O café nas guerras nacionais européias

Revista

BRASIL-EUROPA 163

Correspondência Euro-Brasileira©

 

N° 163/10 (2016:5)





O café entre a Áustria-Hungria e o Reino da Itália,
nas guerras nacionais européias
e na ciência alemã segundo texto de 1866 de Julius Liebig (1803-1873)


O museu do café da Torrefazione Bontadi e a Accademia del Caffé em Rovereto

 

A cidade norte-italiana de Rovereto é um dos principais centros históricos para estudos das guerras nacionais italianas contra a égide austríaca no século XIX, do irredentismo e, com o seu museu da guerra e os muitos memoriais, da Primeira Guerra Mundial. (Veja) É hoje uma "cidade da paz" que, com o espaço monumental do sino dos caídos, tornou-se centro internacional de reflexões sobre o nacional e o universal dos direitos humanos. Rovereto adquire, com o seu passado histórico e as iniciativas atuais importância na época presente marcada por renacionalização.


Rovereto. Foto A.A.Bispo 2016. Copyright

Rovereto merece ser considerado com especial atenção nos estudos euro-brasileiros, tanto no seu passado mais distante, como relativamente à presença do Brasil nas iniciativas atuais. A cidade foi, assim, considerada em duas ocasiões em 2016, uma como local do movimento Pro Pátria de valorização cultural italiana do Trentino e terra natal de Riccardo Zandonai (1883-1944), compositor italiano que escreveu um hino triunfal a Carlos Gomes (1836-1896) (Veja), outra dedicada sobretudo à área memorial do sino da paz e à presença de brasileiros e expressões culturais do Brasil em encontros e manifestações confraternizadoras.


Como em outras cidades da região, a história de Rovereto é marcada pelos conflitos entre a Itália e a Áustria-Hungria anteriores à Guerra e, tanto no século XIX como posteriormente no século XX, pelas relações com a Alemanha. Uma particular atenção merece a integração da região vizinha do Vêneto no Reino da Itália através da aliança italiana com a guerra interno-alemã da Prússia com a Áustria de 1866, e que foi tratada musicalmente na primeira obra de sucesso no Exterior de Carlos Gomes. (Veja) Significativamente, o compositor brasileiro considerou na sua revista de 1866 as armas prussianas que possibilitaram a vitória de Königgrätz. (Veja)


Rovereto, como outras cidades, experimentou, com a mudança de poderes políticos, mudanças de rêdes de contatos e de referenciais geo-culturais, uma vez que Viena perdeu gradualmente a sua função como capital e primordial centro de formação e orientação cultural.


Essa mudança de tão amplas consequências de direcionamento geo-político-cultural como consequência de movimentos nacionais pode ser estudada também sob o aspecto comercial nas suas relações com a vida do quotidiano e dos soldados nas guerras. Rovereto assume também neste sentido significado para os estudos relacionados com o Brasil, pois abriga hoje um museu histórico dedicado à torrefação e ao consumo do café através das épocas.


Rovereto entre rotas comerciais e a mais antiga torrefação da Itália


Rovereto dispõe de tradicionais casas comerciais que testemunham o significado da cidade nas rotas comerciais de séculos passados. Situado na região de Vallagarina, cortada pelo rio Adige, foi eixo de rotas de comércio entre o Vêneto e território do alto Adige e o Trentino. Madeiras das florestas alpinas e outras mercadorias eram transportadas entre as montanhas e as cidades do Vêneto, em particular Verona. O pertencimento à esfera de Veneza na Idade Média explica o florescimento comercial da cidade na Idade Média e início da era moderna e o seu papel como centro marcado por elos internacionais, chegando a tornar-se uma espécie de zona franca. O comércio com o Oriente e outros centros e distantes regiões deixaram a sua marca na arquitetura e na cultura local, como exemplifica a "casa dos turcos" num de seus mais pitorescos bairros.


Entre as mais tradicionais casas comerciais de Rovereto encontra-se a Torrefazione Caffè Bontadi, considerada a mais antiga da Itália e aquela que oferece um Expresso considerado como um dos melhores do mundo, elaborado segundo tradição familiar, assim como de misturas de café renomadas pela sua excelência. Hoje, sob outra direção nela são comercializadas mais de 150 mil quilos de café, adquirido de todas as partes do mundo, da América Latina, mas também da África, da Índia e mesmo da Papua Nova Guiné. Entre os cafés mais valiosos do mundo ali comercializados se encontrou o Kopi Lowak e a variedade Giamaica Blue Montain.


