Visões sacralizantes do histórico
ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 164

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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San Francisco. Foto A.A.Bispo 2016. Copyright

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Foto A.A.Bispo 2016©Arquivo A.B.E.

 


N° 164/8 (2016:6)



Visões relatinizadoras sacralizantes do desenvolvimento histórico
em São Paulo e San Francisco
As representações históricas no estilo de Giotto (1267-/76-1337) e A. Mantegna (1431-1506)
da catedral episcopal de San Francisco

 
San Francisco. Foto A.A.Bispo 2016. Copyright

San Francisco é cidade que exige por diversas razões uma atenção especial nos estudos de processos culturais em relações internacionais. Foi nela que, nada menos, teve lugar, em 1945, a conferência que, terminada a Segunda Guerra Mundial, levou à Charta das Nações Unidas, garantindo-lhe ser hoje considerada cidade de fundação da organização.

Esse papel que coube a San Francisco é lembrando de forma expressiva em mural à entrada da catedral episcopal - Grace Cathedral -, no qual, entre as bandeiras das nações representadas, encontra-se a do Brasil.

San Francisco. Foto A.A.Bispo 2016. Copyright
O ato é representado pictoricamente em primeiro lugar no conjunto de murais que, na nave da catedral, oferece um panorama do desenvolvimento temporal de San Francisco e que revela as estreitas relações entre o religioso e o profano, entre a história eclesiástica, missionária e a colonial, comercial, militar, civil e a imigração, entre a cultura indígena original e a latina do seu passado espanhol e mexicano àquele anglo-saxão dos Estados Unidos a que passou a pertencer a cidade em 1846.

No confronto com o panorama assim apresentado no espaço catedralício compreende-se o significado de San Francisco para análises culturais marcadas por um direcionamento da atenção a processos, processualidades e suas interações no passado e no presente.

Torna-se assim também compreensível que ali se encontrem centros de estudos nas várias áreas científico-culturais de relevância internacional, salientando-se aqui aqueles de suas universidades (University of San Francisco, University of California, San Francisco State University, Golden Gate University, Academy of Art University).

Como cidade marcada historicamente pela transpassagem da esfera latina e latino-americana da presença espanhola e mexicana do passado àquela anglo-saxônica, San Francisco não pode deixar de ocupar uma posição de saliência nos estudos respectivos, latino-americanos e interamericanos nas suas relações com a Europa.

San Francisco no programa de estudos euro-brasileiros - Dr. Robert Hayburn

Os elos com San Francisco no programa de estudos euro-brasileiros iniciado na Alemanha, em 1974, foram estabelecidos há 40 anos através de contatos com o Dr. Robert Hayburn da St. Brigid's Church e da St. Francis of Assisi Church de San Francisco, organista, regente, gregorianista e especialista de renome internacional na área da legislação eclesiástica referente à música sacra. (Veja)

Em diálogos pessoais e através de suas publicações, aguçou-se a sensibilidade para o significado dessa legislação - em particular do Motu Proprio de Pio X de 1903 - para estudos referentes à música sacra e à cultura musical em geral em países como o Brasil e, assim, determinando o desenvolvimento de reflexões que, nas decadas seguintes, foram tratadas em publicações, conferências e simpósios. Com os seus conhecimentos, Dr. Robert Hayburn participou da preparação do Simpósio Internacional "Música Sacra e Cultura Brasileira" levado a efeito em S. Paulo, em 1981. (Veja)

Robert Hayburn foi inicialmente organista e regente coral na Mission Dolores Basilica a partir de 1935, ou seja, em época marcada pelo espírito restaurativo sacro-musical norteado pelo Motu Proprio e pelos documentos que o seguiram. Através sobretudo do espírito imbuído do movimento gregoriano, decidiu-se seguir a vida sacerdotal, entrando para o St. Patrick's Seminary em Menlo Park em 1940, sendo ordenado em 1945. Realizou o seu doutoramento na University of South California. Nas suas estadias na Europa, onde realizou estudos no Vaticano, na Abadia de Solesmes, França, e em outros centros, participou de congressos de música sacra e passou a atuar em organizações internacionais.

Em San Francisco, tornou-se presidente da comissão de música da Arquidiocese, participando da Catholic Organiss and Choirmasters Guild, e atuando como membro fundador da Church Music Association. Foi membro da Music Educators National Conference. Após ter atuado na Mater Dolorosa Church em South San Francisco, foi resposável pela St. Francis of Assisi, a mais igreja de maior significado histórico de San Francisco, aquela que deu nome à cidade. A Church Music Association esteve representada no simpósio realizado em São Paulo, em 1981, mantendo-se sempre próxima aos estudos relacionados com o Brasil através do departamento de etnomusicologia do instituto de estudos hinológicos e etnomusicológicos da organização pontifícia de música sacra.

