Nacional e nacionalismo - arte, guerra e esporte
ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 163

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Rovereto. Foto A.A.Bispo 2016. Copyright





Colle die Miravalle, Rovereto 2016.. No texto: Olympiapark Berlim 2012.  Foto A.A.Bispo 2016©Arquivo A.B.E.

 


N° 163/1 (2016:5)


Vêneto-Brasil, Áustria e Alemanha: 1866-1936-2016

O nacional e o nacionalismo italiano nas suas tensões e interações com a Europa de língua alemã antes e depois da Primeira Guerra em referências com o Brasil - arte, guerra e esporte

Reflexões no ano dos jogos olímpicos no Rio de Janeiro:
Verona,
Piazzale delle Genti em Rovereto e lago de Garda, centro da Repubblica Sociale Italiana di Salò


 

Neste seu número 163, a Revista Brasil-Europa inclui relatos de trabalhos que foram promovidos pela A.B.E. e pelo I.S.M.P.S. no corrente ano na Itália, na Áustria e na Alemanha sob o impacto de ocorrências e do debate político-cultural da atualidade e dos 100 anos da Primeira Guerra Mundial. Esses estudos deram continuidade àqueles anteriores publicados em edições precedentes e, em particular, àqueles levados a efeito no norte da Itália, entre outros na província de Verona do Vêneto, no Trentino e no Alto Adige. (Veja)


Rovereto. Foto A.A.Bispo 2016. Copyright

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Os relatos da presente revista referem-se em primeiro lugar à visita efetuada em agosto de 2016 à Piazzale delle Genti com o centro de encontros e exposições da Fondazione Opera Campana dei Caduti em Rovereto,assim como ao Museo Storico della Guerra e ao museu e Accademia del Caffé desta cidade


Em estreita relação com os trabalhos em Rovereto, seguiram-se aqueles em diferentes localidades do lago de Garda, região do Vittoriale degli italiani em Gardano e em Salò, capital da efêmera Repubblica Sociale Italiana fascista por ocasião do Festival Estate Musicale del Garda e da exposição vision ARyT em Gardano.


Visitado foi também o museu da fortaleza Franzensfeste/Fortezza no Tirol por
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ocasiãoda Academiae Youth art Biennale 2016.


Nessas ocasiões, foram recapitulados e reconsiderados sob novas perspectivas trabalhos anteriores realizados em diversas ocasiões em cidades da antiga Boêmia, em Veneza e em Berlim, aqui em particular no Olympiapark.


Atualidade do nacional e do nacionalismo em diferentes contextos e interações


Como tratado nas edições precedentes, a intensificação de movimentos e posicionamentos nacionais, nacionalistas e identitários que criticam as instituições da Europa na sua configuração atual a favor de um refortalecimento dos estados, de fronteiras e de interesses nacionais aguça a sensibilidade para paralelos em outras épocas da história. (Veja)


O desfecho do referendo na Grã-Bretanha, com o Brexit, é a maior evidência uma
renovada popularidade de anelos independentistas e renacionalizadores. Essa popularidade - e o populismo de líderes e políticos criticado por oponentes desses movimentos - trazem à consciência a necessidade de análises de processos que os explicam nos estudos culturais.


Significativo é o fato de que preocupações, concepções e termos que até há pouco eram vistos como próprios de um passado findo passam a ser revitalizados e reinterpretados, em particular aqueles que acentuam
perspectivas étnicas, raciais ou "povísticas", como no caso do termo alemão "völkisch".


Essa retomada de conceitos que marcaram a história dos estudos culturais de um século - do Folclore, da Etnografia e da Antropologia -, exige também uma retomada do debate teórico com eles relacionados e que os considerem nas suas inscrições em processos político-culturais, da história do pensamento e das ciências, de visões do mundo e de ideologias.

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Três principais complexos temáticos


A consideração de paralelos com desenvolvimentos atuais - ou de análise de precedentes, de continuidades e descontinuidades, causas e consequências em processos históricos - dirige necessariamente a atenção ao século XIX, o século da formação de estados nacionais, como a Itália e a Alemanha. As guerras de independência e unificação de territórios foram acompanhadas por um interesse pela história, por conhecimentos transmitidos pela tradição oral popular, pela língua, dialetos e
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expressões caracterizadoras de povos e nações.


