O Il Guarany no Teatro Lírico de Milão em 1936
ed. A.A.Bispo
Revista
BRASIL-EUROPA 162
Correspondência Euro-Brasileira©
O Il Guarany no Teatro Lírico de Milão em 1936
ed. A.A.Bispo
Revista
BRASIL-EUROPA 162
Correspondência Euro-Brasileira©
N° 162/12 (2016:4)
Glanz und Grauen
A moda e a mulher em regimes totalitários de entre-guerra
O Il Guarany no Teatro Lírico de Milão em 1936
Nino G. Caimi (1876-1952 - editor de La Donna -, Cleo Caimi Guarana e Laura Porro
Estudos euro-brasileiros a partir de exposição
do Instituto de Ciências da Cultura da Universidade de Marburg em Engelskirchen, 2016
Em exposição realizada na Alemanha sob o título "Glanz und Grauen", tratou-se, no corrente ano, das relações entre o brilho representado pela moda na década de 30 do século XX e as atrocidades que se tornaram gradativamente evidentes da política nacionalsocialista da época do "III Reich".
No âmbito do projeto levantaram-se fontes, jornais, revistas, outras publicações, materiais têxteis e trajes conservados por particulares. Em mais de 100 costumes originais e 350 objetos, a exposição apresentou um amplo espectro da moda dos anos 1930 e 1940. Trajes de gala, caseiros, para a rua, para o trabalho, para o esporte e para as férias, uniformes de corporações, ligas e outras instituições foram considerados.
Os costumes femininos, elegantes e luxuosos de damas de círculos da alta burguesia ou políticos do "III Império" nazista trouxeram à consciência o papel desempenhado por mulheres na vida social e cultural de meios políticos da época e, indiretamente, na representação e solidificação do regime e de seu ideário.
Tematizou-se a função desempenhada por revistas femininas e por artistas de cinema, apresentando-se ampla coleção de revistas ilustradas que tratavam não só de moda, mas que também incluiam artigos sobre temas culturais. As casas editoras que publicaram essas revistas femininas exerceram assim uma função relevante no regime.
Trajes de gala femininos, usados pelas mulheres com jóias e peles, representaram pontos altos da exposição. Essa moda brilhante consistia apenas uma face da realidade: a essa moda que seguia influências internacionais, orientando-se segundo filmes e artistas de cinema, tinha como contrapartida a escassez da matéria prima para a confecção de vestuários. A exposição lembrou que os nazistas procuraram diminuir a falta de vestimentas através da desapropriação de judeus; durante a guerra, soldados que saquearam territórios conquistados enviavam para a Alemanha as roupas assim adquiridas. Nos campos de concentração, prisioneiros precisavam andar em círculo durante todo o dia para testar materiais para calçados, muitas vezes caindo e fenecendo em exaustão.
"A impressão que uma pessoa causa baseia-se no seu traje. Com isso, o significado da vestimenta é político, ela dá testemunho e faz propaganda ao mesmo tempo da cultura de um povo e de sua raça".
Glamour feminino de regimes totalitários europeus e os estudos euro-brasileiros
Como o projeto de pesquisas demonstrou, o brilho da moda e suas transformações no decorrer da década acompanharam desenvolvimentos políticos, tanto internos, como relativamente às relações internacionais. Neste contexto, levanta-se a questão dos paralelos e elos entre a situação e os processos tratados relativamente à Alemanha e aqueles de outros países com ela próximas politicamente.
Deve-se lembrar entre outras, das estreitas relações do regime instituído na Alemanha em 1933 com Portugal e com o Brasil, de fundamental significado para a institucionalização dos estudos portuguêses e brasileiros na Alemanha e dos estudos germânicos em Portugal.
A análise de processos culturais dessa época em contextos de países totalitários surge, assim, como uma exigência para a própria revisão crítica de bases, complexos temáticos e tendências do pensamento das ciências culturais relacionadas com o Brasil. Na época estabeleceram-se perspectivas na consideração de desenvolvimentos, interpretações, pesos temáticos e tendências do pensamento que mantiveram-se em parte de forma irrefletida nos estudos respectivos. (Veja)
Com base em documentos conservados de protagonistas e instituições, essas relações já foram estudadas sob diferentes aspectos. Das fontes pode-se constatar o brilho de atos oficiais, recepções e eventos culturais dedicados à intensificação de relações culturais sob o signo político entre a Alemanha, Portugal e o Brasil, o que surgem, em visão retrospectiva, como ambivalentemente fantasmagóricos, sabendo-se das implicações colonialistas e imperialistas, do racismo e das consequências políticas que levaram aos horrores da Segunda Guerra Mundial.
