Da Olimpíada de Los Angeles à de Berlim

Revista

BRASIL-EUROPA 163

Correspondência Euro-Brasileira©

 

N° 163/12 (2016:5)





Da Olympia 1932 em Los Angeles à de Berlim de 1936

O corredor Cardoso como exemplo do rude e tenaz de "povos naturais"
para esportistas alemães


Reflexões euro-brasileiras no Olympiapark Berlin

 

No corrente ano tem-se lembrado, em documentários e publicações, os jogos olímpicos realizados há 80 anos em Berlim, em 1936. Esse evento entrou na história dos esportes e cultural pelo fato de ter tido lugar na capital da Alemanha nacional-socialista, cuja ideologia e práticas políticas surgem como que em contradição com os ideais olímpicos.


Os jogos serviram a uma imagem da Alemanha que procurava mitigar receios e encobrir procedimentos de violência, perseguições, intolerância, de racismo e anti-semitismo. Ofereceu ao mundo uma impressão irradiante de nação ressurgida e forte, altamente desenvolvida, progressista e de paz.


Relembrar a IX. Olimpiada de 1936 após 80 anos assume atualidade devido ao recrudescimento de movimentos renacionalizadores que, distanciando-se das instituições européias de Bruxelas, revitalizam sentimentos, convicções e concepções nacionais e nacionalistas, nacional-conservadoras e nacional-sociais.


Em ano no qual tiveram lugar os jogos olímpicos no Rio de Janeiro, cumpre sobretudo aos estudos euro-brasileiros considerar criticamente os problemas das relações entre o esporte e a política cultural do evento que teve lugar em Berlim há oito décadas.


Dentre os muitos aspectos considerados em ciclos de estudos promovidos pela A.B.E., um deles não tem sido analisado com suficiente atenção nos documentários que rememoram a Olimpíada de 1936. Tem-se frequentemente esquecido que o evento foi precedido pelos jogos olímpicos em Los Angeles, em 1932, quando então escolheu-se a capital da Alemanha como local de próxima realização.


Se, portanto, os jogos olímpicos de 2016 realizados no Rio de Janeiro representaram a primeira Olimpíada na América Latina, não o foi do continente americano no seu todo, uma vez que a de Berlim foi antecedida pela de Los Angeles.


Tabaco, esporte, política: Reemtsma e os jogos de Los Angeles como desafio


A Olympia 1932 de Los Angeles foi considerada com atenção em publicação patrocinada pela fábrica de cigarros Reemtsma (Altona-Bahrenfeld, 1932). Essa firma já tinha editado as documentações Olympia 1924 - Paris e Olympia 1928 - Amsterdam. Fundada em 1910, experimentara extraordinária expansão nos anos de 1920 e 1930, não apenas devido a seus procedimentos e produção e marketing, como também pelos seus contatos com círculos da política e da economia. Nos anos que se seguiram à tomada de poder dos nacionalsocialistas, em 1933, a empresa experimentou uma fase de expansão, tornando-se fornecedora de produtos de tabaco à SA. A influência da empresa foi ampla, ultrapassando o contexto mais específico da produção e do comércio de cigarros.


A obra, com muitas ilustrações, foi publicada como álbum de figurinhas a serem coladas no texto, prevendo-se a publicação em forma de livro encadernado. O livro, de 160 páginas, é constituído por textos redigidos por especialistas das várias modalidades de esportes, oferecendo uma crônica das competições. Estas foram celebradas expressamente como competições ou embates de nações.


As publicações da fábrica de cigarros tiveram grande eco no meio dos esportes e constituiram importantes obras de consulta em bibliotecas especializadas.


O livro procurou demonstrar que, vindo de encontro às expectativas, os "combatentes" alemães da Olympia de Los Angeles realizarm grandes feitos, justificando o envio de esportistas alemães aos Estados Unidos.


Os jogos teriam demonstrado, em primeiro lugar, o extraordinário desenvolvimento do esporte em outros países desde a Olimpía de Amsterdam. A escolha dos participantes, o treinamento sistemático e o apoio oficial de Estados teriam possibilitado o sucesso dessas nações, e esses deveria ser o caminho a ser seguido na Alemanha: seleção, treinamento e apoio oficial


Se razões econômicas não teriam possibilitado à Alemanha enviar bom número de atletas aos EUA, como hospedeira dos jogos de 1936 ia ser possível a participação de equipes mais potentes do que aquelas que tinham ido a Los Angeles.