A Primeira Guerra Mundial - rememorada na atualidade pela passagem dos seus 100 anos - representou uma cisão, o fim da antiga ordem européia, uma reorganização geo-política e de referenciações político-culturais que determinaram as décadas de entre-guerras que se seguiram.


O nacionalismo desse período não representou uma simples continuidade de desenvolvimentos anteriores, mas antes um fenômeno cultural a ser considerado no âmbito de processos em situações políticas totalmente modificadas e correspondentes visões do mundo.


Como tratado no número anterior desta revista, considerar desenvolvimentos anteriores a partir de posições e perspectivas desse período leva a projeções indevidas de situações posteriores a anteriores, e assim a distorções. A historiografia e os estudos culturais em geral no Brasil, em particular no caso da música e do Folclore, dão prova dos problemas resultantes da manutenção de um sistema referencial das décadas de 20 e 30 na interpretação do passado ou da sua reconstrução sob critérios que não foram aqueles de sua época.


O estudo desses problemas do nacional e do nacionalismo em diferentes contextos processuais da história motivada por desenvolvimentos presentes não pode deixar de considerar com especial atenção o esporte, uma vez que o ano de 2016 foi internacionalmente marcado pela realização dos jogos olímpicos no Rio de Janeiro.


Ainda que praticados à luz de altos ideais confraternizadores, a sua própria configuração segundo nações representadas nas competições e os sentimentos nacionais que despertam, revelam e acentuam indicam a pertinência e mesmo exigência da consideração da idéia e da prática olímpica sob a perspectiva das preocupações atuais e dos estudos voltados ao nacional e ao nacionalismo.


O fato das atenções internacionais terem-se voltado ao Rio de Janeiro com os jogos de 2016, justifica a consideração mais atenta dessas relações nos estudos euro-brasileiros.Também aqui cumpre considerar a história do ideal olímpico diferenciadamente, do início da sua história atual em fins do século XIX com critérios adequados à época às suas edições no período de entre-guerras. Em particular a Olimpíada de 1936 em Berlim adquire relevância sob a perspectiva do do nacionalismo em regimes totalitários.


1) 150 anos de Se sa minga, Rivista di 1866 de A. Carlos Gomes (1836-1896)


O ano de 2016 oferece uma data para a consideração de movimentos nacionais do século XIX que é de grande significado tanto para a Europa como para o Brasil.


Trata-se da passagem dos 150 anos da terceira guerra da independência italiana e da guerra na esfera alemã, entre a Alemanha e a Áustria (Deutsch Deutscher Krieg), onde saiu vencedora a Prússia com a qual a Itália estava aliada, na decisiva batalha de Königgrätz, na Boêmia (Hradec Králové).


Com essa vitória, o movimento nacional de unificação italiana, apesar das derrotas sofridas e da grande perda de vidas, alcançou um de seus principais objetivos: o da integração do Vêneto. Se já a Lombardia havia sido recuperada da égide áustrica em 1861, o Reino Lombardo-Vêneto, criado como resultdo do Congresso de Viena, em 1815, chegou ao fim com a Paz de Viena, em 1866. quando Veneza e Mantua foram integradas no Reino da Itália.


Transcorridos cinco anos desde os ciclos euro-brasileiros realizados na Boêmia, em particular em Königgrätz, importante centro universitário, (Veja) surgiu como oportuno retomar as reflexões sobre o significado do desfecho dessa guerra centro-européia sob a perspectiva do movimento nacional italiano e de suas relações com o Brasil.


Para isso, promoveram-se estudos em cidades de regiões mais estreitamente envolvidas nas lutas para a recuperação do Vêneto. Essa reconsideração da decisivos acontecimentos de 1866 para a história nacional de países europeus  nos estudos euro-brasileiros justifica-se pelo fato de ter sido um brasileiro, o compositor A. Carlos Gomes, aquele que deixou o mais significativo registro musical das ocorrências do ano na sua composição para Se sa minga, Rivista di 1866.


Essa revista, de grande êxito, tendo garantido a popularidade de Carlos Gomes e inaugurado a sua carreira, antecedendo em sucesso co Il Guarany no Teatro alla Scala, adquire significado não apenas para o estudo de sua vida e obra, mas também para os estudos de relações ítalo-brasileiras nas suas inscrições em processos interno-europeus, em particular nos seus elos com a Alemanha. (Veja)


Atenção particular merece o fato do compositor brasileiro, chegado há pouco como estudante em Milão, ter alcançado popularidade com uma composição que trata de ocorrências da atualidade em linguagem de cunho popular.


