Latinidade nos EUA e americanizações
ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 164

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Las Vegas. Foto A.A.Bispo 2016. Copyright

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Foto A.A.Bispo 2016©Arquivo A.B.E.

 


N° 164/1 (2016:6)



Latinidade nos Estados Unidos e americanizações
Aproximações sob o impacto das atuais tendências nacionalistas e anti-imigratórias
nos dois lados do Atlântico

 
Las Vegas. Foto A.A.Bispo 2016. Copyright
Esta edição da revista Brasil-Europa, encerrando o ano de 2016, dá continuidade a estudos e reflexões motivadas pelo recrudescimento de tendências populistas nacionais, nacionalistas e identitárias que marcam a atualidade de vários países europeus confrontados com ondas migratórias.

Polêmicas questões de imigração também desempenharam importante papel na campanha eleitoral republicana nos Estados Unidos no corrente ano. Um dos alvos principais dessa campanha foram os imigrantes latinos nos Estados Unidos e uma das medidas propugnadas foi o da construção de um muro na divisa com o México. Embora dirigida sobretudo a imigrantes mexicanos ilegais, essa propaganda também afeta os brasileiros que em grande número residem no país.

Em ambos os lados do Atlântico constata-se o ressurgimento de concepções que fundamentam anelos e iniciativas que pareciam estar há muito superados. Impõe-se, assim, aos estudos culturais, considerar esse fenômeno nos seus diferentes aspectos, entre êles relembrando e analisando paralelos históricos e suas consequências.

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Após ter-se tratado de anelos nacionais e de desenvolvimentos nacionalistas em alguns de seus aspectos no passado europeu nas suas relações com o Brasil como relatado nos números anteriores desta revista, a ABE dedica esta última edição de 2016 a alguns aspectos de processos históricos que trazem à memória o papel da atuação de povos latinos na história americana mais remota, em particular da Califórnia, as reinterpretações desse passado sob a perspectiva dos EUA anglofone assim como a contribuição de imigrantes, em particular de italianos em desenvolvimentos histórico-culturais posteriores.

Os textos aqui publicados relatam trabalhos realizados sob o impacto desses desenvolvimentos em diferentes cidades do Sudoeste norte-americano em setembro e outubro do corrente ano.

Os EUA nos estudos culturais euro-brasileiros - o nacional e o nacionalismo

Desde o início do programa de estudos euro-brasileiros na Europa, em meados dos anos de 1970, (Veja) pesquisadores norte-americanos cooperaram de modo relevante às reflexões concernentes a processos culturais.


O alto grau de desenvolvimento em várias áreas do conhecimento em universidades e outras instituições norte-americanas não poderia deixar de ser considerado com atenção e levar a interações.


A orientação de importantes institutos europeus, na procura de uma renovação, passava a ser influenciada por tendências e correntes do pensamento dos Estados Unidos, podendo-se mencionar aqui áreas que mais diretamente se voltavam ao Brasil, como a Etnologia ou Antropologia Cultural, a Brasilianística e a Musicologia. Esta, em particular, com a Etnomusicologia implantada no Brasil, passou a seguir os passos da Ethnomusicology.


Neste sentido, já no Brasil a instituição da área em cursos superiores de música e Educação Musical/Artística tinha considerado publicações, posições e métodos de pesquisadores norte-americanos, tendo-se também iniciado intercâmbio com aqueles de orientação mais marcadamente histórica. (Veja)


Interações entre História e a pesquisa empírica nas áreas do Folclore, Etnologia ou Antropologia Cultural marcaram o contato pessoal e a cooperação com pesquisadores norte-americanos na Europa.


Essa cooperação foi decisiva para determinados projetos, entre outros para aquele voltado às culturas musicais da América Latina e no qual o Brasil desempenhou papel relevante. (Veja)


A atenção ao século XIX nesse projeto veio de encontro às preocupações que já tinham marcado o movimento para a renovação dos estudos histórico-musicais e a pesquisa empírica no Brasil e que já contava com uma década de existência.


