A Itália na Etiópia e o Brasil em 1936
ed. A.A.Bispo
Revista
BRASIL-EUROPA 162
Correspondência Euro-Brasileira©
A Itália na Etiópia e o Brasil em 1936
ed. A.A.Bispo
Revista
BRASIL-EUROPA 162
Correspondência Euro-Brasileira©
N° 162/11 (2016:4)
A Itália na Abissínia e o Brasil
Zafán - o canto etiópico celebrativo de Agostino Cantù (1878-1943)
e o centenário de Carlos Gomes (1836-1896) na Itália fascista
Os jovens ítalo-brasileiros da A.O.I. (Africa Oriental Italiana)
na Associazione "Amici del Brasile" sob o patronato do Duce
Uma das tarefas que se impôs ao programa euro-brasileiro de análises de processos culturais iniciado na Alemanha, em 1974, foi o da consideração da própria história da institucionalização da área de estudos portugueses e brasileiros na década de 1930, assim como seus precedentes, suas continuidades e descontinuidades após a Segunda Guerra. (Veja)
O fato de ter sido essa área disciplinar particularmente fomentada em contexto marcado politicamente pelo regime nacionalsocialista exigia uma particular atenção crítica a tendências de pensamento, questionamentos e visões. Perspectivas fundamentadas na Weltanschauung do nacionalsocialismo ainda poderiam ter-se mantido vigentes de forma pouco refletida ou inconsciente nos estudos teuto-luso-brasileiros.
Fatos, obras, eventos e outras iniciativas do passado dos anos trinta poderiam continuar a vigorar como conquistas objetivas da área de estudos sem que se desse a necessária atenção aos contextos políticos em que se inscreveram.
Nos estudos de fontes relativas aos elos político-culturais entre o III Reich nazista e os países latinos sob regime autoritário, em particular com Portugal, deu-se particular atenção a questões coloniais em ambos os países. (Veja)
Colonialismo e Imperialismo nos anos de 1930 em contextos teuto-luso-ítalo-brasileiros
A política voltada à recuperação de colonias perdidas pela Alemanha pelo Tratado de Versalhes como resultado da derrota na Primeira Guerra Mundial correspondia ao interesse por questões coloniais em Portugal, sempre preocupado pela defesa de suas possessões na África e na Ásia. (Veja)
Foram assim, repetidamente considerados em cursos e seminários, entre outros, em 2006, no primeiro colóquio internacional "Migração e Estética", levado a efeito pelo I.S.M.P.S./A.B.E. e pela Universidade de Colonia.
As discussões, pelo seu caractér político, tiveram continuidade no seminário "Música e Política na Pesquisa Musical Latinoamericana". Transcorridos dez anos do seminário "Migração e Estética", surge como oportuno recordar alguns dos pontos então tratados.
Literatura de divulgação marcada por visões do mundo nacionalistas da década de 1930
O interesse alemão por regiões coloniais, em particular no continente africano, fêz surgir uma literatura popular de divulgação de regiões e povos de fundamentação ideológica nem sempre explícita e reconhecível numa primeira leitura.
São textos que não deixam muitas vezes de constituir fontes de valor histórico-cultural e documental, sobretudo pelas fotografias que contém, ainda que sempre exigindo leituras que considerem a sua inserção político-cultural.
Também o Brasil foi considerado em textos de natureza geográfica, cultural e em relatos de viajantes e jornalistas, surgindo em periódicos ao lado de países que não parecem oferecer, à primeira vista, proximidades geográficas, elos históricos e afinidades culturais.
A atenção à África sob o signo do interesse colonial e geo-estratégico de poder manifestou-se em textos que salientam sobretudo a ação civilizadora do europeu e os progressos técnicos trazidos pela presença colonial no contionente africano.
Para além de textos relativos às colonias portuguesas, justificados pelos estreitos elos com o Estado Novo português, foi o Leste da África uma região que despertou particular atenção internacional.
