Feminismo em Itala Gomes: Tanagra

ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 162

Correspondência Euro-Brasileira©

 

N° 162/13 (2016:4)





Feminismo e auto-valorização em Itala Gomes Vaz de Carvalho

na problemática historiográfica de Carlos Gomes (1836-1896)

por ocasião do seu centenário em 1936: Tanagra



Recapitulando trabalhos de Gênero e Política na Pesquisa Musical da América Latina
no Museu
"Casa di Giulietta" em Verona 2016

 
No dia do centenário de nascimento de Carlos Gomes, em 11 de julho de 1936, o periódico Tanagra, jornal feminino de artes, letras e crítica do Rio de Janeiro, então no número 15 do seu segundo ano de existência, publicou um número especial comemorativo. A edição foi aberta com texto de Yolanda Barbosa e incluiu entrevista com a filha do compositor, Ítala Gomes Vaz de Carvalho, assim como um artigo desta última sobre a sua mãe Adelina Conte Peri.

Esses textos foram discutidos em seminários dedicados a questões de Gênero na pesquisa musical realizados na Universidade de Bonn em 2004 e no qual considerou-se em especial o papel de mulheres em processos músico-culturais.


Os trabalhos então realizados foram reconsiderados no Brasil, com a participação de vários universitários por ocasião dos 450 anos da fundação de São Paulo. Os debates, que trouxeram à luz elos entre o movimento feminista no Brasil e desenvolvimentos políticos internacionais no período de entre-guerras, tiveram prosseguimente no seminário dedicado às relações entre política e pesquisa musical na América Latina levado a efeito na Universidade de Colonia em cooperação com o ISMPS e a ABE.


A entidade que tinha o Tanagra como porta-voz compreendia-se explicitamente como sendo um club de mulheres. Segundo notícia publicada, a idéia seria original no Brasil, merecendo o apoio de todas as mulheres que se interessassm por manifestações da inteligência. As grandes cidades européias já conheciam círculos de intelectuais ou clubes dessa natureza e que reuniam os elementos femininos de destaque na vida literária e artística.


Carlos Gomes no pensamento de Yolanda Barbosa (1910-1991)


A edição especial é aberta com palavras de Yolanda Barbosa, a sua redatora-chefe, que estabelecem singulares relações entre a natureza e Carlos Gomes em texto acentuadamente poético e sentimental.


"Seu nome ressoa no fragor espumante das nossas cataratas, fulgura em nossos céos, perpassa no farfalhar das nossas selvas bravias, canta na musica apaixonada das nossas melodias, sibila na quietude das nossas moitas indigenas, echoa em nossos montes, palpita em nossa raça, vive, soluça e vibra no coração do Brasil!"


Os festejos do centenário de Carlos Gomes podiam basear-se na biografia do compositor publicada pela sua filha, Ítala Gomes Vaz de Carvalho. Esse livro tinha sido estudado por Yolanda Barbosa, que, folheando as suas páginas, revivera tempos românticos, "em que, à luz das estrellas luminosas, as donzellas de olhos baixos cantavam, commovidas, as arias apaixonadas do Schiavo, emquanto os poetas de longas cabelleiras suspiravam á voz maviosa das tremulas Cecys. "


O núcleo das reflexões de Yolanda Barbosa residia na valorização de uma época na qual predominara o sentimento:


(...) toda a pompa fidalga dos tempos romanticos, a galanteria amorosa dos salões antigos, a amargura da escravidão, o lyrismo de Alencar, a exuberancia artistica de 1800, resurgem na agitação do seculo em que vivemos, como a victoria do sentimento sobre a derrota do materialismo."


Comoções e imagens de Yolanda Barbosa ao ouvir o Il Guarany à Hora do Brasil


A admiração exacerbada de Yolanda Barbosa por Carlos Gomes fora despertada em 1933/34 como resultado de estranhas vivências por ocasião da apresentação de Bidu Sayão (1902-1999) na ópera de Carlos Gomes no Teatro Municipal do Rio de Janeiro.


