Americanizações -The Girl from Brazil
ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 164

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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San Francisco. Foto A.A.Bispo 2016 Copyright

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Fotos A.A.Bispo 2016©Arquivo A.B.E.

 


N° 164/9 (2016:6)


Americanizações de produções músico-teatrais européias

100 anos do musical The Girl from Brazil
sob a direção de Gaetano Merola (1881-1953), vulto da ópera em San Francisco

 
San Francisco. Foto A.A.Bispo 2016 Copyright

A história da vida musical em San Francisco, Califórnia, tem sido alvo de estudos transatlânticos e de relações entre as Américas e o Pacífico no âmbito dos trabalhos euro-brasileiros. Esses estudos tiveram o seu início em meados da década de 1960 através da mediação do Dr. Robert Hayburn (1917-1991) de San Francisco, cujo centenário de nascimento se completa em 2017. Importante papel nesses trabalhos euro-americanos relacionados com o Brasil desempenhou o Prof. Dr. Robert Stevenson (1916-2012), especialista em estudos histórico-musicais em contextos interamericanos e transatlânticos.

O significado de San Francisco para uma musicologia orientada segundo processos culturais, como desenvolvida no ISMPS a partir de movimento renovador originado no Brasil em meados dos anos de 1960, explica-se pela sua própria posição geográfica, que faz com que se torne centro de cruzamentos e interações entre o Leste e o Oeste, entre a América e a esfera do Pacífico e da Ásia e entre o Norte e o Sul do continente. Foi assim procurado por músicos e companhias que cruzaram os oceanos no século XIX e realizaram tournées mundiais. Essas rotas procederam em diferentes sentidos, em direção à Ásia e ao Pacífico a partir do Ocidente, e, com a expansão norte-americana e o estabelecimento de vias, através do continente em ligação da costa atlântica com a pacífica.

Companhias teatrais, de ópera e de espetáculos variados, assim como de pianistas e compositores que viajaram pelo mundo com a facilitação dos transportes marítimos no século XIX foram de significado para regiões marcadas pela presença colonial portuguesa. Neste sentido, foram particularmente consideradas quando dos trabalhos relativos a Macau desenvolvidos por ocasião de sua passagem á China.

A análise desses diferentes caminhos e interações foi objeto de cursos voltados à História da Música em Contextos Globais realizados nas universidades de Colonia e Bonn em cooperação com o ISMPS nos anos de 1990. As rotas que se modificaram e que se entrecruzaram determinaram esferas geo-culturais e as transformaram, uma dinâmica que teve a sua expressão na intensa vida musical da cidade, sobretudo à época da corrida de ouro da Califórnia.

Vários nomes de artistas e companhias que se destacaram na vida musical de San Francisco no século XIX foram já considerados em estudos relacionados com o Brasil. Não apenas músicos, cantores e ensembles que também passaram por cidades brasileiras e atuaram no país merecem atenção. Também aqueles que nunca estiveram no Brasil surgem como significativos no estudo de processos culturais nas suas dimensões transcontinentais e transoceânicas, aguçando a sensibilidade para análises de desenvolvimentos brasileiros.

Se os trabalhos até hoje desenvolvidos relativamente a San Francisco consideraram sobretudo nomes e decorrências do século XIX, aqueles levados a efeito em 2016 dirigiram a sua atenção à história a música local do século XX nos seus elos e no seu significado para estudos relacionados com o Brasil.

100 anos de The Girl from Brazil, musical sob a direção de Gaetano Merola

San Francisco. Foto A.A.Bispo 2016 Copyright

Em visita à Ópera Memorial War de San Francisco, em outubro de 2016, relembrou-se a passagem dos cem anos do primeiro musical que tematizou explicitamente o Brasil nos Estados Unidos: The Girl from Brazil. Muito antes assim do tão popular The Girl from Ipanema, já um título similar surge na história da presença do Brasil na história da música e do teatro de cunho popular nos Estados Unidos.

Essa comédia musical adquire particular significado por ser ligada ao nome da principal personalidade da ópera de San Francisco na primeira metade do século XIX: Gaetano Merola. Sob a sua direção, The Girl from Brazil foi levada no 44th Street Theatre e no Shubert Theatre, Broadway de New York, entre agosto e outubro de 1916.