Por essa razão, devia tirar-se lições das lutas de Los Angeles, das experiências feitas e dar-se início imediato às preparações para os jogos de Berlim. Para isso contribuia a publicação com a crônica do evento.


"Olympia dos recordes" e recordes entre nações


O livro abre com texto de título "Olympia dos recordes". Nele é lembrado que quase todas as Olímpias tinham sido assim designadas, essa denominação, porém, apenas fazia jus a duas, a de Estocolmo, de 1912, e a de Los Angeles, de 1932. De 24 competições atléticas, teria havido 21 novos recordes, e de 11 competições na natação, 10. Muitos recordes tinham sido melhorados, observando-se jovens que superavam recordes adultos de natação. As competições - as "lutas" -  tinham sido cheias de dramaticidade.


Os sucessos nas diversas áreas não podiam ser comparados entre si. Como é que se poderia comparar um quadro com um poema, uma sinfonia com a teoria da relatividade?


Uma expressão da antiga Grécia dizia que quando dois fazem o mesmo, este não seria mais o mesmo. No esporte, porém valeria o contrário: quando dois, em diferentes áreas, alcançam altos sucessos, fazem o mesmo. O feito supremo mantém o superlativo, ou seja o feito representa o mais alto que se pode alcançar.


No esporte, as vitórias olímpicas seriam marcos de supremacia, pois seriam alcançados em lutas com os melhores do mundo e quem ganharia dos melhores seria o melhor.


Os atletas alemães não tiveram performances tão boas como em Amsterdam. Lutaram, deram o melhor de si, mas sofreram com a concorrência e com o clima da Califórnia. Havia explicações para o pouco sucesso, mas também fatos que não podiam ser explicados.


A juventude de luta alemã (Kämpferjugend) tinha passado por quatro anos de Guerra e mais do que quatro anos de inacreditáveis deficiências na sua infância.  Talvez esse fato explicasse que um atleta americano, britânico ou finlandês tivesse mais capital de forças à disposição do que os alemães.


Os alemães, porém, tinham apresentado sob muitos aspectos potencialidades e, em quatro anos, teriam ocasião de demonstrar que tinham alcançado poucas vitórias, mas aprendido em Los Angeles.


Tinham-se visto novas nações projetarem-se, sobretudo as grandes potências do Japão e da Itália. Essas nações demonstravam como a força de vontade focalizada e o apoio financeiro do Estado podiam promover a educação física do povo e os esportes.


De onde vinham as energias dos americanos? De onde tiraria a América as suas vitórias triunfals, a quantidade de seus atletas de ponta, os seus jovens tão vitais?


Tendo Los Angeles alcançado grande perfeição e superado todas as expectativas, colocava-se para a Alemanha a difícil tarefa de oferecer um evento à altura ou mesmo superar a X Olimpíada. Do ponto de vista esportivo e de organização havia um trabalho gigantesco a ser feito nos próximos quatro anos.



Indígenas na Olimpíada em Los Angeles e o índio Cardoso como exemplo de tenacidade


A crônica alemã da Olimpíada de Los Angeles salienta que os indígenas, "totalmente sem serem tocados pela cultura e civilização", seriam mais sadios e robustos do que os brancos. Nas competições esportivas, porém, os representantes das velhas culturas seriam superiores aos povos naturais. Os americanos tinham tentado com os índios Hopi, pois seriam famosos como corredores. Dela nada teria resultado. O famoso corredor indiano, que teria batido o recordo de Ladoumégues, não veio. Teria sido melhor para êle e para todos aqueles que tinham tais ilusões. Os índios brasileiros e mexicanos correram como de uso descalços, ficaram porém em geral em último lugar. Entretanto tinham demonstrado espírito esportivo e talento. Talvez a civilização faria mais para eles do que a "incultura" teria feito


Sem meias e sem sapato, o índio Cardoso, do Brasil, correra os 10000 metros. Não teve no fim pés feridos e não estava esgotado. Não tinha dormido 24 horas e viajado toda a noite e todo um dia em caminhões que o levaram de carona de San Francisco a Los Angeles, pois o brasileiro não tinha mais nenhum recurso. Chegou um quarto de hora antes do início no Estádio e correu. Para os cronistas alemães, os "povos naturais" não teriam talvez chance no confronto com os atletas europeus, mas estes poderiam tomá-los como exemplo do que seria ser duro e autêntico, não deturpado. Seria mais fácil formar recordistas do que um esportista verdadeiro como o brasileiro Cardoso. (op.cit. 14)


