Esporte e arquitetura

Revista

BRASIL-EUROPA 163

Correspondência Euro-Brasileira©

 

N° 163/15 (2016:5)



Esporte e arquitetura no Nacionalsocialismo e no Estado Novo

O Reichssportfeld como maior área esportiva do mundo em 1936
e o Estádio do Pacaembú como o maior da América Latina em 1940


Reflexões euro-brasileiras no Olympiapark Berlin

 

Os acontecimentos internacionais esportivos que tiveram lugar no Brasil - a copa do mundo e os jogos olímpicos -, e que levaram a muitas, grandiosas e representativas construções, despertam a atenção para relações entre a arquitetura e o esporte nas suas inserções em processos político-culturais.


As tendências à renacionalização na Europa do presente aguça a sensibilidade para o tratamento dessas relações sob o signo do nacional e do nacionalismo.


Neste sentido, dois grandes estádios merecem ser considerados com especial atenção nos estudos culturais em relações Europa-Brasil: o Reichssportfeld da Olimpíada de 1936 no bairro de Ruhleben, em Berlim, a maior área monumental para fins esportivos do século XX, e o Estádio Municipal do Pacaembú, em São Paulo, inaugurado poucos anos depois, em 1940, então o maior estádio da América Latina.


Em ambos os casos, no alemão e no brasileiro, os monumentais estádios foram edificados em áreas de qualidades pela sua natureza e que passaram por urbanizações de alto nível, com a construção de mansões representativas e habitadas por intelectuais, artistas e personalidades de influência na economia e política.


Do Deutsches Stadion como maior arena do mundo anterior à Guerra ao Reichssportfeld


Olympiapark. Foto A.A.Bispo 2016. Copyright
A área a oeste do bairro de Charlottenburg-Wilmersdorf em Berlim passou a ser conhecida como Grunewald devido ao bosque de mesmo nome ali existente. De modo adequado ao prestígio social do bairro que se expandia, uma associação tradicional de Berlim, o Union-Klub, teve a iniciativa de ali implantar uma pista para corrida de cavalos, fundando, em 1907, com a associação Verein für Hindernisrennen, a sociedade de corridas de Berlim (Berliner Rennverein). Importante promotor dos projetos foi Victor von Podbielski (1844-1916), membro do clube e influente personalidade da sociedade como ex-Ministro da Agricultura da Prússia.


Para a construção, contratou-se o arquiteto Otto March (1845-1913), especializado em projetos de esportes equestres, entre êles a arquibancada, em dois andares da pista de galopes no parque Wedienpesch, em Colonia, em 1897.


A influência da arquitetura e do paisagismo inglês, marcado pela concepção de parque natural e cidades-jardins, foi importante na sua obra e vinha de encontro às condições naturais e de urbanização da área. Com os seus filhos, os arquitetos Werner March (1894-1976) e Walter March (1898-1969), o nome da família permaneceu estreitamente vinculado à história da arquitetura nos seus elos com o esporte no período posterior à
Olympiapark. Foto A.A.Bispo 2016. Copyright
guerra. Os filhos de Otto March atuaram nos projetos desenvolvidos na mesma área, o Forum Alemão de Esportes, a Aldeia Olímpica e o Estádio Olímpico de Berlim.


A destinação olímpica da área da pista de corrida de cavalos deu-se com a construção de um estádio para os jogos olímpicos planejeados para Berlim, em 1916, e que não se realizaram devido à Primeira Guerra Mundial.


O comitê responsável pela organização, na sua procura de área adequada, escolheu a área central da pista para a construção de um estádio, o Estádo Alemão (Deutsches Stadion). Este seria alcançado através de um túnel que ligava o Estádio a um representativo pátio. Digno de atenção é o fato do estádio ter sido edificado a nível inferior, por assim dizer encravado no solo, de modo a não prejudicar a visão das corridas de cavalos. Era, assim, emoldurado pela pista. Nela tinham lugar também torneios atléticos e corridas.


Olympiapark. Foto A.A.Bispo 2016. Copyright
Após a Guerra, em 1919, com a fundação da Escola Superior de Educação Física (Leibesübungen) da Alemanha, a área passou a servir a um centro nacional de esporte e de cultura física.


