Karl Schneider von Arno e os Botocudos

Revista

BRASIL-EUROPA 163

Correspondência Euro-Brasileira©

 

N° 163/9 (2016:5)




O Reino Lombardo-Vêneto sob a soberania da Áustria nas suas relações com o Brasil

Karl Freiherr Schneider von Arno (1777-1847)

e os Botocudos enviados em 1823 por D. Pedro I (1798-1834)
ao Imperador Francisco I (1768-1835)


Visita à Franzensfeste do Tirol por ocasião da Youth Art Biennale 2016

 

A perspectiva italiana nos estudos do movimento de unificação nacional da Itália e das guerras da independência pela liberação ou "redenção" de territórios sob a égide austro-húngara tem determinado visões de processos históricos do século XIX nas suas relações com o Brasil.


Esse posicionamento é compreensível, uma vez que é justamente o estudo de movimentos nacionais e da formação de estados nacionais no século XIX que ganham atualidade no presente marcado por tendências renacionalizadoras que revitalizam concepções e anelos julgados há muito como superados.


Essa perspectiva é justificada também pelo fato de ter sido um brasileiro - o compositor A. Carlos Gomes (1836-1896) - aquele que criou, há 150 anos, uma das mais significativas obras que dão expressamente testemunho dos acontecimentos da terceira guerra da independência italiana destinada a resgatar o Vêneto da tutela austríaca.


Essa obra representa também uma expressão teatral-musical da aliança da Itália com a Prússia na guerra contra a Áustria-Hungria, com a vitória de Königgrätz e, assim com desenvolvimentos que fundaram a "pequena solução" - sem a Áustria - na unificação e na história nacional da Alemanha. (Veja)


Cumpre, porém, considerar a perspectiva do inimigo comum dessas guerras que determinaram a configuração de estados nacionais da Europa, a do Império dos Habsburgs na sua configuração supra-nacional de muitos povos, etnias e culturas.


Seria injustificável supor que processos culturais à época da soberania austríaca em territórios que passariam a ser integrados no reino nacional da Itália não tivessem interesse para estudos relacionados com o Brasil.


Franzensfeste. Bispo, A.  A. 2016. Copyright

Significado da Áustria nos estudos culturais e histórico-científicos do Brasil


Já estudados sob diferentes aspectos foram os estreitos e importantes elos políticos e culturais entre a Áustria e o Brasil. Sempre tem-se salientado o fato extraordinário de ter sido nada menos do que uma arquiduquesa da Áustria a Primeira Imperatriz do Brasil: D. Leopoldina (1797-1826), filha de Francisco I (1768-1835), esposa de D. Pedro I (1798-1834).


Através dela e da constelação política internacional em que se inseriu a união, os elos científicos, culturais e artísticos entre a Áustria e o Brasil estreitaram-se de forma excepcional, garantindo a presença austríaca através de renomados eruditos em diferentes áreas das ciências e das artes no Brasil e do Brasil na Áustria.


Várias das personalidades que então vieram em missões de pesquisas e estudos ao Brasil e que, de retorno, levaram materiais e conhecimentos do Brasil à Áustria entraram na história cultural por contribuições fundamentais para o desenvolvimento de várias áreas do conhecimento e da música, salientando-se, entre outros, Sigismund von Neukomm (1778-1858).


Se muitos desses nomes têm sido objeto de estudos, considerando-se também os centros em que desenvolveram os seus trabalhos na Europa, e que hoje conservam em parte coleções em acervos de museus e bibliotecas, pouco tem-se considerado regiões sob a égide da Áustria na ordenação restaurativa da ordem européia segundo o Congresso de Viena (1815), entre elas a do reino Lombardo-Vêneto.


O esquecimento dessa configuração de estado - embora compreensível através de uma perspectiva historiográfica a posteriori do movimento nacional italiano - necessita ser superado, pois diz respeito a processos políticos e político-culturais que apresentam muitas relações e paralelos com aqueles experimentados pelo Brasil à época de sua independência e das primeiras décadas do Império.


Carlos Gomes no contexto lombardo-venetiano no início do reino nacional italiano


Merece atenção o fato de Carlos Gomes, nas primeiras cartas que enviou de Milão a seu mentor Francisco Manoel da Silva (1795-1865), no Rio de Janeiro, ter manifestado a sua decepção quanto à vida artística da capital lombarda, então já não mais sob a soberania austríaca. A música, em particular, estaria em tal estado de completa decadência que o compositor pensava em transferir-se para Nápoles. Essa situação não correspondia à imagem que se tinha de Milão no Brasil, defasada relativamente à realidade.


Que o seu professor brasileiro ainda tivesse uma imagem marcada pela época austríaca testemunha o fato deste demonstrar a sua satisfação de constatar, nos exercícios teórico-musicais enviados pelo compositor ao Brasil, similaridades com aquele que tinha obtido de Sigismund von Neukomm.


O debate relativo à razão pela qual o bolsista brasileiro foi enviado à Itália e não à Alemanha, deve ser assim retomado sob outros pressupostos, ou seja, mais adequados às configurações políticas da época e não de estados nacionais que posteriormente se estabeleceram e que então se estabeleciam através de guerras. A Milão à qual foi enviado Carlos Gomes era aquela ainda marcada pela capital austríaca que fora até poucos anos do reino Lombardo-Vêneto.