Interesse pela Abissínia e pelo seu exército entre armas tradicionais e ocidentais
Um exemplo desse interesse foi artigo publicado sobre a Etiópia de G. Woltersdorf, com fotografias do próprio autor na revista Durch alle Welt ("Abessinien gestern und heute, 18, maio de 1936, Berlin-Schöneberg: Peter Ostergaard, 18-19, 32).
Nesse artigo, em súmula final, o autor salienta o trabalho construtivo de militares europeus na criação de um exército etíope segundo modernos princípios, apesar de ainda representar uma mistura contrastante de armas e usos arcaicos com aquelas das mais avançadas do Ocidente, vendo na constituição complexa do exército abissínio uma imagem do que era o país e do desenvolvimento por que passava.
Se o Ocidente com a sua civilização fosse por fim vencedor, esta vitória seria uma questão mais abrangente do que aquela política representada pelas mudanças de poder. O processo civilizatório estava já avançado: o fruto parecia estar maduro para ser colhido; somente aqueles que o ousaram poderiam dar testemunho da dificuldade de colhê-lo. (op.cit. 32)
Essas palavras de G. Woltersdorf tornam-se compreensíveis considerando a atualidade da Etiópia na discussão política internacional de 1935/1936 e que foi marcada pelas ações italianas na África Oriental e as reações internacionais.
A invasão italiana na Etiópia, a Liga das Nações e a posição do Brasil
Uma questão de fronteiras entre a Etiópia e o território da Somália, em 1934, justificou uma intervenção italiana e à invasão da Etiópia em outubro de 1935. Em abril de 1936, as tropas italianas lograram a maior vitória e tomaram Addis Abeba, no início de maio. Foi essa situação que foi registrada na mencionada publicação de divulgação alemã.
O rei Vittorio Emanuelle III (1869-1947) foi proclamado imperador da Etiópia e o General Pietro Badoglio (1871-1956) a vice-rei. O imperador etíope Haile Selassie (1892-1975) procurou apoios internacionais contra os invasores.
A Liga das Nações condenou a invasão italiana, votando sanções econômicas contra a Itália. Através delas, deveria haver um embargo de armamentos, de empréstimos e créditos à Itália, de importação de produtos italianos e de exportação de materiais que poderiam ser utilizados para fins bélicos.
Essas medidas não tiveram efeito pela falta de apoio de várias nações. Interesses comerciais, sobretudo de exportação por parte de varios países foram os principais fatores que impediram um apoio mais decidido. Também fatores ideológicos, de afinidade entre países não-democráticos e nacionalistas, enfraqueceram as medidas contra a Itália. O Brasil foi uma das nações que deu resposta negativa às sanções propostas.
A ação italiana, as reações internacionais e a posição do Brasil não devem ser vistos apenas como um episódio sem maior significado na história de processos político-culturais do século XX. A guerra com a Etiópia, vista como manifestação de intentos imperialistas da Itália, é considerada como fator importante na intensificação de tensões entre países fascistas e aqueles democratas, surgindo como um momento significativo que levaria, após a Segunda Guerra, à intensificação de movimentos nacionais na África.
A Itália na Etiópia e os ítalo-brasileiros - Zafàn, de Agostino Cantù (1878-1943)
O desenvolvimento da presença e da expansão italiana na Somália e na Etiópia foram acompanhadas pelos italianos e seus descendentes no Brasil. Devido ao papel relevante e mesmo predominante dos italianos e ítalo-brasileiros na vida musical de São Paulo, é compreensível que o principal exemplo do interesse pela África Oriental Italiana seja uma composição de professor do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, Agostino Cantù.
Tendo nascido e estudado em Milão, onde, no Conservatório, foi aluno de composição de Vincenzo Ferroni (1858-1934), e onde teve a sua ópera Il poeta encenada em 1906 sob a direção de Tullio Serafin (1878-1968), Cantù foi, como professor de piano e composição em São Paulo uma das personalidades mais influentes do meio paulista e das instituições ítalo-brasileiras tanto da capital como também do Rio de Janeiro.
