Achille Arnaud "Napolitano" (1832-1894)

ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 160

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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N° 160/4 (2016:2)





Achille Arnaud "Napolitano" (1832-1894) e
Gennaro Arnaud (?-1884)
nostalgia de Margellina e Posilipo em serenatas para piano
e canções napolitanas no Brasil

Ciclo de estudos em Nápoles
pelos 125 anos de falecimento de Dona Teresa Cristina de Bourbon-Duas Sicílias, Imperatriz do Brasil (1822-1889)


 

Entre as grandes personalidades que estabeleceram estreitos elos entre a tradição musical de Nápoles e o Brasil salientam-se o pianista e compositor Achille Arnaud e o seu irmão Gennaro Arnaud (?-1884).


Os conhecimentos a respeito de suas atividades como artistas, compositores e no ensino ainda se encontram em estágio insatisfatório, não correspondente à atenção que merecem.


Referências a seus nomes em publicações e enciclopédias reproduzem de forma sumária dados fornecidos pela Storia della Musica nel Brasile de Vincenzo Cernicchiaro (Milano: Fratelli Riccioni 1926, 321/322).


Este autor - profundo conhecedor como protagonista da vida musical brasileira, em particular ítalo-brasileira - dedica a Achille Arnaud um texto significativamente extenso e com muitas informações, que ultrapassa em dimensões aqueles dedicados a outros nomes.


Algumas de suas referências negativas, feitas de passagem, e que tratam de uma pouca profundidade de conhecimentos pianísticos e de qualidade da obra criadora dos irmãos Arnaud, podem ser explicáveis por algum ressentimento entre compatriotas, possivelmente de natureza política. Esses comentários contribuiram, porém, a que outros autores subestimassem o significado dessas personalidades na vida musical do Brasil do século XIX.


Napoles. Foto A.A.Bispo 2014. Copyright ABE

Formação no Conservatorio di San Pietro a Majella


Tanto Achile como Gennaro Arnaud gozaram de uma sólida formação, obtida na mais importante instituição musical de Nápoles e uma das mais renovadas da Itália e mesmo da Europa: o Conservatório San Pietro a Majella.


Este fato chama atenção, pois se trata de uma instituição de grande tradição e alto significado para o antigo Reino de Nápoles e Duas Sicílias, de grande projeção para o ensino musical e para a musicologia, ainda na atualidade, uma ve que abriga uma das mais valiosas bibliotecas especializadas e um dos mais importantes museus de instrumentos musicais da Europa.


Inserindo-se na tradição dos conservatórios italianos remontantes ao século XVI, esse estabelecimento foi fundado como Real Collegio di Musica em 1808. Apoiado posteriormente por Francesco I Gennaro, rei das duas Sicílias (1777-1830), foi instalado em 1826 em edifício de antigo convento ao lado da igreja de San Pietro a Majella, passando a ser conhecido sob a denominação de Conservatorio di Musica di San Pietro a Majella. (Francesco Florimo, La scuola musicale di Napoli e i suoi conservatorii. Con uno sguardo sulla storia della musica in Italia. Napoli: Morano, 1880–1882, reimpresso em Bologna: Forni, 1969).


O fato do conservatório ter a sua história marcada pelo nome de Francesco I adquire particular significado para o Brasil e abre perspectivas para a compreensão do contexto político cultural em que se inscreveu a vinda dos músicos Arnaud para o país, da simpatia que foram alvo por parte da família imperial brasileira e do papel influente que desempenharam em círculos mais altos da sociedade brasileira.


Relações dos protetores do Conservatório com o Brasil e Achile Arnaud


Francesco I, filho de Fernando I di Borbone, rei de Nápoles-Sicilia e da sua primeira esposa Maria Carolina (1752-1814), Arquiduquesa da Áustria, - que entrou na história pela sua resistência contra as ações napoleônicas -, era casado em segundas núpcias com Maria Isabel da Espanha (1789-1848), sendo pai, entre os seus muitos filhos, também de Dona Teresa Cristina (1822-1889), a Imperatriz do Brasil.


Já essas menções permitem reconhecer um complexo panorama político-cultural marcado pela restauração dos Bourbons - e assim ibérica - a partir de 1815, com uma política de superação de medidas da época bonapartista do Regno di Napoli e da breve "República Partenopéia". Essa situação política foi marcada por tensões entre círculos de intelectuais, da aristocracia e do clero que almejavam reformas mais profundas da sociedade e as forças restaurativas de um sistema de intenções iluministas mas de centralização do poder.