Esse movimento partira sobretudo da problemática de um século cujas produções musicais tinham sido desvalorizadas tanto sob a ótica eclesiástica guiada pela legislação sacro-musical, como pela nacional e nacionalista posterior à Primeira Guerra.


Esses julgamentos desqualificadores do século no qual o Brasil alcançara a sua independência política tinham consequências para os estudos históricos e mesmo para aqueles que partiam da pesquisa empírica e exigiam revisões, pois revelavam incoerências e paradoxias no tratamento de décadas passadas que tinham sido marcadas elas próprias por concepções historicistas de cunho universalista na esfera religiosa e por anelos nacionais. Reconhecia-se, nesse complexo revelador de disparidades, a exigência de uma revisão de posições e visões estabelecidas pelo nacionalismo de pós-Guerra e um fundamental redirecionamento das atenções a processos, não a esferas categorizadas da cultura.


intensidade do debate sob o signo da "inculturação" nos anos de 1970 e 1980


Tais preocupações adquiriram particular atualidade, brisância e complexidade com os intentos na esfera religiosa resultantes do Concílio Vaticano II e que procuravam uma renovação de expressões culturais nas suas relações com o culto, em particular da música religiosa, através de uma aproximação à cultura popular. (Veja)


Esses intentos acentuaram a problemática já existente, uma vez que favoreceram a retomada, em novo contexto e sob novos prismas, de concepções e expressões do nacionalismo que pareciam já estar ultrapassadas na criação musical mais avançada.


Esse debate marcou as relações entre pesquisadores que atuavam na área da Etnomusicologia - já em si marcada por dificuldades teóricas - e aqueles que se dedicavam à história eclesiástica e cultural em geral, à expansão religiosa através das missões no decorrer dos séculos e ao patrimônio artístico-musical herdado do passado.


Nele desempenharam papel relevante estudiosos norte-americanos que atuaram em instituições européias e vaticanas, abertos que foram à troca-de-idéias a partir de referenciações com o Brasil e à análise de paralelos e interações com desenvolvimentos norte-americanos. A participação norte-americana foi, assim, significativa nas reflexões comuns e nas iniciativas, o que se manifestou na preparação e na realização do Simpósio Internacional "Música Sacra e Cultura Brasileira" levado a efeito em São Paulo, em 1981. (Veja)


Retomando a discussão pelo centenário de Robert Hayburn (1917-1991)


Entre as personalidades que mais se destacaram nesse diálogo merece ser lembrado o Dr. Robert Hayburn, especialista de renome internacional em questões de legislação eclesiástica referente à música e que estabeleceu elos entre o desenvolvimento do pensamento referenciado segundo o Brasil com San Francisco e, em geral, com a história missionária da California.


Após vários encontros na Europa quando de seus estudos em arquivos de Roma, a plêiade das diversificadas questões tratadas puderam ser aprofundadas sob a perspectiva de processos formativos e educativos em simpósio internacional levado a efeito na Universidade Católica de Washington D.C. em 1993.


Às vésperas do centenário de seu nascimento, em 2017, pareceu ser oportuno retomar algumas das preocupações que marcaram os diálogos em visita a San Francisco e às antigas missões californianas.


Essa retomada in loco de questões tratadas em décadas passadas cai em época diversa àquela dos anos de 1970 e 1980, pressupõe conhecimentos desde então adquiridos e realiza-se sob outro signo, ou seja o do recrudescimento do nacional e do nacionalismo no presente e da polêmica derivada da canonização do principal nome da história missionária da California pelo Papa Francisco, em 2015: Fr. Junípero Serra OFM (1713-1784).


