Villa Gomes: a Villa Brasilia em Maggianico

ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 161

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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N° 161/05 (2016:3)



Pro Brasilia!

Villa Gomes: a Villa Brasilia em Maggianico/Lecco e o seu brasão

brasilidade e italianidade em sintonia com o cosmos:
a lira substituindo a esfera armilar e a
Divina Commedia


50 anos de homenagem a Carlos Gomes em São Paulo (1966)

40 anos do início do programa euro-brasileiro em Milão (1976)

30 anos do Ano Carlos Gomes (1986)

 
Villa Gomes. Foto A.A.Bispo 2016. Copyright

A Villa Brasilia em Maggianico, junto a Lecco, conhecida hoje antes como Villa Gomes, é um monumento da história da arquitetura, da presença brasileira no Exterior e das relações Itália-Brasil. Ela traz o nome daquele que a mandou construir, que nela viveu alguns anos e que marcou a época máxima de sua existência como centro intelectual e artístico: o compositor Antonio Carlos Gomes (1836-1896).


Villa Gomes. Foto A.A.Bispo 2016. Copyright

A Villa Brasilia ou Villa Gomes é um edifício significativo do extraordinário patrimônio de bens arquitetônicos do norte da Itália, marcado que é desde a Renascença pelas suas grandes villas rodeadas de parques. É uma construção também indispensável de ser considerada sob a perspectiva do Brasil e dos estudos ítalo-brasileiros. Pode contribuir ao desenvolvimento de estudos da arquitetura e do paisagismo orientados segundo processos culturais em contextos internacionais.


É nesse contexto que a Villa Gomes adquire significado especial no rol das muitas casas de compositores que hoje abrigam museus ou arquivos. Diferentemente, porém, de casas relativamente modestas de nascimento ou de vida de compositores como, entre outras, as de Bach em Eisenach, as de Mozart em Salzburg ou Augsburg, a Beethoven em Bonn ou a de Brahms em Hamburg, a representativa Villa brasileira merece ser considerada antes em paralelos com aquela poucos anos antes construida por Richard Wagner - a Haus Wahnfried, uma vez que a sua edificação também foi marcada por imagens, ideais e multiplas associações.


Uma principal diferença nesses paralelos reside no fato de Carlos Gomes não ter construído a residência no seu país seu país natal, mas sim no Exterior, em contexto cultural estrangeiro. Neste caso, a Villa Gomes passa a ser significativo objeto de atenção de estudos da arquitetura a serviço ou nas suas relações com a representação do Brasil no Exterior. Ela antecedeu, e em iniciativa particular, os portentosos pavilhões que a República levantou em exposições internacionais a serviço da promoção das relações comerciais e da apresentação do país como nação civilizada e de progresso, assim como do reconhecimento da forma de govêrno e seus políticos. (Veja)


Se essas dispendiosas construções foram temporárias, sendo em geral demolidas, assim como destruídas as obras de arte que as ornamentaram, a Villa Brasilia permanece como um monumento que, apesar de todas as implicações pessoais, psicológicas e de ímpetos de auto-afirmação, testemunha ideais patrióticos de Antonio Carlos Gomes e reflete a imagem de nobilidade e distinção que gozava o Brasil na Itália do seu meio de relações.


A relevância sob múltiplos aspectos da Villa Brasília ou Gomes, porém, não pode ser reconhecida segundo critérios convencionais de uma história da arquitetura e das artes que se limitam a qualificá-la simplesmente como exemplo de ecleticismo historicista. Neste sentido, ela surge apenas como documento de uma época e de uma linguagem artístico-arquitetônica que foi desqualificada no discurso estético do século XX e que ainda hoje é pouco compreendida de forma mais diferenciada.


Assim desvalorizado, o significativo edifício corre o risco de ser visto apenas como testemunho portentoso de anseios de representação de um sul-americano que, de origens humildes e provincianas alcançou sucesso na Europa, surgindo como manifestação de ambições, pretensões, exageros e extravagâncias de conotações ridículas e grotescas.