A transferência ao Brasil dos irmãos Arnaud, formados em instituição de significado para a política real, voltada a benfeitorias e a progressos a partir "de cima", relaciona-se assim estreitamente com o estreitamento de vínculos entre Nápoles e as Sicílias com o Brasil através do casamento de Dona Teresa Cristina e Dom Pedro II, assim como a sua vinda e de sua comitiva para o Rio de Janeiro.


É essa inscrição dos Arnauds no contexto político da época que torna compreensível as posições que logo alcançaram e a influência que exerceram na sociedade do Rio de Janeiro.


Achile Arnaud, formado nesse conservatório de tão alto significado para a política cultural do reino, integrou-se em círculos influentes das artes de Nápoles, em particular daqueles do Teatro San Carlo, centro de primeira grandeza da música da Côrte.


Napoles. Foto A.A.Bispo 2014. Copyright ABE

Achile Arnaud pai, gravador de medalhas e a epidemia de cólera de Nápoles


Uma questão que foi levantada desde o início do programa de estudos euro-.brasileiros em meados da década de 70 disse respeito ao contexto familiar de origem de Achile Arnaud e de seu irmão. Parecia pouco provável que esses músicos, que granjearam apreço e alcançaram renome em círculos mais altos da cultura e da sociedade de Nápoles não tivessem sido favorecidos pela sua situação familiar.


As atenções dirigiram-se aqui a seu pai, homônimo, casado com Maddalena Sarnelli, sobrenome conhecido de importantes pintores napolitanos. Supôs-se, assim que o pai de Achile Arnaud Filho foi aquele que entrou na história cultural de Nápoles como um de seus mais eminentes artistas gravadores, especializado na arte medalhística. Explica-se em geral esse empenho do govêrno borbônico na incisão de alto nível artistico de moedas pelo intuito de superar as falsificações de moedas napolitanas.


O desenvolvimento das artes decorativas na Sicília na primeira metade do século XIX deveu-se ao apoio de Ferdinando II que costumava recompensar artistas com medalhas de ouro e prata por ocasião de mostras realizadas pelo Reale Istituto d'Incoraggiamento di Arti e Manifatture, entidade fundada em 1831 segundo o modêlo de Nápoles. Com as medalhas, procurava-se promover indiretamente a agricultura, o comércio e a manifatura. Neste sentido, a família Arnaud inscrevia-se em programa de incentivo econômico e de artes, correspondente ou precedente àquele das exposições que marcariam a história cultural posterior da Itália.


Entre as medalhas do importante patrimônio medalhístico napolitano que apresentam o nome de A. Arnaud, duas, de bronze, de 1830,  testemunham o seu trabalho conjunto com outros artistas de renome: F. D'Andrea e F. Rega D. Uma delas apresenta o rei em hábito militar com a cabeça altiva e figuras alegóricas do Pastoreio e da Agricultura a seus pés.


Em publicações da época, em particular aquelas que registram os efeitos da epidemia de cólera em Nápoles, surge o nome de Achile Arnaud como uma das mais eminentes vítimas ds epidemia.


Este artista renomado, falecido a 20 de julho de 1839, encontra-se sepultado no Camposanto de' Colerosi, levantado em 1836. Foi pai de Luigi Arnaud, eminente incisor de moedas. (Gennaro Aspreno Galante, Guida sacra della città di Napoli, Napoli: Fibreno 1872, 432). A sua monumental tumba, com epigrafe, foi considerada, no século XIX, como alvo digno de ser visitada por viajantes que visitavam Nápoles:


Ad Achille Arnaud/Napolitano/Raro d'Ingegno Mirabile di Virtù/Il quale mentre nell'arte d'intagliar le medaglie/a se ed alla Patria/procacciava nobile fama/percosso dal nuovo morbo indiano/nel di XX Luglio MDCCCXXXVII", (Giovanni Battista Chiarini, Notizie del Bello dell'Antico e del Curioso della Città di Napoli raccolte dal Can.o Carlo Celana divise dall'Autore in dieci giornate per guida e comodo de' viaggiatori, V, Napoli: Chiurazzi 1870, cit. 62)


Se as pesquisas genealógicas que continuam a se desenvolver comprovarem essa filiação, então o músico e professor que atuou no Brasil, nascido em 1832, ficou cedo órfão de pai, o que também vem de encontro ao fato de, em antiga tradição italiana, ter sido confiado ao Conservatorio. Explicar-se-ia, assim, um ímpeto de afirmação social que se manifestaria na sua atuação no Brasil.