Na parte norte da pista de corridas de cavalos, instalou-se o forum de esportes, com áreas de treinamento, piscinas e salas para administração e aulas. Do ponto e vista arquitetônico, esse forum destacou-se pela sua linguagem estética moderna segundo tendências da década de 1920, já demonstrando a intenção à monumentalidade através de efeitos de ordenação axial e colunadas.


A remodelação do estádio para, como "campo de esportes do império" (Reichssportfeld) servir aos XI. Jogos Olímpícos de Verão de 1936, teve início em 1934. Apesar das continuidades de local e de elos históricos com o pensamento olímpico e com o estádio nacional alemão anterior à Primeira Guerra, o projeto, quanto à concepção e ao estilo, correspondeu ao edifício ideológico do Nacionalsocialismo, tornando-se, na sua monumentalidade um dos mais representativos complexos arquitetônicos do regime que subira ao poder em 1933.




A arquitetura do Reichsportfeld e a Nacionalsocialismo


Analisar o Reichsportfeld torna-se assim de fundamental importância para estudos da arquitetura nos seus elos com o esporte, com o nacionalsocialismo, o fascismo e o poder de estado totalitário do século XX.


Essa consideração deve superar olhares dirigidos apenas à arquitetura dos edifícios, pois no projeto uniram-se configuração espacial paisagística, plástica, outras expressões artísticas e mesmo música em complexo integral fundamentado na ideologia do regime.


O centro do campo é o estádio olímpico que toma o lugar do antigo estádio alemão. Deste refestaram apenas o pátio e o tunel. A parte inferior da arena é rebaixada quanto ao nível do solo.


Todo o complexo criado para fins de representação e propaganda do regime, caracteriza-se pela importância dada à lei e à ordem na disposição dos espaços. A praça olímpica, o estádio, o Campo de Maio e a torre do "Führer" ou do sino alinhalam-se em eixo que é caracterizado por uma série de praças e construções.


O espaço que vincula a área à paisagem envolvente é emoldurado por torres de 35 metros e altura dedicadas aos diferentes grupos étnicos alemães.


O anel superior do estadio é a parte que predomina em todo o complexo. Externamente, a fachada é determinada por corredores abertos em dois andares, com grandes e maciços pilares, evidenciando uma intendida referenciação estética segundo antigos modêlos. Consequentemente, a arquitetura é vista, embora questionavelmente, como sendo "neo-clássica". O "campo de maio" foi concebido como praça festiva nacional, lembrando os foros de cidades da Antiguidade. 


Na parte ocidental do interior, um corte sobre o "portal das maratonas" possibilita a ligação visual com o Campo de Maio e a torre do "Führer" ou do sino. O fogo olímpico e as placas com os nomes de vencedores criam uma atmosfera solene e de culto. 


As grandes áreas foram concebidas como praça de paradas e manifestações. Nos seus fundos, levanta-se a mencionada "Torre do Führer", ou torre do sino, de 77 metros de altura, com uma plataforma ao alto, dominando toda a encenação espacial.


Os toques de sino do campanário de grandes dimensões do campo de esportes deviam chamar a juventude do mundo à nova á´rea de lutas da capital alemã, para que, com as sua força, coragem e habilitade lutassem de forma honrosa para a vitória de suas nações. (Veja)


Ali encontra-se também a sala de Langemarck, destinada à memória da juventude alemã caída na Primeira Guerra. O nome lembrava jovem voluntário morto na Primeira Guerra como exemplo de espírito de sacrifício e de disposição à morte heróica.


Os elos do esporte com a cultura, o teatro e as artes evidenciam-se no no teatro ao ar-livre, a Waldbühne. A área das representações, lembrando teatro da Antiguidade, foi criada para encenações, apresentações corais e instrumentais, assim como para manifestações nacionais.


O Reichssportfeld segundo o  Durch alle Welt recebido no Brasil


A linguagem arquitetônica do Reichssportfeld, segundo os comentários da época em periódico cultural de divulgação de conhecimentos, devia oferecer o sentido da beleza da arquitetura moderna que, inspirando-se em modêlos clássicos, correspondia às concepções modernas de objetividade e funcionalidade e que, por isso, podia expressar o "naturalmente belo". (Durch alle Welt, 28, Julho 1936, Berlin-Schöneberg)


A forte impressão geral era monumental e maciça, mas, nos seus elementos, procurava apresentar-se de forma "amigavelmente convidativa", preenchendo assim duas funções: o da afirmação de poder e o da propaganda.