Rovereto. Foto A.A.Bispo 2016. Copyright

O café verde ou crú do Brasil - comerciantes da Catalunha a Milão e Rovereto


A firma Bontadi, representativa da importante atividade artesanal e manufatureira da cidade, remonta a fins do século XVIII, datando-se a sua fundação em casa de comércio registrada em 1790 como Fratelli Bontadi. Essa família provinha da Catalunha, tendo-se estabelecido na Itália à época da ocupação espanhola no século XVIII, transferindo-se posteriormente de Milão a Rovereto. No comércio dos Bontadi, vendia-se diversas mercadorias, entre êles também café, mais especificamente "café crú" ou verde proveniente do Brasil.


Na época, o café, de alto preço, era adquirido verde, sendo então tostado em casa. Compreende-se que a venda de café exigia contatos comerciais com várias regiões do mundo.


A história da firma no decorrer das gerações que se seguiram, foi marcada pelo desenvolvimento de métodos de torrefação, de aumento de quilos torrados por máquina e, concomitantemente, de mudanças quanto à cultura de consumo do café, nela destacando-se inovações de Carlo Bontadi na década de 60 do século XIX. Na última década do século, Oddone Bontadi (1860-1940) deu início à prática de tostar café com um aparelho movido manualmente, na década de trinta do século XX, surgiu a primeira máquina com motor elétrico. Esse desenvolvimento, que possibilitou a torrefação cada vez maior de quilos de café, teve o seu prosseguimento em 1954 com Remo Bontadi.


O museu do café da Torrefazione Bontadi e a Accademia del Caffé


Adquirindo a empresa de Remo Bontadi, Stefano Andreis, considerando o significado histórico e cultural da torrefação e da tradição da família Bontadi, projetou a criação de um museu que apresentasse os muitos aparelhos e apetrechos técnicos e de consumo do café que tinham sido conservados através das gerações. O museu foi inaugurado no dia 22 de janeiro de 2016. Encontra-se instalado na antiga loja Bontadi no centro histórico de Rovereto, no Vicolo del Messaggero.


Em vitrines abertas a uma passagem e em espaços adequadamente concebidos segundo critérios avançados, os transeuntes podem apreciar grande número de aparelhos históricos de torrefação, moinhos, bules, xícaras e outros objetos relacionados com a elaboração e o consumo de café. Este museu revela-se como um dos mais ricos do gênero, de importância para a história cultural do café na Europa e, assim, também para os estudos relacionados com o Brasil.



O museu contém uma coleção de ca. e 300 objetos, única de aparelhos de produção de café do fim do século XVIII ao presente, de tostadores de séculos passados a máquinas de técnica mais avançada no presente. Alguns instrumentos são de alto interesse para a história da técnica e da ciência, alguns singulares como uma tostadora Vittoria do início do século XIX, assim como a primeira máquina de café expresso da mesma época, produzindo uma bebida muito diferente daquela do presente. Outro instrumento digno de atenção é o modêlo dito Ideale de 1910 de uma Pavoni, que funciona a gás, a primeira máquina de café para ser usada em balcões de bares. O museu testemunha também a criação do caffè crema na década de 1940, documentado no museu com diferentes modelos de firmas como Gaggia. Dessa época, detaca-se também, pelo seu design futurista, um exemplar cromado de máquina da firma Victoria Arduino.


O museu tem como objetivo não apenas apresentar o desenvolvimento técnico, mas sim também apresentar a produção de café como arte. Não se trata apenas da elaboração do café segundo regras de arte, mas sim do café êle próprio como objeto de arte. Neste sentido, oferece-se também no museu a possibilidade de degustação de café. Documentando a transformação da cultura do consumo do café através dos séculos, o museu apresenta uma valiosa coleção de xícaras e bules, serviços de porcelana e de outros materiais de diferentes épocas e estilos.


Planejou-se a instalação, ao lado, de uma Accademia del Caffè. Nela, aqueles que se preparam a caffettieri poderão aprender a técnica e a arte de preparação do café, assim como a distinguir os seus diferentes tipos, as regiões de sua proveniência, a sua conservação e o seu comércio.


