Mostra da Biblioteca Comunale di Milano 1986

ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 161

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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N° 161/15 (2016:3)

A.B:E.




O Ano Carlos Gomes de 1986 em Milão
a mostra da
Biblioteca Comunale di Milano
sob especial consideração de
costumes e pinturas de cenas de óperas de Carlos Gomes
no seu significado para estudos de imagens e da história da cenografia



Visita à Villa Gomes em Maggianico/Lecco

50 anos de homenagem a Carlos Gomes em São Paulo (1966)

40 anos do início do programa euro-brasileiro em Milão (1976)

30 anos do Ano Carlos Gomes (1986)

 
Na visita à Villa Gomes em Maggianico (Lecco) promovida pela Academia Brasil-Europa pelos 50 anos de sua homenagem em São Paulo e pelos 30 anos do "Ano Carlos Gomes" de 1986, considerou-se, com o diretor do Civico Istituto musicale ali instalado, Gianluca Cesana, os materiais referentes a Carlos Gomes para ali enviados de Milão, que se encontram ainda não organizados e que foram gentilmente disponibilizados.


Uma primeira apreciação do acervo revelou que essa coleção de materiais diversos, se não contém documentos originais relevantes para o prosseguimento dos estudos específicos, oferece subsídios significativos para a consideração das iniciativas do "Ano Carlos Gomes" de 1986 na Itália, em particular em Milão e Lecco, das atividades do Centro Culturale Italo-Brasiliano de Milão e, em particular, do extraordinário empenho de Gaspare Nello Vetro pela reconsideração, difusão e revalorização de Antonio Carlos Gomes e sua obra.


De início, lembrou-se dos paralelos entre os trabalhos desenvolvidos na Alemanha no âmbito do programa euro-brasileiro iniciado na Europa, em 1974, e que remontavam àqueles de movimento desencadeado no Conservatório Musical Carlos Gomes de São Paulo, instituição sob a direção de Armando Belardi, em 1966, (Veja) e aqueles desenvolvidos na Itália.


Recordou-se dos debates sobre Carlos Gomes sob aspectos histórico-musicais e etnomusicológicos com a participação de musicólogos latinoamericanos realizados no âmbito do projeto dedicado a Culturas Musicais na América Latina no século XIX do Musikwissenschaftliches Institut da Universidade de Colonia (Veja), em 1975, e que incluiram uma apresentação de canções de Carlos Gomes interpretadas por Maura Moreira, cantora da Ópera de Colonia e principal iniciadora do Circulo Brasileiro de Colonia.


Esses trabalhos prepararam uma viagem de estudos e contatos a instituições e cidades italianas, entre outras a Milão, onde realizou-se uma homenagem em frento do busto de Carlos Gomes no Teatro alla Scalla em fevereiro de 1976.


Por outro lado, demonstrativo dos trabalhos que paralelamente se desenvolviam na Itália, realizou-se ano seguinte, no dia 17 de março de 1977, no Ridotto do mesmo teatro, em promoção do Museo Teatrale alla Scala e do Centro Culturale Italo-Brasiliano, o lançamento de livro dedicado a Antonio Carlos Gomes editado pela Nuove Edizioni de Marcello Conati, Giacomo de Santis, Giampiero Tintori e Gaspare Nello Vetro, ilustrado com a interpretação de trechos de obras do compositor brasileiro por renomados cantores.



Como não poderia deixar de ser, o sesquicentenário de Carlos Gomes foi celebrado em Milão com evento altamente significativo para os estudos do compositor, das relações ítalo-brasileiras e da revivificação da memória de seu nome e obra de tanto significado para o passado milanês: o da mostra "Antonio Carlos Gomes (1836-1896) dal Brasile a Milano" levada a efeito no Palazzo Sormani.


Inaugurada no dia do aniversário do compositor, dia 11 de julho, às 18 horas, foi realizada pela Biblioteca Comunale di Milano através de sua Ripartizione Cultura. O exposição teve o apoio do Sindaco Carlo Tognoli de Milão e do Assessor Nicola Abbagnano.


Esse evento de algumas semans na Itália - encerrou-se no dia 2 de agosto -  foi aberto, assim, paralelamente a celebrações também ocorridas no Brasil naquele dia, salientando-se a mostra inaugurada em Belém do Pará com materiais relativos ao primeiro sucesso de Il Guarany em Belém, e, sobretudo, sobre a sua vinda à cidade no fim de sua vida e sua morte no Pará. (Veja)


Houve, assim, um paralelo altamente significativo quanto às celebrações, uma vez que, se em Belém rememorava-se sobretudo o seu retorno da Itália ao Brasil, em Milão dirigia-se a atenção à sua vinda do Brasil à Itália.