Um estudo adequado desses desenvolvimentos exige uma análise de processos precedentes e preparadores dessa fase da vida sócio-cultural marcada por uma procura de distinção de círculos influentes do poder em regimes totalitários afins politicamente.
Neste contexto, em perspectiva brasileira, a atenção não pode ser dirigida exclusivamente às relações Alemanha-Portugal-Brasil, por mais importantes que tenham sido na institucionalização dos estudos teuto-luso-brasileiros. Essa visão das decorrências fundamenta-se na formação histórica do Brasil e na língua portuguesa, dirigindo a atenção prioritariamente à história dos Descobrimentos e da colonização dos primeiros séculos.
Os processos desencadeados por colonizações mais recentes através de imigrantes europeus no Brasil, exigem ser considerados em outras constelações e sob outros referenciais, e a língua - a lusofonia - não surge mais como fator exclusivo, determinador de estudos de processos culturais.
A problemática da moda e do papel feminino no contexto Itália-Brasil dos anos 1930
É neste contexto que se revela o significado de uma consideração mais atenta de paralelos e interações entre a Alemanha, a Itália e o Brasil na década de 30. Alemães e italianos residentes no Brasil ou que por êle se interessavam na Alemanha e na Itália, assim como teuto-brasileiros e ítalo-brasileiros participaram de forma significativa em desenvolvimentos políticos dos estados totalitários e nacionalistas de ambos os lados do Atlântico, atuando na configuração ampla de relações entre nações que acentuavam o nacional em contraste com o internacionalismo da democracia ocidental e de organismos como a Liga das Nações.
Com a ocupação da Etiópia pelas tropas italianas sob Benito Mussolini (1883-1945), em 1935, a Liga das Nações colocou sanções contra o Reino da Itália em outubro de 1935, e que entraram em vigor em novembro daquele ano.
Essas medidas, compreensivelmente mal recebidas pela Itália, contribuiram à simpatia do regime italiano pelo Brasil, país que respondera negativamente ao proposto em Genebra.
A Alemanha era o único país europeu que - como no caso de Portugal - apresentava compreensão por intentos coloniais e imperiais italianos na África, uma vez que também no "III° Império" a "questão colonial" surgia como altamente relevante. Com a ampliação das possessões italianas na África Oriental, a Itália foi proclamada Império e o rei Vittorio Emanuele (1869-1947) Imperador da Etiópia. O ano de 1936, - o 14° da era fascista - , foi declarado como o primeiro ano do Império.
O estreitamento de laços de amizade entre a Itália e o Brasil em meados da década de 30 deve ser assim analisado nesse contexto determinado pelas decorrências coloniais e imperiais italianas na África e pelo posicionamento do Brasil. Sob a direta proteção de Benito Mussolini, e presidido por Guglielmo Marconi (1874-1937), criou-se a Associazione Gli Amici del Brasile, na qual atuava um grupo de jovens ítalo-brasileiros que também pertenciam à A.O.I., ou seja, se relacionavam com os empreendimentos coloniais e imperialistas italianos na Africa. (Veja)
A posição do Brasil, sentida como testemunho de amizade pela Itália, foi reconhecida através de grandes empreendimentos dedicados às relações de amizade ítalo-brasileiras em 1936, servindo como motivo o centenário de nascimento de Antonio Carlos Gomes (1836-1896).
Em relativo curto prazo, Il Guarany do compositor brasileiro foi incluido na temporada lírica de grandes teatros italianos de 1836-1837, o que apenas tornou-se possível pelo cunho oficial do empreendimento realizado sob os auspícios do Ministero per la Stampa e per la Propaganda. A celebração do centenário de Carlos Gomes foi assim uma realização altamente política a serviço da ideologia fascista no âmbito da expansão colonial e imperial do então proclamado Império italiano.