A visão desqualificadora da arquitetura segundo critérios histórico-artísticos inadequados em projeções de concepções posteriores ao passado tem assim consequências para a própria consideração da personalidade, da vida e da obra daquele que a mandou construir e dos processos culturais em que se inscreveu e interagiu.


Para uma aproximação que faça jus tanto ao significado arquitetônico-cultural e ao vulto e à obra de Carlos Gomes, a Villa Brasilia ou Gomes não pode ser considerada apenas de forma passageira em textos biográficos sobre o compositor, nos quais surge sobretudo como uma das causas de sua ruína econômica e da infelicidade em que caiu ao ter de dela desfazer-se.


Somente uma aproximação interdisciplinar que atente a processos culturais em contextos internacionais permite que se reconheça as perspectivas que se abrem através de uma consideração mais atenta à arquitetura da Villa Brasília ou Gomes para a análise e apreciação da obra e do papel daquele que foi o maior compositor brasileiro e oficialmente declarado como "patrono da música brasileira".


A Villa Brasilia ou Villa Gomes surge sobretudo como significativo objeto de uma historiografia das mentalidades e de estudos demo-psicológicos na sua dinâmica e suas interações em contextos culturais entre a Europa e o Brasil.


O fato de ser designada com diversos nomes não deixa de ser significativo. Conhecida hoje pelo nome daquele que a mandou construir e que marcou os seus anos de apogeu, a Villa Gomes traz à consciência que ela e o seu grande parque encontram-se hoje indelevelmente vinculados à memória do compositor brasileiro. Pouco presente na vida musical com as suas obras, é o edifício segundo êle denominado que mais expressivamente mantém vivo o seu nome na atualidade européia.


A Villa Gomes é sobretudo de central relevância como referencial cultural de Maggianico. Segundo ela é denominada uma via lateral - que leva à principal via armonia -, assim como da parada de coletivos de Lecco. O seu nome é constantemente presente na vida dos moradores locais e de habitantes de Lecco que imediatamente associam Maggianico à Villa Gomes. Os visitantes de seu grande parque são informados com textos e ilustrações a respeito da vida daquele que dá nome à grande mansão, de suas origens, da sua vida no Brasil e na Itália, assim como do meio intelectual e artístico de sua época em Maggianico.


A denominação que personifica de tal modo a grande Villa e o seu parque não faz jus, porém, a seus sentidos originais e aos intentos do artista brasileiro, do arquiteto responsável pelo seu projeto e das concepções condutoras do contexto cultural em que se inseriu.


A designação apropriada é a de Villa Brasilia, pois coloca em relêvo não a pessoa de Carlos Gomes, mas o ideal ou a visão que levou à edificação, abrindo caminhos à compreensão do modo que via os fins a que servia a sua obra.


Ela não era denominada simplesmente de Vila Brasil, manifestando a origem do seu proprietário ou sugerindo uma representação do país. O termo é especificado em emblema que, em grandes dimensões, domina o mosaico do piso de entrada da residência.


Todos aqueles que eram ali recebidos - entre êles muitas das mais destacadas personalidades da vida intelectual e artística da Itália - eram necessariamente confrontados com a imagem e os dizeres Pro Brasilia.


Pro Brasilia: o brasão no piso em mosaico da entrada da Villa Gomes


Villa Gomes. Foto A.A.Bispo 2016. Copyright
Toda a vida, todo o empenho de Carlos Gomes, toda a sua obra, tudo o que se realizava na Villa Brasilia - mesmo o cultivo de elos sociais, culturais e a criação artística e literária não imediatamente relacionada com o Brasil - decorria à luz do declarado de forma visual na imagem do brasão e nas suas palavras Pro Brasilia.


Ela era, mais apropriadamente, Villa Pro Brasilia, expressão do intento do compositor em tudo colocar a serviço do Brasil ou da sua valorização, tornando a sua residência quase que como espaço consagrado a este ministério.