Atualidade da problemática: polêmica relativa à canonização de Junípero Serra OFM


A canonização de Frei Junípero Serra OFM, o missionário da Califórnia, em 2015, foi um ato de complexas implicações culturais que também devem ser consideradas nos estudos relacionados com o Brasil e até mesmo pressupõem um desenvolvimento antecedente no Brasil.

A elevação do Franciscano à honra dos altares foi acompanhada por protestos por parte de personalidades e instituições indígenas e indigenistas que salientaram questionáveis aspectos dos seus procedimentos junto aos nativos e as consequências negativas da missão para as populações indígenas que teriam sido despojadas de sua liberdade, coagidas ao trabalho, assoladas por doenças que a dizimaram e levadas ao abandono de sua língua e expressões culturais.

Retomou-se assim uma discussão que já há décadas vem sendo internacionalmente conduzida nos estudos de processos culturais no continente americano e na qual o Brasil desempenhou importante papel.

Já à época da beatificação de Frei Junípero Serra, em 1988, levantaram-se problemas de posicionamentos e perspectivas historiográficas na análise das atividades missionárias e dos processos por elas desencadeados nas Américas e que co-determinaram programaticamente congresso e simpósio internacionais levados a efeito no Rio de Janeiro pelos 500 anos do descobrimento da América por Colombo em 1992.

A atenção foi dirigida sobretudo ao papel desempenhado pela música no processo de transformação cultural desencadeado e que, levando à perda do patrimônio músico-cultural indígena, tornava premente não só um levantamento de fontes e o registro de expressões vivas como também uma mudança de perspectivas na visão de desenvolvimentos na historiografia e na pesquisa cultural empírica.

Ampliando-se a abrangência do projeto para além das fronteiras do Brasil pelas próprias dimensões transnacionais da problemática indígena, realizaram-se encontros e visitas a instituições em outros países, em especial também a vários museus e centros de estudos nos Estados Unidos. (Veja)

Significado do Brasil para o debate atual

A particular atenção emprestada a questões músico-culturais na análise de processos culturais desencadeados pelas missões nas Américas foi resultado de estudos anteriores desenvolvidos no âmbito programa euro-brasileiro na década de 1970 e que foram discutidos no já mencionado Simpósio Internacional "Música Sacra e Cultura Brasileira".

Aquele evento foi aberto significativamente com visita ao Pátio do Colégio, lembrando de início o papel exercido pelos missionários da Campanhia de Jesus na formação cultural a cidade e do Brasil, sendo seguido, após o seu encerramento, por sessões em Petrópolis junto aos Franciscanos do Instituto de Meninos Cantores como principais representantes por décadas do movimento litúrgico-musical no Brasil.

Nessa ocasião, lembrou-se que foram franciscanos aqueles que celebraram a primeira missa por ocasião do descobrimento e que realizaram as primeiras missões, uma prioridade que nem sempre tem sido devidamente considerada nos estudos culturais.

A predominância quase que exclusiva da atenção às atividades posteriores dos Jesuítas na formação histórico-cultural do Brasil explica-se pela abundância das fontes escritas que deixaram com a sua correspondência, que constitui hoje um conjunto documental de extraordinário significado e que não encontra paralelo nas suas dimensões no franciscanismo.

A menor quantidade de fontes escritas, porém, não significa que os Franciscanos não tenham desempenhado papel relevante e mesmo fundamental na história cultural do Brasil. Reconhecê-lo exige porém procedimentos outros do que aqueles exclusivamente baseados em relatos e cartas e nos quais observações empíricas de formas de culto, da mística e da lúdica, da linguagem visual manifestada em igrejas desempenham papel importante e que exigem conhecimentos teológicos e da história eclesiástica, da cultura espiritual, da mística e da vida religiosa da ordem.

Muito anterior à Companhia de Jesus, a consideração do Franciscanismo e sua ação missionária exige estudos medievais de séculos que precederam ao descobrimento da América.