G. Nino Caimi (1876-1952), editor de La Donna, fiducidário dos Gli Amici del Brasile
Entre as cidades italianas envolvidas no programa comemorativo do centenário de Carlos Gomes, coube a Milão compreensivelmente um papel de particular relevância. Tendo Carlos Gomes ali realizado seus estudos, atuado e passado grande parte de sua vida, tendo sido o Teatro alla Scala aquele no qual Il Guarany obteve o sucesso que marcou a vida do compositor, Milão não poderia deixar de ser principal palco das celebrações. Além do mais, como centro de atividades comerciais, possuia estreitas relações econômicas com o Brasil e às quais servia uma representação oficial do país.
Para o Scala, preveu-se uma serata com obras de Carlos Gomes a ser realizada no início de 1937.
A encenação de Il Guarany em Milão, sob os auspícios do Ministero per la Stampa e per la Propaganda deu-se no dia 21 de outubro de 1936. Foi realizada pela Associazione Gli Amici del Brasile, dirigida em Milão pelo seu fiduciário local G. Nino Caimi (1876-1952), membro do Diretório Nacional, com a participação ativa de um grupo de jovens voluntários ítalo-brasileiros da associação que também pertenciam à A.O.I.
Para organizar e realizar a ópera de Carlos Gomes, G. Nino Caimi contou com o apoio do Ufficio Commerciale do Brasil, assim como de instituições e personalidades com as quais se relacionava, em particular de meios comerciais da importação e exportação, de firmas, do Diretório dos Advogados Fascistas, do mundo dos esportes e da imprensa, em particular também do jornal Brasile, órgão da representação oficial de comércio do Brasil.
A importância do evento manifestou-se na presença de representantes de toda a imprensa milanesa, de agências do exterior, de grande número de personalidades da política, do comércio, da literatura e das artes. Entre os nomes registrados pela imprensa, encontram-se o de Emanuele Cammarata do Direttorio Fascista Avvocati, Arnaldo Fraccaroli, Toti dal Monte, Jeau de Rignae - do Excelsior de Paris - o do diretor de France-Amérique, o de Jleana Rosenthel, da Opera de Bucareste, V. Clotta (Impi), o de Bernard Wull, da organização esportiva do Rio de Janeiro, e do romancista inglês John Dawinson.
Nino Caimi era conhecido como diretor de um dos principais jornais femininos da Itália - a revista La Donna. Essa revista, existente desde 1905, era publicada como suplemento bisemanal ilustrado de La Stampa de Turim e La Tribuna de Roma. Transferida em 1920 a Roma, passou, a partir de 1922, a ser editada pela casa Mondadori de Milão. Era uma revista voltada a um público feminino de círculos da média e alta burguesia, incluindo matérias sobre moda, atualidades e textos de interesse feminino. Na ilustração do periódico, colaboravam artistas de renome.
O papel relevante, senão determinante nas comemorações de Carlos Gomes foi desempenhado pela sua esposa, Cleo Caimi Guarana. Este seu significado explica-se pela sua proximidade à filha do compositor, Ítala Gomes Vaz de Carvalho, assim como pela sua proximidade a Laura Porro, sobrinha do compositor. Foi Cleo Caimi Gaurana que traduziu a biografia do compositor escrita por Ítala Gomes Vaz de Carvalho, publicada no Brasil e a adaptou para ser impressa na Itália no ano seguinte (Itala Gomes Vaz de Carvalho, Vita di Carlos Gomes, Trad. e adattamento dalla 2a. edizione brasiliana di Cleo Guarana Caimi, Milano: O. Zucchi, 1937).
A preleção de Nino G. Caimi com base no livro de Itala Gomes Vaz de Carvalho
A atenção é dirigida primeiramente às características nacionais e raciais de Carlos Gomes como homem e como artista. Com base em carta que escreveu a seu pai após a sua fuga para o Rio de Janeiro, Nino G. Caimi salienta que o compositor fora um filho genuíno da sua terra, rica, generosa, primitiva. Nela, a própria natureza parecia amar a hipérbole, a beleza, querer alcançar os limites do divino; a vegetação era luxuriante a ponto de dar vertigem e as paixões eram violentas como o ardor do solo, mutáveis como a infinita variedade da terra.
Nessa terra, duas civilizações tinham-se encontrado, mas não se haviam confundido. A generosidade e a virtude eram instintivas, as iras rápidas, os orgulhos fortes e o culto da amizada e da família a base da vida nacional.
