Lucca - cidade da música - e Brasil

ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 160

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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N° 160/5 (2016:2)



Harmonia celestial no Brasil (1851)
Gioacchino Giannini (1817-1860) e a tradição teórica e musical de Lucca
A "cidade da música" entre L. Boccherini (1743-1805) e G. Puccini (1858-1924):
a época de Giovanni Pacini (1796-1867)



 
Lucca. Foto A.A.Bispo 2014. Copyright ABE

Em recente viagem a Lucca promovida pela A.B.E., procedeu-se a estudos de elos com o Brasil entre essa cidade da Toscana no vale do Serchio, não distante de Pisa e do litoral.

Não foi a primeira vez que a cidade foi visitada e que ali foram desenvolvidos estudos, uma vez que é um dos principais centros de maior relevância histórica e histórico-artística e musical dessa região italiana.

Retomando-se estudos de Pisa e de Florença (Veja), surgiu como conveniente voltar-se a considerar alguns aspectos relativos a personalidades e contextos histórico-musicais que unem Lucca ao Brasil, uma vez que é uma cidade que se distingue - para além de sua arquitetura - particularmente como sendo uma cidade da música.

Lucca. Foto A.A.Bispo 2014. Copyright ABE

Este renome é devido em primeiro lugar ao fato de ser Lucca a cidade natal e G. Puccini , fato considerado pela UNESCO, que a distinguiu nesse sentido no rol de outras cidades de nascimento de grandes compositores italianos.

Com a constante presença de G. Puccini na vida musical, em exposições, em monumentos, na sua casa natal e sítios históricos do território relacionados com a sua vida, assim como através da ação de fundação pucciniana e de institutos voltados à sua obra, Puccini tende a absorver as atenções, o que traz o risco de reduzir o horizonte dos estudos, concentrando-os à época de sua atuação e, no caso do Brasil, à recepção de sua obra.

Compreende-se, assim, a constante preocupação em salientar-se que Puccini e a sua obra não pode ser estudada sem a consideração de sua tradição familiar e de uma vida musical de Lucca que foi de surpreendente intensidade.

São esses pressupostos e o contexto de sua formação que possibilitam uma aproximação ao compositor e à sua obra nas suas inserções em processos culturais.

É uma visão não retrospectiva ou anacrônica de desenvolvimentos músico-culturais de Lucca que possibilita também uma aproximação adequado aos elos entre Lucca e o Brasil. Essas relações, muito mais antigas, precederam e possibilitaram a recepção da obra de G. Puccini no Brasil. São a elas que as atenções devem ser assim primordialmente dirigidas.

Lucca. Foto A.A.Bispo 2014. Copyright ABE

Revalorização do passado musical mais remoto: F. S. Geminiani (1687-1762)

Os esforços de revalorização do passado musical mais remoto de Lucca, recuperando-se a profundidade histórica necessária para a consideração adequada do extraordinário significado da música nessa cidade da Toscana, manifestaram-se recentemente por ocasião da passagem dos 250 anos de morte de Francesco Saverio Geminiani, compositor e violinista nascido em Lucca e falecido em Dublin.

Discípulo, entre outros, do siciliano Alessandro Scarlatti (1660-1725), personalidade de liderança em Nápoles, foi primeiro violinista do Teatro dei Fiorentini em Nápoles, em 1706/7, passando a substituir até 1709 o seu pai na Cappella Palatina em Lucca.

Por ocasião dessas comemorações, a tradição violínistica, a obra e a irradiação internacional de Geminiani foram consideradas em conferências e em concertos. Em praça central de Lucca, decerrou-se uma placa comemorativa ao compositor.

Lucca. Foto A.A.Bispo 2014. Copyright ABE

Lucca e o mundo ibérico - Luigi Boccherini (1743-1805) e o fandango

Lucca. Foto A.A.Bispo 2014. Copyright ABE
Lucca não é assim apenas cidade musical como terra natal de G. Puccini como cidade de nascimento e de atuação de grandes vultos da história da música do passado mais remoto que possibilita a consideração de contextos mais estreitamente relacionados com o mundo mediterrâneo nos seus elos ítalo-béricos.