Essas características emprestam à composição relevância até hoje não suficientemente reconhecida para os estudos culturais do século marcado pelo interesse por assuntos populares e por tradições, de tanta importância para a história do Folclore e pela Etnografia.


Passando em revista o ano de 1866, a obra dá testemunho das relações entre economia e o movimento nacional, adquirindo também sob este aspecto singular atualidade. O compositor, que passou por dificuldades financeiras devido aos problemas de câmbio de suas mesadas vindas do Brasil, registra em parte da revista a introdução do papel-moeda não convertível em ouro para cobrir o déficit e os gastos dos empreendimentos bélicos. (Veja)


Talvez a mais expressiva parte da obra é aquela da marcha fúnebre e côro dedicada à batalha de Custozza, uma derrota que custou a vida de grande número de combatentes e que é até hoje lembrada em ossários e memoriais da região de Verona e do Lago de Garda. Se a "Marcha Radetzky" de Johannes Strauss (Pai) (1804-1849) é até hoje conhecida e celebrada como lembrança das vitórias austríacas em 1848, a Custoza de Carlos Gomes deveria ser lembrada como manifestação musical em memória aos muitos soldados que, do lado italiano, perderam a vida nas lutas da independência de 1866. (Veja)


Para os estudos culturais, adquire também relevância a composição de Carlos Gomes que testemunha o significado do armamento e da tática de guerra alemã para a vitória que trouxe por fim a integração de Veneza, uma vez que trata musicalmente do fusil prussiano na sua eficácia. (Veja)


A obra inaugual do sucesso de Carlos Gomes revela assim os estreitos elos do compositor no início de sua carreira européia com os anelos, os esforços e os sacrifícios nacionais italianos de recuperação de Veneza e de sua esfera de influência.


Esses elos mantiveram-se nos anos que se seguiram, e um de seus principais testemunhos é a Canzonetta veneziana "Lisa me vostu ben" dedicada por Carlos Gomes a um dos mais destacados estudiosos da história, das tradições e da arte do antigo passado glorioso da cidade da laguna. Já pelo cunho popular da cançoneta, essa obra o compositor brasileiro surge como significativo documento do papel da música e das tradições musicais no ressurgimento em Veneza após a sua integração no Reino da Itália. (Veja)


2) O Brasil e Rovereto, a cidade do sino dos caídos ou da paz



Relativamente à Primeira Guerra Mundial, às lições que dela se tiram para o presente e para o debate entre o nacional e a unidade do Humano manifestada nos Direitos do Homem, o monumento mais expressivo é o sino da paz na Colle di Miravalle em Rovereto e o correspondente espaço da Fondazione della Campana della Pace.


Com a visita a essa área monumental, deu-se continuidade aos estudos realizados em Trento, quando considerou-se o Hino Triunfal a Carlos Gomes de Riccardo Zandonai (1883-1944), compositor nascido em Rovereto. (Veja)


A constatação de que o Brasil se encontra representado nas ações internacionais que se realizam em Rovereto.A participação nelas de um grupo de capoeira favorece reflexões sobre o campo de tensões guerra/paz, seriedade trágica da guerra e ludo, lutas e esporte. Com essas reflexões, prepara-se o tratamento do terceiro complexo relacionado com o período de entre-guerras e, em particular, com a Olimpiada de 1936 em Berlim. (Veja)


Nas circunvizinhaças de Rovereto situam-se cidades do Lago de Garda que adquirem significado para os estudos euro-brasileiros relativoa ao nacional e ao nacionalismo sobretudo por ter sido centro de atuações de Gabriele d'Annunzio (1863-1938), personalidade de extraordinário significado para a história política nacional italiana e do fascismo, das artes e da música do século XX, inclusive para o Brasil.


No Vittoriale degli italiani, às margens do lago de Garda, lembra-se do Quartetto veneziano Vittoriale, no qual participou Edoardo Guarnieri (1898-1968), músico e regente que, posteriormente, desempenharia papel relevante na vida musical brasileira. (Veja).


Êle e outros músicos do quarteto participaram do III Festival de Música de Câmara de Veneza, em 1925, evento de excepcional significado em época de reestabelecimento de elos entre músicos de países europeus que tinham combatido na guerra e no qual se apresentaram obras de Heitor Villa-Lobos (1887-1959).