O significado da música na cultura religiosa franciscana explica-se pela prática do canto das horas do ofício em coro dos religiosos, determinante da vida comunitária e fundamentamentada em antiga tradição dos estreitos elos entre liturgia e canto, ou seja, da própria sacralidade da música de culto.

Ao contrário, os Jesuítas alcançaram a dispensa da obrigatoriedade do canto em côro das horas, podendo dedicar-se com mais tempo á militância.

Pressupostos culturais da ação dos Franciscanos na Califórnia em paralelos

Se o Pe. José de Anchieta SJ (1534-1597) nasceu em ilha das Canárias, também Frei Junípero Serra (1713-1784) proveio do mundo insular sul-europeu da esfera ibérica, nomeadamente de Mallorca. Se, porém, Anchieta foi marcado pelos seus estudos em Coimbra, Frei Serra teve a sua formação em antigo convento franciscano de sua cidade natal Petra e aprofundou-os na tradição teológica remontante ao teólogo franciscano Ramobn Llull (1232-1316) em Palma.

A sua atuação como teólogo, pregador e professor em Palma, entre 1744 e 1749, decorreu em época posterior do movimento contra-reformatório ou de reforma católica cujo marco foi o Concílio de Trento (1545-1563).

Não apenas expressões culturais vigentes no seu meio camponês de origem em tradição catalâ-maiorquina, em particular do culto de santos, como também concepções contra-reformatórias de sua formação teológica podem explicar características de suas atuações no Vice-Reino da Nova Espanha, para a qual foi enviado com um grupo de Franciscanos.

Com a sua erudição teológica, marcou em duas décadas de atividades como professor do Colegio de San Fernando da cidade do México a formação sacerdotal e a orientação das atividades missionárias em regiões centrais do México.

Em 1768 foi enviado à Baja California, assumindo a direção das missões que haviam sido fundadas pelos Jesuítas e que, em 1767, tinham sido expulsos da Nova Espanha. Sob a sua orientação, procedeu-se necessariamente uma profunda mudança na vida religiosa das missões.

Distinguindo-se a vida comunitária franciscana daquela da Companhia de Jesus sobretudo pela canto das horas do ofício, a prática e o ensino do canto Gregoriano adquiriram especial relevância. Frei Junípero Serra, percorrendo a Baja California, fundou a estação missionária de San Fernando Rey de España e Velicatá e, em 1759, a de San Diego de Alcalá. Subindo a costa, atingiu Monterey, atuando na fundação de 11 missões de um conjunto de 21 estabelecimentos que se criaram na Califórnia, vindo a falecer na missão de San Carlos Borromeo del rio Carmelo.

Frei Junípero Serra, cuja memória é lembrada em grande número de estátuas e imagens na Califórnia, é celebrado como um dos fundadores de San Francisco.

Estudos in loco: visita a missões franciscanas na Califórnia em 2016

Os ciclos de estudos desenvolvidos em San Francisco, Los Angeles e em várias missões da região trataram de forma contextualizada e em visita às igrejas e aos museus missionários respectivos, os diferentes complexos temáticos que aqui se esboçam.

A transplantação de imagens da tradição popular européia através de militares e religiosos e seus efeitos nas missões indígenas foi considerada a partir do culto de Santa Bárbara em visita à missão e à cidade que trazem o nome dessa santa na Califórnia. (Veja)

As relações entre a hagiografia, a vida e sobretudo a música nas missões franciscanas foi tema de visita à missão de Santa Inés, onde, como na de San Juan Bautista, a imagem de pastor/pastora serviu como orientação modelar do homem em atividades de pastoreio e de "rancheria" e abre perspectivas para o entendimento do significado da prática do Canto Gregoriano a várias vozes em prosseguimento de antigas concepções relativas ao Predecessor como padroeiro da música polifônica. Os trabalhos realizados perante documentos da prática missionária em Santa Barbara e Santa Inés contribuem para a análise de práticas tradicionais similares no Brasil. (Veja)