Não foi o assistir a ópera que a impressionou, mas sim uma experiência misteriosa que teve ao dirigir-se à casa de amigos em Copacabana para ouvir a irradiação radiofônica do evento.


Em noite escura e de mar agitado, ouviu, vindo do mar, os sons da protofonia. Possivelmente teria sido uma repercussão da obra transmitida pelos rádios à Hora do Brasil, mas para Yolanda Barbosa essa experiência causou uma profunda impressão. Dela tirou então a poética conclusão de que era a natureza da terra brasileira que prestava uma homenagem a Carlos Gomes.


"Sinto-me feliz em traçar estas linhas, arrancadas do coração em louvor ao Centenario de Carlos Gomes, por quem sempre tive espontanea e enthisiastica admiração.

Há tres annos passados, quando Bidu Sayão cantou no Municipal, pela primeira vez o Guarany, deu-se commigo um facto, em relação a esta opera que muito me impressionou.

Fui convidada por amigos que moravam em Copacabana a ouvil-a pelo radio.

A noite estava escura e o mar agitado; um vento frio e impertinente varria a praia deserta quando saltei do omnibus na Avenida Atlantica, um pouco atrazada, e receiosa de perder os primeiros acordes da brilhante ouverture.

Até hoje não soube bem explicar o phenomeno a que então assisti e que me deixou por longo tempo profundamente (....) Da immensidão escura do mar tempestuoso e bravio, a orchestra invisivel trazia-me as notas da protophonia, percutindo-as no fragor das ondas espumantes.

Que milagre era aquelle? Parei surpreza e atonia, a ouvi-lo attento, pensando que sonhava ou que talvez estivesse suggestionda pela minha imaginaçãofantasista.

Agucei mais o ouvido e, nitidas, arrebatadas, vibrantes, o abysmo tenebroso e escuro do mar revolto, as notas do Guarany, rolavam, cresciam, distanciavam-se, subiam, torturavam-se avolumando-se, como orchestradas por um canto invisível de sereias ou o mysterioso canto de mysteriosa Loreley.

Que phenomeno fora aquele?II Até hoje ninguem me soube bem explicar.

Repercussão, creio eu, dos radios que tocavam naquella hora em todas as casas. Minha imaginação talvez, sonhou-o. Quem sabe?!!

O certo porém, é que naquella noite inesquecivel, assisti um espectaculo unico, inedito e fantastico!

Na mais bella praia do Brasil, musicada pelo abysmo tenebroso do mar sem fim, a protophonia do Guarany, trazida pelas ondas, arremessada na areia, como homenagem da natureza grandiosa da terra brasileira ao mais genial, ao mais sublime, ao mais brasileiro de seus filhos."


Entrevista com ìtala Gomes Vaz de Carvalho - Carlos Gomes como homem


Casa di Giulietta. Verona. Foto A.A.Bispo 2016. Copyright

Sob o título "O Maestro Carlos Gomes visto pela sua filha", o jornal, na sua edição especial, publicou uma entrevista realizada na casa de Itala Gomes Vaz de Carvalho e que traz, em dedicatória no próprio artigo, a data de 30 de junho de 1936.


O texto inicia-se com uma descrição da casa onde habitava a escritora, colaboradora do jornal. A filha do compositor demorara a receber a entrevistadora pois encontrava-se em conversa telefônica com Heitor Villa-Lobos (1887-1959). Este, regressando do Exterior, preparava uma homenagem a Carlos Gomes por motivo do centenário.


Casa di Giulietta. Verona. Foto A.A.Bispo 2016. Copyright
Como a escritora acabara de publicar uma alentada biografia sobre o seu pai, poucos dados novos podia oferecer à entrevistadora. Lembrou-se, porém, de um pormenor que lhe teria sido relatado e que não era ainda público: em Lisboa, no Teatro S. Carlos, entrando na sala junto com o rei, interrompeu-se o Rigoletto com a protofonia de Il Guarany.


