O Ano Carlos Gomes de 1986 em Lecco

ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 161

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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N° 161/14 (2016:3)





O Ano Carlos Gomes de 1986 em Lecco
a solenidade no
Pallazzo Civico
e a comunicação
"Un brasiliano a Maggianico" de Gaspare Nello Vetro


50 anos de homenagem a Carlos Gomes em São Paulo (1966)

40 anos do início do programa euro-brasileiro em Milão (1976)

30 anos do Ano Carlos Gomes (1986)

 

A passagem dos 30 anos do "Ano Carlos Gomes", assim oficialmente declarado pelo sesquicentenário de nascimento do compositor, concomitantemente declarado "patrono da música no Brasil", pareceu ser oportuna para recordar eventos e reflexões do ano comemorativo, daquelas que o precederam e imediatamente a êle seguiram, uma vez que representaram importantes momentos no desenvolvimento dos estudos euro-brasileiros. Para além dos trabalhos desenvolvidos no âmbito do Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS e.V.), fundado no ano anterior de 1985, o "Ano Europeu da Música", procurou-se considerar iniciativas partidas de outras instituições e contextos, dando-se particular atenção às respectivas orientações teóricas e visões.


Para isso, realizaram-se viagens de estudos, levantamento de fontes e de encontros a cidades italianas mais relacionadas com a vida de A. Carlos Gomes, destacando-se aqui a Lombardia, em particular Lecco na região do lago de Como, e aqui em especial Maggianico na sua periferia, local em que se localiza a Villa Gomes. (Veja) Esta, a antiga Villa Brasilia, abriga uma escola de música que conserva materiais relativos às comemorações de 1986 procedentes de Milão e de Lecco, agora considerados com Gianluca Cesana, diretor da instituição. (Veja)


Lecco. Foto A.A.Bispo 2016. Copyright

A revitalização da memória de Carlos Gomes em Lecco


As comemorações do sesquicentenário do compositor brasileiro de 1986 foram de relevância para a revitalização não só da lembrança do nome de Carlos Gomes em Maggianico (Lecco), como também do valor patrimonial representado pela Villa Gomes e, com ela, de um centro de um movimento que marcou intelectual e artístico que marcou profundamente a história cultural de Lecco - o da Scapigliatura (Veja).


As comemorações do compositor brasileiro salientaram o significado da cidade e dos seus arredores na história do pensamento e das artes na Itália e sua transcedência internacional.


Não só a pesquisa do compositor brasileiro e sua obra receberam importantes subsídios no âmbito dessas comemorações, como também a própria historiografia e a memória histórica de Lecco receberam impulsos para a revalorização do século XIX, que, como em outros contextos, teve muitos de suas personalidades, obras e desenvolvimentos caídos no esquecimento.


A rememoração de A. Carlos Gomes contribuiu também a um mais amplo reconhecimento do papel desempenhado por grandes vultos da história cultural de Lecco, entre êles do milanês Alessandro Manzoni (1785-1873) e sobretudo de Antonio Ghislanzoni (1824-1893), ali nascido, personalidades estreitamente relacionadas com o movimento no qual se inseriu A. Carlos Gomes.


A lembrança do nome de A. Carlos Gomes no ano comemorativo teria assim contribuído a um despertar de consciência que preparou a situação atual de reconhecimento do significado da Villa Gomes, já então há anos de propriedade da Comune di Lecco.


Lecco. Foto A.A.Bispo 2016. Copyright

Sessão solene dedicada a Carlos Gomes no Pallazzo Civico di Lecco


O principal estudioso que marcou essa revitalização da memória de A. Carlos Gomes em Lecco

foi o pesquisador Gaspare Nello Vetro que, como bibliotecário do Conservatório de Parma, dedicou-se ao levantamento de materiais relativos à vida e à obra do compositor, contribuindo à pesquisa com novos aportes e abrindo novas perspectivas.