Olympia das Artes em Los Angeles e a projeção cultural da Alemanha


Na Olympia das artes, a Alemanha tinha alcançado bons sucessos, embora a parrticipação alemã nos jogos de Los Angeles tinha sido alvo de observações negativas. O olhar dirigido apenas às competições esportistas, desviando a atenção à cultura e às artes, não soubera valorizar essa excelência da Alemanha no campo cultural olímpico. Embora a Alemanha não tenha obtido grandes sucessos nos esportes, a sua posição de relêvo na classificação geral devia-se às medalhas de ouro e prata que alcançara na competição artístico-cultural.


Devia-se louvar que o comitê olímpico internacional incluira a arte nas competições. Obviamente,  apenas tenham sido enviadas obras que apresentassem alguma relação com o esporte. As opiniões divergiam, porém, a respeito dessas relações. Ao lado de muitos trabalhos medianos, expuseram-se trabalhos de excelência.


A Alemanha obteve uma medalha de ouro e dois prêmios de terceira colocação. A escultura Der Boxer, de Rudolf Belling (1866-1972) mereceu uma menção honrosa. Esse artista, com conhecimentos de anatomia e com experiência em teatro, artes cênicas e sua proximidade à dança, dedicando-se com a obra condecorada ao movimento e à força do boxe, deixaria Berlim após a tomada de poder dos nazistas e imigraria aos Estados Unidos. Embora mencionado na crônica, não foi, nos anos seguintes, artista apoiado pelo regime institucionalizado.


Na pintura, o primeiro prêmio coube à Suécia com uma marinha, salientando porém a crônica que esta tinha pouco ou nada a ver com esporte. Esse fato não devia repetir-se em Berlim, atentando-se a relações mais estreitas entre as obras olímpicas e as diversas modalidades esportivas.


No concurso gráfico, a Alemanha alcançou uma medalha de bronze com obra do escultor e artista gráfico Joachim Karsch (1897-1945) de título "Stabwechsel". Também aqui tratou-se de um artista que gozava de renome e prestígio no início da década de 1930, mas que posteriormente teria obras suas qualificadas como "degeneradas" pelo regiome nacionalsocialista.


Na arquitetura, Richard Konwierz (1883-1960) alcançou uma melha de bronze pelo seu projeto "Die Schlesier-Kampfbahn". Como o título dessa obra indica, Konwierz destacava-se com projetos de áreas e edifícios de esportes, entre êles do estádio Olímpia de Breslau, representando um dos mais relevantes nomes da arquitetura nas suas relações com os esportes do século XX. Significativamente, seria futuramente professor de instituto universitário de educação física.Um arquiteto alemão já tinha obtido uma medalha na Olímpia de Amsterdam: o paisagista Alfred Hensel (1880-1969).


O prêmio de literatura coube à Alemanha. O livro Am Kangehenzongha com o subtítulo "Kampf um den Himalaya" de Paul Bauer (1896-1990) ganhou uma medalha de ouro. O autor, con formação militar, era renomado alpinista e nacionalsocialista, tendo desempenhado um papel decisivo no alinhamento político do esporte de montanhas e o do pedestrianismo (Wandern) como responsável por organização de educação física oficial do regime.



De ciclo de estudos sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo


Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A.(Ed.).“ Da Olympia 1932 em Los Angeles à de Berlim de 1936. O corredor Cardoso como exemplo do rude e tenaz de "povos naturais" para esportistas alemães“
. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 163/12 (2016:05). http://revista.brasil-europa.eu/163/Olimpiada_de_Los_Angeles_1932 .html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2016 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Academia Brasil-Europa
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
reconhecido de utilidade pública na República Federal da Alemanha

Editor: Professor Dr. A.A. Bispo, Universität zu Köln
Direção gerencial: Dr. H. Hülskath, Akademisches Lehrkrankenhaus Bergisch-Gladbach
Corpo administrativo: V. Dreyer, P. Dreyer, M. Hafner, K. Jetz, Th. Nebois, L. Müller, N. Carvalho, S. Hahne





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Berlim 2013. Fotos  A.A.Bispo ©Arquivo A.B.E.

 

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