Comércio, preparação e consumo do café em processos político-culturais


Uma das reflexões encetadas sob a perspectiva euro-brasileira em Rovereto foi a de salientar que a história da torrefação e do consumo do café é marcada pela transformação política, comercial e de referenciais geo-culturais por que passou o Trentino e o Vêneto no século XIX.


Pertencente a região à Áustria-Hungria, compreende-se os antigos elos da firma Bontadi com Viena. O seu nome encontra-se em reclames de antigos jornais e magazines austríacos, e o café então produzido era consumido nos tradicionais cafés na capital do Império dos Habsburgos. Um estudo cultural dessa instituição de Viena - os seus cafés e confeitarias - não pode assim deixar de considerar antigas situações políticas da presença austríaca na atual Itália. Esse significado da cultura do café na Áustria de hoje não poderia ser explicado a partir da configuração atual do país, mas exige a consideração do muito mais vasto império áustro-húngaro do passado, sobretudo nos seus territórios na atual Itália.


A importação de café procedia por portos que também se encontravam sob a égide austríaca, como Veneza e Trieste. O movimento nacional italiano de libertação dessas áreas da soberania austríaca, com as suas muitas guerras e que atingiu o seu objetivo último na Primeira Guerra Mundial, teve assim consequências para rêdes de contatos comerciais e conotações nacionais da produção e do consumo. Lembrado em placa memorial em Rovereto é a participação de um jovem da família Bontadi, Leo Ivo, caído com apenas 18 anos na Primeira Guerra.


Nos trabalhos euro-brasileiros dedicados a 1866, ano marcado pela terceira guerra da independência italiana e da guerra entre a Alemanha e a Áustria, registrados e elaborados musicalmente na primeira obra de sucesso na Itália de Carlos Gomes - Se sa minga, Rivista di 1866 - tem-se um significativo documento do papel exercido pelo café nas guerras de importante personalidade da vida científica e cultural alemã, Julius von Liebig.



Julius von Liebig (1803-1873), o café, a ciência experimental e a cozinha


Se o museu Bontadi salienta o café, a sua preparação e consumo como cultura e arte, a lembrança do nome de Julius von Liebig dirige a atenção ao papel desempenhado pelo café na história da ciência.


Julius von Liebig é um dos grandes vultos da história da Química e da Farmacologia, descobridor e professor universitário, cujo nome é lembrado ainda hoje na designação de instituições e em memoriais. Entrou sobretudo na história das universidades de Gießen e de Munique, onde foi professor. Na América do Sul, o seu nome tornou-se conhecido sobretudo pela denominação de um extrato de carne muito empregado no passado em viagens de navegação.


Nascido em Darmstdt como filho de um comerciante de drogaria e de tintas, Juliuus von Liebig teve cedo o seu interesse despertado para experimentações, remédios, poções, e tinturas; as demonstrações de saltibancos que observava em quermesses acentuou o seu fascínio por experimentações químicas.


Recomendado por Alexander von Humboldt (1769-1859), foi nomeado professor de química e farmácia na universidade de Gießen pelo grão-duque de Hessen, em 1824.


Não só o interesse de von Liebig por processos químicos, de tintura, de drogarias, experimentos e invenções teve a sua origem na sua formação cultural, mas sim também o seu interesse pela culinária.


No seu texto sobre o café, escrito quando já se encontrava em Munique e publicado em 1866/67, Julius von Liebig lembra que o seu interesse pela preparação de alimentos nascera de visitas à cozinha do Grão-Ducado de Darmstadt. Ali ia, juntamente com um seu amigo, filho de uma francesa que lhe dava aulas do idioma e que era casada com o confeiteiro da cozinha grão-ducal. Fascinava-se com o ferver, cozer, fritar e assar de alimentos, com as transformações ocorridas nesses processos e que levavam a estados finais saborosos.


Desde então, Julius von Liebig adquiriu gosto em cozinhar, o que continuou a praticar nas suas horas vagas e o levou a dedicar-se aos "mistérios da cozinha", à preparação dos alimentos consumidos pelo homem e os processos que nala ocorrem. Percebeu que eram processos desconhecidos da Química: jovens químicos não se rebaixavam a tais trabalhos, uma vez que não serviam a seu prestígio no terreno da ciência.