O programa-convite à exposição, ilustrado pelo retrato do compositor de A. Baronchelli,  publicou um texto informativo relativamente extenso sobre a vida de Carlos Gomes de Gaspare Nello Vetro.


O autor lembrou de início o seu nascimento em Campinas, e a sua formação com o seu pai como regente da banda municipal, o que possibilitou o aprendizado de vários instrumentos.


Menciona-se a sua transferência ao Rio de Janeiro, e o fato de ter-se feito logo conhecer com as óperas A Noite do Castello (1861) e Joanna de Flandres (1863), recebidas de forma calorosa a ponto de Dom Pedro II oferecer-lhe apoio do seu bolso pesoal para aperfeiçoar-se na Europa.


Tratando-se de uma mostra realizada em Milão, cidade onde estabeleceu-se para os estudos, é compreensível que o autor do texto dedique especial atenção ao fato de, após ter frequentado o Conservatório, ter-se inserido rapidamente no ambiente da Scpigliatura, fosse pela simpatia que emanava como pessoa, seja pelo sucesso obtido de suas revistas musicais apresentadas nos teatros Fossati e Carcano.


Com tais palavras, o autor esboça claramente os principais aspectos que merecem ser tratados sob o ponto de vista dos estudos musicológicos voltados a processos culturais: aquele dos pressupostos pessoais e culturais da sua integração em círculos de intelectuais e artistas marcados pelo movimento dos scapigliati e aquele do caminho que o fêz conhecido através da música para teatros de revista, o que confere a Carlos Gomes uma posição relevante nos estudos da música popular e do teatro na Itália e no Brasil.


Essa atenção manifestada na mostra de Milão correspondeu àquela constatada em Belém do Pará, onde a ascensão de Carlos Gomes foi considerada em estudo publicado pela imprensa e no qual tratou-se dos estreitos elos entre os dois principais fatores explicativos da popularidade de Carlos Gomes e do seu caminho ao sucesso.


O texto escrito para a mostra de Milão colocou, compreensivelmente, como marco nesse desenvolvimento o dia 19 de março de 1870, aquele do triunfo de Il Guarany no Teatro alla Scala de Milão.


Não se mencionou aqui, as vozes relativadoras da qualidade dessa obra, como aquelas publicadas na Gazzetta Musicale di Milano no dia 27 de março daquele ano, então sob a responsabilidade editorial de Antonio Ghislanzoni (1824-1893), um texto que se revela como de alto significado justamente sob a perspectiva dos estudos de processos culturais voltados à integração de Carlos Gomes na Itália na sua transcedência para análises da atualidade de brasileiros residentes na Europa: ali registra-se um certo distanciamento do compositor brasileiro da natureza tropical, uma disciplinação de sua incivilidade ou "selvageria".  (XXV/13, 27 de março de 1870).


Sem entrar em aspectos que pudessem diminuir o brilho da celebração, o autor do texto prefere salientar que a ópera possibilitou a Carlos Gomes imediatamente fama, abrindo-lhe as portas dos maiores teatros - um sucesso que foi seguido em rápida sucessão com Fosca (1873), Salvator Rosa e Maria Tudor (1879).


Após mencionar apenas de passagem essas duas obras do compositor, o autor dedica a sua atenção à construção da villa em Maggianico di Lecco, ao lado daquelas de A. Ponchielli (1834 - 1886) e de A. Ghislanzoni, onde criou composições de vários gêneros e a ópera Lo Schiavo.


Esta obra, representada no Rio de Janeiro em 1889, constituiu o seu canto vespertino, pois, angustiado pelas lutas, pelos dissabores familiares e pelos problemas economicos, parecia que a sua veia musical esgotava-se, sendo que os trabalhos sucessivos não encontraram o sucesso correspondente à sua elevada fama de compositor. Recusada a nomeação a diretor da escola de música de Veneza, e já tendo aceito aquela de um conservatório a ser instituído no Pará, em 1896, partiu Carlos Gomes ao Brasil.