Seguindo a visão de Itala Gomes Vaz de Carvalho, sempre tão ciente em acentuar origens nobres da família, Nino G. Caimi diz que Carlos Gomes seria descendente de uma nobre família espanhola, transplantada há séculos ao Brasil, embora também tivesse em suas veias sangue indígena - da mesma tribo dos Guaranis que mais tarde cantou e exaltou.
Com essas observações, Nino G. Caimi correspondia a concepções de terra e sangue, a convicções raciais avessas a misturas, a visões caras ao fascismo de acentuação de passado valoroso e nobre e, que, na Itália, voltava-se sobretudo à exaltação do passado imperial romano.
Mais um indício de que Nino G. Caimi baseava-se na visão feminina do compositor representada por Itala Gomes Vaz de Carvalho e de Cloe Caimi Guarana é o fato do conferencista acentuar a esposa de Carlos Gomes, também ela musicista, que se diferenciaça de Carlos Gomes pela sua alta cultura e origens, de nobre família bolonhesa, e que lhe dera quatro filhos, dois perdidos em idade jovem. Mais uma vez salientava-se, assim uma nobreza de linhagem, desta vez italiana, e da qual sobretudo a sua filha Itala Gomes -que trazia a Itália no seu próprio nome - seria a representante.
Carlos Gomes como herói másculo e homem elegante segundo concepções fascistas
Essas características pessoais e do trajar de Carlos Gomes, não salientaas à época de sua vida, evidenciam na sua acentuação uma mitologização da história a serviço de concepções e imagens de virilidade e energia valorizadas pela ideologia fascista.
Carlos Gomes teria tido uma belíssima figura, tendo sido alto e cheio de distinção, com uma cabeça leonina, na qual flamejavam olhos de fogo, um homem de voz canora, mas doce, de gesto amplo e cordial, para quem o culto da família constituira escopo de vida.
A imagem que serviu de ilustração à comemoração apresenta consequentemente traços marcadamente másculos, semblante revelador de indômita energia, olhar grave e decidido, iluminado no fundo por raios de luz, uma representação que revela claramente a linguagem estética fascista. Carlos Gomes teria sido uma fiel e magnífica encarnação da sua raça e a sua música fora desta a expressão artística mais elevada, mais perfeita, mais inconfundível e imortal.
A seguir, Nino G. Caimi apresentou um breve panorama de sua vida no Brasil, traçando os caminhos que o levaram à Itália, uma decisão atribuída à Imperatriz Teresa Cristina (1822-1889) que, por ser napolitana, fêz prevalecer a Itália na escolha do país para o seu aperfeiçoamento, contrariando aqueles que se orientavam antes pelo novo gênio musical do Norte, Richard Wagner (1813-1883).
A sua chegada em Milão, em fins de 1863, teria ocorrido segundo o conferencista sob o mais promissor signo. Trazendo uma carta de recomendação do imperador, encontrou o mais cordial acolhimento por parte de Lauro Rossi (1810-1885), o diretor do Conservatório, considerado então como um luminar em época na qual Milão era centro de uma magnífica plêiade de gênios musicais. Não podendo seguir cpmo estrangeiro os cursos do Conservatório, Carlos Gomes tornara-se aluno de de Lauro Rossi, que logo tornou-se amigo fiel e guia, obtendo depois de três anos o diploma de maestro-compositor.
A preocupação de Nino G. Caimi foi a de salientar a intrepidez, a energia, a força de vontade e a assimilação da italianidade por Carlos Gomes. O irriquieto musicista não se contentou em estudar, mas dedicou-se ao trabalho e à composição, escrevendo a música de uma revista em dialeto milanês - Se sa minga - que obteve clamoroso sucesso no Teatro Fossati e que o fêz conhecido do público. Loto seguiu-se a música de outra revista, La Luna, que também obteve sucesso. O conferencista salientou assim obras que tornaram o compositor brasileiros conhecido e popularmente aceito, e nas quais transparecia o seu envolvimento com interesses e perspectivas da Itália, o seu conservadorismo político moderado e a sua repúdia à volubilidade. A crítica à moda da revista de 1868 não dizia respeito à elegância distinta do trajar de círculos conservadores, mas sim à vulgaridade de uma moda extravagante sempre à procura de novidades. (Veja)
Conflitos de sangue em Carlos Gomes e o assunto de Il Guarany
As origens de Il Guarany, expostas por Nino G. Caimi da forma romanceada, assumem características de um verdadeiro mito. O sonho do compositor teria sido ver uma obra levada no Teatro alla Scala, e para isso procurou um libretto. Em vão o autor das revista, lhe propôs diversos assuntos. Caiu-lhe em mãos uma rudimentar tradução italiana de um romance brasileiro, no qual eram descritas episódios de amor e de sangue de duas raças dos Aimorés e dos Guaranís em luta contra a soberania portuguesa.