A. Cantù dedicou a sua composição Zafàn para piano - um "canto etiópico celebrativo" a Joaquim A. Barrozo Netto (1881-1941), compositor e professor conhecido pelos seus laços de simpatia pela Itália - onde representara o Brasil em exposições internacionais em Roma e em Turim antes da Primeira Guerra, em 1911,(São Paulo: Edição Impressora Moderna N. 5296)
Essa obra merece particular atenção não só como testemunho do interesse por música exótica de ítalo-brasileiros no Brasil - e no qual se inseriu também de forma complexa obras com elementos do folclore brasileiro - mas sim e sobretudo como da inserção do compositor em contexto político-cultural internacional e como documento de processos identitários.
Essa composição, que vem sendo considerada na Europa em cursos que relacionam Etnomusicologia e Musicologia Histórica, incluiu um texto referente à música etíope, o primeiro do gênero no Brasil e que dá testemunho dos estudos desenvolvidos por A. Cantù de música africana a partir de seu posicionamento italiano. O texto foi publicado em duas línguas, em italiano e em português, o que se explica pelo fato de prever-se a sua divulgação também na Itália. A. Cantù não só expõe os seus conhecimentos da música etíope, mas também revela suas concepções estéticas e culturais relativas à música e à civilização.
O autor parte da constatação de que a música, na Etiópia, como em qualquer outro país, seria religiosa ou profana. A profana, porém, não podia ser diferenciada, como na Europa, em popular e artística, pelo fato de que não existiria uma "escola d'arte" na Etiópia. Toda a música seria popular. O conceito musical seria tão elementar, tão instintivo, tão pouco evoluído que, para a "spenceriana heterogena incoherencia das origens" - o abissínio teria somente um vocábulo para o canto e para a dança, que raramente surgiam separados: zafàn.
Zafàn seria tanto música como dança, assim como a sua mistura, designando o canto-dança que os homens dançam brandindo lanças, punhais, machados e fusís, uma espécie de dança dramática ou pírrica, ao rítmo da primordial zabumba, com gestos de batalha, com o canto em grupo de mulheres enquanto executam a "dança do pescoço". Nesta, abaixavam a cabeça até unirem o queixo com o esterno, jogando-a para trás expondo os seios, fexionando os joelhos e deslocando a bacia em movimentos ondulatórios.
Cantù apresenta um exemplo do canto de Zafàn celebrativo, que se distingue pela alternância métrica de compassos, assim como o do seu acompanhamento pelo tambor. Essa cantilena seria simples e difundida, o seu rítmo era regularizado pela repetição, seno a meloia sustentada pelo rítmo do tambor percutido com as duas mãos. O estribilho, alternado e insistente dos solistas procede elevando-se pouco a pouco; parece abrandar-se por desistência dos cantores, mas logo reanima-se para acabar num crescendo de sonoridade. Com essa descrição do Zafàn, A. Cantù oferece ao mesmo tempo uma descrição da sua própria obra. Nela, o grande efeito é produzido pelo crescendo final, com glissandos e em FFF.
A ilustração da capa apresenta a dança dos homens portando lanças e escudos, com o tocador da "zabumba" em primeiro plano.
A gratidão da Itália fascista pela posição do Brasil
A posição que o Brasil tomou contrária às sanções à Itália previstas pela Liga das Nações foi de grandes consequências para as relações culturais ítalo-brasileiras. Ela foi vista como prova de amizade do Brasil para com a Itália, dos estreitos laços que uniam ambos os países e que merecia ser reconhecida também por parte da Itália. O gesto fizera que o Brasil se tornasse o mais caro de todos os países latinos a todos os italianos.
Uma oportunidade excepcional para a celebração dessa amizade ofereceu o centenário de Antonio Carlos Gomes (1836-1896), em 1936. O dia dos seus cem anos, o 11 de julho daquele ano, dava-se apenas poucos meses após a tomada italiana da capital da Etiópia.