A imagem simbólica a que se referia o Pro Brasilia era uma adaptação das armas da bandeira do Império e revela que não foi resultado de procedimentos arbitrários, mas conscientemente refletidos.


A esfera armilar com a coroa, emoldurada pelos ramos com os frutos do cultivo da terra, indicadores do progresso, surge substituída pela lira. Uma complexa interação de significados resulta dessa substituição dos antigos símbolos da esfera armilar e da lira. A lira passa a ser associada com a esfera armilar e esta com a lira.


Entre os muitos sentidos da imagem da esfera armilar, ali subjacente, ressalta-se aquela da representação do universo na sua estrutura e movimentação, da ordem celestial, da orientação que a observação dos céus oferece à viagem do homem no mundo.


É assim, um instrumento de navegação em todos os seus sentidos, também metafóricos. Referindo-se á observação do céu estrelado e da luz, é um símbolo do visível e do visual, do iluminado e do que lumina. Do ponto de vista da organização dos conhecimentos, a esfera armilar surge como símbolo da Astronomia, uma das disciplinas do antigo sistema das disciplinas do Quadrivium, e, do ponto de vista dos elementos da natureza, com o fogo.


A lira, por outro lado, traz à luz outros aspectos dessa tradição de pensamento de remotas origens de fundamentação filosófico-natural. Instrumento inventado por Hermes com a carapaça e os nervos de uma tartaruga que viu subir das águas, entregue a seguir a Apolo, instrumento também de Orfeu, é símbolo da música na sua concepção mais abrangente, também nas suas dimensões antropológicas e mesmo teológicas.


Como símbolo da música, também uma disciplina do antigo Quadrivium, a sua designação por teóricos medievais de scientia aquatica indicam a sua relação com o elemento água da filosofia natural. Essas relações com a água surgem como particularmente significativas em local de fonte de águas termais designicado como "fonte de saúde".


Assim considerando, o emblema da Villa Brasilia reune em si todo um complexo íntegro de concepções de antiga proveniência de visão do mundo e da filosofia natural, assim como da organização dos conhecimentos nas suas dinâmicas interações: o elemento terra representado pelos ramos, o elemento ar dos dizeres Pro Brasilia, o elemento água simbolizado pela lira, esta iluminada pelo fogo da esfera armilar subentendida.


O emblema da Villa Brasilia, colocando a lira no campo emoldurado pelos ramos verdejantes dos produtos da terra, e assim interpretando as armas na bandeira do Brasil Império, sempre alçada na Villa Brasilia, atribuia ou revelava sentidos musicais do próprio brasão brasileiro.


Se no emblema da casa destinada à música, ao lírico e à lírica era a esfera armilar que se encontrava subentendida, na bandeira era a música que surgia como subjacente à esfera armilar coroada.


Assim compreendendo a linguagem visual do brasão, conclui-se que Carlos Gomes concebia o seu papel, a sua obra e a função do espaço consagrado da Villa Brasilia em correspondência à dinâmica transformatória implícita ao símbolo da lira e elucidada por filósofos e teólogos, o do cantar da alma iluminada na superação do pêso das cadeias terrenas no processo ascensional espiritualizador. Como o brasão também reinterpretava a bandeira imperial, esta seria também a sua visão do Brasil.


A magnitude do projeto da Villa de Carlos Gomes


O brasão da Villa Brasilia surge como referencial que possibilita aproximações antropológico-culturais, histórico-mentais e psicológico-culturais para estudos mais aprofundados das concepções que determinaram o seu significado, a sua vivência e irradiação.


Cumpre, porém, considerar a sua arquitetura como obra de um engenheiro-arquiteto italiano e inscrita na tradição construtiva e nas tendências estéticas da Itália de sua época.