Tanto na sua composição, na sua produção, realização e enrêdo, a The Girl from Brazil oferece um testemunho da internacionalidade de interesses, cooperações e interações de músicos e produtores em New York nos anos da Primeira Guerra. Considerá-la contribui para estudos do contexto e da época no qual a pianista brasileira Guiomar Novaes (1895-1979) iniciou a sua carreira. (Veja)

San Francisco. Foto A.A.Bispo 2016 Copyright

A bela sueca e a Girl from Brazil - uma brasileira mulher de negócios

A similaridade entre The Girl from Brazil e The Girl from Ipanema limita-se ao título. A Girl from Brazil - Edith Lloyd - não tinha nenhuma semelhança com a garota de Ipanema: era uma mulher de negócios, de posses, de média idade. Ao contrário, era a sueca Hilma que representava uma bela jovem.

O enrêdo da peça parte do desejo de Hilma de casar-se com o barão alemão Heinz von Heedigen. Irmão de Hilma era o banqueiro sueco Sven Liverstol, que dava atenção aos aspectos financeiros da união. A maior cliente do seu banco era a brasileira Edith Lloyd, que chega do Brasil. Retornando a seu país, constata que a sua fortuna se encontrava em risco devido às atividades de um concorrente, um Senhor Camberito. Evidenciando-se, porém, que este era também acobertado pelo banqueiro sueco, os problemas se solucionam e o casamento pode realizar-se. A comédia, assim, termina com enlaces felizes.

Adaptações de obras européias - E. Smith (1857-1938) e S. Romberg (1887-1951)

A obra, produzida por Lee e J.J. Shubert, teve libreto de Edgar Smith !857-1938), tendo sido este adaptado por Julius Brammer e Alfred Grunwald.

The Girl From Brazil baseou-se em Die schöne Schwedin, de Robert Winterberg (1884-1930). A opereta vienense foi adaptada ao palco americano no estilo Tin Pan Alley pelo compositor húngaro Sigmund Romberg (1887-1951).

Edgar Smith, era, à época da Primeira Guerra Mundial, prestigiado escritor de operetas e musicais. Alcançara renome com The Blue Paradise, sucesso de 1915. A coreografia ficou a cargo de Allan K. Foster e a cenografia e os costumes de Homer Conant. Matthew Woodward distinguiu-se como autor de canções.

O musical incluiu várias canções, sendo que algumas delas alcançaram popularidade. De acordo com Die schöne Schwedin de Winterberg, o enrêdo de The Girl from Brazil, em três atos, desenrolou-se em residência em Estocolmo e em mansão próxima ao Rio de Janeiro, a "villa do Señor Camberito". No primeiro ato, distinguiram-se canções como The Financial Viking; Childhood Days; I Want to Be a Romeo; Stolen Kisses;  Darling, I Love You So;  Ivy and the Oak. No segundo ato, destacaram-se aquelas que mais de perto dizem respeito ao Brasil: The Right Brazilian Girl; Come Back, Sweet Dreams; Oh, You Lovely Ladies!; Heart to Heart;  Bachelor Girl and Boy; Ski-ing. Do terceiro ato, salientou-se a canção My Senorita. A única peça solística de Edith Lloyd era a canção The Right Brazilian Girl.

A respeito de Romberg, William A. Everett publicou, em 2007, estudo que também considera com atenção The Girl from Brazil. (W. A. Everett, Sigmund Romberg, New Haven & London: Yale University Press, 2007, 83 ss.). O autor lembra que Romberg adaptou ao gosto do público novaiorquino produções européias, em particular de operetas vienenses, destacando-se, além do mencionado The Blue Paradise, Her Soldier Boy, My Lady's Glove e The Girl from Brazil, devendo ser esta considerada neste contexto.

Everett, analisando o trabalho de S. Romberg, salienta que este procurou caracterizar musicalmente a personagem feminina européia e a brasileira, sem, porém, utilizar-se de referências exóticas. No tratamento da primeira - Hilma - soprano operático, empregou recursos vocais de maior dificuldade e brilho técnico, enquanto que à brasileira coube expressões musicais mais simples e discretas, mais adequadas a uma personagem de mais idade e que representava o mundo de negócios.

Da opereta vienense ao Tin Pan Alley

Tratando-se de uma adaptação de Die schöne Schwedin de Robert Winterberg, é a esse compositor, assim, que deve ser dirigida primordialmente a atenção.

Winterberg nasceu em Viena e realizou estudos com Gustav Mahler (1860-1911), Desde cedo, porém, passou a dedicar-se à música ligeira, alcançando sucesso com a sua primeira opereta, Venedig in Wien (1910); a sua canção Fashing in Paris tornou-se sucesso popular. Já esses títulos demonstram um interesse por cidades e por características culturais de centros, assim como por deslocamentos.