Jovem pianista promissor e o papel de Adelaide Borghi-Mammo (1829-1901)


Na sua juventude, A. Arnaud foi um dos talentos promissores da cidade e do reino, entrando na história o seu concerto de debut em 1853 no Teatro San Carlo. Nesta apresentação, como de uso na época, tomaram parte artistas de renome da instituição, o que testemunha o reconhecimento de seus méritos pelos círculos de destaque das artes e da política do reino.


Entre os artistas de influência politica que apoiaram o jovem Arnaud pode-se salientar a cantora Adelaide Borghi-Mammo, mezzo-soprano altamente prestigiada na sociedade local e que alcançou renome internacional.


Essa artista entrou na história lírica pelos seus papéis em diferentes óperas, entre elas na então muito apreciada obra Giuramento, de Saverio Mercadante (1795-1870), principal personalidade da vida musical de Nápoles e que também foi apresentada no Rio de Janeiro.


Adelaide Borghi-Mammo merece ser considerada nos seus elos com a esfera político-cultural do reino borbônico que vinculava esferas da Itália à península ibérica, uma vez que era casada com o tenor espanhol Michele Mammo, residente em Malta.


Não só esse elos pessoais com a sociedade hispano-itálica devem ser considerados, mas também aqueles com o mundo artístico da Áustria, potência estreitamente vinculada com o regime do reino napolitano-siciliano.


Assim no ano do concerto inaugural de Achile Arnaud, Adelaide Borghi-Mammo apresentou-se em Viena e, a seguir, em Paris. Na capital francesa, atuou durante dois anos a partir de 1854 no Teatro degli Italiani e, a seguir, até 1860, na Opera. Foi Adelaide Borghi-Mammo pelo que tudo indica a principal mediadora da ida de Achile Arnaud a Paris, onde este se apresentou com sucesso ao público internacional.


Achile Arnaud inseriu-se, assim, em esfera artística e político-cultural que não só era aquela íbero-itálica, mas também a que se orientava segundo Viena e o universo italiano da capital francesa.


Gaetano Ferri (1818-1881) o Nabucco e a vida lírica na Espanha


Outro cantor que participou do concerto inaugural de Achile Arnaud demonstra na sua carreira os estreitos elos da vida musical napolitana com a esfera ibérica: o baixo/ barítono Gaetano Ferri. O seu renome internacional era devido sobretudo à sua atuação na apresentação do Nabucco e G. Verdi no La Scala de Milão, em 1842. Também em ópera de Verdi apresentara-se pela primeira vez no teatro do Liceu, em Barcelona, em 1847, retornando posteriormente, tendo alcançado renome na Espanha também através de apresentações em Madrid.


Gaetano Fraschini (1816-1887) o "Fausto" do "Il Vascello de Gama"


Ao lado da cantora Adelaide Borghi-Mammo, merece ser salientada a participação de um dos mais celebrados tenores do Teatro San Carlo de meados do século XIX no concerto inaugural de Achile Arnaud: Gaetano Fraschini.


Naquele ano de 1853, este tenor completava uma permanência de muitos anos naquele centro lírico, onde alcançara os seus maiores êxitos. Entre êles, incluia-se o seu papel na ópera de Saverio Mercadante dedicada à epopéia de Vasco da Gama, levada a 6 de março de 1845 em Nápoles e, em anos seguintes, também no Rio de Janeiro.


Foi um cantor que se distinguiu também pelas suas atuações em obras de Giovanni Pacini (1796-1867), algumas delas relacionadas temáticamente com Nápoles e o Mediterrâneo em geral (La stella di Napoli, La regina di Cipro), assim como em principais óperas de G. Donizetti (1797-1848) e G. Verdi (1813-1901). Giovanni Pacini foi autor de uma Cantata Sacra dedicada aos imperadores do Brasil e cantada em português no Rio de Janeiro.