Entre êles, salienta-se Luigi Boccherini (1743-1805), cujos restos mortais se encontram na igreja local de S. Francesco e que hoje é celebrado em Lucca quase que à altura de G. Puccini.

O seu vulto é relembrado por estátua de bronze que representa o compositor como violoncelista na Piazza del Suffragio, levantado em 2008. A cidade sedia também o Istituto Musicale Luigi Boccherini - G. Pacini - e um Centro Studi Luigi Boccherini, criado em 2005. Para além do periódico Boccherini Studies, m dos principais empreendimentos relativos a Boccherini é a edição completa da sua obra. Esse Centro foi precedido pela constituição da Associación Luigi Boccherini em Madrid, em 2003.

O conservatório ou Istituto Superiore di Studi Musicali Luigi Boccherini remonta a empenho do compositor de nascença siciliana Giovanni Pacini (1796-1867), constituindo a principal instituição de ensino musical da cidade, com sala de concertos na igreja do Suffragio, construção de 1634, restaurada em 2003, e que abriga, entre outros, o festival "Boccherini Open".

A vida de Luigi Boccherini surge como exemplo das relações interno-européias, adquirindo a sua obra significado paneuropeu. Formado e tendo atuado na Itália e em Viena (1743-67), em Paris (1767/68) - cidade de impressão de suas obras -, na Espanha (1768-1805), esteve a serviço do príncipe e rei da Prússia (1744-1797).Vivendo em época de grandes transformações, marcada pela Revolução e o Império napoleônico, o estudo de sua vida exige a consideração de processos históricos e mudanças político-culturais.

No Brasil, o nome de Boccherini foi no passado lembrado sobretudo pelo seu Minueto do quinteto op. 11 Nr. 5. Foi e é altamente difundido e conhecido, tendo sido alvo de edições revistas e facilitadas por autores brasileiros. Marcou a concepção do minueto e inspirou composições de minuetos por autores acadêmicos e voltados ao ensino, tais como Souza Lima, J. Baptista Julião e M. de L. Campelo Ribeiro. Já esse fato justificaria uma consideração de Boccherini nos estudos musicais de orientação cultural no Brasil.

A relevância de sua obra é, porém, mais abrangente. As interações estilísticas que podem ser constatadas nas suas composições abrem novas perspectivas para estudos da recepção musical e para a análise de obras de fins do século XVIII e início do XIX no Brasil. A sua consideração contribui a uma visão mais diferenciada de uma linguagem musical que tem sido muitas vezes de forma pouco diferenciada considerada apenas nos seus elos com a Escola de Mannheim e com a cultura musical orientada segundo a „escola napolitana“.

Já a existência de centros de estudos Luigi Boccherini em Lucca e em Madrid indicam a atenção que hoje adquirem o compositor e a sua obra tanto na Itália como na Espanha. Esses estudos, porém, não podem restringir-se ao compositor, mas sim voltarem-se ao contexto mais amplo das intensas relações mediterrâneas ítalo-ibéricas.

Uma atenção especial no âmbito de intuitos voltados á superação de limites disciplinares entre a musicologia histórica e a empírica da etnomusicologia/folclore musical é o fato de Boccherini ter considerado elementos da música popular ibérica na sua obra, destacando-se aqui o Fandango no quinteto de cordas op. 40 Nr. 2, o quinteto de guitarras e o quinteto op. 30 Nr. 6  com referências a serenatas nas ruas de Madrid.

O minueto do quinteto de cordas op. 50 Nr. 5, composto à moda da seguidilha espanhola, indica as relações entre danças de diferentes contextos sociais e a superação de esferas do erudito e do popular nas suas diferentes matizes.