Carlos Gomes teria sentido uma profunda correspondência entre esse assunto com o seu intimo, com os conflitos no seu próprio sangue. O seu empenho na criação da obra falaria dessas forças internas que o impeliam. Enquanto o libretista escrevia as cenas, o compositor traçava os motivos musicais, tudo dentro do fogo da criação e da profunda emoção da trama que lhe recordava os contrastes e espetáculos vivenciados na sua juventude e no seu próprio ser.
Auto-louvor da hospitalidade italiana e italianidade de Carlos Gomes
Assim como a menção a Lauro Rossi, também a encenação de Il Guarany no Teatro alla Scala em março de 1870 foi descrita por Nino G. Caimi como gesto de condescendência e testemunho de cordialíssima hospitalidade italiana para um jovem e um estrangeiro.
Uma atenção especial foi dedicada por Nino G. Caimi à italianidade de Carlos Gomes e a seus estreitos elos com Milão. Lembrou que, se os seus inimigos brasileiros o censuravam por ser demais italiano, era justamente essa crítica que o fazia mais caro aos italianos.
Se Milão recordava o compositor, isso dava-se a justo título, pois tinha sido um concidadão que vivera na cidade quase trinta anos de sua vida.
Carlos Gomes na memória de Milão - menção de Paolo Buzzi (1874-1956) - e à Galleria Vittorio Emanuele
Acentuando os elos da família Gomes com Milão, Nino G. Caimi lembrou que o seu terceiro filho, Carlos André, tão cedo falecido, havia frequentado o Ginnasio Beccaria, tendo sido companheiro de Paolo Buzzi.
Com essa menção, Nino G. Caimi introduziu na sua palestra o nome de um escritor que fora secretário geral da Província de Milão e que aproximara-se do movimento futurista italiano marcado pelo nome de F. T. Marinetti (1876-1944). Ainda que a citação de um vulto do futurismo em texto a Carlos Gomes surja como insólita, revela os complexos caminhos empregados para interpretá-lo sob o signo do fascismo.
Para salientar ainda mais os elos de Carlos Gomes com Milão, Nino G. Caimi mencionou os endereços do compositor na cidade. Tendo primeiramente morado em pequeno apartamento acima da Galleria Vittorio Emanuele, com entrada pela via Marino 3, e depois na via S. Pietro all'Orto n° 16, teve aqui como vizinho o Comendador Bonola, seu grande amigo e agente teatral. O nome de Bonola era ainda não totalmente esquecido nos meios de artistas de mais idade de Milão.
A amizade de Carlos Gomes por Bonola tinha sido tão forte que, ao tomar conhecimento de sua morte, estando no Brasil, não quis retornar à sua casa, pedindo que fosse procurada uma nova moradia, passando a residir na via Morono n° 4. Em cartas, o compositor mencionava as grandes árvores do parque Trivulzio que podia avistar da janela de seu apartamento e que proporcionavam inspiração e tranquilidade.
Homenagem a Laura Porro
Merece particular atenção a importância concedida à sobrinha do compositor, Laura Porro (Donadoni), na apresentação de Il Guarany em Milão.
Circundada por outros brasileiros residentes em Milão e pelos jovens ítalo-brasileiros da associação e da A.O.I, Laura Porro tomou lugar junto às autoridades em assentos festivamente ornamentados com as cores do Brasil. Alvo de homenagem por parte da Associazione Gli Amici del Brasile, foi a ela oferecida uma medalha com uma gravura de sentidos simbólicos. As armas da Itália e do Brasil entrelaçadas indicavam os estreitos laços de amizade entre as duas nações no próprio nome de Carlos Gomes, lembrando que foi como compositor que amou as duas pátrias.
Dopo la rappresentazione, ad iniziativa dell'Associazione Amici del Brasile è stata offerta alla nipote di Carlos Gomes, signora Laura Porro, una medaglia commemorativa, accompagnata da un nobile messagio, in ricordo del grande avvenimento artistico. (...)