Estabeleceu-se, assim, com essa visão dos acontecimentos a partir de Milão, um paralelo com o peso dado aos 90 anos da morte do compositor na mostra realizada concomitantemente em Belém do Pará.


A mostra de Milão de 1986 lembrou que Carlos Gomes, considerado o maior operista brasileiro, embora executado frequentemente na América do Sul, experimentava nos anos atuais uma perda de interesse pela sua produção, o que também ocorria na Europa.


Os visitantes da mostra tiveram a possibilidade de aprofundar as informações oferecidas pelo texto do programa através de uma pormenorizada cronologia prepara por Gaspare Nello Vetro. Essa cronologia serviu, também, como material em seminários sobre a música do Brasil realizados nas universidades alemãs de Colonia e Bonn.


A mostra na Biblioteca Comunale di Milano, ainda que incluindo partituras, cópias de jornais da época, ilustrações, caricaturas e edições, destacou-se sobretudo pelo seu significado para estudos históricos cenográficos, de costumes e de pinturas de palco.


Entre as ilustrações da época, salientaram-se aquelas de protagonistas das primeiras representações do Il Guarany e da Fosca. Imagens raras de artistas do século XIX foram apresentadas na mostra, como a do tenor Giuseppe Villani, primeiro intérprete de Il Guarany.


Um expressivo documento apresentado foi a ilustração que apresenta os intérpretes da Fosca ao redor de Carlos Gomes.


Trajes de primeiras apresentações de óperas de Carlos Gomes


Os costumes usados na primeira representação de Il Guarany em Milão, em 1870, foram apresentados em aquarelas da época, do acervo Ricordi. Entre êles, destacou-se aqueles do indígena, que revela a preocupação de corresponder a dados etnográficos, porém em mistura de tradições de diferentes povos da América


O costume de Cecy, em azul e dourado, demonstrou, por outro lado, o cuidado de autenticidade histórica, aliada ao intento de criação de um traje segundo critérios de elegância da época.


Os estudos históricos que tiveram que ser realizados para a confecção de trajes europeus para as representações de óperas de Carlos Gomes podem ser intuidos de costumes como o do Salvator Rosa da ópera de mesmo nome do compositor brasileiro, um desenho - como outros -, da Collezione Bertarelli, Castello Sgorzesco di Milano.


De interesse histórico para estudos da imagem do Brasil no Exterior foram não só os costumes apresentados do Il Guarany, como também aqueles de Lo Schiavo, criados para a sua primeira apresentação em 1889.  Sob o título de Guerreiro Indígena, um desenho de Luigi Bartezago, com indicações escritas, surge como significativo para estudos da representação do índio na Europa no século XIX.


O mesmo pode ser dito do traje do Iberê dessa ópera, aquarela que denota estudos etnográficos, mas ao mesmo tempo imaginação na confecção do traje e dos adereços a serem usados pelo barítono.


Muito mais imaginação e capacidade de combinação de dados obtidos em ilustrações de costumes indígenas de diversas regiões das Américas é o púdico traje de Ilara para a primeira representação de Lo Schiavo. A consideração dessas representações teatrais enriquece assim uma área de estudos histórico-etnológica que em geral se baseia em quadros pintados e ilustrações em relatos de viagens.


Pinturas para cenários de primeiras apresentações de óperas de Carlos Gomes


Dos cenários, uma especial menção merece os esboços pintados dos cenários de Salvator Rosa e da Fosca.


Do primeiro, destaca-se o cenário da cena VII do ato IV, o da "cancellata di ferro", proveniente do arquivo histórico da casa Ricordi. Trata-se de uma pintura altamente sugestiva da arte pictórica de cenas do século do romantismo, transportando o espectador a um espaço escuro emoldurado por edifícios históricos e pujante vegetação, que traz ao olhar brasileiro a afinidade da natureza de Nápoles e a do Brasil com as suas altas palmeiras, abrindo-se ao fundo o golfo com o Vesúvio longínquo, separado do primeiro plano por uma grade de ferro artisticamente trabalhada. Os contrastes entre o escuro do primeiro plano e a luminosidade da atmosfera faz com que esse cenário possa ser considerado como uma obra relevante da pintura de paisagens da época.


Uma das mais expressivas aquarelas da cenografia da Fosca demonstra a aptidão da pintura de cena em transportar a representação a um ambiente ao ar livre de extraordinária pompa festiva, permitindo a visão ao longe de armada de naves no porto a partir de um baldaquim profundamente decorado, criando virtualmente diferentes sensações de espaço nas suas relações entre o interno e o externo.