O projetista da Villa Brasília não tem sido considerado de forma justa e apropriada na literatura. Pouco lembrado e valorizado em textos italianos - apesar de ter sido responsável por vários edifícios de Lecco - é mencionado apenas de passagem e em apreciações ambivalentes na literatura brasileira referente a Carlos Gomes.


Se por um lado acentua-se ter sido o engenheiro o criador em autonomia da construção em época que o compositor se encontrava ausente no Brasil - a casa foi construída em oito meses, entre 1880 e 1881 - , surpreendendo-se este com a sua inesperada suntuosidade ao retornar, por outro insinua-se ter sido esse exagêro do projetista causa das dificuldades e mesmo da ruína econômica de Carlos Gomes que, incapacitado até mesmo de cobrir créditos, foi obrigado a dela desfazer-se já em 1887.


No Brasil, para justificar esse desenrolar infeliz, que fêz com que o compositor e sua família voltasse a viver em acanhado apartamento em Milão, acentua-se que não teria sido intenção do compositor - em si tão modesto - edificar um palácio tão portentoso.


Repete-se continuamente que este, sem mais cuidados, teria deixado em mãos de um amigo ou do arquiteto em levantar a residência. Não seria assim sua a culpa pelos custos da grandiosa construção, que o levaram à ruína e à humilhação, mas sim resultado de mal-entendidos, de sua ingenuidade, excessiva confiança ou mesmo de aproveitamento da situação por parte do construtor.


Essa explicação possibilita também relativar mal-estares no Brasil, invejas e pejos pela dispendiosa extravagância que causa desagradáveis conotações auto-valorizadoras de um músico vindo de modestas condições da província, dependente de auxílios de protetores e amigos, também da benevolência de Dom Pedro II, sempre lamentando a sua situação e solicitando ajudas e empréstimos.


A imagem que sempre procurou manter de modéstia, de caipira que nunca deixou a simplicidade de vida de sua terra e meio familiar, contrastava com a representatividade luxuosa de um palácio-residência às margens de um lago em região das mais privilegiadas da Itália.


Razões da escolha de Maggianico/Lecco



Toda a região do lago de Como e do seu braço no qual se situa Lecco, pela beleza de sua paisagem junto às altas montanhas, às suas qualidades climáticas e à sua natureza exuberante, era tradicionalmente local procurado para residência e repouso por famílias da aristocracia e da alta burguesa de Milão.


Maggianico surgia como ideal como região de tranquilidade e gozo de vida, e de recuperação de saúde pelas suas águas termais. Na localidade de Barco havia a famosa Sorgente della Salute, descoberta ao redor de 1850. Era uma fonte de água sulfurosa, ainda hoje visível junto ao Convento delle Suore di Maria Bambina, na Via alla Fonte. Entre os restaurantes, destacava-se o Albergo Davide, de Giuseppe Invernizzi, cognominado Davide.


A pequena localidade de Maggianico, às portas de Lecco, passou a atrair intelectuais e artistas sobretudo por nela residir e atuar Antonio Ghislanzoni (1824-1893), nascido em Barco, personalidade líder pela sua vida de artista marcado pelo ativismo político, jornalista e escritor, gozando de alto prestígio no munddo musical como libretista de óperas de repercussão internacional. Ghislanzoni foi, nada menos, do que o libretista de Aida, de G. Verdi (1813-1901). Ghislanzoni era redator da Gazetta Musicale de Milão e vários de seus textos foram postos em música por Carlos Gomes.


A presença de Ghislanzoni, foi um dos principais fatores que atrairam artistas movidos por anseios da Scapigliatura lombarda, os jovens "descabelados", desafiadores de convenções e ao mesmo tempo movidos por ideais e anelos, por imagens que pareciam vagas e utópicas, cultuadores do passado, de situações e destinos trágicos e conscientes dos problemas sociais da época, da necessidade de beneficiência humanitária.


