Titel
ed. A.A.Bispo
Revista
BRASIL-EUROPA 164
Correspondência Euro-Brasileira©
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BRASIL-EUROPA 164
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Foto A.A.Bispo 2016©Arquivo A.B.E.
N° 164/6 (2016:6)
A percepção de origens de processos culturais na leitura de metrópoles
São Paulo e Los Angeles
Da Porciúncula de Assis à igreja Nuestra Señora la Reina de los Ángeles em la Placita
Visita da A.B.E. a Los Angeles
pelo debate motivado pela canonização de Fr. Junípero Serra (1713-1784)
A percepção, a leitura e a análise de metrópoles são preocupações que há muito marcam os estudos de urbanismo e arquitetura nas suas relações com estudos culturais e, reciprocamente, de estudos culturais que focalizam a vida do homem no espaço construído e suas transformações no decorrer de processos urbanos.
Vários trabalhos nesse sentido foram desenvolvidos já em fins da década de 1960 no âmbito da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e do então Museu de Artes e Técnicas Populares da Associação Brasileira de Folclore. (Veja) Os estudos então iniciados tiveram o seu prosseguimento nas décadas que se seguiram, sendo tratados também em seminários em universidades e em eventos internacionais.
Simpósios realizados em São Paulo, mesmo que primordialmente voltados a outros questionamentos, tiveram sempre o cuidado de incluir visitas a edifícios e locais que remontam a diferentes épocas e contextos, salientando a complexidade de desenvolvimentos metropolitanos e a necessidade de condução de estudos voltados a processos e processualidades.
Assim, precedendo a abertura do Simpósio Internacional "Música Sacra e Cultura Brasileira", em 1981, os participantes visitaram a Igreja e o Pátio do Colégio, ponto de partida de todas as considerações que se relacionam com São Paulo. (Veja)
O mesmo procedimento foi seguido em outras ocasiões, podendo-se lembrar da sessão realizada no museu do Pátio do Colégio com a participação de especialistas em história jesuítica do Brasil e de Portugal em 2004 por ocasião dos 450 anos de fundação da cidade.
Essa atenção a núcleos urbanos de origens missionárias em metrópoles adquire hoje particular atualidade devido à retomada da discussão relativa às consequências das atividades de missionários nas Américas por motivo da canonização de Frei Junípero Serra (1713-178), fundador e diretor das missões na Califórnia, pelo Papa Francisco, em 2015.
Esse debate pode ser considerado à luz das reflexões anteriormente encetadas em situações brasileiras a partir da consideração de desenvolvimentos paralelos nas suas similaridades e diferenças.
Entre estas, salienta-se o fato de que a história missionária da costa do Pacífico da América do Norte ter-se iniciado muito posteriormente àquela da costa do Atlântico da América do Sul. Principalmente, deve-se considerar que, se os estudos brasileiros se voltam sobretudo às atividades da Companhia de Jesus nos seus primórdios históricos do século XVI, aqueles da América do Norte se concentram nas atividades de Franciscanos que, a partir de fins do século XVIII, tomaram a si o papel dos Jesuítas expulsos, marcarndo os desenvolvimentos com uma cultura de Ordem muito mais antiga do que aquela da Companhia de Jesus.
Esboço da problemática: percepção, leitura e vivência de São Paulo e Los Angeles
Los Angeles, assim como São Paulo, é cidade que possui uma imagem nem sempre positiva relativamente às suas qualidades estéticas e de vida urbana. Marcada por grandes áreas de urbanização pouco refletida, insensível ou descontrolada, sem marcantes fisionomias, por vias de intenso tráfego que cortam bairros e os separam entre si, por espaços amplos em grande extensão na paisagem envolvente s e por construções sem maiores qualidades arquitetônicas, dissolvidas em rêde urbana, Los Angeles é uma das metrópoles que não desperta uma imagem favorável no seu todo, apesar do seu significado como centro econômico, comercial e industrial.