Gaetano Braga (1829-1907) - o autor da "Serenata de Braga"


Dentre os instrumentistas que colaboraram na promoção de Achile Arnaud em Nápoles. aquele que se tornou mais conhecido internacionalmente foi Gaetano Braga, autor da serenata que ficou designada pelo seu nome. Esse compositor e celista traz à lembrança que não só a arte lírica, mas sim e sobretudo a música instrumental, solista e de câmara alcançou alto nível de excelência em Nápoles. Gaetano Braga estudara no Conservatório napolitano, entre outros, com Saverio Mercadante, também este instrumentista e compositor de obras instrumentais, apesar de ter adquirido renome à época sobretudo pelas suas óperas.


Apresentando-se conjuntamente, Achiles Arnaud surge assim ao lado de um dos mais renomados violoncelistas da Europa do século XIX, o que permite reconhecer o nível e o apreço já alcançado pelo jovem músico.


Achile Arnaud em Paris em 1853 - Sophie Cruvelli (1826-1907)


Logo após a sua apresentação inaugural no Teatro San Carlo, o jovem pianista procurou dar início à sua carreira internacional através de um concerto na Salle Pleyel, realizado no dia 13 de abril de 1853. Também este concerto foi, segundo uso da época, marcado por programa diversificado, contando com a colaboração de outros artistas. Se em Nápoles foram cantores e instrumentistas do teatro real, em Paris contribuiram à projeção do promissor pianista napolitano artistas do Teatro degli Italiani, pelo que tudo indica através da mediação de Adelaide Borghi-Mammo.


A participação da cantora Sophie Cruvelli nessa apresentação de Achile Arnaud na Salle Pleyel indica porém o contexto mais amplo em que se inscreveu o pianista napolitano.


Cruvelli era de origem alemã (Sophie Johanne Charlotte Crüwell), assim como a sua irmã Marie Crüwell/Maria Cruvelli, tendo nascida em Bielefeld e se formado com Louis Spohr (1784-1859) em Kassel, aperfeiçoando-se a seguir com cantores italianos em Paris e em Milão.


Tratou-se, assim, quanto ao meio em que se inscreveu Arnaud, não apenas de artistas italianos que viviam em Paris na esfera do Teatro degli Italiani, mas também de alemães relacionados com o meio operístico profissional de Paris com a sua predominância italiana, dominado sobretudo por Giaccomo Meyerbeer - Jakob Liebmann Meyer Beer (1791-1864).


Assim como Mercadante, também Meyerbeer interessava-se pela epopéia de Vasco da Gama, o que levou á sua internacionalmente famosa L'Africaine.


Achile Arnaud no Rio de Janeiro - "O Napolitano"


Mais do que intentos de desenvolvimento de uma carreira internacional como virtuose, pode-se supor que foi sobretudo a procura de centros onde se pudesse estabelecer, viver e atuar profissionalmente que tenha levado Achile Arnaud para o Exterior.


Apesar da sua grande tradição como centro de vida operística e musical, Nápoles oferecia poucas possibilidades para um futuro professional do pianista, uma vez que ali viviam e atuavam artistas em número superior às possibilidades de sobrevivência em sociedade marcada por graves problemas sociais e assolada por calamidades naturais, terremotos e epidemias.


É significativo, porém, que Achile Arnaud nunca se tenha compreendido como músico cosmopolita - ou mais tarde brasileiro - mas que tenha mantido sempre a consciência de ser napolitano, designando-se mesmo em obras editadas muito posteriormente no Brasil como Achile Arnaud "Napolitano".


Chegando ao Rio de Janeiro, Achile Arnaud pôde contar com a benevolência e mesmo proteção da Imperatriz. O seu concerto inaugural deu-se no Teatro Provisório, no dia 27 de maio de 1855, na presença da família imperial. Nesse concerto, Achile Arnaud apresentou-se como pianista e compositor, executando uma fantasia sobre La Sonnambula de Vincenzo Bellini (1801-1835), como êle um ex-aluno do Conservatorio di San Pietro a Majella, dedicando-a a Dom Pedro II.


A seguir, Achile Arnaud ofereceu composições dedicadas à Imperatriz e a seu irmão, Leopoldo Benjamino di Borbone-Sicilie (1813-1860), conde de Siracusa.