Poesia e música determinaram a vida local, salientando-se personalidades como Errico Petrella (1813-1877) e Amilcare Ponchielli (1834-1886). Amilcare Ponchielli, professor do Conservatório de Milão e amigo particularmente estreito de Carlos Gomes, chegou a Lecco em 1876 por ocasião de sua viagem de lua-de-mel com a soprano Teresa Brambilla. Apreciando o convívio com a colonia de intelectuais e artistas local, decidiu construir uma residência de férias para os meses de verão e outono. Esta casa - a Villa Ponchielli, com 400 metros quadrados e grande parque, às margens de lago - motivou  Carlos Gomes a construir a Villa Brasilia. (Veja)


Como o quadro informativo no parque da Villa Gomes lembra, o próprio Ghislanzoni deixou uma das mais significativas menções à Villa do compositor brasileiro, já´prevendo nela a estrada de ferro que infelizmente corta a área na sua face voltada ao lago:


"Il suo edifizio, discosto un cento passi da quello di Ponchielli, aspira per davvero al titolo di villa e promette la sontuosità del palazzo. Il poggio dove questo si erige è alquanto dimesso, ma il piano superiore raggiunge una tale elevatezza, che di là può l'occhio abbracciare tutto l'ampio panorama del bacino lecchese, dalla punta dell'Abbadia fino alle chiuse di Brivio. Il fabbricato rasenta la ferrovia e sbocca alla soglia del casello, dove tosto o tardi verranno a sostare i treni. Alla soglia del suo parco - un parco dell'estensione di 14 pertiche all'incirca, attraversato da un amplissimo viale - il Gomes potrà dunque, tornando dal Brasile, scaricare la enorme massa di dollari e di trofei mietuti a Bahia e a Rio."



O engenheiro/arquiteto da Villa Brasilia: Attilio Bolla


O autor do projeto da Villa Brasilia,o engenheiro-arquiteto Attilio Bolla, fora também o criador da Villa do compositor e amigo de Carlos Gomes Amilcare Poncchielli. Essa residência, predecessora e sob vários aspectos fator incentivador do estabelecimento do compositor brasileiro em Maggianico, representa, juntamente com a Villa Brasilia, um conjunto arquitetônico-paisagístico que marcou e marca a localidade e que deve ser compreendido no seu contexto cultural. (Veja)


Como demonstrado por Gaspare Nello Vetro, o projeto original do prospecto voltado a Maggianico de Bolla, demonstra diferenças relativamente à construção realizada. Salienta-se a textura das paredes, sugerindo construção de pedras aparentes, enquanto que a definitiva apresenta apenas pedras de cantaria. ("La bella villa bianca", Il Resegone 3, 25 de julho de 1986, 3).


Attilio Bolla foi engenheiro-arquiteto responsável por outras construções de relêvo de Lecco. Entre elas, salienta-se a sua participação na ampliação e reestruturação do Teatro della Società de Lecco, o mais antigo e significativo da cidade e mesmo região.


À época de apogeu da vida da Villa Brasilia, nos anos que se seguiram a seu término, Bolla ocupava-se, juntamente com o engenheiro Riccardo Badoni, com a construção de uma ala lateral esquerda do teatro, levada a efeito em 1884.


O teatro, hoje monumento da arquitetura teatral italiana do século XIX, fora projetado por Giuseppe Bovara (1781-1873), arquiteto de Lecco de relêvo na história da arquitetura e das artes da Itália como representante do neoclassicismo. O neoclassicismo de Bovara remete á sua formação em Pavia, onde dedicou-se ao estudo da arte romana. Entre as
construções de Bovara em Lecco, conta-se a igreja de S. Nicolau e vários Palazzi e Villas. O teatro, que se levanta em importante praça da cidade, distingue-se por uma fachada configurada com quatro lisenas em estilo ionico.


Essa linguagem estilística vinha de encontro às tendências estéticas de círculos aristocráticos e da alta burguesia local e, concomitantemente, a ideais de benemerência educativa moralizante visando a elevação de costumes da população, incluindo para isso espaços acessíveis a círculos mais amplos da sociedade e que, assim, eram afastados da vida noturna das tavernas.