O interesse de Tanagra, porém, não era o de receber informações sobre homenagens a Carlos Gomes, mas sim sobre o próprio compositor como homem, seus sentimentos e atitudes: o jornal interessava-se em saber se êle tinha sido um homem amoroso ou não.


De maior significado foi a informação dada por Carlos Gomes a respeito de suas relações com a religião e suas convicções relativas à liberdade religiosa. O compositor teria feito questão que seus filhos não fossem indoutrinados em matéria de religião, ainda que tivesse colocado a filha em colégio de religiosas.


Aqui, como em outros textos, Ítala Gomes Vaz de Carvalho dirigia a atenção sobretudo à sua própria pessoa. Essa auto-referenciação revela-se na menção de que Carlos Gomes não queria que seus filhos se tornassem artistas, o que explicava o fato de não dedicar-se mais intensamente à música. Para justificar esse fato, menciona o seu irmão, Carlos André, que apenas às escondidas teria frequentado  a Escola de Belas Artes, mas que, mesmo assim, fora encarregado dos cenários e dos figurinos das duas últimas óperas de Carlos Gomes, Condor e Colombo.


Dirigindo a entrevista à sua pessoa, Ítala Gomes Vaz de Carvalho salientou o amor à Itália e à lingua portuguesa por parte do pais. O amor à Itália evidenciava-se no seu próprio nome Ítala, um nome invulgar e que, para poder ser batizada, recebeu também o nome de Ana Maria. O amor ao Brasil de Carlos Gomes ter-se-ia manifestado no fato de querer que os seus filhos aprendessem o português a todo custo. A essa insistência de Carlos Gomes, e apesar da má-vontade de aprendê-lo, devia a sua filha, nascida e formada na Itália, o fato de poder ter-se tornado festejada escritora brasileira.


O artigo "Minha mãe" de Ítala Gomes Vaz de Carvalho - a sua idolatração


Casa di Giulietta. Verona. Foto A.A.Bispo 2016. Copyright
Mais significativo do que o artigo de Yolanda Barbosa e a entrevista feita com Ítala Gomes Vaz de Carvalho é o texto desta última dedicado à sua mãe Adelina Conte Peri.


Ainda que a escolha da sua mãe como personalidade de mulher seja compreensível para um jornal feminino, chama a atenção que justamente no dia comemorativo dos 100 anos de Carlos Gomes não tenha sido o compositor o centro de atenções nas recordações de sua filha, mas sim a da mulher que, por fim, constituiu um fator de suas amarguras.


A emocionalidade e subjetividade do artigo, revelador de uma complexa relação mãe/filha manifesta-se já nas suas frases iniciais.


"É com estremecida commoção, toda feita de uma pungente saudade envolta nas nevoas do passado longínquo, que ainda surge magoada pela sensação da mais dolorosa ansencia encravada em minha alma desde muito cedo, a suave lembrança de Minha Santa Mãe, a devotada companheira dos annos febris em que Carlos Gomes produzira a sua maior somma de trabalho!" 


Essa lembrança e a valorização que a autora faz de sua mãe baseavam-se porém em fracos fundamentos da memória, pois tinha apenas 6 anos de idade quando a mesma faleceu.


Dela conservava na recordação apenas ter sido uma "moça muito pallida e suave": "que me enchia de mimos e carinhos, talvez exagerados, pelo constante temor em que vivia de me perder, como perdera meus dois irmãozinhos mais velhos. Eu tinha chegado por último, após uma série de rapazes, muito desejada porque deveria substituir Carlota-Maria, a inesquecida e sempre chorada primogenita do casal".


Itala Gomes Vaz de Carvalho não só reconhece a fraqueza de suas recordações, como também o fato de ter sido criada cheia de mimos, salientando as razões de uma preferência que teria havido nas relações entre mãe e filha entre os filhos do casal.