Métodos e influência do café na vida quotidiana e nas guerras da época


Julius von Liebig parte no seu texto da questão do método de preparação. Sobre o melhor método de preparar o café, as opiniões de apreciadores e de cozinheiros divergiam. As dificuldades evidenciavam-se no grande número de aparelhos, de máquinas de café e utensílios que então surgiam todos os anos. Como a sua proposta de preparação do café tornava dispensáveis todos esses aparelhos, o autor temia que o seu texto fizesse com que a numerosa classe de fabricantes ficasse dele inimiga.


Von Liebig salienta que já muito se tinha escrito sobre a influência do café e do chá nos modos de vida modernos e na civilização, sendo dispensável voltar a tratá-la com mais cuidado. Era óbvio, citando uma carta de Ana Bolena, que uma pessoa que consome toucinho e toma cerveja no desjejum começa o dia com mais indisposição do que se tomasse uma xícara de chá ou café e comesse um pão com manteiga e um ovo.


Von Liebig também não entra no significado nacional-econômico do café, desejando apenas dizer algumas palavras a respeito da influência do café na guerra. 


Na primeira guerra de Schleswig-Holstein e nas últimas guerras italianas, ou seja, justamente naquelas de particular significado no processo de unificação nacional da Alemanha e da Itália, a introdução do café tinha contribuido significativamente para a melhora do estado de saúde dos soldados. Tinham-lhe assegurado que também em vários regimentos do exército bávaro tinha sido muito útil e benéfica a introdução do café no desjejum e durante as marchas.


Exemplos da América Central como testemunhos da eficácia do café em marchas


Na sua argumentação, Julius von Liebig, cita renomadas personalidades das ciências e da política da época dos debates da unificação nacional alemã, salientando-se Julius Fröbel (1805-1893), especialista em Geologia e Mineralogia, político democrático, publicista e defensor da solução da "grande Alemanha" (com a Áustria), encerrada com a vitória de Königgrätz. Fröbel, que passara anos na América, publicara o seu relato de viagem em 1857/58 (Aus Amerika, Leipzig), traduzido em partes e publicado em inglês sob o título Seven years' travel in Central America, northern Mexico, and the far West of the United States (Londres: R. Bentley 1859), tendo sido esta a edição usada por von Liebig.


Nela (pág. 226), Fröbel menciona que o café tornara-se um produto necessário, indispensável nas caravanas comerciais na América Central. Aguardente era tomada apenas como remédio, mas café, ao contrário, era um artigo indispensável, sendo consumido duas vezes ao dia. Extraordinários eram os efeitos revitalizadores e fortalecedores da bebida em situações de cansaço, tanto no calor como no frio, sob chuva ou em tempo sêco.


Qualidade dos diferentes tipos de café segundo relatos de viagem


Considerado a qualidade dos diferentes tipos de café, a partir sobretudo de relatos de viagens na América Central, Julius von Liebig salienta que omelhor café vinha do Iemen, e que era o conhecido mokka. Muito pouco desse café alcançava a Europa, uma vez que dois terços da produção eram consumidos na Arábia, na Síria e no Egito, e o resto na Turquia. Esses últimos países não recebiam o melhor e mais puro café do Iemen. Antes de alcançar os portos de Alexandria, Jassa, Beirute e outros, era êle peneirado várias vezes; os sacos eram abertos e grão por grão eram escolhidos. Não os mais duros, esféricos, semi-transparentes , de coloração marrom esverdeados eram selecionados, mas sim os opacos, amassados, esbranquiçados e meio rompidos eram enviados aos navios. Esse tratamento era tão usual, que a qualidade, assim como as latitudes num mapa, diminuiria com a distância do Iemen.


O café forte, que era o segundo em qualidade, seria o da Abissínia. O grão era maior e possuia um outro aroma. Após este, viria o indiano e o das plantações de Oman. Segundo o julgamento dos orientais, o café americano era o de mais inferior grau de qualidade.