Após ter obtido sucesso com as operetas Ihr Adjutant (Viena 1911) e Madame Serafin em Hamburgo (1911), mudou-se para Berlim, escrevendo Die Dame in Rot (1911).

Foi na capital alemã que Winterberg compôs Die schöne Schweidin, em 1915, a peça que seria adaptada por Edgar Smith para The Girl from Brazil no ano seguinte.

Winterberg alcançou sucesso em Berlim com operetas como Die Blumen der Maintenon (1916), Graf Habenichts (1918), Die Dame vom Zirkus (1919), Anneliese von Dessau (1924) e Der alte Dessauer (1926).

Como as datas e os locais de suas principais produções indicam, Robert Winterberg foi exponente nome da opereta, do Singspiel e do teatro musical das grandes metrópoles cosmopolitas de Viena e Berlim dos anos anteriores à Primeira Guerra, assim como nos anos que se seguiram. Foi um compositor e músico cujo nome se insere na década de febril vitalidade da vida musical - também ligeira - de Viena dos anos anteriores à Guerra e de Berlim da "República de Weimar".

Como outros compositores e músicos, da esfera erudita e popular, tambem Winterberg foi posteriormente alvo da perseguição anti-semita na Alemanha, o que explica também os seus elos com o meio musical e empresarial dos Estados Unidos, marcados pela influente presença judaica.

Gaetano Merola - de Nápoles aos Estados Unidos - o seu caminho a San Francisco

É nesse contexto que merece ser considerada a esfera em que se inseriu Gaetano Merola à época em que assumiu a direção musical de The Girl From Brazil.

Vindo como imigrante em 1899, Merola, de família de músicos de Nápoles - o seu pai era violinista - estudara piano e regência no tradicional Conservatorio S. Pietro Majella. Ali tivera como colegas músicos que posteriormente atuaram em São Paulo e com os quais continuou a manter contato.

Com a sua sólida formação, integrou-se no ambiente musical de New York como assistente de regência no Metropolitan Opera e como membro de companhias de óperas, entre elas a do empresário  Henry Wilson Savage (1859-1927), em Boston, responsável por várias produções, entre elas The Girls of the Golden West.

Merola pertenceu à companhia San Carlo do empresário italiano Fortune Thomas Gallo (1878-1970), com a qual visitou anualmente San Francisco. Tornou-se maestro da companhia Oscar Hammerstein (1895-1960), representante de uma família de produtores de shows e empresários. Entre as estréias dirigidas por Merola deve-se salientar a de Maytime, de Sigmund Romberg.

San Francisco, que tinha sido parcialmente destruído pelo terremoto e incêndio em 1906, encontrava-se nos anos da Primeira Guerra e naqueles que a seguiram em fase de intensa reconstrução.

Constando o ambiente promissor de San Francisco, Merola radicou-se na cidade, fundando uma companhia de ópera própria, em 1923.

Já neste ano apresentou várias óperas de grande popularidade (Carmen, I Pagliacci, u.a.). Na falta de teatro adequado, as suas primeiras apresentações deram-se no estádio da universidade de Stanford e no auditório cívico.

A construção de um teatro de ópera foi um dos grandes anelos da década de 1920 em San Francisco e foi na sua realização que se destacou Merola. No patriotismo entusiástico e eufórico que marcou os anos que se seguiram à vitória na Primeira Guerra - e apesar das dificuldades econômicas - pensou-se em unir os projetos de construção de uma casa de ópera àqueles da memória dos caídos.

Assim, em 1932, inaugurou-se o War Memorial Opera House, um empreendimento arquitetônico de alto significado político e que exigiu extraordinário empenho financeiro. A ópera foi aberta com Tosca de G. Puccini (1858-1924), nela cantando Claudia Muzio (18891936), artista que mantinha estreitos elos com o meio lírico latino-americano, em particular também daquele do Rio de Janeiro e São Paulo.

(...)


De ciclo e estudos da ABE sobre a direção de
Antonio Alexandre Bispo



Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A.(Ed.).  "Americanizações de produções músico-teatrais européias. 100 anos do musical The Girl from Brazil sob a direção de Gaetano Merola (1881-1953), vulto da ópera em San Francisco“
. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 164/9(2016:06). http://revista.brasil-europa.eu/164/The_Girl_from_Brazil.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2016 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Academia Brasil-Europa
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
reconhecido de utilidade pública na República Federal da Alemanha

Editor: Professor Dr. A.A. Bispo, Universität zu Köln
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