Essas razões e as explicações psicológicas que possam oferecer para a compreensão da vaidade da autora não são as únicas que explicam a saliência dada à esposa de Carlos Gomes justamente no dia comemorativo do centenário de seu nascimento.


A elas soma-se um impulso auto-nobilitador de Ítala Gomes Vaz de Carvalho, uma vez que acentua a sua descendência, por parte da mãe, de uma antiga família nobre de Bologna.


"Minha Mãe era de nobre linhagem italiana. Descendente dos Condes Peri de Bologna, arruinados pelas guerras da Independencia que os reduzira quasi à miseria, obrigando-os a trabalhar para ganharam o pão de cada dia. Meus avós, com os quatro filhos, deixaram então Bologna, a cidade testemunha das antigas grandezas e foram se estabelecer em Milão, onde a terceira filha, Donna Adelina ei Conti Peri, Minha Mãe, obteve rapidamente o 1° premio de piano no Conservatorio daquella cidade, como tambem já havia obtido o primeiro premio de piano no Conservatorio de Roma".


Já a fotografia que ilustra o artigo não menciona Adelina Peri com o seu nome, mas sim como membro de antiga família nobre: "A descendente dos Condes Peri de Bologna tocando melodias do jovem esposo brasileiro".


Dois momentos podem ser assim reconhecidos no texto que valoriza Adelina Peri na data comemorativa de Carlos Gomes: a sua origem nobre em comparação àquela modesta e obscura de um estrangeiro originário de província de um obscuro país longínquo e a sua muito mais sólida formação musical do que o do seu esposo, formado na prática musical de banda na sua terra.


Ítala Gomes Vaz de Carvalho salienta a gravidade representada pela diferença social entre Adelina Peri e Carlos Gomes aos olhos de sua família, temerosos também de que fosse levada por seu marido ao distante país:


"Mas a familia Peri não via com bons olhos o enlace provavel da filha estremecida com um estrangeiro, uma espécie de selvagem, vindo das longínquas terras da América do sul onde tudo ainda era tão desconhecido e mysterioso. Já uma das filhas, a mais bonita, chamada Bettina, havia contrahido nupcias com o Sr. Alfredo Rutschi, rico fidalgo suisso e morava sempre longe, em Zürich,  - A idéa de ver também partir Adelina para mais longe ainda, além dos mares, nas terras ignoradas do Brasil, os desesperava!..."


Carlos Gomes como uma espécie de selvagem aos olhos da família Peri


A menção de que Carlos Gomes era "uma espécie de selvagem" merece ser considerada com atenção na compreensão do referido desespero da família Peri.


Carlos Gomes era realmente apresentado pela imprensa e em caricaturas como um selvagem ou "aborígene americano" devido em parte à sua aparência, côr de pele escura e cabelos desgrenhados, em parte devido a suas atitudes pouco controladas e forma de comportamento que sugeria pouca distinção e sociabilidade. (Veja)


Se talvez problemas de discriminação pela cor de pele não tenham sido os mais graves pelo que indicam as fontes, a falta de trato social e cultivo de maneiras, indícios de incivilidade ou "selvageria" teria representado o principal fator do desespero de uma família que, embora empobrecida, tinha consciência de sua antiga linhagem e cultura.


O próprio irmão de Adelina Peri, Cesare Peri, era nada menos do que Professor de Ciencias Sociais e Históricas em Arezzo, pertencente assim a círculos sociais mais influentes. Em família que procurava recuperar posição social que correspondesse a suas origens e história, a posição de Cesare Peri era de relêvo, desempenhando este, pelo apreço que dedicava ao esforçado brasileiro, aquele que mais teria apoiado a relação tão desigual entre Adelina Peri e Carlos Gomes.


A explanação de Ítala Gomes Vaz de Carvalho permite assim reconhecer interações entre dois ímpetos de ascensão, o da família ciente de antiga italianidade empobrecida e o do brasileiro que, vindo do interior de São Paulo, procurava sucesso, ser reconhecido e subir socialmente num dos principais centros culturais da Itália.


