Contemplação dos céus como corretivo

ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 165

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Griffith-Observatorium. Foto A.A.Bispo 2016. Copyright

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Griffith-Observatorium. Foto A.A.Bispo 2016. Copyright

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Griffith-Observatorium. Foto A.A.Bispo 2016. Copyright

Griffith-Observatorium. Foto A.A.Bispo 2016. Copyright

Los Angeles. Fotos A.A.Bispo 2016©Arquivo A.B.E.

 


N° 165/6 (2017:1)


"Man's sense of values ought to be revised.
If all mankind could look through that telescope, it would change the world!"

A contemplação dos céus como corretivo do homem e da sociedade
A visão de Griffth J. Griffith (1850-1919) na arte mural de Hugo Ballin (1879-1956)
do
Griffith-Observatorium de Los Angeles

2017-1967: 50 anos de Sémantique musicale de Alain Daniélou (1907-1994)
e 10 anos de ciclos de estudos euro-brasileiros na Índia pelo seu centenário


 
Griffith-Observatorium. Foto A.A.Bispo 2016. Copyright

No âmbito dos estudos euro-brasileiros promovidos pela ABE nos Estados Unidos em 2016 (Veja), visitou-se o Griffith Observatorium na grande área verde do Mount Hollywood em Los Angeles.

Esse observatório é um dos monumentos arquitetônicos, culturais e da história das ciências da Califórnia, procurado anualmente por milhares de visitantes que dali contemplam tanto os céus como grande planura em que Los Angeles se espalha. Das alturas, e sob o efeito da impressão causada pela observação da imensidão dos céus, a metrópole torna-se pequena, é vista com outros olhos e sentida diferentemente. O observador conscientiza-se da transformação nele ocorrida e na percepção do que vê.

Essa experiência corresponde à intenção do idealizador do observatório, Griffith Jenkins Griffith (1850-1919) que, após ter observado os céus através do telescópio do Mount Wilson, então o maior do mundo, teria exclamado: "Man's sense of values ought to be revised. If all mankind coul look through that telescope, it would change the world".

Griffith-Observatorium. Foto A.A.Bispo 2016. Copyright

Atualidade da visão de G. J. Griffith: supravalorizações de ego como problema

Griffith-Observatorium. Foto A.A.Bispo 2016. Copyright
Na intenção e na visão de G. J. Griffith residem a explicação e a justificativa da inserção do Griffith Observatorium no programa de estudos culturais promovidos pela A.B.E. nos Estados Unidos.

Estes foram motivados por desenvolvimentos políticos e sociais da atualidade nos dois lados do Atlântico e que trazem novamente à discussão concepções que pareciam estar já pertencer ao passado, entre outras aquelas derivadas do recrudescimento do nacionalismo e de tendências anti-imigratórias. 

A retomada que se faz assim necessária de análises desses aspectos de desenvolvimentos atuais nos estudos de processos culturais não pode deixar de incluir outros fenômenos que os acompanham e com eles se relacionam.

Sobretudo a propaganda eleitoral dos Estados Unidos, marcada pelo anelo de re-engrandecimento da nação, caracterizou-se por extremas manifestações de consciência de si, de afirmações de ego e de poder baseado na potência financeira de magnatas.

A consideração desses aspectos de desenvolvimentos atuais nos estudos culturais não poderia ser mais adequadamente conduzida do que na Califórnia, marcada que foi no passado pela corrida do ouro, pela procura de enriquecimento, pelas grandes fortunas acumuladas, pela auto-consciência e sentido de poder de enriquecidos e pelos mecenatos assim possibilitados.

Griffith J. Griffith, o idealizador do Observatorium, é um dos nomes que merecem ser lembrados entre aqueles que alcançaram grande riqueza, mas que não apenas sentiu a necessidade de retribuir à sociedade a prosperidade que alcançou como também vivenciou em si próprio a necessária mudança de valores que traz a tomada de consciência da pequenez do homem perante o infinito do espaço celestial: não haveria caminho mais efetivo para o controle das extrapolações de ego, do orgulho, de desejos e ambições do homem do que a observação do universo através de um telescópio.