Se San Francisco gozava de projeção internacional na esfera da música sacra na esfera episcopal-anglicana, com o Grace Cathedral Choir, profissional masculino e o de meninos da Cathedral School, pelos seus órgãos e carrilhão, na música sacra católica a atenção foi dirigida antes a questões teóricas da influência da legislação eclesiástica na prática musical, na composição, no ensino e em processos culturais em geral.

Principais encontros com o Dr. Robert Hayburn no âmbito do programa euro-brasileiro deram-se em Washington D.C., em 1993. Tiveram lugar na Catholic University of America paralelamente a simpósio internacional dedicado à música sacra e educação. Seguindo-se a conferência sobre a problemática do Canto Gregoriano no Brasil, considerou-se tensões entre posições relativas à música e a arte sacra que marcavam o debate em época de anelos "inculturativos" e que diziam respeito em dimensões mais amplas à questão das relações entre concepções de sacralidade e do nacional e nacionalismo. O fato do movimento restaurativo que acentuava critérios universalistas de sacralidade ter ocorrido paralelamente àquele de anelos nacionais e nacionalistas no passado suscitou o tratamento de suas interações, entre outros o de uma questionável sacralização do nacional.

Atualidade do debate no recrudescimento atual do nacional e do nacionalismo

Não apenas em perspectiva geográfica Norte-Sul, mas também Leste-Oeste surge a cidade em posição chave para o estudo de interações culturais. Voltada ao Pacífico, San Francisco foi no passado e no presente também marcado pela presença étnica e cultural asiática, compreendendo-se que o monumental edifício do seu Asian Art Museum se levante à frente do Civic Center no centro da cidade.

Em ambos os sentidos merece ser hoje San Francisco considerado com especial atenção no complexo panorama atual de movimentos políticos e político-culturais tanto na Europa como nos Estados Unidos.

1- Se na Europa o recrudescimento do nacional, do nacionalismo, de movimentos identitários e outros conservadores de direita defendem um refortalecimento de estados nacionais numa Europa de nações em defesa do Ocidente Cristão perante as ondas imigratórias e de fugitivos, a propaganda política republicana nos Estados Unidos também foi marcada pela idéia de um fechamento de fronteiras, de um levantamento de muro na sua divisa com o México para suster o fluxo migratório que intensifica um processo transformatório sentido como de "latinoamericanização" dos Estados Unidos. A retomada de concepções étnicas, raciais e identitárias que pareciam estar há muito superadas no discurso político-cultural não pode ser assim considerada sob uma perspectiva limitada a decorrências européias, devendo incluir também desenvolvimentos no continente americano.

2- Tanto na Europa como nas Américas constata-se na atualidade um direcionamento ao Leste e à esfera do Pacífico devido ao crescimento econômico, técnico, industrial, demográfico e político de países como a China, o Japão e a Coréia. Essa reorientação passa a marcar também de modo crescente também a vida cultural e artística e o intercâmbio acadêmico, colocando novos pesos e tarefas à pesquisa nas mais diversas áreas.

No primeiro caso, San Francisco traz à consciência que os vínculos da Califórnia e assim de amplas regiões da costa americana do Pacífico com a Espanha e a então Nova Espanha são antigos e, tendo feito parte do México, precedentes à sua história nacional estado-unidense. Não se pode, assim, falar em latinoamericanização, mas sim, no melhor dos casos, de uma possível relatinoamericanização.

Olhar esse passado não como encerrado, mas como determinador de processos que têm consequências ou mesmo vigência no presente é tarefa que se impõe no presente, contribuindo a uma maior diferenciação de visões e procedimentos no confronto com problemas atuais, surgindo como de significado sobretudo para os latinoamericanos residentes nos Estados Unidos, entre êles para uma numerosa colonia de brasileiros.

Assim como na Europa, também nos Estados Unidos os imigrantes latinoamericanos do presente podem ganhar em consciência histórica de sua situação em processos integrativos tomando conhecimento de decorrências, fatos e nomes do passado. Estudar contextos históricos, analisar fatos e levantar nomes que se relacionam com o passado latinoamericano ou da imigração latina de todas as épocas são tarefas que se impõem aos estudos interamericanos conduzidos neste sentido.

Esses intentos condicionam também perspectivas históricas e pêsos na consideração de elos com a Europa e com desenvolvimentos internos europeus. Não só a Espanha como poder colonial desde a era das descobertas, mas toda a esfera ibérica, mediterrâneo-atlântica e sobretudo a península itálica entram privilegiadamente no centro das atenções.