É significativo, neste contexto, que a aceitação definitiva do noivado pela família Peri tenha sido alcançada pelo fato de ter este alcançado sucesso com o seu Il Guarany, pelas notícias entusiásticas que este trouxe de retorno do Brasil e, não por último, graças a uma carta do próprio imperador Dom Pedro II:


"...quizeram ainda aguardar a volta do Brasil de meu Pae que então volvera à Italia como um 'Lohengrin' victorioso, annunciador da existencia real e dos esplendores de sua terra adorada, munido, além do mais, de uma carta escripta pelo proprio punho do Imperador que em sua infinita bondade dava mais um carinhoso attestado de apreço ao estimado artista para que o inspirado cantor de nossas plagas pudesse realizar emfim o seu sonho de amor".


A acentuação da competência de Adelina Peri em comparação às de C. Gomes


Para além das diferenças sociais entre Adelina Peri e Carlos Gomes, Ítala Gomes Vaz de Carvalho não poupa palavras em salientar a diferença quanto à formação musical entre ambos. Já no início do seu artigo lembrava que, ao falecer Adelina, Carlos Gomes caíra em desespero pela perda da colaboradora inteligente, capacitada a ajudá-lo na sua missão.


A excelência artística de Adelina Peri é mencionada pelos prêmios que obteve como pianista, embora não fosse compositora:


"Era musicista nata, embora sem ter a veia da inspiração para escrever musica, pianista emerita, sendo uma das mais brilhantes e apreciadas 'virtuoses' da época.


O interesse de Carlos Gomes por Adelina Peri no Conservatório teria sido despertado justamente por essas suas qualidades artísticas, assim como pela consonância do nome Peri com o da figura de Il Guarany.


A autora salienta essa diferença de formação entre a pianista de excepcionais aptidões e o músico criado na província em meio marcado pela prática de igreja e de bandas de música. Ambos se completavam, pois o que Carlos Gomes criava com a sua inspiração podia ser elaborado ao piano de forma competente por aquela que sacrificara a sua carreira para com êle colaborar.


Essa visão de Ítala Gomes Vaz de Carvalho, que evidencia a sua perspectiva feminista, é acentuada pela menção de que talvez tenha sido essa cooperação artística que estabelecera entre êles elos mais estreitos  do que os próprios laços matrimoniais. Na explanação de sua filha, Carlos Gomes surge quase que como um diletante, capaz de tocar um pouco de cada instrumento, sem, porém, nenhum dominar adequadamente.


"Donna Adelina, linda e gentil esposa, (...) pos a sua habilidade pianistica ao serviço do marido e assim trabalharam muito tempo juntos, elle fixando no papel pensamentos e inspirações divinas que lhe brotavam da alma e do coração, ella procurando reproduzir com maior facilidade do que êle ao piano, os effeitos vocaes e instrumentaes que o Maestro queria obter para os conjuntos orechestraes!."


A autora chega a sugerir uma co-participação de Adelina Peri na autoria de obras de Carlos Gomes:


"Fôra a união perfeita de duas almas irmanadas, na communhão dos enthusiasmos artisticos de que surgiram muitas coisas bellas e immortaes!."


Também as reuniões na casa de Carlos Gomes, frequentadas por renomados compositores da época, teriam tido o sucesso que tiveram devido ao fato de Adelina Peri executar ao piano com facilidade obras dos artistas presentes. Como a autora sugere, estas teriam sido ou pelos próprios compositores ou por ela reduzidas ao piano, não por Carlos Gomes, que não teria capacidade para tal.


No intento valorizador de sua mãe - e auto-valorizador -, a autora não evita os excessos idealizadores da própria vida do casal, transmitindo um quadro de harmonia que teria sido possibilitado por Adelina Peri e que, como comprovado em documentos, não correspondeu à realidade:


"O harmonioso encanto do lar de meus Paes devia acabar prematuramente! A suave inspiradora, a sacerdotiza daquelle templo de arte, deixou para sempre o seu posto de honra para ir proteger os seus amados nas ethereas camadas do além!"