Su questa medaglia sono intrecciati sotto il nome di Carlos Gomes, gli stemmi dell'Italia e del Brasile, le due Patrie che egli amò quasi dello stesso intenso amore e che sono congiunte indissolubilmente nella sua arte, che appartiene al Brasile, come appartiene alla storia della musica italiana degli ultimi 50 anni.
Repercussões na imprensa - Lina Pagliughi (1907-1980)
Os comentários de jornais publicados no Brasile oferecem substancial documentação para estudos da recepção de Il Guarany na Itália após tantas décadas de esquecimento.
O jornal Popolo d'Italia salientou que, independentemente do centenário de Carlos Gomes, havia motivos e razões outras - ou seja, políticas - para a reencenação de tal velha composição, de caráter claramente italiano, num dos mais ilustres teatros de Milão.
O sucesso alcançado e as qualidades de algumas de suas partes foram devidos sobretudo às interpretações da soprano Lina Pagliughi, que unia em si as virtudes do antigo bel canto italiano, fluido, espontâneo, pura melodia.
Essa cantora, também representante da imigração italiana no mundo, nascida nos Estados Unidos, que se formara e se radicara em Milão, vinha de encontro já pela sua presença ao contexto celebrativo de elos entre nações e da presença italiana no Novo Mundo.
"Non dev'essere spiaciuto a nessuno che questo vecchio spartito di carattere spiccatamente italiano sia tornato alla ribalta di uno dei nostri teatri più illustri, dopo molti anni di eclissi artistica. Indipendentemente dalla celebrazione centenaria che ne ha provocata la presente edizione, non mancano motivi e ragioni valide per riproporlo al diletto e all'ammirazione del nostro pubblico. S'è visto e constatato dal sucesso assai vivo di ieri sera".
(...)
"Abbiamo detto del successo e precisiamo che raggiunse il maggior segno nei punti più melodici e di maggiore intensità passionale, ma anche di grandiosità decorativa.
A questo concorse, in primo luogo, l'esecuzione vocale, segnatamente quella di Lina Pagliughi. Questa cantatrice, alla soavità della voce di una uguaglianza e di una morbidezza e lucentezza, insieme, ammiraévoli, unisce le virtù del vecchio bel canto nostro: canto fluido, spontaneo, che è una cosa sola col legato melodico: il suono, anzi, fatto pura melodia."
O Corriere della Sera, no passado de tanta importância para a divulgação do nome de Carlos Gomes, (Veja) salienta a regência de Ugo Benvenuti Giusti. Fazendo cortes na partitura interminável e executando-a com elasticidade de movimentos, com equilíbrio e cuidado expressivo, valorizou-a. Louvores coube também ao regente de coros Ruffo e ao chefe-de-cena Gaspare Bartera.
"O Guarany, libretto e musica, dramma e vocalità, taglio scenico e convenzionalismo formale, potrebbe allinearsi, senza arrossire, con la più facile produzione giovanile del fecondo Bussetano. E come il romanzo di José de Alencar, in quanto azione truculenta, è in grado di dare dei punti ai drammoni di Schiller e di Victor Hugo, così la musica di Gomes, in quanto sorgiva naturalezza, generosità ed esplosività di immagini, appare tale, in questa interminabile partitura, da non sfigurare affatto al confronto delle più comuni inconfondibili espressioni di Verdi. E però Verdi, sempre tanto difficile nel giudicare, scriverà d'aver 'assistitocon grande viva soddisfazione all'opera del collega maestro Gomes', ch'egli ritiene 'di squista fattura, e rivelatrice d'un'anima ardente, di un vero genio musicale'; e dopo ascoltata l'invocazione del terzo atto Oh, Dio degli Aymoré..., esclamerà: 'Questo giovane comincia dove finisco io'.
A rendere più snella la partitura con alguni rispettosi tagli, e a realizzarla con l'opportuna elasticità di movimenti, con preciso equilibrio e con attenta cura espressiva, è valsa l'opera intelligente del maestro Ugo Benvenuti Giusti, suo valoroso maestro direttore e concertatore, coadiuvato per i cori dal maestro Ruffo, per la regia da Gaspare Bartera. Anche sul palcoscenico, ove l'abilità dei cantanto era messa a dura prova, le cose sono state fatte a dovere'.