As comemorações do centenário de Carlos Gomes na Itália não podem, assim, ser consideradas apenas sob um aspecto histórico-musical convencional quanto a um significado ainda sempre presente do compositor e de sua obra. Elas assumem relevância sobretudo no âmbito das relações Itália-Brasil do período de entre-guerras, sendo que as suas dimensões apenas podem ser compreendidas no contexto político da intervenção colonial e imperialista italiana na África, das sanções internacionais e da posição tomada pelo Brasil . Essas ocorrências de 1935/1936, por sua vez, apenas podem ser analisadas como resultado de processos desencadeados em anos precedentes, intensificados na década que sucedeu àquela da Primeira Guerra Mundial.
É apenas considerando as comemorações de Carlos Gomes de 1936 nessa função que desempenharam em processos político-culturais internacionais que se pode compreender o cunho oficial que assumiram no regime fascista. Elas estiveram diretamente sob o patrocínio de Benito Mussolini (1883-1945) e foram realizadas sob os auspícios do Ministero per la Stampa e per la Propaganda. Somente esse apoio vindo dos mais altos círculos do regime pode explicar o fato de levar-se, em curto prazo, o Il Guarany nos principais teatros da Itália. Submetidos ao regime, os tradicionais teatros tiveram assim a ordem de incluir a já esquecida ópera nas suas programações. As comemorações italianas de Carlos Gomes foram assim do maior porte e significado. Preveu-se a encenação de Il Guarany em teatros dos mais importantes da Itália: o Teatro Reale de Roma, o San Carlo de Nápoles, o Teatro Lirico de Milão, sendo que no Teatro alla Scala, de Milão, realizar-se ia, no início de 1937, uma noite de arte dedicada a Carlos Gomes.
O principal motor das comemorações foi Guglielmo Marconi (1874-1937), personalidade de renome internacional como cientista na área da radiofonia e da comunicação internacional, membro do Partido Fascista Italiano desde 1923, nobilitado pelo rei, presidente do Conselho Nacional de Ciências da Itália (1928) e da Accademia Nazionale dei Lincei, membro do grande conselho fascista italiano. Os elos de Marconi com o Brasil eram marcados pelos seus empreendimentos de comunicação radiofônica, em particular quando da inauguração da estátua do Cristo Redentor no Rio de Janeiro, alguns anos antes.
O centenário de Carlos Gomes na Itália oferece um exemplo do emprêgo de uma personalidade histórica e de sua obra a serviço de fins políticos. Traz à consciência a necessidade de diferenciação entre uma consideração do compositor na sua época e aquela do seu redescobrimento reinterpretativo - ou instrumentalização - em época muito posterior à sua morte.
L'Associazione Gli Amici del Brasile e os italo-brasileiros da A.O.I.
Com esses eventos comemorativos, de iniciativa dos Amigos do Brasil e por vontade do Capo del Governo, a Itália participava das celebrações que ocorriam no Brasil, onde o dia de nascimento de Carlos Gomes tinha sido declarado feriado nacional.
L'Associazione Gli Amici del Brasile che ha per Alto Patrono il Duce e a sua Presidente Guglielmo Marconi, anche a memore riconoscenza di questo gesto, si propone i rendere sempre più intimi, profondi e cordiali, i rapporti fra i due Paesi, attraverso una maggiore conoscenza e comprensione reciproca. Mentre in Brasile il Governo celebra il suo glorioso artista dichiarando festa nazionale il giorno della sua nascita, in Italia, per iniziativa degli Amici del Brasile e per volontà del Capo del Governo, si prepara la rappresentazione del Guarany al Teatro Reale di Roma e al San Carlo di Napoli e se annuncia alla Scala per i primi mesi dell'anno venturo una grande serata dedicata a Carlos Gomes. (...) (Il Brasile, )
O relato do jornal Brasile, publicado pela câmara de comércio de Milão, documento considerado por pesquisadores italianos e apresentado por ocasião de exposição do "Ano Carlos Gomes" de 1986, documenta a participação de jovens ítalo-brasileiros que pertenciam tanto à Associazione Gli Amici del Brasile como à A.O.I., ou seja, a organização de militância da África Oriental Italiana. A esses jovens foram dados lugares de honra junto a personalidades da vida cultural, política e da imprensa presentes à representação de Il Guarany.