"Carlos Gomes íntimo" na Revista Brasileira de Música


Para o número especial da Revista Brasileira de Música dedicado a Carlos Gomes, no mesmo ano de 1936, ìtala Gomes Vaz de Carvalho, em artigo intitulado "Carlos Gomes intimo", voltou a salientar, ainda que com palavras aparentemente elogiosas, a simplicidade de origens e de cultura de seu pai, assim como o papel determinante da presença feminina na sua vida e obra. (Revista Brasileira de Musica, A. Carlos Gomes (1836-11 de Julho-1936, III/2, Rio de Janeiro: Instituto Nacional de Música da Universidade do Rio de Janeiro, 117-120).


O retrato do compositor apresentado nesse número especial da revista - desenho a carvão de Pedro Macedo - corresponde, na seriedade máscula e enérgica de seus traços, à imagem transmitida nas celebrações italianas promovidas pelo govêrno fascista.(Veja)


Citando de início Antonio Ghislanzoni (1824-1893), (Veja) a autora lembra a definição plástica que teria dado de seu pai como "selvagem", elegante e caprichoso, comparando-o como um jaguar atrás de moitas, mas que, no fundo, seria um os caracteres mais nobres e honestos que conhecera.


Essas palavras são corroboradas pela autora, que reconhece ter sido Carlos Gomes moço explosivo, nervoso, impaciente, imerso nos esforços de ascensão, mas que, no íntimo, era bom e generoso.


As suas menções à profunda brasilidade de seu pai revela uma conotação ambivalente, pois não apenas salientam o seu patriotismo e o seu auto-reconhecimento de origens interioranas como caipira, mas também a sua atitude de provinciano de pouco cultivo e que, neste sentido, era muito diferente da sua esposa, de alta linhagem e distinção.


Também neste artigo, Ítala Gomes Vaz de Carvalho não mede esforços em salientar o papel desempenhado por mulheres no sucesso de Carlos Gomes. Lembrou da cantora Maria Monteiro, uma prima de Campinas, aluna do Conservatório de Milão que lhe prestava auxílio corrigindo provas das edições e fazendo cópias de partituras e composições musicais.


Mencionando a cantora Diana Raggi Brofferio, que se teria apaixonado por Carlos Gomes, vindo frequentemente em visitas, lamenta não ter Carlos Gomes correspondido a esse afeto, impossibilitando assim novo matrimônio, o que poderia ter evitado os problemas que o compositor enfrentou no fim de sua vida:


"Considerando hoje, esbatido pelas nevoas do tempo, aquelle longinquo romance de amor a que meu Pae certamente não correspondia com o mesmo enthusiasmo e enlevo de adoração que despertava, lastimo francamente a incomprehensão, ou a indifferença que hostilizaram uma união que pelas excellentes qualidades de Diana Raggi, teria sido de tão grande proveito para o Maestro, no ultimo e mais difficil periodo de sua attribulada existencia." (op.cit. 120)






De ciclo de estudos sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo



Atenção: este texto deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Veja o índice da edição

Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. (Ed.).“Il_Guarany_em_Milao_1936“
.Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 162/13 (2016:04). http://revista.brasil-europa.eu/162/Tanagra_Carlos_Gomes.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2016 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Academia Brasil-Europa
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
reconhecido de utilidade pública na República Federal da Alemanha

Editor: Professor Dr. A.A. Bispo, Universität zu Köln
Direção gerencial: Dr. H. Hülskath, Akademisches Lehrkrankenhaus Bergisch-Gladbach
Corpo administrativo: V. Dreyer, P. Dreyer, M. Hafner, K. Jetz, Th. Nebois, L. Müller, N. Carvalho, S. Hahne
Corpo consultivo atual - presidências: Prof. DDr. J. de Andrade (Brasil), Dr. A. Borges (Portugal)




 








Verona 2016
Fotos A.A.Bispo ©Arquivo A.B.E.

 

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