Esse festival, da Corporazione delle nuove Musiche e da Sociedade Internacional de Música Contemporânea realizou-se em estreitos contatos com o meio musical de Salzburgo e, assim, com a história em que se inscrevem os estudos euro-brasileiros no âmbito da Academia Brasil-Europa. As reflexões puderam guiar-se pelas dedicatórias de renomados compositores do festival a seu mentor Martin Braunwieser (1901-1991) e sua esposa. (Veja)


3) As Olimpiadas de Berlim em 1936, ano do centenário de Carlos Gomes


Se as comemorações do centenário de Carlos Gomes na Itália fascista de 1936 devem ser consideradas na sua inserção em processos político-culturais nas relações Itália-Brasil (Veja), os vínculos da Itália fascista om outros estados europeus totalitários, em particular com a Alemanha nacional-socialista não podem ser esquecidos.


Essas relações tiveram repercussão no Brasil, onde colonias de imigrantes italianos, austríacos e alemãs se relacionaram na vida cultural, em particular musical. (Veja)


Os estudos desses elos podem ser aprofundados a partir de um olhar dirigido ao esporte, por motivo da sua atualidade para o Brasil no corrente ano. Retomaram-se, assim, estudos que já vêm sendo desenvolvidos e que levaram, há cinco anos, a visita à área da Olimpíada de 1936 em Berlim.


Nessa atualização das reflexões, considerou-se a pouco lembrada Olimpiada que anteceu a esses jogos na capital da Alemanha, e que teve lugar em Los Angeles, em 1932. Lá. um brasileiro, indígena ou visto como indígena, foi considerado como modêlo de fibra e tenacidade dos "povos naturais" aos civilizados em ótica alemã. (Veja) Foi a partir dessa experiência alemã nos EUA que se desenvolveram estrategias para os preparativos do evento em Berlim, agora, porém, já sob condições nacional-socialistas.


Esse direcionamento povístico (völkisch) pode ser analisado em consideração mais atenta da Aldeia Olímpica então construída (Veja), assim como da arquitetura e plástica do monumental campo de esportes. (Veja)


Se o sino fundido com o metal de armas da Primeira Guerra e refundido em 1938 adquire extraordinário potencial simbólico em Rovereto, o sino fundido para a Olímpia de 1936 em Berlim representa um outro aspecto do simbolismo campanológico no contexto nacionalista de entre-guerras. (Veja)


A atenção foi sobretudo voltada às relações entre o esporte e as artes segundo a visão do mundo ideológica nacional-socialista. Procurou-se, com base em textos da época, considerar os critérios de avaliação de expressões artísticas das diferentes nações segundo a Weltanschauung nacionalsocialista. (Veja)


***


A consideração desses aspectos das relações entre as artes, o esporte, concepções e acontecimentos políticos, guerras em processos que levaram do movimento de formação de estados nacionais do século XIX ao nacionalismo de entre-guerras, ao nacionalsocialismo, ao facismo e a outras ideologias totalitárias aguça a sensibilidade para a compreensão, mas tambem para percepção das implicações, dimensões e dos riscos de tendências político-culturais retroativas do presente.


Em ano tão marcado pelos jogos olímpicos, essas visões históricas trazem à consciência também o cuidado diferenciador que se deve ter relativamente a concepções do esporte e da educação física nas suas implicações culturais e estéticas.


Muitas idéias do passado, se não forem consideradas no respectivo contexto e nas suas consequências, podem surgir como plausíveis. Muitas das obras artísticas, da plástica, da arquitetura e da música podem ser aliciantes. Sem o conhecimento do que se passou, essas concepções podem repetir-se. Por isso, todo o cuidado é pouco.


A mensagem de Rovereto - a do sino da paz e da confraternização - a da atenção ao homem na sua unidade garantida pelos Direitos Humanos - e da Criatura - revela aqui o seu amplo significado orientador.




Antonio Alexandre Bispo





Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A.“ Vêneto-Brasil, Áustria e Alemanha: 1866-1936-2016. O nacional e o nacionalismo italiano nas suas tensões e interações com a Europa de língua alemã antes e depois da Primeira Guerra em referências com o Brasil - arte, guerra e esporte“
. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 163(2016:05). http://revista.brasil-europa.eu/163/Veneto-Brasil_Austria_Alemanha.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2016 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Academia Brasil-Europa
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
reconhecido de utilidade pública na República Federal da Alemanha

Editor: Professor Dr. A.A. Bispo, Universität zu Köln
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