Lecco. Foto A.A.Bispo 2016. Copyright

Para as comemorações do sesquicentenário de Carlos Gomes, realizou-se uma sessão solene no salão conciliar do Pallazzo Civico de Lecco que deve ser vista por diversos motivos como um marco na história dos estudos de Carlos Gomes e mesmo dos estudos ítalo-brasileiros em geral. A cerimônia solene foi promovida pela Comune di Lecco, representada na sessão pelo seu síndico Giulio Boscagli, e pelo Centro culturale italo-brasiliano de Milão, realizando-se sob o patrocínio da Embaixada do Brasil e do Consulado do Brasil de Milão, presentes na pessoa do Embaixador Adolpho Correa de Sá e Benevides. As comemorações são se limitaram a essa solenidade, pois a Villa Gomes encontrava-se restaurada e nela deveria ser instalada, nos primeiros meses de 1987, a escola cívica de música com uma sala de concertos que há muito fazia falta a Lecco.


O seu significado para os estudos músico-culturais foi garantido por uma importante comunicação de Gaspare Nello Vetro em recordação de Carlos Gomes de título "Un brasiliano in Maggianico".


O jornal Il Resegone, semanário católico de informação de Lecco, publicou o texto da comunicação de Nello Vetro em matéria  de título "Revive nella nostra città il genio musicale di Gomes" alguns dias após a sessão realizada pela data de aniversário do compositor (N° 29, Anno 105, 18 de Julho de 1986).


Lecco. Foto A.A.Bispo 2016. Copyright

Gaspare Nello Vetro deu início à sua exposição lembrando recordações de Pietro Mascagni (1863-1945) de uma partida de jogo que vivenciou, em 1882, na Villa de Amilcare Ponchielli (1834-1886) em Maggianico e na qual esteve presente A. Carlos Gomes, proprietário da "bella villa bianca" vizinha, ocasião em que tomou contato do círculo de intelectuais e artistas que marcavam a vida cultural de Lecco. A partir dessa menção, o pesquisador passou a considerar o compositor brasileiro, que se encontrava no auge de seu sucesso. O Il Guarany  o fizera famoso, aplaudia-se o Salvator Rosa em vários teatros e a Fosca, ainda que não executava com tanta frequência, tinha recebido, das suas duas apresentações no Teatro alla Scala, palavras de louvor na Gazzetta Musicale de Milão, sem falar na admiração expressa por G. Verdi e que testemunhava o apreço de Carlos Gomes em Milão numa fase de sua história cultural ainda presente na memória de milaneses de mais idade.


A percepção italiana de Carlos Gomes como "aborigene americano"


Sob o ponto de vista dos estudos culturais, surge como particular relevância que G. Nello Vetro tenha dirigido a sua atenção sobretudo à popularidade alcançada por Carlos Gomes e ao papel desempenhado pela sua aparência e atitudes. Lembrou que o brasileiro, ainda jovem, vindo para estudar em Milão, chamou a atenção pela sua figura e comportamento, sendo descrito segundo Gino Monaldi, cronista que foi colega de estudos de Carlos Gomes no Conservatório, o de um jovem homem franco e jovial, cheio de fogo brasileiro e de acesas esperanças. Em jornal da época lê-se que era um jovem homem em todo nobre, mas de uma nobreza toda nua, uma nobreza primitiva, aborígene. De estatura mais do que a média, corpulento, musculoso, com cabelos densos e ariscos, muito compridos, incultos e negros, sobrancelhas e bigodes espessos e negros como ébano, o olhar inteligente, vivaz e irriquietíssimo, a cor de bronze da sua face, a pequeneza de pés e mãos, certas manchas amarelas nos olhos, os pequenos e brancos dentes como de marfim, a atitude incerta e meditabunda, tudo dizia que Carlos Gomes era indubitavelmente um aborígene americano.


