Giovanni Battista Amici (1786, 1863), físico e astrônomo falecido em Florença, e que, após atividades como professor de Matemática nas universidades de Modena e Reggio Emilia, tinha sido diretor dos estudos superiores no Ducado, diretor do observatório e professor de Astronomia no Museu de História Natural de Florença.

Donati tinha estudado na Universidade de Pisa, passando a trabalhar desde 1852 no observatório La Specola de Florença, onde foi, a partir de 1859, sucessor de Giovanni Battista Amici como diretor do observatório. Donati entrou na história por ter descoberto seis cometas, entre êles os cometas que trazem o seu nome, entre êles um dos mais luminosos cometas do século XIX. Estudou espectros estelares, a luz de estrêlas fixas e ocupou-se com a teoria da luz polar.

Sabendo do interesse de Dom Pedro II pela Astronomia, Donati enviou-lhe, de sua autoria, publicação e um opúsculo sobre a aurora boreal e a sua origem cósmica (Le aurore boreali i la loro origine cosmica). Em 1872, por ofício dirigido ao Ministro Residente do Brasil na Itália, o mencionado conselheiro João Alves Loureiro, o Imperador pedia que agradecesse ao professor de Astronomia de Florença.

Para a construção do novo observatório, escolhera-se uma elevação em Arcetri, fora da cidade, por haver ali condições mais favoráveis para a observação dos céus do que em cidade repleta de luzes e de atmosfera poluída.

Essa região possuia sobretudo um significado histórico e simbólico para as ciências, uma vez que nela vivera e morrera Galileo Galilei . Assim como Galileu tinha nascido em Pisa, também Donati foi estreitamente relacionado com a tradição científica pisana.

Não sem significado é constatar os elos do desenvolvimento da Astronomia na Itália com aquela do mundo de língua alemã, fato particularmente compreensível no caso do antigo Ducado de Florença devido a seus vínculos com o Império dos Habsburgs. Donati veio a falecer em Viena durante a sua participação em congresso científico.

O seu sucessor na direção do observatório foi um cientista alemão, Ernst Wilhelm Lebrecht Tempel (1821-1889), cientista natural, astrônomo e litógrafo, nascido na Saxônia.

Embora tendo obtido formação em litografia, atividade que exerceu em Veneza, onde se radicou, a sua atenção dirigiu-se cada vez mais às ciências naturais. A precisão de suas obras litografadas abriu-lhe o caminho para a Botânica.

Iniciou-se amadoristicamente na Astronomia, fazendo descobertas significativas, sendo, por isso, convidado para atuar no observatório imperial francês de Marselha, em 1860. Essas atividades tiveram de ser interrompidas devido à Guerra Franco-Prussiana de 1870, retornando então à Itália, onde assumiu, em 1875, o observatório de Florença.

Meteorologia na Toscana e no Brasil: o termometrógrafo de Ulisse Marchi

O encarregado de observações meteorológicas do Observatório, Ulisse Marchi, foi aquele que entrou na história das relações científicas com o Brasil através do oferecimento a Dom Pedro II de instrumento por êle desenvolvido com um respectivo opúsculo explicativo.

Esse aparelho era o termometrógrafo, instrumento para indicar termômetros a máxima e mínima desenvolvido ao redor de 1860 por Marchi, que desde 1856 trabalhava no Observatório e que se destacava como criativo e hábil inventor de instrumentos científicos.

A publicação que também enviou o Brasil, escrita em 1868, continha a descrição do instrumento, procedimentos para a sua montagem, com uma lista de preços.

O aparelho foi apresentado e presenteado ao Imperador durante a sua vista, sendo posteriormente enviado por mala marítima ao Rio de Janeiro.

Em 1877, Dom Pedro II agradeceu o recebimento através do Ministro Plenipotenciário o Brasil na Itália, o barão de Javarí, conselheiro João Alves Loureiro (op.cit. N° 583, pág. 111).

Esse aparelho enviado ao Brasil é hoje objeto de importância histórico-científica, sendo alguns de seus exemplares conservados e apresentados em museus especializados da Itália.

Súmula de trabalhos da A.B.E.e do I.S.M.P.S. sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo, Universidade de Colonia



Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A.(Ed.).“Balle di Scienza: Pisa e Brasil na História do Direito e das Ciências“
. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 159/7 (2016:01). http://revista.brasil-europa.eu/159/Pisa_e_Brasil.html


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Pisa, 2015. Fotos A.A.Bispo ©Arquivo A.B.E.