Na Arábia, nomeadamente em Nejad, adicionava-se ao café antes de ser consumido especiarias e outros tempêros, um procedimento que era visto como necessário para dar aroma ao café pouco torrado. Na Alemanha, preferia-se as variedades de Java. Os especialistas afirmavam que o seu sabor era ainda mais melhorado com a adição e café Domingo, Cheribon ou Brasil. Von Liebig aconselhava àquele que queria aperfeiçoar-se no conhecimento e na degustação do café alternar bebidas preparadas com vários tipos de café o que aguçaria a sensibilidade.


Importância do café nos meios intelectuais e científicos da Alemanha e a sua preparação


Os ingleses eram conhecidos como mestres na preparação do chá, mas, quanto à preparação do café, os alemães se sobrepunham. Na Alemanha se consumia muito mais café do que chá.


Sobretudo os homens de formação da Alemanha preferiam o café, o que poderia ser explicado talvez pelo uso ou pelos efeitos do café e do chá. O chá atuaria segundo von Liebgig diretamente no estômago, cujos movimentos acentuar-se-iam, de modo que, se ingerido com estômago vazio, poderia dar náuseas.  O café, ao contrário, fomentaria os movimentos peristálticos descendentes e assim, compreender-se-ia que o intelectual alemão, que trabalhava mais sentado, tomaria antes uma xícara de café preto pela manhã, acompanhado por um cigarro como um meio de apoiar a digestão e o intestino. Também as senhoras russas de sociedade tinham passado a fruir do café e do tabaco.


Experimentações para criação de um extrato de café para soldados em marcha


Considerando assim o interesse e o significado da preparação do café, von Liebig passa a descrever os conhecimentos que adquirira com os seus experimentos.


Neles, partira da intenção de criar um extrato de café que pudesse ser utilizado por viajantes e pelos exércitos em marcha.


Em primeiro lugar, descobriu a influência do ar, ou do oxigênio no ar no café, negativa à qualidade da bebida. Descobriu que a bebida resultante da filtração de café torrado perdia o seu sabor com o contato com o ar na evaporação, tornando-se uma massa preta, um extrato que não mais se diluia na água e que não podia ser consumido devido a seu sabor desagradável. 


Para todos os métodos da preparação do café seria primeiramente necessário selecionar os grãos manualmente, pois frequentemente se encontravam pedaços de madeira, cascos, penas de aves e em geral um grande número de grãos negros estragados e que deviam ser retirados.  Os grãos de cor mais escura ou verde escura eram em geral tintos com indigo ou azul da Prússia, de modo que seria necessário primeiramente lavá-los e secá-los.


A operação seguinte era a de torrá-los. Da torrefação dependia a qualidade do café. Os grãos deviam ser torrados até ao ponto no qual perdem a sua consistência córnea, de modo que pudessem ser moídos em moinho de café ou, como no caso do Oriente, de serem triturados em pilão.


Como químico, von Liebig salientava a importância da manutenção da cafeína no café, também chamada de teína, uma vez que seria também elemento do chá. Todo o cuidado devia ser tomado para mantê-lo no café. Isso podia ser alcançado tostando os grãos lentamente até adquirirem uma coloração marrom clara. Nos grãos de cor marrom escura já não haveria mais cafeína. Se os grãos fossem pretos, então os seus elementos principais estavam já destruídos e a bebida não mereceria mais a denominação de café. Numa casa, onde o aroma do café torrado podia ser sentido da rua não se devia assim mais tomar café.


Os grãos de café perderiam cada dia o seu perfume aromático como consequência da ação o ar que penetra nos grãos que se tornam porosos. Essa modificação poderia ser evitada se ao terminar a torrefação, antes de serem tirados da frigideira quente ou de outro instrumento, fosse espalhado açúcar fino sobre nos grãos. O açúcar, derretendo-se imediatamente, ao agitar-se a frigideira espalha-se sobre todos os grãos, dando-lhes uma leve película de caramelo. Os grãos ornam-se assim brilhantes como se fossem envernizados, perdendo assim o seu aroma, o que, porém, retorna novamente ao serem moídos.


Crítica à preparação e ao consumo do café em Viena e nos balneários da Boêmia


Nos cafés de Viena e nos balneários da Boêmia, tinha-se o costume de tostar grãos diariamente, procedimento muito positivo. Entretanto, seria êle contrariado pelo fato de torrar-se demais os grãos, pois dizia-se que os grãos torrados mais fracamente não teriam forte coloração. Após essa operação, passavam-se os grãos a uma folha de de ferro, distribuindo-os em fina camada, de modo que logo se esfriavam. Se os grãos quentes fossem deixados amontados, esquentar-se-iam sob a ação do ar, começam a suar e, se a massa for grande, o calor aumenta tanto que até chega a incêndio. Os grãos torrados deveriam ser conservados em local seco, pois o açúcar com os quais foram cobertos pegaria humidade.