O centro da aglomeração metropolitana - downtown - traz também na sua imagem a mácula da decadência que se associa em geral com os centros antigos de cidades americanas. Essa imagem é porém injusta, e as iniciativas para a sua recuperação e revalorização através de edifícios de alta representatividade, em particular daqueles dedicados à cultura, trazem à luz as suas qualidades.
O centro de Los Angeles diferencia-se da situação envolvente com o seu patrimônio construído em diferentes épocas do século XX. Como em São Paulo, porém, a sua leitura e vivência não são fáceis. Edifícios de diferentes épocas e estilos apresentam-se dissociados entre si, alinhados em rêde urbana em geral retilínea, em xadrez, instalada insensivelmente relativamente à topografia e que deixa perceber projetos de configuração urbana que permaneceram em torso ou do qual restaram fragmentos.
Pontos de referência na orientação urbana e determinadores da fisionomia da cidade são edifícios de grandes proporções e maior interesse arquitetônico. Entre êles destacam-se obras relevantes da arquitetura, tanto de décadas passadas, como o Civic Center ou a Estação Central, como de tempos mais recentes, como o auditório Disney, o Centro de Artes e a Catedral. Essas construções justificam o significado de Los Angeles para a arquitetura e o estudo de cidades e metrópoles no presente.
Assim como em São Paulo o visitante, no emaranhado do seu centro, pouco se orienta segundo o Pátio do Colégio, também em Los Angeles pode percorrer Los Angeles sem perceber um espaço das origens da cidade e que hoje é conhecido como La Placita. A igreja ali existente é considerada como um dos Los Angeles Historic-Cultural Monuments e um California Historical Landmark.
A descoberta desse espaço, âmago histórico da metrópole, pode representar uma surprêsa sob diferentes aspectos. Inesperadamente, o visitante é transplantado não só para épocas históricas mais remotas, como também para um ambiente marcado pela presença latinoamericana, mais particularmente mexicana.
Nessa área, o visitante se conscientize dos fundamentos latinos de Los Angeles. A metrópole demonstra, na arquitetura e na vida cultural de la Placita, o seu significado atual para a discussão relativa aos latinos nos Estados Unidos.
Na Europa do presente se constatam movimentos nacionais, nacionalistas e identitários populistas e radicais que manifestam preocupações quanto à intensa vida de imigrantes e que retomam concepções já há muito consideradas como superadas nos estudos culturais. Também nos Estados Unidos problemas relativos a imigração, - em particular a mexicana -marcaram polêmicamente a companha eleitoral de 2016.
Perante as preocupações atuais relativas à uma latinoamericanização dos Estados Unidos, impõe-se aos latinoamericanos ali residentes, entre êles também à numerosa comunidade brasileira, considerar com especial atenção esse passado mais remoto que vincula a esfera norteamericana do Pacífico àquela do México e de outros países do Caribe, da América Central e do Sul.
Para latinoamericanos que vivem em regiões metropolitanas da Califórnia, nem sempre é fácil compenetrar-se da vigência no presente de um universo cultural latinoamericano de origens mais remotas. Apesar das muitas denominações em espanhol de localidades e da presença acentuada de imigrantes e de suas expressões culturais e modos de vida, esses indícios ou surgem como relitos de um passado encerrado ou como resultados de imigrações mais recentes.
Lembrando um um navegador português no núcleo histórico de Los Angeles
A profundidade e mesmo prioridade histórica da presença cultural latinoamericana de raízes mediterrâneas nessa região dos Estados Unidos apenas podem revelar o seu significado para o presente se a atenção for dirigida aos processos culturais então iniciados, que determinaram desenvolvimentos e que cujas consequências podem ser constatadas no presente.
Um primeiro aspecto que se oferece na consideração de paralelos entre a história colonial do Brasil e da costa norteamericana do Pacífico é o fato de ter nesta desempenhado papel significativo um navegador português, o capitão João Rodriguez Cabrillo (1499-1543), então a serviço da Espanha.
Juntamente com Sebastián Vizcaíno (1548- 1627), Cabrillo é visto como sendo o primeiro que visitou a região da atual Los Angeles, um em 1542 e outro em 1602.