A tradição teológico-filosófica nas missões franciscanas da Califórnia no seu significado para o Brasil foi tema dos trabalhos desenvolvidos na missão S. Bonaventura, em Ventura, Califórnia. A dedicação da missão a vulto da história do pensamento franciscano medieval revelam o transplante de concepções nas quais a Filosofia e a Teologia não se separam e o conhecimento último não parte de especulações, mas sim da vivência de uma realidade, o que indica remotos elos com o platonismo e explica o significado da mística na ação franciscana junto a indígenas. (Veja)

Que essa tradição teológico-filosófica da ação franciscana foi implantada no espírito restaurativo de reforma católica remontante ao Concílio de Trento, esse fato foi tratado em visita à missão de San Carlos Borromeo del rio Carmelo, local de falecimento e de sepultura de Fr. Junípero Serra. Nas dependências do museu ali instalado e que incluem a mais antiga biblioteca da Califórnia, considerou-se a erudição dos missionários sob o signo da Contra-Reforma em tradição tridentina e que fundamentou uma ação entre os indígenas marcada pela procura de uma interiorização em afastamento do mundano ou profano. (Veja)

A esfera da latinidade na percepção e leitura de metrópoles: Los Angeles

A origem ibérica ou insular mediterrânea dos franciscanos que estabeleceram a sua rêde de missões a partir do México, revelam profundos elos culturais dos Estados Unidos com a latinidade, cuja lembrança adquire extraordinária relevância no presente marcado por polêmicas concernentes à imigração e a uma "latinoamericanização" da América do Norte.

Em visita à la Placita de Los Angeles, centro da vida latino-americana, em particular mexicana na grande metrópole, considerou-se a permanência de substratos ou mesmo de esferas sub-culturais em enclaves que nem sempre são adequadamente reconhecidos na percepção da urbe.

Retomou-se, em Los Angeles, uma discussão de percepção e leitura urbana que desde fins dos anos de 1960 vem sendo desenvolvida em São Paulo. Principal foco das atenções foi o da análise de processos históricos que trouxeram uma modificação nas relações entre as missões e o poder militar, criando com a fundação de um povoado uma situação que foi favorável a transações comerciais e às atividades econômicas de indígenas, um fator do extraordinário desenvolvimento que tomou a metrópole. (Veja)

Reconstruções do passado de pós-Guerra - historismo e realismo social

As transformações ocorridas com a nova situação política estabelecida com a posse dessa região do Pacífico pelos Estados Unidos e sobretudo a sua redescoberta sob o signo de referenciais culturais da tradição anglo-saxônica no século XX, em particular nos anos que sucederam à Primeira Guerra, foram tratadas sobretudo em San Francisco.

Em colóquio relizado na Post Chapel do Presidio de San Francisco, hoje área de instituições culturais, considerou-se a visão historiográfica de uma época marcada pela reconstrução da cidade e pela vitória americana na Primeira Guerra e que estabeleceu uma ponte entre os primeiros momentos de contatos entre europeus e indígenas e a atualidade do século XX, em particular dos empreendimentos e feitos militares nas comunicações e na técnica.

A partir de um mural de imigrante russo que distingue a Post Chapel, considerou-se a atuação de imigrantes no tratamento da história nessa fase da reconstrução e desenvolvimento de San Francisco de pós-Guerra no campo de tensões entre o historismo do estilo missionário californiano e o social-realismo. (Veja)

Da latinidade ibérica no passado mais remoto àquela da imigração italiana

A imigração italiana aos Estados Unidos - e em particular a San Francisco - constituiu por fim o centro das atenções, uma vez que dirige o olhar a uma nova e intensa fase da influência latina após aquela marcada pelos elos históricos com a esfera ibérica da época missionária.

A consideração do papel exercido por imigrantes italianos na história cultural norte-americana adquire particular relevância para estudos relacionados com o Brasil, país que também foi marcado pela intensa vinda de imigrantes. Deu-se continuidade, assim, aos trabalhos realizados na Itália no corrente ano e que foram relatados no número anterior desta revista.