Foi essa a casa de espetáculos visitada pelos contemporâneos e amigos de Carlos Gomes, nele representando-se primeiras estréias de óperas de compositores como Petrella ou Ponchielli sobre libretos de Antonio Ghislanzoni. Foi esse teatro, de prestígio supra-regional, marcado por intensa vida musical e operística, a referência principal como sala de espetáculos da época de Carlos Gomes em Maggianico.



Traços umbertinos da Villa Brasilia


A época da construção da Villa Brasilia foi a de Umberto I de Savoia, reinande de 1878 a 1900, marcada assim pelo espírito do reino nacional da Itália unificada e que teve a sua expressão nos intentos de criação de um estilo nacional e que passou posteriormente a ser conhecido como stile umbertino.


O neoclássico e o neorenascentista que se manifesta nas formas simples e nobres da tradição arquitetônica e na composição volumétrica e espacial marcada por equilíbrio e harmonia, passou a incluir elementos representativos neobarrocos. Como estilo conotado como nacional da época do rei da Itália Umberto I, manifestou-se em reformas ou ampliações de edifícios mais antigos, como na ala esquerda do Teatro della Società de Lecco e na Villa Brasilia.


O projeto de Attilio Bolla para a Villa Brasilia distingue-se pelos seus traços estilísticos neoclássicos e neorenascentistas, assim como pelo equilíbrio e harmonia do volume edificada, de seus espaços e proporções.


A obra, na sua simplicidade, elegância e reserva insere-se assim na tradição da arquitetura nobre e nobilitadora de círculos altos da sociedade. Sobre planta retangular, a construção se eleva sobre dois planos.


Um prospecto é voltado à localidade de Maggianico, o outro, alcançado por uma grande escadaria, dirige-se ao lago. No interior, o pavimento térreo apresenta um grande salão que se abre "à veneziana" por grandes portas envidraçadas a terraço e às escadarias que levam ao parque, oferecendo uma visão ao chafariz que o ornamenta e, mais à distância ao lago - a seguir impedida pela ferrovia - e às montanhas circundantes.


A italianidade da obra criada à época umbertina evidencia-se da forma mais explícita nos motivos decorativos, uma vez que estes são marcados pelas efígies de Dante Alighieri e Beatrice. O projeto de Attilio Bola faz assim explícitas referências à Divina Commedia, sendo esta o referencial para a análise de sentidos do edifício. (Veja)


Como obra magna do maior poeta italiano, a Divina Commedia como base da concepção do edifício e dos seus espaços exteriores e interiores fundamenta a italianidade da Villa Brasilia. Estabelece-se, assim uma complexa relação entre sinais da linguagem simbólica, entre aqueles que falam do conteúdo da obra de Dante e o brasão com as armas do Brasil tendo a lira como centro. O edifício teria sido assim construído em sintonia com o cosmos, como descrito na Divina Commedia, sendo o cosmos representado no brasão não como estático, mas na sua dinâmica metamorfoseante de um processo representado pelo símbolo da lira da tradição visual músico-antropológica.


De ciclo de estudos sob a direção de

Antonio Alexandre Bispo



Atenção: este texto deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Veja o índice da edição




Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. (Ed.)“ Villa Gomes: a Villa Brasilia em Maggianico/Lecco e o seu brasão. Brasilidade e italianidade em sintonia com o cosmos: a lira substituindo a esfera armilar e a Divina Commedia “
.Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 161/05 (2016:03). http://revista.brasil-europa.eu/161/Vila_Brasilia_em_Maggianico.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2016 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Academia Brasil-Europa
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
reconhecido de utilidade pública na República Federal da Alemanha

Editor: Professor Dr. A.A. Bispo, Universität zu Köln
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Fotos A.A.Bispo ©Arquivo A.B.E.