Catedrais góticas em San Francisco e em São Paulo

San Francisco. Foto A.A.Bispo 2016. Copyright

O espaço dominado pela Grace Cathedral no Nob Hill de San Francisco pode trazer à lembrança de um observador brasileiro aquele da Praça da Sé de São Paulo. Essa impressão justifica-se pela catedral em estilo neo-gótico que se levanta nos dois casos  em posição elevada defronte a área verde, em meio a conjunto arquitetônico heterogêneo de edifícios de diferentes alturas e dimensões.


Nos dois casos manifesta-se a dominância de um catedral monumental que levou décadas para ser construída e que, terminada apenas em meados do século XX, retoma expressões arquitetônicas e plásticas medievais no Novo Mundo. Essas catedrais transpõem em pedra e cimento armado configurações urbanas européias, impondo-se como marcos referenciais nas novas cidades americanas, originadas muito posteriormente aos séculos do desenvolvimento do estilo que representam.

Não poderia haver demonstração mais evidente, sólida  e permanente do transplante da Europa no continente do que a catedral gótica em ambos os casos. São, porém, em ambos os casos, expressões de uma época, ou melhor, de uma fase culminante de processo restaurativos que, intensificando-se no século XIX, o do historismo e romantismo, dirigiram a sua atenção a um passado remoto, visto como ponto alto do Ocidente cristão.


Essa orientação ao passado medieval vale em ambos os casos, tanto no católico de São Paulo como no episcopal em tradição anglicana da Grace Cathedral de San Francisco. São obras que retomam ou reimaginam formas góticas, emprestando elementos de diferentes proveniências, em particular da tradição catedralícia francesa. Seria possível, em ambos os casos, detectar fontes originais dos impulsos recebidos, da recepção do gótico por parte dos responsáveis pelos projetos, de arquitetos e do clero, êles próprios inseridos no movimento historista neo-gótico e restaurador de sua época na Europa.

As similaridades e os paralelos devem ser procurados porém não tanto entre as igrejas neo-góticas do Novo Mundo com aquelas da Idade Média européia, mas sim com aquelas levantadas na Europa em fins do século XIX e início do XX. A catedral de São Paulo, incluindo quase que paradoxalmente uma cúpula renascentista em corpo gótico, não deve ser considerada apenas como exemplo de projeto heterogêneo ou eclético, mas como resultado de uma compreensão histórica do movimento restaurador do Catolicismo que inseriu-se em tradição secular de uma orientação de reforma eclesiástica segundo o Concílio de Trento no século XVI.

Embora em ambos os casos a catedral neo-gótica segue arquitetonicamente sobretudo modêlos do gótico de países da Europa central e ocidental, a sua vida interior - na música e na arte - foi marcada pela orientação segundo o passado italiano. No caso de São Paulo, a catedral tornou-se centro sacro-musical da restauração musical na sua contextualização italiana.

No caso da catedral episcopal de San Francisco - e em correspondência às características da igreja anglicana nos seus estreitos elos com o Estado - os vínculos com o passado italiano manifesta-se sobretudo na arte visual dos mosaicos do artista de origem polonesa Jan Henryk De Rosen (1891-1982) e da réplica do portal do Paraíso de Florença. Ambos os casos, porém, se complementam.

A arte visual do mosaico da catedral de San Francisco, que coloca em molduras ogivais indígenas e a história de San Francisco desde a chegada dos europeus até o presente, pode servir de chave para a consideração sacro-musical em ambos os casos: o de uma visão histórico-musical enquadrada em ogivas de concepções restaurativas.


De forma que chama a atenção e chega a causar estranheza, o templo tem as suas paredes laterais não marcadas por altares, mas sim por painéis históricos que registram momentos determinantes no desenvolvimento da Califórnia e que a êle empresta, no espaço sacral, um sentido espiritual que relaciona a missionação e a história religiosa com a civilização e o progresso da comunidade.

Não há exemplo similar em tal evidência e expressividade da perspectiva historiográfica que, vista como eurocêntrica, constitui o âmago das discussões culturais reintensificadas com a recente canonização de Frei Junípero Serra.

De ciclo e estudos da ABE sobre a direção de
Antonio Alexandre Bispo



Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A.(Ed.).  "Visões relatinizadoras sacralizantes do desenvolvimento histórico em São Paulo e San Francisco. As representações históricas no estilo de Giotto (1267-/76-1337) e A. Mantegna (1431-1506)
da catedral episcopal de San Francisco“
. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 164/8(2016:06). http://revista.brasil-europa.eu/164/Sacralizacao_do_nacional.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2016 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Academia Brasil-Europa
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
reconhecido de utilidade pública na República Federal da Alemanha

Editor: Professor Dr. A.A. Bispo, Universität zu Köln
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