Tratava-se de uma estrategia que dizia respeito às relações entre missões e o poder militar que as apoiava e protegia: a instalação de povoados civis intervinha nessas relações e as relativavam.
Esta decisão governamental teria determinado a escolha dos locais das posteriores Santa Barbara, San Jose e Los Angeles, sendo na instalação seguidas normas das Leis das Índias, de 1573, e que surgem fundamentais para os estudos urbanísticos de muitas cidades da California. Nessas bases legais encontra-se a explicação das similaridades que se encontram em muitas cidades: previnham a instalação de uma praça central, com igreja fortificada, prédios administrativos e de ruas em xadrez e quarteirões retangulares, base dos muitos problemas que hoje se manifestam na fisionomia sem características próprias e sem qualidades urbanas de muitas cidades.
Portiuncula e Santa Maria degli Angeli em Assis
Por este motivo, tem-se emprestado particular atenção ao fato de ter sido a missão dos Jesuítas em São Paulo designada segundo o apóstolo dos gentios.
No caso de Los Angeles, a dedicação a Santa Maria dos Anjos (Regina Angelorum) assume significado de similar ou mesmo maior importância para estudos culturais de arquitetura e urbanismo, uma vez que se relaciona com uma construção sacra, a da Portiuncula/Porziuncula, capela de grande significado na história de S. Francisco de Assis e do Franciscanismo.
Em memória dessa Porciúncula, em 1981, por ocasião do bicentenário de Los Angeles, colocou-se no frontespício da igreja um mosaico que reproduz um detalhe da imagem existente na capela de Assis, assim como uma placa comemorativa.
Com essa designação, Los Angeles apresenta, do ponto de vista imagológico, estreitos elos com a história religiosa da península itálica. Foi na capela de Porciúncula no vale de Assis que S. Francisco compenetrou-se de sua tarefa de vida.
Como em outros casos, a história das origens dessa capela apresenta aspectos obscuros do ponto de vista documental, havendo porém tradições que fundamentam o seu significado como imagem. Já no século IV teria havido uma capela de ascetas no vale do Josaphat em Jerusalem e no qual conservavam-se relíquias do túmulo de Maria.
Também segundo a tradição, a capela em Assis teria sido entregue a Benedito de Nursia (480-547) em 516, recebendo o título de Nossa Senhora do vale Josaphat ou Nossa Senhora dos Anjos. No século XIII, já abandonada, foi entregue a S. Francisco pelo abade do mosteiro beneditino do Monte Subasio em Assisi para que se tornasse casa materna daqueles que o seguiam.
Francisco, que já restaurara duas outras igrejas (San Damiano e San Pietro della Spina) reconstruiu êle próprio a capela. Esta adquire assim um significado relevante, pois surge como um sinal da nova vida de Francisco, local no qual nasceu a sua sua confraternidade e do qual enviou os seus irmãos a pregar o Evangelho a todas as criaturas. Nas proximidades da capela encontra-se aquela do Transitus, local da morte de Francisco.
Tanto a Portiuncula como a capela do Transitus foram integradas na basília de Santa Maria degli Angli, no século XVI. O cognome de rainha dos anjos explica-se pela concepção de que Maria, elevada como primeira criatura aos céus, encontra-se acima dos anjos, sendo a sua rainha, a rainha dos exércitos angelicais e a sua luz.
Aqueles que se orientam segundo essa concepção do edifício de imagens transmitido através dos séculos em denominações de igrejas, em obras de arte e na música, decantada na ladainha, colocam-se assim sob a proteção da rainha dos anjos.
Comprende-se, assim que os primeiros povoadores de Los Angeles fossem êles próprios designados como anjos. Assim, em 1784, criou-se um estabelecimento de nome Nuestra Señora Reina de Los Angeles Asistencia para servir aos primeiros povoadores: Los Angeles. Estes eram os 44 colonos vindos de Sonora e que fundaram a povoação.