O fandango em Boccherini surgiu aqui já no inicio do programa de estudos euro-brasileiros de 1974 como de significado para uma pesquisa mais aprofundada, interdisciplinar do fandango e à qual podem contribuir os estudos das diferentes formas e usos do termo no Brasil.

A tradição do termo no Brasil indica que o fandango não apenas se refere específicamente à dança - como no Sul do país - mas também se insere em contexto mais complexo de expressões festivas - como no Nordeste - e cujos sentidos e inserções no ciclo do ano vêm sendo objeto de análises.

Reconsideração da vida musical de Lucca na primeira metade do século XIX

Essa revalorização de vultos da história musical de Lucca dos séculos XVII, XVIII e início do século XIX que relativa a atenção por demais concentrada em Puccini, revela uma situação historiográfica singular, também conhecida de outros contextos, inclusive do Brasil.

Justamente uma fase intermediária entre o passado mais remoto e a época do grande compositor que marcou a imagem da cidade não recebe a consideração necessária, sendo sob muitos aspectos um período marcado por lacunas. Várias são as razões que explicam essa situação deficiente, entre elas projeções anacrônicas de posições posteriores do melodrama e, sobretudo, da música sacra, e que fazem com que essas décadas surjam sob o signo da decadência.

Essa visão, que é inadequada e injusta, passa a ser gradualmente superada através de levantamentos de arquivos e estudos específicos de personalidades da vida musical. Esse desenvolvimento é de grande significado para os estudos relacionados com o Brasil, pois diz respeito justamente a processos e situações nos quais o Brasil independente se insere.

Trata-se da época marcada pelo nome de Giovanni Pacini (1796-1867), nascido na Sicília mas de origens familiares na Toscana, renomado compositor de óperas à sua época. Pacini compôs uma Canta Sacra dedicada à família imperial brasileira que, com texto traduzido para o português, foi executada em concerto do Conservatório Imperial de Música do Rio de Janeiro, em 1857 como exemplo das possibilidades do uso da lingua nacional no canto. (Ayres de Andrade, Francisco Manuel da Silva e seu tempo ...I, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro 1967, 268)

O resgate desse passado e o seu estudo diferenciado é que possibilita reconhecer o significado do principal representante da vida musical de Lucca que atuou no Brasil em meados do século XIX e que foi professor de compositores brasileiros de renome e projeção internacional: Gioacchino Giannini, que em 1860, foi nomeado mestre da Capela Imperial.

Gioacchino Giannini (1817-1860) - o mais importante vulto de Lucca no Brasil

Gioacchino Giannini pode ser considerado como uma das mais influentes personalidades da vida musical do Rio de Janeiro de meados do século XIX.

Insuficientemente estudado, a percepção de seu significado e da influência que exerceu no meio brasileiro pressupõe conhecimentos do ambiente em que nasceu e se formou em Lucca. Com a sua mulher Marietta (Baderna) Giannini, originaria de Castell San Giovani Piacensa, Gioacchino, de família conhecida pela sua religiosidade.

Gioacchino Giannini é praticamente desconhecido nos estudos locais de Lucca, fato compreensível pelo fato de ter vivido e falecido no Brasil, uma situação que representa porém uma perda, pois foi um dos músicos ali formados que demonstram a irradiação internacional de Lucca no mundo em meados do século. Os estudos de suas atividades no Brasil podem assim contribuir para suprir essa lacuna, havendo aqui portanto uma situação que exige trabalhos em contextos internacionais para reconstruções históricas recíprocas e análises de processos em que tanto Lucca como o Brasil se inserem.

Ponto de partida para os estudos de Gioacchino Giannini é - como em muitos outros casos - a Storia della Musica nel Brasile de Vincenzo Cernicchiaro (1858-1928).