A disposição espacial foi sentida como particularmente feliz nos comentários que refletiam a linha oficial: os responsávels pelo projeto souberam evitar que as áreas das competições se sucedessem uma à outra, o que teria dado uma impressão mecânica, sem fundamentações de sentido e sem considerar o mundo particular de cada atividade esportiva. Assim, esses espaços foram dispostos de forma separada, envoltos por áreas verdes com árvores e prados.



Nesses comentários, salientou-se naturalmente a relação entre a ordenação espacial e a ideologia etnicista ou populística ("völkisch"). A mais evidente expressão dessa populística era a série de torres designadas segundo as tribos alemãs, dos frísios, saxões, francônios e suábios de um lado, e, do outro lado do estádio, as dos prussianos e dos bávaros à frente da praça olímpica. Essas torres dos troncos do povo alemão partiam da torre do Führer ou do sino, por assim dizer dela irradiando-se.


A praça da entrada sul foi denominada segundo o nome daquele que fundou os jogos da era moderna - o barão Pierre de Coubertin (1863-1937) - que, com isso, teria dado uma contribuição prática a uma "moderna compreensão entre os povos".


Todas as outras praças foram dedicadas a promotores do esporte nas suas vinculações com a história nacional alemã nas suas associações com a unidade nacional e a libertação de jugos. Entre êles, sobressaia-se F. L. Jahn (1778-1852), iniciador do movimento ginástico, lembrado na praça à frente da "casa do esporte alemão". J.C.F. Gutsmuths (1759-1839) foi rememorado com um portal e vários outros nomes de escritores nacionais do século XIX lembravam preceptores da unificação da Alemanha. A praça Hanns-Braun (1886-1918) lembrava um famoso ginasta alemão - e escultor - do período anterior à Primeira Guerra.


Os comentários da época salientavam que, onde, no passado, o Marechal  Paul von Hindenburg (1847-1934), promotor e patrocinador do esporte alemão, lançara as bases do forum esportivo que tornara-se "Academia de Exercícios Corporais do Reich": o seu nome surgia como lembrança de época imediatamente passada, superada pela nova era política nacionalsocialista.


Para acentuar que o modêlo ideal do esportista não era marcado apenas pela força física, mas também por um espírito "sadio", levantou-se um grande palco ao ar livre, ao qual foi dado o nome de Dietrich Eckart (1868-1923), um publicista nacionalsocialista de grande influência com as suas idéias, ali celebrado como poeta.


Os comentários da época lembram que até os últimos momentos trabalhara-se no campo de esportes para que se pudesse cumprir todas as tarefas da monumental construção. A construção servia para dar ao mundo uma prova da força de vontade de reconstrução alemã e da capacidade do povo alemão de cumprir as tarefas a êle colocadas de hospedar a juventude idealística do mundo.



O Estádio do Pacaembú segundo o "Brasil 1940" pela exposição do mundo português


Para a celebração dos centenários de fatos principais da história de Portugal, da Restauração e da independência, publicou-se um álbum que apresentava um panorama documentado e ilustrado do que constituiria o Brasil moderno e que hoje constitui significativa obra para estudos político-culturais. (
Brasil 1940. Homenagem a Portugal nas festas comemorativas dos Centenários da sua Fundaçãõ e Independência, org.Mario de Albuquerque Maranhão Pimentel, Rio de Janeiro: Camara Portuguesa de Comércio e Indústria)


Segundo Lourival Fontes (1899-1964), diretor do Departamento de Imprensa e Propaganda, a obra era um relato que permitia que o velho Portugal se sentisses orgulhoso do filho que continuava mantendo honrosamente as tradições da raça, fortalecendo e engrandecendo a Pátria, que perpetuava nas terras da América a língua portuguesa e continuava a obra civilizadora portuguesa.