À Imperatriz, dedicou uma peça designada como Souvenir de Rio de Janeiro, o que poderia ser entendido como indicativo de que, de início, não pretendera fixar residência no país. Ao conde de Siracusa, ofereceu uma mazurca de concerto: Adelina.


O irmão de Dona Teresa Cristina era aquele que representara Dom Pedro II no seu casamento por procuração em Nápoles, em 1843. O fato de dedicar-lhe uma peça ligeira, de título feminino, poderia sugerir insinuações por parte do pianista à personalidade e à vida do conde, conhecido por suas tendências liberais e de menos rigor na atenção a convenções sociais. Ponto alto da demonstração de suas aptidões deu-se com a execução de uma grande fantasia de sua composição sobre o Il Trovatore de G. Verdi.


A aptidão virtuosística de Achile Arnaud foi confirmada pelo fato de ter-se apresentado, a 14 de dezembro de 1855, juntamente com o pianista Sigismund Thalberg (1812-1871) na execução de uma obra por este composta. (Ayres de Andrade, Francisco Manuel da Silva e seu tempo II, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro 1967,138).


A integração de Achile Arnaud na vida musical e de ensino do Rio de Janeiro


O concerto de 1855 no Rio de Janeiro com a presença da família imperial e os preitos de homenagem oferecidos pelo pianista representou uma significativa introdução de Achile Arnaud aos círculos sociais mais altos e influentes da capital do Império. Assegurou-se, assim, que sobretudo filhas de famílias influentes fossem logo a êle confiadas para o aprendizado do piano. Em poucos anos, Achile Arnaud reuniu ao redor de si um grande número de alunos, em particular de alunas, tornando-se um dos mais procurados professores do instrumento no Rio de Janeiro.


O papel por êle desempenhado na formação feminina no Brasil, ainda que pouco lembrado, não pode ser assim menosprezado. O grande número de suas alunas o revelam como um dos principais motores da sempre lembrada pionolatria das mulheres brasileiras, em particular cariocas. Essa radicação no país foi favorecida pelo fato de casar-se com uma de suas alunas brasileiras, de família bem situada, Flora de Carvalho, tendo quatro filhas: Flora, Magdalena, Alice, Dioguinda.


Já poucos anos após a sua introdução no meio, Achile Arnaud estava em condições de, com os seus discípulos, preparar um grande concerto beneficiente a favor da família do falecido Francisco Manuel da Silva (1795-1865), o principal vulto da música da capital do Império,o autor do Hino Nacional.


Este concerto teve lugar na sala do Club Fluminense, no dia 1 de dezembro de 1871, ou seja, às vésperas do dia de celebração do aniversário do Imperador, então dos maiores dias festivos da nação. Os nomes dos seus discípulos que participaram desse concerto são conhecidos através do registro na Storia de Vincenzo Cernicchiaro. (loc.cit.)


Neles se encontram, além daquele de Flora Arnaud, os de filhas da família Dias Braga, Antonia, Anna, Emilia, dos Fonseca, Francisca e sua filha, dos Souza Pinto, Jeronima e Maria Eugênia, dos Carneiro - Amélia e Laura - , da Silva Guimarães - Julia e Maria, dos Maximo Pereira - Luiza e Claudina, dos Scharp - Maria -, além de Emma Murat, Enriqueta Gonçalves da Silva, Manuela Bessa, Maria Azevedo Castro, Maria Carneiro da Rocha, Constança Fialho, e, sobretudo Francisca de Sá Brito. Dentre todas as discípulos de Achile Arnaud, foi esta última que mais se salientou como professora de piano segundo o testemunho de V. Cernicchiaro.


Gennaro Arnaud e Benianino Carelli (1833-1921) em San Pietro a Majella


As oportunidades que se abriam a Achiles Arnaud no Rio de Janeiro - e que não podiam ser comparadas com aquelas praticamente não-existentes em Nápoles, levaram a que também se transferisse ao Brasil o seu irmão, Gennaro Arnaud.


Também formado no Conservatorio di San Pietro a Majella, Gennaro Arnaud possuia igualmente sóilida preparação, não se projetou porém como celebrado pianista como o se irmão. Dedicou-se sobretudo ao ensino, adquirindo considerável reputação como professor, exercendo também a composição, em particular para canto e piano.