A A.O.I. era a sigla da África Oriental Italiana, denominação das possessões coloniais italianas na África, assim proclamada por Mussolini a 9 de maio. Essa Africa Oriental Italiana unia o Império da Etiópia e as colonias da Eritréia e da Somalia Italiana, sendo dividida em seis governatorados. (Amara, Eritrea, Harar, Galla e Sidama, Scioa e Somalia). Durante a Segunda Guerra Mundial, a Somalia britânica foi anexada à italiana.
Os trabalhos da associação decorriam no âmbito do Ministero per la Stampa e per la Propaganda, instituição que tinha como modêlo o ministério de propaganda nazista de J. Goebbels (1897-1945). A esse ministério, que controlava a cultura e assumia a organização de atividades culturais a serviço da ideologia fascista, estavam subordinadas relevantes instituições, entre elas grandes teatros de ópera da Itália.
A cordialidade de italianos e brasileiros em auto-valorizações nacionalistas
Conceitos de vizinhança, amizade entre povos latinos e cordialidade marcaram as reflexões e pronunciamentos das comemorações italianas de Carlos Gomes de 1936. Embora retribuindo o gesto do Brasil contrário às sanções como sinal de amizade, os elos de proximidade, os vínculos e a cordialidade entre as duas nações foram considerados sobretudo a partir da perspectiva italiana. Lembrava-se que milhões de italianos tinham contribuído com a força de seu trabalho e de mente para o desenvolvimento civilizatório que fizera a potência do Brasil, um país que era tão vasto como a Europa. Na sua população, de ca. de 40 milhões de habitantes, participavam mais de dois milhões de italianos. As relações entre a Itália e o Brasil tinham sido sempre amigas e cordiais, fato explicável já pela comum origem latina de ambos os povos. Fora a cordialidade italiana que possibilitara que Carlos Gomes encontrasse na Itália o caminho de seu sucesso. Por isso, Carlos Gomes amara intensamente tanto o Brasil como a Itália, e suas obras pertenceriam tanto ao Brasil como à história da música italiana.
O acento foi dado, assim, à cordialidade italiana que teria permitido o sucesso e a glória de Carlos Gomes, o que revela um sentido de condecendência, de boa vontade dos italianos para com o estrangeiro e assim, indiretamente, desvalorizador de suas qualidades.
Do lado do Brasil, a atitude amiga e cordial manifestara-se de forma evidente e inesquecível para os italianos com a sua negativa às sanções colocadas ao país pela Liga das Nações devido à invasão da Etiópia.
Italia e Brasile sono vicine da secoli, da quando cioè milioni di italiani hanno portato oltre l'oceano il lavoro delle loro braccia e il contributo della loro mente per lo sviluppo e la potenza di quel grande Paese, che è vasto quasi come l'Europa e che su 40 milioni di abitanti ne conta angora oggi più di 2 milioni italiani.
I rapporti fra l'Italia e il Brasile, anche per la comune origine latina, sono sempre stati amichevoli e cordiali e forse senza questa cordialità non sarebbe stato possibile a Carlos Gomes trovare in Italia la via del successo e della gloria.
Ma vi è stata nella storia italo-brasiliana una data que non può e non deve essere dimenticata, vi è un gesto ben presente alla memoria di tutti gli italiani, che ci ha reso più caro fra tutti i paesi latini il Brasile, ed è il NO risposto dal Brasile all'invito di Ginevra ad associarsi alle inique sanzioni contro l'Italia.
1839 ou 1836? A questão da data de nascimento de Carlos Gomes
A oportunidade que se abriu com o centenário de Carlos Gomes para o reconhecimento da Itália fascista do gesto visto como que de amizade por parte o Brasil tinha como pressuposto o fato do compositor ter nascido em 1836. Corria, porém, na Itália, a data de 1839 como sendo a do nascimento do compositor em Campinas, informação registrada e divulgada no livro sobre a óepra italiana no século XIX de Alfredo Colombani (1869-1900) (L'Opera Italiana nel Secolo XIX. Dono agli abbonati del 'Corriere della sera', Edizione fuori commercio, Milão: Tipografia del Corriere della Sera 1900).