No texto referente ao Brasil da atualidade de jornalista português (assinado Simão de Laboreiro), lembrava-se que este era marcado pelo Estado Novo que, em 1937, inaugurara uma época. O título que competiria ao livro seria, na verdade, "O Brasil de Getúlio Vargas":


"Estamos há apenas dois annos do inicio das grandes reformas que caracterização o Estado Novo no Brasil. Menos que a iniciação dos novos costumes em Portugal, muito menos que o novo rumo na Itália. Todavia, neste espaço tão curto, que correponde a menos de um minuto na História de uma Nação, a obra realizada é impressionantemente formidavel, porque atinge todos os setores da vida brasileira na multiplicidade de seus fócos de ação e dinamismo. (...) O Estado Novo Brasileiro não é uma cópia do Estado Novo Português, nem, muito menos, do Fascismo Italiano. Tendo, naturalmente, feito um longo estudo comparativo das normas governativas de alguns países da Europa, o Presidente Getúlio Vargas deu à sua formidavel obra o cunho, o carater, o ambiente estritamente brasileiro. (....) Dentre desses princípios, por assim dizer internacionalizados, o Presidente Getúlio consegue dar à legislação uma nota inconfundivelmente nacional." (op.cit. s/pág.)


Nas páginas dedicadas a São Paulo, após artigo "São Paulo e Portugal" , de Menotti del Picchia (1892-1988)como diretor da Propaganda e Publicidade do Estado de São Paulo, ilustrado com o retrato do Interventor Federal Adhemar de Barros (1901-1969), salienta-se o texto sobre a Municipalidade de São Paulo, com foto de Francisco Prestes Maia (1896-1965), engenheiro convidado por Adhemar de Barros para a administração da capital.


No texto, mencionam-se as medidas que procuravam solucionar problemas urbanos, como o do transporte de passageiros e da retificação do curso do rio Tietê. Entre as edificações, apresentam-se a construção do novo Paço Municipal, da Biblioteca Pública Municipal, várias pontes e viadutos, em particular o da remodelação do Viaduto do Chá, da Avenida Nove de Julho, do Parque das Crianças na Praça Romana e, em particular, do Estádio Municipal no vale do Pacaembú.



No vale do Pacaembú, foram abertas alguns anos atrás, várias ruas novas, as quais, entretanto, não estavam pavimentadas. O número de edificios novos junto a elas, entretanto, permaneceu estacionário, exceto casas novas, algumas das quais de melhor tipo residencial, surgiram, aqui e ali, nas colinas dos arredores, em Perdizes e Higienopolis. No fundo desse vale, em que as condições topográficas são muito favoraveis, decidiu-se construir o Estádio Municipal em uma area de 75.000 metros quadrados, doados pela municipalidade para esse fim. Todas as ruas e avenidas principais dando acesso a esse local, foram pavimentadas com asfalto, tendo sómente o custo desse trabalho atingido a 1.5000 contos de réis.


O Estádio está praticamente concluido, tendo sido inaugurado no dia 27 de abril do corrente ano, segundo aniversário do Governo Adhemar de Barros. As acomodações para os espectadores, campos, pavilhões, salas de receções, ginásio, frontespício, campos de tenis, assim como campos para outras modalidades de esportes, estão terminados e assim São Paulo pode ser o altivo possuidor do maior estádio da América o Sul e um dos mais belos do mundo. (op.cit., s/pág)


A inauguração deu-se com a presença de Getúlio Vargas. No seu discurso, Vargas salientou qualidades concepcionais e estéticas do estádio que refletem critérios e orientações poíítico-culturais do regime. Getúlio Vargas salientou as suas linhas sóbrias e belas na sua imponente massa de cimento e ferro.


Essa estética devia ser compreendida não só como expressão arquitetônica, mas "como uma afirmação da nossa capacidade e do esforço criador do nosso regime na execução do seu programa de realizações." O estádio era um monumento, um marco da grandeza de São Paulo a serviço do Brasil.



De ciclo de estudos sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo


Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. (Ed.).“ Esporte e arquitetura no Nacionalsocialismo e no Estado Novo. O Reichssportfeld como maior área esportiva do mundo em 1936 e o Estádio do Pacaembú como o maior da América Latina em 1940“
. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 163/15 (2016:05). http://revista.brasil-europa.eu/163/Esporte_e_arquitetura.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2016 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Academia Brasil-Europa
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
reconhecido de utilidade pública na República Federal da Alemanha

Editor: Professor Dr. A.A. Bispo, Universität zu Köln
Direção gerencial: Dr. H. Hülskath, Akademisches Lehrkrankenhaus Bergisch-Gladbach
Corpo administrativo: V. Dreyer, P. Dreyer, M. Hafner, K. Jetz, Th. Nebois, L. Müller, N. Carvalho, S. Hahne





 










Berlim 2012 Fotos A.A.Bispo ©Arquivo A.B.E.

 

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