Três métodos de preparação do café e o novo método de von Liebig


Justus von Liebig trata dos três métodos usuais da elaboração do café: filtração, Infusão e fervura, sendo esta sobretudo de costume no Oriente. 


Von Liebig afirmava que tinha descoberto o melhor método, que resultava de uma união dos dois últimos, o da infusão e o da fervura. Na elaboração, mantinha-se o vaso usual de água e de café torrado; um pequeno receptáculo, de lata, com capacidade para poucos grãos crús, receberia os grãos torrados. Isso teria como resultado duas pequenas xícaras de café mais ou menos forte, de gosto geral de famílias - o cientista, porém, preferia café forte.


Juntava-se a água com 3/4 de pó de café, até o ponto de fervura e deixava-se 10 minutos ou mais ferver a fogo baixo. Após esse tempo, o 1/4 de café em pó restante we ajuntado e a panela imediatamente afastada do fogão. Era coberta e deixada descansar 5 ou 6 minutos.


Ao mexer a bebida, o pó que está na superfície descia au fundo e o café, filtrado desse pó, podia ser consumido. O café preparado segundo o seu método não esquentaria o corpo e poderia ser consumido à tarde sem causar problemas de digestão.


O descobrimento do café em pó para marchas de soldados na guerra


Em alguns casos, a saber no caso de viagens e marchas de soldados na guerra, ocasiões nas quais não se tem moinhos e vasilhas para torrar os grãos, o café em pó permitia conservar o seu aroma através de um método determinado.


Os grãos torrados eram pulverizados e logo humidecidos com um xarope de açúcar. Este é feito com três partes de açúcar e duas de água, deixando descansar um quarto de hora. Quando o café é humidecido cuidadosamente com o xarope, colocar-se-ia nele um pouco de açúcar em pó, que com ele se misturava; a sguir, espalhava-se o pó no ar para secar. Através do açúcar, as partes que se esvaecem são cobertas, de modo que não se evaporam ao seca.


Quando se desejava fazer o café, derramava-se uma certa quantia deste pó com água fria e colocava-os aos poucos a ferver.


Do pó de café preparado, que ficava ao ar durante um mês, von Liebig conseguiu, fervendo-o uma vez, chegar a uma bebida muito próxima a um bom café. 


Lendo-se as estatísticas sobre o consumo de café na Europa, constatar-se-ia que metade da população consumia tubérculos, figos ou açúcar torrados no lugar de café e a outra metade, devido às falhas de preparação, tirava do verdadeiro café todas as suas qualidades úteis e benéficas.


Desconfiava-se assim do instituto do homem e não se compreendia mais para quê se dispendia tanto dinheiro para a importação, preparação e consumo de café. Havia muitas suposições não fundamentadas e o homem enganava-se a si próprio no consumo do café. (Justus von Liebig, "Kaffee", Westermann's Illustrirte Deutsche Monatshefte 28 da segunda série (124 de toda a série), Janeiro de 1867, 401-406).



De ciclo de estudos sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo


Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A.(Ed.).“O café entre a Áustria-Hungria e o Reino da Itália, nas guerras nacionais européias
e na ciência alemã segundo texto de 1866 de Julius Liebig (1803-1873)“
. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 163/10 (2016:05). http://revista.brasil-europa.eu/163/Cafe_nas_guerras_nacionais.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2016 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Academia Brasil-Europa
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
reconhecido de utilidade pública na República Federal da Alemanha

Editor: Professor Dr. A.A. Bispo, Universität zu Köln
Direção gerencial: Dr. H. Hülskath, Akademisches Lehrkrankenhaus Bergisch-Gladbach
Corpo administrativo: V. Dreyer, P. Dreyer, M. Hafner, K. Jetz, Th. Nebois, L. Müller, N. Carvalho, S. Hahne





 









Rovereto 2016. Fotos A.A.Bispo ©Arquivo A.B.E.

 

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