Como divulgado, na ocasião da visita à Villa Brasilia em Maggianicco/Como, considerou-se o hino composto a pedido de Dom Pedro II por Antonio Carlos Gomes (1836-1896) para a Exposição Centenial de Filadélfia, em 1876. (Veja) Essa composição aguçou a sensibilidade para paralelos e relações entre o movimento de unificação italiana que se compreendia como de libertação nacional do jugo estrangeiro e aquele celebrativo da libertação do poder colonial nas Américas, antevendo-se aqui perspectivas mais amplas para a compreensão e análise de outras obras do compositor, particularmente, pela sua temática, em Colombo, Lo Schiavo e Condor. Ao mesmo tempo, considerou-se a iniciativa norte-americana de realização de óperas do compositor brasileiro nos Estados Unidos por ocasião das comemorações do "Ano Carlos Gomes" de 1986. (Veja)

Americanização de expressões européias: 100 anos de The Girl from Brazil

Las Vegas. Foto A.A.Bispo 2016. Copyright
Na continuidade desses estudos nos Estados Unidos, o foco de interesses foi a americanização de expressões européias na procura de sucesso de público e econômico por parte de imigrantes pela passagem do século e nas primeiras décadas do século XX. A atenção foi assim dirigida a questões relacionadas com processos de adaptação, recepção e de popularização.

Essa concentração da atenção foi motivada pela passagem dos 100 anos do musical The Girl from Brazil, uma produção que adaptou ao palco americano no estilo de Tin Pan Alley obra do gênero de opereta vienense. O seu diretor musical, Gaetano Merola (1881-1953), imigrante italiano formado no conservatório de Nápoles, tornou-se posteriormente personalidade-chave da ópera de San Francisco, revelando, na sua história de vida, relações com desenvolvimentos brasileiros. (Veja)


Deslocamentos de imagens, italianidades e comércio: Veneza em Las Vegas e Macau

Não só o papel da imigração italiana na vida operística e do teatro musical foi considerado em paralelos com o Brasil, mas também a imagem da Itália em contextos culturais marcados por interesses comerciais e econômicos, o que abre caminhos para o tratamento da questão mais complexa de uma "italianização" de mentalidades que ter-se-ia evidenciado na campanha política da atualidade.

Significativamente, escolheu-se, para aproximações nesse sentido, o Venetian Resort Hotel em Las Vegas, estupefaciente transplantação de Veneza através de suas construções emblemáticas - ponte de Rialto, praça de S. Marcos com a Campanile e canais - ao mundo do jôgo, de diversões e de shopping.

Defronte a essa Veneza, em aproximações e deslocamentos espaciais, transplantou-se o lago de Como, de tanto significado para a história cultural do Brasil na Itália do século XIX devido à Villa Brasilia (Veja).


Esse deslocamento de configurações arquitetônicas e paisagísticas - que é mais do que uma encenação - levanta questões de imagens urbanas que também dizem respeito de perto ao mundo de formação portuguêsa, o que se evidencia no The Venetian Macao, hotel inaugurado em 2007 no antigo centro luso do Oriente, hoje local de jôgo como Las Vegas.

Antonio Alexandre Bispo



Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A.  "Latinidade nos Estados Unidos e americanizações. Aproximaçõesà luz de tendências nacionalistas e anti-imigratórias nos dois lados do Atlântico“
. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 164/1 (2016:06). http://revista.brasil-europa.eu/164/Latinidade_e_americanizacoes.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2016 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Academia Brasil-Europa
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
reconhecido de utilidade pública na República Federal da Alemanha

Editor: Professor Dr. A.A. Bispo, Universität zu Köln
Direção gerencial: Dr. H. Hülskath, Akademisches Lehrkrankenhaus Bergisch-Gladbach
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