O caminho como compositor de música ligeira aberto por Antonio Scalvini (1835-1881)


Gaspare Nello Vetro salienta, porém, que Carlos Gomes não era ainda no início de sua vida na Itália uma personalidade como as demais do movimento que passou a ser conhecido como da Scapigliatura. Ainda que convivendo em ambiente milanês marcado pelos vultos mais destacos da época, entre êles Manzoni e Verdi, não se podia esquecer que Milão tinha sido, para o brasileiro, ponto de chegada e, Verdi, o mestre. O ambiente scapigliato era todo vida e fêz com que Carlos Gomes alcançasse os primeiros aplausos.


Os primeiros sucessos do estudante ainda jovem foram possibilitados por um dos mais destacados scapigliati, Antonio Scalvini. Esse escritor e dramaturgo o encarregou de escrever a música para a revista Sa sa minga, encenada no Teatro Fossati. O sucesso alcançado, seguido de outro obtido no Teatro Carcano com Nella luna, sobre texto de Emilio Torelli Viollier, futuro fundador do Corriere della sera, fundamentou o renome de Carlos Gomes como compositor de música ligeira. O próprio compositor reconhecia que foram "musiquinhas de realejo" que lhe abriram as portas della Scala de Milão.


Do sucesso na música popular ao Il Guarany e sua popularidade


O pesquisador estabeleceu assim, na sua conferência, uma significativa ponte entre o modo de ser e comportar-se do jovem brasileiro à música ligeira e ao Il Guarany no sucesso que obteve no principal teatro de Milão. Salientou que, se o seu nome até 1870 era sinônimo de música ligeira, tornara-se desde então famoso em toda a Itália.


De particular relevância para os estudos musicológicos de orientação cultural é o fato do autor - como bibliotecário do Conservatório de Parma - tratando da popularidade do Il Guarany, ter descoberto que em Parma a companhia de marionetes Colla e Croce tinha no seu repertório um espetáculo a 4 atos e 9 quadros de título Il Guarany e i Portoghesi nel Brasile.



Antonio Ghislanzoni e o contato de Carlos Gomes com o grupo de artistas de Lecco


Passando a considerar os elos de Carlos Gomes com Lecco, o pesquisador salienta que foi nesses anos de triunfos que o seu nome se uniu indelevelmente com o da cidade junto ao lago de Como. No junho de 1873, o compositor dera um piano magnífico, com uma afetuosa dedicatória, como presente a Antonio Ghislanzoni, o libretista do Salvator Rosa e da Fosca e que esperava poder em breve por em música em Lecco. A. C.Gomes estabeleceu-se primeiramente em casa em Malgrate, unindo-se ali ao grupo de artistas que fugiam da agitação de Milão, procurando a região como terra poética, adequada a inspirações.


A comunicação terminou com a menção do grande número de personalidades da cultura e das artes da Lombardia residentes em Lecco: os músicos Amilcare Ponchielli, Errico Petrella, Alfredo Catalani, Gaetano Braga, Antono Cagnoni, Costantino Dall'Argine, Amintore Galli, o pianista Vincenzo Appiani - com a jovem mulher Elvira Ghislanzoni, sua aluna, os escritores Domenico Oliva, Marco Praga, Ferdinando Fontana, Emilio Torelli Viollier, Filippo Filippi, o pintor Francesco Tamagno, Romilda Pantaleoni, Jullina Gayarre e muitos outros. Esses intelectuais e artistas costumavam-se encontrar-se na trattoria-albergo Delle Muse de Giuseppe Invernizzi, chamado de Davide, amigo e confidente de muitos daquele grupo de artistas.


De ciclo de estudos sob a direção de

Antonio Alexandre Bispo



Atenção: este texto deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Veja o índice da edição


Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. (Ed.).“O Ano Carlos Gomes de 1986 em Lecco - a solenidade no Pallazzo Civico
e a comunicação "Un brasiliano a Maggianico" de Gaspare Nello Vetro“
.Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 161/14 (2016:03). http://revista.brasil-europa.eu/161/Lecco_Ano_Carlos_Gomes.html


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Academia Brasil-Europa
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
reconhecido de utilidade pública na República Federal da Alemanha

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Fotos A.A.Bispo ©Arquivo A.B.E.