V. Cernicchiaro testemunha o sucesso de uma canzonetta que, em 1881, Gennaro Arnaud teria dedicado a Celestina Carelli. Com essa peça, Gennaro Arnaud lembrava Benianino Carelli (1833-1921), um dos mais celebrados e influentes professores de canto do Conservatorio di San Pietro a Majella, onde estudara. Benianino Carelli era o pai de Emma Carelli (1877-1928), cantora de renome internacional que posteriormente desempenhou importante papel na história lírica da América do Sul. (Veja) O nome de Gennaro Arnaud não pode ser assim esquecido na história da canção napolitana no Brasil ou da influência napoilitana na música brasileira para canto.


Achile Arnaud no Club Beethoven do Rio de Janeiro


A atividade de ensino de Achile Arnaud desenvolveu-se posteriormente sobretudo no como professor da academia de música do Club Beethoven, entidade fundada por Robert J. Kinsman Benjamin (1853-1927), músico de sóilida formação européia, tendo estudado em Colonia.


É significativo que Achile Arnaud tenha sido também procurado por famílias de língua alemã, como foi o caso de Heinrich Schütel. V. Cernicchiaro registra também aqui nomes de seus muitos alunos, entre êles alguns poucos nomes masculinos. Também aqui constata-se a atividade pianística de outros membros da sua família, como a de Achilina de Carvalho Arnaud.


Entre outros discípulos, Arnaud foi professor de  Emilia e Matilde Canizares, Julia Cesar Rodrigues Pinheiro, Elvira Ferreira Gomes de Mattos, Margarida Gomes de Mattos, Elvira Cesar Rodrigues Pinheiro, Quirino C. de Oliveira, Arturo Carneiro,  Josephina de Castro, Luiza A. S. Pereira, Isabel de Oliveira, Farailde de Sá, Julieta de A. Pinheiro, Evangelina Pereira, Eugenia Lolier, José C. de Brito, Maria C. Lyrlo, Alice Fernandes, Orminda Lima, Alice Emilia Proena, Maria da C. Godfroy, Augusta e Alzira Geraldot, Rosa Elvira de Figueira e Texeira, Joanna d'Assumpção, Dominga Rosa Cordovil da Silva, Galdina Paganini, Maria da Conceição Lyrio e outras.


A posição social de Achile Arnaud e o reconhecimento de sua capacidade como professor de piano nos círculos mais elevados do Império manifestam-se nas comendas honoríficas que recebeu, entre elas a da Ordem da Rosa. Particularmente significativa é o fato de ter sido honrado com a comenda espanhola da Real Orden de Isabel la Católica. A Espanha reconhecia, assim, o mérito de Achile Arnaud a favor das relações entre o mundo ibérico e o americano, a sua lealdade e o papel que desempenhou em meio cultural brasileiro profundamente marcado por elos dinásticos com os Borbones.


Desenvolvimento dos estudos


A pesquisa voltada a Achile Arnaud teve o seu ínicio no âmbito do programa Musicologia Paulista em meados da década de sessenta do século XX e que levou à criação do Centro de Pesquisas em Musicologia da Sociedade Nova Difusão, em 1968, o primeiro do gênero no Brasil. No decorrer dos trabalho, levantou-se a composição "Paulicéia" de Achile Arnaud (1890), publicada no Rio de Janeiro (Viuva Fillipone e F, 1868), e que surgia como significativa no conjunto de obras relacionadas com a cidade e o Estado de São Paulo que então se levantava.


Essa composição, oferecida à sua esposa Flora de Carvalho Arnaud , levantou questões referentes aos elos de Achile Arnaud com o meio paulista e a sua influência na formação musical de paulistas.


Composições de Arnaud, para piano e piano a quatro mãos, foram apresentadas em recitais da sociedade na sua sede em conservatório de São Paulo em 1971, entre elas o seu Noturno N° 5 (1890) e a Valsa para piano a quatro mãos oferecida para Alfonsina e Beatriz Carvalho Lima. Do compositor levantou-se, entre outras, obras a quatro mãos publicadas pela casa Arthur Napoleão, como a Marche de Croisés (de Jerusalém) e o Piccolo Pezzo Brilhante.