Compreende-se, assim, que a primeira questão tratada em artigo publicado no jornal Brasile, foi o da data de seu nascimento. Em artigo que anunciava a celebração do seu centenário na Itália trazia-se à consciência, de início, a dificuldade frequente de determinação de datas de aniversário de artistas, que, com o desenvolvimento de pesquisas, precisavam não raro ser corrigidas. Casos recentes eram o da cantora Marietta Piccolomini (1834-1899) e de Giovanni Sgambati (1841-1914).
Inumeráveis eram os meninos prodígios que, para aumentar a sua precocidade, tinham as suas idades diminuidas pelos empresários. Esta seria talvez a razão pela qual Carlos Gomes fora citado nos dicionários biográfico-musicais como tendo nascido em 1839. O certo, porém, era que nascera a 11 de julho de 1836, como demonstrara irrefutavelmente a sua filha Ítala Gomes Vaz de Carvalho em livro que tinha escrito no Brasil.
Festejava-se, assim, com essa correção, o centenário do compositor em 1936, não sendo assim inoportuno recordá-lo, uma vez que passou a maior parte da sua vida artística na Itália, país que amou como um filho e que dera à sua própria filha Ítala o nome da Itália.
Se o ano de 1936 já tinha sido registrado por outros autores, salientando-se aqui a Storia della Musica nel Brasile de Vincenzo Cernicchiaro (1858-1928), publicado em Milão de dez anos antes (Veja), foi Ítala Gomes Vaz de Carvalho que serviu definitivamente a uma correção que justificava as comemorações tão oportunas para o regime fascista.
O fundamental papel desempenhado pela obra de Itala Gomes Vaz de Carvalho, torna compreensíveis certas características que tomou a celebração da vida e da obra de Carlos Gomes na Itália de 1936. A sua vida foi apresentada de forma emocional e em perspectiva feminista, lembrando-se do fato de ter sido criado pela sua madrinha, tendo sido descurado apesar das boas qualidades dessa senhora, mãe de muitos filhos. Recordou-se a sua formação modesta, tendo como pai um mestre de banda que nela integrava todos os seus numerosos filhos para que aprendessem uma profissão.
Tendo aprendido vários instrumentos de sôpro e corda, tocava muito bem piano, além de possuir uma bela voz, de soprano quando menino, e de tenor quando adulto. Tendo começado a compor cedo, sentiu, porém, falta de uma formação sólida. "Um belo dia" fugiu de casa, dirigindo-se ao Rio de Janeiro, de onde escreveu uma comovente carta a seu pai.
Esforços de avaliação positiva de Il Guarany
Uma das preocupações das comemorações foi a do valor real da ópera que, já esquecida, passava a ser de novo representada nos principais teatros italianos por determinação política superior. O caminho para a avaliação de uma obra que não correspondia em absoluto com as tendências estéticas e as preferências da época foi a de salientar que, qualquer que fosse o juízo sobre a mais afortunda das várias óperas de Gomes, não se poderia negar que tenha possuido os elementos necessários na sua época para determinar um sucesso tão caloroso e prolongado. Relativava-se, assim, o seu valor, apresentando-a como expressão histórica de uma época passada. Ao mesmo tempo, a obra surgia como um caso a ser estudado do fenômeno da aceitação coletiva e da popularidade.
Cogitou-se que sempre deveria haver alguma razão quando uma obra musical ou de teatro alcança aceitação do público em todo o mundo e se torna popular. Porque o Guarany e não outras óperas de Gomes? Porque o Fausto e não outras obras de Gounod? E, fora do teatro, porque a La stella confidente de Robaudi, a Leggenda Valacca de Braga, Marechiare, Vorrei morire, Ideale de Tosti, La mia bandiera de Rotoli ou a Serenata de Toselli e não tantas outras composições dos mesmos autores?
Poder-se-ia dizer que aquelas composições encontraram momentaneamente uma correspondência nas almas dos contemporâneos. Nelas os autores teriam transposto alguma parcela de sua alma, ou seja de sua vida e de seu sangue.