De dados muito posteriormente divulgados por Ayres de Andrade (op.cit.), sabe-se que Giannini teria vindo com companhia lírica em 1846 (Cernicchiaro dá 1844), que se apresentou no Teatro São Pedro de Alcântara, apresentando-se como regente na primeira representação de Lucrezia Borgia de Donizetti. Permanecendo no Rio, foi regente do espetáculo de inauguração do Teatro Provisório, em 1852, quando apresentou-se pela primeira vez a ópera Macbeth, de G. Verdi. Atuou também como regente quando da estréia de Rosine Stoltz (1815-1903) e de concertos de Sigismund Thalberg (1812-1871), o que testemunha a sua capacidade na prática operística e na regência orquestral. Em 1857, assina a ta de instalacao da Imperial Academia de Música e Opera Nacional como membro do Conselho Artistico.

É significativo que Cernicchiaro trate de Gioacchino Giannini no seu capítulo dedicado a institutos, conservatórios e escolas de música no Brasil. Salienta, assim, o papel de Giannini como professor, como mentor, e é sob esse aspecto e relativamente aos efeitos de seu ensino em discípulos brasileiros que merece ser sobretudo considerado.

Cernicchiaro lembra que Giannini foi uma das personalidades de artistas e músicos de sólida formação que vieram ao Rio de Janeiro entre 1844 e 1854 com renomadas companhias italianas. Teve - como outros - a sua capacidade reconhecida por Francisco Manuel da Silva (1795-1865), empenhado então em reconduzir a arte no Brasil a seu antigo esplendor.

Giannini teria sido assim reconhecido como personalidade capaz de contribuir a essa recuperação de uma situação sentida como decadente da prática e dos estudos musicais.

Essa intenção brasileira tinha também a sua equivalência em esforços em Lucca e em outros centros italianos e que eram conhecidos por Giannini devido à sua formação com personalidades que procuravam similar recuperação.

O mais significativo, porém, é que Francisco Manuel da Silva escolheu Giannini não como professor de música prática para o Conservatório, mas sim de matérias téoricas e teórico-aplicadas, a de harmonia (regras de acompanhar), órgão e contraponto.

Essa nomeação não pode ser compreendida se não fosse de conhecimento a sólida formação teórica de Giannini, a sua excelência no domínio teórico e prático da harmonia e do contraponto, o que tinha a sua expressão na execução prática de acompanhamento, não só na tradição do antigo baixo cifrado.

Neste contexto sugerido por Cernicchiaro, Giannini destacou-se como professor pelos fundamentos teóricos de sua prática musical, muito mais do que como regente e compositor. É uma personalidade, assim que merece particular atenção nos estudos voltados a precedentes históricos da musicologia no Brasil.

Domenico Fanucchi (1795-1862) e o quadro político-cultural da Restauração

Como um dos primeiros professores de Giannini em Lucca, Cernicchiaro menciona Domenico Fanucchi (não confundir com o posterior bispo de mesmo nome). Esse organista, professor, compositor e regente, era conhecido como maestro di musica e cappella em Lucca.

Essa referência indica ter atuado na capela do Seminario, uma das mais tradicionais e importantes instituições musicais de Lucca, atuante nos serviços litúrgicos da Catedral.

Essa capela tinha tido no passado também um repertório em parte profano, tais como os intermedi musicali ou balletti executados no períoro do carnaval. Muitos compositores de Lucca escreveram música sacra para a capela. Vários uniam essas atividades de compositores com a de organistas da catedral e de professores do seminario, entre eles: F. M. Stiava (1707-1717), G. Montuoli (1717-1739), Giacomo Puccini (1739-1772), Antonio Puccini (1772-1731) e Domenico Puccini (1796-1815). Foi um dos professores particulares de música da cidade e, entre outros, professor de Michele Puccini (1813-1864). Giannini teve, assim, similar formação que o pai de G. Puccini.