Merece particular atenção a mudança experimentada por Carlos Gomes no processo de sua integração na sociedade italiana, passando a ver os desenvolvimentos a partir de um outro posicionamento, o do nacional italiano, o que se manifesta na sua Rivista di 1866 e que garantiu-lhe popularidade. (Veja)


Essa mudança de orientação política teve dimensões abrangentes e de amplas consequências, pois disse respeito também a situações interno-alemãs das guerras entre os países liderados pela Prússia contra a Áustria. De uma orientação cultural segundo Viena como antiga referência principal de Milão na sua imagem trazida do Brasil passou o compositor necessariamente a uma de simpatia para com o mundo alemão mais ao norte liderado pela Prússia com quem a Itália se aliara.


Ainda em estado insatisfatório encontram-se os estudos culturais do reino Lombardo-Vêneto à época anterior do Reino da Itália conduzidos segundo uma perspectiva austríaca e de significado para o Brasil. Um vulto da história austríaca de cidades e regiões que posteriormente seriam italianas cuja biografia sempre inclui um episódio referente ao Brasil é o Karl Freiherr Schnedier von Arno.


Karl Freiherr Schneider von Arno (1777-1847) - lembrado em Donaueschingen


Karl Freiherr Schneider von Arno é um nome que foi considerado no contexto de estudos desenvolvidos em Donaueschingen, sua cidade natal, por último em fevereiro de 2016.


Após realizar estudos universitários em Salzburg, em 1791, apresentou-se como voluntário para um regimento de suíços para Piemonte, iniciando-se já de 1794 a 1796 a participação de Schneider em atividades militares na Itália. Com a diminuição do exército piemontês com a paz, retornou à sua terra natal, entrando já em 1799 a serviço da Áustria.


Participou já em 1791 em embates militares na Itália, sendo nomeado a chefe da insurreição de Arezzo, destacando-se na tomada de várias cidades, entre elas Siena e Perugia. Com a supressão da Insurreição após as vitórias dos franceses, retornou a seu regimento. Subindo na hierarquia militar, tomou parte em combates em 1805, 1809 e 1813.


Na batalha de Dresden, foi ferido, sendo aproveitado como comandante na formação de um corpo voluntário italiano. Presenciou as incursões austríacas em Nápoles em 1821. Foi nomeado a Generalmajor em 1823 e a Marechal de Campo em 1832. Em 1836, retornou como Comandante Geral a Linz.


Franzenfeste - fortaleza e monumento da arquitetura militar no Tirol



O nome de Karl Freiherr Schneider von Arno voltou a ser considerado em visita ao museu instalado na fortaleza Franzenfeste (Fortezza) em território da atual Itália, uma das maiores obras da arquitetura militar do século XIX.



Levantada entre 1833 e 1838 segundo projeto do engenheiro militar Franz Scholl iniciado aina sob Francisco I - razão de sua denominação - a fortaleza devia servir para garantir a via de comunicação entre o norte e o sul através do vale do Wipp e do passo de Brenner.


Tendo atuado em posições de liderança à frente de batalhões de caçadores do Tirol, Schneider von Arno tem o seu nome ligado à fortaleza.


Em 1815,  o imperador nomeou-o a comanante do regimento do Regimento de Caçadores Imperial do Tirol e na reorganização militar, criou-se um batalhão em Innsbruck que passou a ser comandado por Schneider von Arno.


Joseph Freiherr Schneider von Arno (1810-1857)


Seguindo a tradição militar do pai, Joseph Schneider von Arno foi Generalmajor real e imperial, brigadeiro no VIII Corpo da Armada e Comandante da cidade de Bologna. Casou-se com Ursulka Birti von Weinfeld de Rovereto.


Interesse por indígenas enviados por D. Pedro I ao Imperador Francisco I em 1823.


As biografias de Karl Freiherr Schneider von Arno mencionam um episódio anedótico relacionado com o militar e que indica o seu interesse pelo Brasil, país cuja Imperatriz era austríaca.


A partir de meados de outubro de 1823, tornou-se conhecido que dois indígenas do grupo Botocudos, enviados como presente ao imperador Francisco I por D. Pedro I, podiam ser vistos no  jardim particular do imperador.


Esse jardim situava-se à frente do portão do burgo defronte ao Volksgarten. Como as suas biografias relatam, também o General Schneider von Arno quis ver esses indígenas, que, chamavam a atenção pública como selvagens, dirigindo-se pela manhã ao jardim. Como não os achou, perguntou a um homem que se encontrava ajoelhado no chão colhendo flores onde os mesmos se encontravam, oferecendo ao suposto jardineiro uma nota de vinte. Quando o velho homem levantou-se do chão para dar resposta, o General percebeu que era o próprio imperador Francisco. Balbuciando, o General apresentou as suas desculpas. O imperador, com certo humor, respondeu que uma desculpa não era necessária, mas que guardaria a nota de vinte, pois esta era o primeiro dinheiro que ganhava pelos seus índios.



De ciclo de estudos sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo


Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A.(Ed.).“ O Reino Lombardo-Vêneto sob a soberania da Áustria nas suas relações com o Brasil. Karl Freiherr Schneider von Arno (1777-1847) e os Botocudos enviados em 1823 por D. Pedro I (1798-1834) ao Imperador Franncisco I (1768-1835) “
. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 163/9 (2016:05). http://revista.brasil-europa.eu/163/Schneider_von_Arno_e_os_Botocudos.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2016 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Academia Brasil-Europa
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
reconhecido de utilidade pública na República Federal da Alemanha

Editor: Professor Dr. A.A. Bispo, Universität zu Köln
Direção gerencial: Dr. H. Hülskath, Akademisches Lehrkrankenhaus Bergisch-Gladbach
Corpo administrativo: V. Dreyer, P. Dreyer, M. Hafner, K. Jetz, Th. Nebois, L. Müller, N. Carvalho, S. Hahne





 




Franzenfeste 2016. Fotos A.A.Bispo ©Arquivo A.B.E.

 

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