Nessas conjecturas, manifestavam-se as concepções ideológicas de terra e sangue, de raça da época nacionalista. Via-se expressamente a produção de obras de arte como um ato de geração. Desta nascem ou abortam um ser que vive uma vida de normal duração ou, mais raramente, uma criatura dotada de imortalidade.
Entre essas criações duradouras, nascidas do sangue, encontrava-se Aida de Giuseppe Verdi (1813-1901), originada à mesma época da obra mais consistente de Carlos Gomes e de muitas outras que logo foram esquecidas. A obra do brasileiro encontrar-se-ia entre aquelas que gozaram de uma existência normal e honrosa, ou seja, que não foram abortadas.
Em Il Guarany, os contemporâneos viram sobretudo a feliz afirmação e a segura promessa de um compositor que se lançava. Revelava que continha della buona musica; nela se encontravam notáveis aspectos formais e algumas peças verdadeiramente belas. Entre elas, salientavam-se, no primeiro ato a Sortita di Cecilia, a Ave Maria, o dueto entre soprano e o tenor; no segundo, a ária do tenor e a balada de Cecilia, no terceiro, considerado como o mais grandioso e caraterístico, o coro dos Aimorés, o grande dueto entre soprano e tenor, a prece, e, no último, o dueto entre tenor e baixo e o terceto final.
Não se poderia negar que a ópera era perpassada de um certo calor que revelava uma grande facilidade e espontaneidade e uma veia melódica ampla, ainda que nem sempre pura, e que, apesar de sua estrutura tipicamente italiana, tivesse traços e momentos de cor e de caráter exótico, ou seja, nacional brasileiro em certas modulações, em certos rítmos e cadências.
Segundo essas apreciações, a música de Il Guarany tornara-se logo popular devido à sua facilidade e pelo fato de ser facilmente memorizada. Todas as bandas passaram a executar a sinfonia que, um ano após a composição, substituiu o primitivo prelúdio, soando em todas as praças da Itália. Como à época constumava-se cantar peças de ópera também fora do teatro, abalada de Cecila, e sobretudo o primeiro dueto entre ela e Pery (Sento una forza indomita) entraram nos programas de concertos e foram continuamente executados em salões particulares.
Para a apresentação em Milão, lembrou-se dos estreitos elos com a história da vida operística na cidade. Voltando várias vezes à cena em Milão, a última das quais assistida pela Princesa Margherita di Savoia (1851-1926), que chamou o compositor a seu camarote, o Il Guarany passou rapidamente pelos principais teatros da Itália e foi também executado com sucesso em outros países, como na Rússia, na Áustria, em Portugal, na Dinamarca, nos Países Baixos e, naturalmente, no Rio de Janeiro, aqui com a presença de Dom Pedro II (1889-1891), a quem a ópera fora dedicada em sinal de reconhecimento.
A associação preveu o oferecimento de uma medalha comemorativa à sobrinha de Carlos Gomes, Laura Porro Donadoni (1879-1972).
Dopo la rappresentazione, ad iniziativa dell'Associazione Amici del Brasile è stata offerta alla nipote di Carlos Gomes, signora Laura Porro, una medaglia commemorativa, accompagnata da un nobile messagio, in ricordo del grande avvenimento artistico.
De ciclo de estudos sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo
Atenção: este texto deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Veja o índice da edição
Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A.(Ed.).“A Itália na Abissínia e o Brasil: Zafán - o canto etiópico celebrativo de Agostino Cantù (1878-1943) e o centenário de Carlos Gomes (1836-1896) na Itália fascista. Os jovens ítalo-brasileiros da A.O.I. (Africa Oriental Italiana) na Associazione Amici del Brasile sob o patronato do Duce“.Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 161/11 (2016:04). http://revista.brasil-europa.eu/162/Italia_Etiopia_Brasil.html
Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira
© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2016 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
Academia Brasil-Europa
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
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Editor: Professor Dr. A.A. Bispo, Universität zu Köln
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