No ano em que o Brasil fazia a sua independência, em 1822, Fanucchi participara, como cantor, da epocal representação La donna del lago, um melodrama para música representado no Real Teatro del Giglio em Lucca sob a proteção da Infanta da Espanha, Maria Luisa di Borbone (1782-1824), Duquesa de Lucca. Esta tinha recebido o Ducado de Lucca pelo Congresso de Viena como compensação do perdido reino da Etruria criado sob a égide napoleônica.

A menção de Fanucchi no contexto de uma época marcada por absolutismo esclarecido anos que se seguiram à Restauração serve para aguçar a sensibilidade para inserções político-culturais do compositor e do seu aluno Giannini.

É significativo que este tenha escrito uma composição para canto e piano sobre a ode "Il cinque maggio" de Alessandro Manzoni (1785-1873). Essa ode foi escrita ao tomar-se conhecimento em julho de 1821 da morte de Napoleão Bonaparte ocorrida em 5 de maio daquele ano no exílio de Santa Helena.

Essa obra não procurava engrandecer o vulto do falecido, mas sim refletir de forma ético-religiosa e histórica sobre os limites do agir humano e sob os desígnios da Providência Divina. Ao colocar em música esse texto de Manzoni, Giannini, formado em ambiente católico e marcado por convicções cristãs, pode ser visto como também guiado por conjecturas espirituais a respeito de Napoleão e de seu triste fim - o da temporariedade de glórias terrenas.

Esse contexto político-cultural de fundamentação ético-católica em que Giannini se inscreveu deve ser levado em consideração quando se trata do papel que desempenhou no Brasil no movimento a favor do canto lírico em português e no qual se distinguiu com a cantata "Véspera dos Guararapes" (1856) e com a cena lírica "Deixai que as crianças venham ter comigo...".

A batalha dos Guararapes, como conflito da guerra da restauração portuguesa contra a presença holandesa após a restauração da independência de Portugal, em 1640, correspondeu, embora decorrendo séculos antes, a uma situação restaurativa de expulsão do invasor estrangeiro que lembraria a da libertação dos territórios itálicos sob Napoleão na restauração que foi de tanto significado para a história de Lucca.

Marco Santucci (1762-1843) e o interesse atual pela sua obra

Mais do que a menção a Domenico Fanucchi como professor de Giannini, merece particular atenção o nome do Cônego Marco Santucci, com o qual teria passado posteriormente a estudar. É sempre considerado como um músico de Camaiore, por ser ali nascido, mas sabe-se que viveu em Lucca durante muitas décadas.

Marco Santucci, é uma das personalidades da vida musical de Lucca e de sua região que vêm recebendo particular atenção na atualidade. Esse fato é decorrência de um fundo musical com epistolário remontante ao acervo pessoal de Santucci e que foi doada para ser administrada pela Associazione Musicale Marco Santucci di Camaiore.

Um primeiro inventário e catálogo foi realizado por Don Angelo Bevilacqua, levando à gravação de algumas obras sacro-musicais: Messa da Requiem, Te Deum, Messa dell'Assunta.

O acervo, muito volumoso, é rico de indicações quanto a datas e execuções. Muitos documentos dizem respeito à época dos estudos de Santucci em Nápoles. Entre os compositores ali representados, encontram-se manuscritos de Giovan Battista Rinuccini, teórico e compositor sacro, e outros membros de sua família Pietro, Silvio e Marco. No acervo encontras obras de Francesco Gambogi, ativo em San Frediano em Lucca e em Camaiore. Uma primeira apresentação da iniciativa de difusão das obras do acervo deu-se em julho de 2015, em correspondência com a apresentação das atas de jornadas desenvolvidas em 2010 no âmbito de um festival organístico.

Marco Santucci e a tradição de Fedele Fenaroli (1730-1818)

Marco Santucci tinha sido aluno de Fedele Fenaroli, compositor de óperas e música sacra e professor de compositores que alcançaram renome internacional, entre êles Domenico Cimarosa, Nicola Antonio Zingarelli e Saverio Mercadante. Fenaroli destacou-se, na criação sacro-musical sobretudo pelo seu domínio teórico do contraponto. Esse seu conhecimento teórico levou-o a escrever vários tratados utilizados no ensino musical até meados do século, sendo provável que Giannini tenha estudado a partir dos mesmos.