O comentarista de L'Italia salientou o discurso de Nino G. Caimi, no qual este acentuara a italianidade de Carlos Gomes, lembrando que o Brasil era nação mais do que amiga, fato demonstrado com o seu gesto contrário às sanções colocadas à Itália.
Se la figura dell'uomo e del musicista ebbe simpatico rilievo dal discorso di Nino G. Caimi, fiduciario della Associazione Amici del Brasile, che pronunciò dopo il secondo atto, ricordando anche opportunamente che il Gomes ha diritto a cittadinanza italiana oltrechè per la lunga permanenza fra noi, anche perchè oggi - dopo la prova di amicizia offertaci dal Brasile nel periodo delle sanzioni, - questa Nazione è da noi considerata più che amica, la musica del Guarany fu assai dignitosamente eseguita, sia per merito del maestro Benvenuti Giusti che concertò e diresse con cura e con fuoco, facendo affiorare tutto quello che di incandescente cova qua e là fra le ceneri di un'arte spenta, sia per merito della signora Pagliughi che fu una 'Cecilia' dalla voce soave, ricca e ben intonata sì da meritare gli applausi speciali che le furono diretti. Molte le chiamate dopo ogni atto, e due calorose acclamazioni al maestro Benvenuti Giusti dopo la brillante esecuzione della Sinfonia.
O jornal Il Sole tratou de Carlos Gomes como "brasileiro de origem e italiano por eleição", dizendo que a ópera, até então esquecida, demonstrava-se ainda então pulsante e viva. Nela encontrava-se a espontaneidade melódica do passado, então não mais em moda, assim como a energia e a vibração que não mais se encontrava na produção lírica moderna. Diferentemente do libreto, antiquado, a música de Carlos Gomes podia servir de exemplo a jovens operistas, demonstrando que com poucos elementos essenciais da arte, poder-se-ia compor livremente, desde que os compositores fossem movidos internamente por um fogo criador.
Per solennizzare il Centenario della nascita di Carlos Gomes - brasiliano d'origine ed italiano di elezione - venne riesumata ieri sera quest'opera, tipicamente melodrammatica, da tempo dimenticata ed ancor oggi pulsante e viva.
Essa può vantare, anzitutto e soprattutto, quella spontaneità melodica ristoratrice, che ora non è più di moda, e quel piglio energico e vibrante che invano si cerca nella produzione lirica moderna. A parte il libretto, piuttosto anziano, la musica invece può essere additata al giovani operisti perchè apprendano che con pochi elementi essenziali dell'arte teatrale nostrana - non obbedendo affatto ai dettami degli esteti sopravvenuti - essi possono comporre como credono e quando vogliono, assistiti però da quel sacrosanto fuoco che, una volta acceso, non accenna a spegnersi e forse non si spegnerà mai. Così Fosca, Salvator Rosa, Maria tudo, Condor e Lo Schiavo - cioè il repertorio completo delle opere dello stesso Autore, forse migliorate nella forma più che nella sostanza - costituiscono il più ividiabile patrimonio di questo compositore, scomparso e rimpianto.
O Secolo - La Sera registrou sobretudo a festividade e o sucesso da apresentação. A obra lembraria que ópera é essencialmente canto e que só o bel canto poderia dar-lhe vida.
Festevole, del resto, è stato anche il ritorno di questo Guarany nella luce commemorativa. Molti gli applausi dopo ogni atto e a scena aperta. E se si tien presente che oggi la lirica non può offrire gli interpreti vocali del 1870 (sotto la direzione di Franco Faccio c'erano il Villani, la Sass, il Maurel e il Coloni!) perchè non ci si ricorda più che l'opera è essenzialmente canto e che solo il bel canto può far vivere l'opera, la musica di Carlos Gomes si fa anche più onore.
De ciclo de estudos sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo
Atenção: este texto deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Veja o índice da edição
Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A.“ Glanz und Grauen. A moda e a mulher em regimes totalitários de entre-guerra. O Il Guarany no Teatro Lírico de Milão em 1936. Nino G. Caimi (1876-1952 - editor de La Donna -, Cleo Caimi Guarana e Laura Porro “.Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 162/12 (2016:04). http://revista.brasil-europa.eu/162/Il_Guarany_em_Milao_1936.html
Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira
© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2016 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
Academia Brasil-Europa
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