Também da coleção do Centro Culturale Italo-Brasiliano foi apresentado o cenário da Fosca de autoria de Carlo Ferrario, da representação de 1873, onde se representa um interior de construção semi-arruinada de grandes proporções, de fundamentos de pedra e madeirames, com grande quantidade de atributos, detalhes e espaços, constituindo um excepcional exemplo de interesse romântico por tradições populares e ambientes históricos britânicos.


Outro cenário de Maria Tudor demonstrou a preocupação pela autenticidade histórica, o que tem como pressuposto estudos da literatura e a preocupação do artista em transportar-se para outras épocas e contextos, aqui de ambientes não-italianos. A sala de justiça da Torre de Londres, do IV Ato, cena V dessa ópera, distingue-se pela sua representação de arquitetura medieval e que faz dessa encenação pictórica uma dos exemplos mais significados do fascínio pelo passado medieval do Século XIX. Também como no cenário anteriormente mencionado da Fosca, tem-se aqui a visão do externo a partir de um espaço interno, onde o observador virtualmente se insere. Se a divisão entre o interno e o externo é marcada, no cenário da Fosca por parapeito junto ao mar e festivos estandartes, em Maria Tudor a visão é possibilitada ou sugerida através de grandes aberturas envidraçadas.


De Maria Tudor, em esboço do acervo do Museo Teatrale alla Scala, distingue-se também o cenário para a cena I do primeiro Ato, que se passa em praça deserta às margens do rio Tâmisa. Trata-se aqui de uma obra de arte pictórica pela sua capacidade de transmissão de qualidades de atmosfera na configuração de espaços e de reprodução de detalhes arquitetônicos. A obra manifesta profundos conhecimentos do paisagismo e da arquitetura inglesa, assim como capacidade de criação de diferentes planos, espaços e de profundidade perspectívica.


Assim como quanto aos costumes, também na pintura de cena é o Lo Schiavo, depois do Il Guarany, a ópera que mais diretamente surge como relevante para estudos visuais relacionados com o Brasil e sua representação no Exterior. O esboço do cenário conservado no acervo da Casa Ricordi apresentado na exposição apresenta um exemplo de interações da natureza brasileira com a européia na imaginação de paisagens. A partir do espaço que sugere ser escuro pela floresta tropical que o emoldura, com palmeiras, bananeiras e altas árvores com ervas trepadeiras vê-se ao fundo longínquo um lago ou rio que se lança em cachoeiras. Se estas podem ser aquelas conhecidas da Europa do Brasil - as montanhas que rodeiam o lago poderiam fazer supor uma paisagem pré-alpina dos lagos norte-italianos. A divisão entre o plano de fronte e os fundos é feita aqui com uma ponte em dois níveis rodeada de flores e que sugerem antes o paisagismo de um jardim. Natureza virgem e natureza cultivada e, assim, natureza e cultura relacionam-se nessa obra de pintura cenográfica.


A figura "étnica" de Carlos Gomes a olhos europeus e os seus retratos


Um dos aspectos que chama a atenção do observador é a constante tentativa de retratar Carlos Gomes em ilustrações e quadros pintados que, nem sempre bem sucedidos do ponto de vista artístico, documentam o interesse que assumem aspectos visuais na imagem do compositor desde a sua chegada a Milão até o presente.


No caso do "Ano Carlos Gomes", destacou-se a tela pintada por Pietro Gianini em 1985, em Milão, do Centro Culturale Italo-Brasiliano. Esse retrato, assinado como  1985 GiaimiPietro encontra-se hoje num dos corredores do Istituto abrigado na Villa Gomes.


De ciclo de estudos sob a direção de

Antonio Alexandre Bispo



Atenção: este texto deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Veja o índice da edição

Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A.(Ed.).“O Ano Carlos Gomes de 1986 em Milão: a mostra da Biblioteca Comunale di Milano
sob especial consideração de costumes e pinturas de cenas de óperas de Carlos Gomes no seu significado para estudos de imagens e da história da cenografia “
.Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 161/15 (2016:03). http://revista.brasil-europa.eu/161/Ano_Carlos_Gomes_em_Milano.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2016 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Academia Brasil-Europa
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
reconhecido de utilidade pública na República Federal da Alemanha

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Fotos A.A.Bispo ©Arquivo A.B.E.