Marco Santucci e o seu tratado teórico

Marco Santucci adquire um extraordinário significado musicológico como autor de tratado publicado em 1828 de título "Sulla melodia sull'armonia e sul metro dissertazioni di Marco Santucci canonico della Metropolitana di Lucca lette in una Società Letteraria dedicate alla studiosa gioventù".

Essa obra, que vem sendo estudada e comentada em cursos e seminários, oferece fundamentais subsídios para o estudo da história do pensamento teórico-musical nos seus elos com processos histórico-culturais. Um de seus capítulos é dedicado à harmonia ou, explicitamente, às regras de acompanhar, ou seja, ao título da cátedra ocupada por G. Giannini no Conservatório Imperial do Rio de Janeiro. Tudo indica, assim, que a própria designação da cátedra tenha sido inspirada pela obra de Santucci.

Através de seus estudos com Fanucchi e Santucci, Giannini inscreveu-se em época da música sacra em Lucca marcada pela coexistência - não sem tensões - entre a música sacra de acompanhamento orquestral e a tradição a cappella, contrapontística e de órgão.

Seria à luz dessa situação em Lucca que a sua obra sacro-musical escrita no Brasil deveria ser analisada. Escrevendo música sacra a duas e três vozes no estilo a cappella, foi um precursor do movimento de restauração litúrgico-musical. Escrevendo uma grande missa a quatro vozes com acompanhamento de orquestral, que segundo Cernicchiaro foi executada na Itália e no Brasil, assim como duas cantatas para a Semana Santa a várias vozes e orquestra, inscreveu-se na tradição marcada ainda pela exuberância de meios expressivos a serviço do esplendor e da magnificência do culto. que seria posteriormente criticada como sendo por demais brilhante ou teatral.

A Harmonia celestial no Brasil, 1851

Significativo para os estudos da irradiação de concepções teóricas e especulativas da música na tradição de Santucci no Brasil é o fato de Giannini ter escrito uma obra denominada de Harmonia celestial no Brasil em 1851, no Rio de Janeiro. Tratava-se de uma representação teatral lírica e alegórica em um só ato para festejar o dia 2 de dezembro, data de aniversário de Dom Pedro II e destinada a ser encenada no Teatro de S. Januário.

Um continuador de Giannini: J. Gomes de Araújo (1846-1943)

Foi com Giannini que João Gomes de Araújo inscreveu-se na tradição sacro-musical italiana nessa dupla orientação. Participou em execuções sacro-musicais, entre elas aquelas brilhantes do outeiro da Gloria com missa a grande orquestra escrita por G. Giannini. Foi com Giannini que João Gomes de Araújo adquiriu a sua proficiência como organista e, em particular, como acompanhaador e improvisador, o que o distinguiria posteriormente em São Paulo. Na história da improvisação ao órgão no Brasil, esta prática que remontou à tradição italiana representada por Giannini no Conservatório Imperial e, posteriormente, pelo seu discípulo paulista merece ser considerada com atenção. (Veja)


Súmula de trabalhos da A.B.E.e do I.S.M.P.S. sob a direção de

Antonio Alexandre Bispo, Universidade de Colonia



Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A.(Ed.).“Harmonia celestial no Brasil (1851). Gioacchino Giannini (1817-1860) e a tradição teórica e musical de Lucca. A "cidade da música" entre L. Boccherini (1743-1805) e G. Puccini (1858-1924):
a época de Giovanni Pacini (1796-1867)“
.Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 160/5 (2016:02). http://revista.brasil-europa.eu/160/Gioacchino_Giannini.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2016 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


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Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
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Lucca. Foto A.A.Bispo 2014. Copyright ABE







Lucca. Fotos A.A.Bispo 2014 ©Arquivo A.B.E.