No centro da atenção da linguagem de imagens relacionadas com a cidade de Los Angeles encontra-se portanto Maria, não os anjos. Essa denominação vem de encontro àquelas de missões de dedicação mariana, como a Purisima, e deve ser considerada naquelas que receberam nomes de anjos, como a de S. Rafael.
A igreja de Nossa Senhora dos Anjos foi fundada em 1814 por Fr. Luis Gil y Taboada O.F.M., que nela integrou pas ruinas elementos da fundação anterior de Nuestra Señora Reina de los Angeles Asistencia. A igreja foi consagrada significativamente no dia 8 de Dezembro de 1822, festa da Imaculada Conceição. A capela que a substituiu, levantada também com materiais da igreja anterior, foi edificada em 1861.
O trabalho indígena nas missões e nos povoados civís
A intensidade da devoção mariana entre os povoadores e missionários relaciona-se estreitamente com a imagem da água presente na linguagem visual mariana, explicável também pela experiência daqueles confrontados com o oceano na sua viagem às costas da Califórnia. Ela torna compreensível também o significado cultural da água nas missões da Califórnia e que transcende aquele pragmático da água para o desenvolvimento da agricultura e da vida nas povoações e missões em territórios marcados pela aridez.
Como em outros estabelecimentos, também em Los Angeles as atividades foram marcadas de início pela construção com mão de obra indígena de um sistema de captação, condução e distribuição de água e que, partindo de um rio que cruzava a localidade, servia para irrigar campos adjacentes de cultura.
A procura de indígenas para o trabalho na promissora localidade levou a que fossem estes trazidos de ilhas e de missões de outras regiões, como aquelas de San Diego e San Luis Obispo.
O fato, porém, de que a fundação de um núcleo civil servia a uma estrategia política de enfraquecimento do poder religioso escoltado pelo militar, explica que essa mão de obra indígena fosse remunerada com base em trocas, diferentemente do trabalho gratuito e coagido dos estabelecimentos missionários e que hoje é salientado nas críticas da canonização de Frei Junípero Serra. Teria sido esse comércio de trocas que explicaria o desenvolvimento extraordinário da localidade como centro comercial e econômico.
A Catedral de Nuestra Señora de los Ángeles na arquitetura contemporânea
Como catedral servia anteriormente a igreja de Santa Vibiana/Viviana. Danificada durante terremoto em 1994, a sua reconstrução surgia como por demais dispendiosa, optando-se pela construção de um novo templo.
Apesar dos muitos vínculos com a tradição, o projeto distinguiu-se pelas soluções inovativas e avançadas. O seu espaço interior, de extraordinárias dimensões, com acesso laterai pelo perambulatório, pode abrigar mais de 3000 fiéis. O conjunto inclui edifícios utilizados como centro de conferências e residências para o clero. À sua frente abre-se um amplo espaço livre, com jardins e jogos de água.
Os elos continuidade com a tradição são mantidos através da integração no novo templo de antigo altar barroco. As dimensões mais profundas dessa continuidade ultrapassam porém aspectos estéticos e patrimoniais. Podem e devem ser analisadas a partir da dedicação do templo, de seu significado na história franciscana e de seus fundamentos de remotas origens. Apesar de todas as similaridades, revelam-se diferenças significativas entre a primordialidade da ação jesuítica da missão que deu origem a São Paulo e a do franciscanismo de Los Angeles.
De ciclo e estudos da ABE sobre a direção de
Antonio Alexandre Bispo
Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A.(Ed.). "A percepção de origens de processos culturais na leitura de metrópoles. São Paulo e Los Angeles. Da Porciúncula de Assis à igreja Nuestra Señora la Reina de los Ángeles em la Placita“. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 164/6(2016:06). http://revista.brasil-europa.eu/164/Los_Angeles_e_Sao_Paulo.html
Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira
© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2016 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
Academia Brasil-Europa
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
reconhecido de utilidade pública na República Federal da Alemanha
Editor: Professor Dr. A.A. Bispo, Universität zu Köln
Direção gerencial: Dr. H. Hülskath, Akademisches Lehrkrankenhaus Bergisch-Gladbach
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