Com o início dos trabalhos na Europa, os estudos relacionados com Achile Arnaud sob a perspectiva de processos histórico-culturais em que se inscreveu tiveram continuidade em instituições alemãs e italianas, em particular no Instituto de Musicologia da Universidade de Colonia. Foi considerado, em particular, no âmbito da publicação da obra "Culturas Musicais da América Latina", de 1975 a 1979. Significado especial adquiriram relações com o musicólogo italiano Dinko Fabris, cujo interesse pelo Brasil manifestou-se já à época da fundação da Sociedade Brasileira de Musicologia, em 1981. Sob o ponto de vista dos estudos imagológicos na musicologia de orientação cultural, esse musicólogo destacou-se pelo seu estudo relativo a Nápoles como cidade da sereia. ("La città della Sirena. Le origini del mito musicale di Napoli nell'età spagnola", M. Bosse & A. Stoll (Ed.), Napoli viceregno spagnolo: uzna capitale della cultura alle origini dell'Europa moderna (Sec. XVI-XVII), Internationales Kolloquium am Zentrum für Interdisziplinäre Forschung Bielefeld, Napoles: Vivarium/Kassel: Reichenberger, 2001, II, 473-501).


Achile Arnaud foi considerado em viagens de estudos a Nápoles em diferentes ocasiões e em seminários e cursos universitários, em particular naqueles dedicados à Música no Encontro de Culturas (1997-2002) e à História da Música em Contextos Globais (2002/3) nas universidades de Colonia e Bonn. Em programa de estudos e concertos dedicado à canção brasileira em contextos internacionais quando da fundação do Centro de Estudos da A.B.E. em Colonia, em 1997/8 sob o patrocínio da Embaixada do Brasil na Alemanha e em colaboração com o cantor brasileiro Henrique Siefert (Colmar,França), tematizou-se a questão de elos entre o canto napolitano e a canção brasileira. Esses estudos foram retomados em Nápoles, em 2014, quando também realizaram-se estudos da prática viva popular de canto naquela cidade.




A identidade napolitana de Achile Arnaud: o cantor de Margellina e Posilipo


Uma das questões que foram tratadas nos estudos relativos a Achile Arnaud foi o da manutenção ou mesmo intensificação de sua identidade napolitana apesar de ter vivido e intensamente atuado no Brasil.


Essa consciência do ser napolitano manifestou-se não apenas no fato de sempre incluir no seu nome a designação de sua origem. Manifestou-se também na sua própria criação musical, na escolha de determinados gêneros, no tratamento melódico e mesmo nos motivos tratados.


As suas obras respectivamente de opus 51 e 52, de 1884, refletem a sua nostalgia de paisagens napolitanas: a Terza serenata di Posilipo e a Terza serenata di Mergellina.



Com essas menções, Achile Arnaud vinha de encontro não apenas às suas lembranças, mas também à imagem romântica de Nápoles que foi decantada no mundo, em particular também no Rio de Janeiro, cidade então comparada na beleza de sua baía com aquela de Nápoles.


Com a lembrança de Mergellina, Achile Arnaud referia-se ao bairro costeiro do Golfo napolitano de Chiaia entre Sermoneta e la Torreta, às margens do rio de Chiaia, então bairro de pescadores com um pequeno porto. Com Posilippo, Achile Arnaud trazia à lembrança de novo essa poética paisagem através da colina ali se levanta. Tratou-se, assim, de impulsos românticos e sentimentais de um passado já encerrado em Nápoles manifestados em música no Brasil. A obra foi dedicada a Aurélia C. de Vasconcelos, por êle designada como sua melhor aluna.


Tendo-se conhecimento do papel desempenhado pelo autor da famosa "Serenata de Braga" na juventude de A. Arnaud, reconhece-se o significado da tradição das serenatas napolitanas na obra do compositor no Brasil e o seu significado para o estudo do gênero em contextos mais amplos.




Súmula de trabalhos da A.B.E.e do I.S.M.P.S. sob a direção de

Antonio Alexandre Bispo, Universidade de Colonia



Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A.(Ed.).“Achille Arnaud "Napolitano" (1832-1894) e Gennaro Arnaud (?-1884): nostalgia de Margellina e Posilipo em serenatas para pianoe canções napolitanas no Brasil“
.Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 160/4 (2016:02). http://revista.brasil-europa.eu/160/Achille_Arnaud.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2016 by ISMPS e.V.
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Academia Brasil-Europa
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Nápoles. Fotos A.A.Bispo 2014 ©Arquivo A.B.E.