Um exemplo de processos culturais relacionados com a imigração

Vindo cedo como imigrante do País de Gales, em 1850, Griffith J. Griffith surge como um exemplo de um ideário norte-americano de sucesso, e alcance de prosperidade e e subida na sociedade: após ganhar a vida em diversas ocupações, enriqueceu-se com minas de prata no México e na Califórnia. Após adquirir o que restava do Rancho Los Felis, em 1882, uma área que tinha pertencido no passado a um povoado de mesmo nome remontante ao século XVIII, radicou-se em Los Angeles.

Assim como muitos outros americanos de posses, a prosperidade econômica foi acompanhada pela ascensão social e cultural, para esta servindo também viagens à Europa. No caso de Griffith, foram sobretudo os parques das cidades européias que mais o impressionaram, uma fato que adquire significado para estudos culturais relacionados com o paisagismo.

Do paisagismo à Astronomia no melhoramento da qualidade de vida do homem

Constatando a influência benéfica das áreas verdes para os habitantes das grandes metrópoles, passou a ver na existência de parques públicos um testemunho do que significava realmente ser uma grande cidade, uma cidade de população feliz, que goza de bem-estar, que oferece possibilidades de recuperação e lazer.

A primeira grande atuação de G. J. Griffith como mecenas foi significativamente o de prover Los Angeles com um grande parque público para que se tornasse uma grande cidade nesse sentido, feliz, limpa e distinta, fazendo doação à cidade de Los Angeles, em 1896, de área do Rancho Los Felis para a criação de um parque para fins de repouso, recuperação e fruição de todo o povo.

Essa doação foi feita com o intento de dar uma recompensa à sociedade pela riqueza que havia alcançado. Tinha como escopo a melhoria da qualidade de vida dos habitantes que, com a possibilidade de recuperação de forças, podiam melhor ainda contribuir ao desenvolvimento da metrópole.

Esse objetivo de retribuição do mecenas tornou-se muito mais amplo e profundo após visita, em 1904, do observatório estabelecido no Mount Wilson. Tendo-se iniciado em Astronomia na respectiva seção da Academia de Ciências do Sul da Califórnia, Griffith teve ali uma experiência pessoal tão profunda que levou-o à convicção de que o homem ganharia uma nova perspectiva de si, do mundo e da vida, muito mais esclarecida, se olhasse para os céus. Em sentido ainda mais amplo, tratar-se-ia de uma necessária revisão de valores do homem.

Esse processo transformatório de valores na visão do mundo e na condução da vida assumiu um sentido educativo de formação da população, tornando a ciência acessível a um público tão amplo quanto possível. Com essa intenção, ofereceu, em 1912, uma grande quantia à cidade de Los Angeles destinada à construção de um observatório no Mount Hollywood. Esse observatório devia possuir um telescópio a ser colocado à disposição pública, um Hall of Science no qual o povo teria acesso às conquistas das ciências, incluindo, para servir a esse escopo, um teatro cinemático de imagens movimentadas com fitas de cunho de divulgação científica.

Relações com a cultura da Antiguidade e a construção nos anos de 1930

Esses intentos não podem deixar de considerar o contexto global das visões do mundo, da história e da civilização de Griffith, o que indica o fato de ter concebido um teatro grego na área, destinado a ser palco para encenações e apresentações de música e dança. O empenho de Griffith na educação do povo segundo valores abertos pela contemplação dos céus nas suas consequências para o desenvolvimento interior o homem relacionavam-se assim com a antiga cultura helênica tão marcada por concepções musicais.

Somente em 1930, porém, a visão de Griffith passou a tornar-se realidade. Na consecução dos planos atuaram cientistas de renome, contando com a colaboração de George Ellery Hade, que atuara em observatórios de Mount Wilson, Yerkes e Palomar, o físico Edward Kurth como diretor e Russell W. Porter como conselheiro. Este último distinguiu-se no movimento de criação de um telescópio popular. Em 1931, os arquitetos John C. Austin (1870-1963) e Frederick M. Ashley foram contratados para a construção o edifício

Fatos circunstanciais como o terremoto de Long Beach de 1933 e as medidas empregatícias federais por ocasião da Grande Depressão levaram a que o edifício fosse construído solidamente, com materiais nobres e obras de arte, tais como o Astronomers Monument, de 1934. O edifício foi inaugurado em 1935.

O "Advancement of Science from Remote Periods to Present Times"


As pinturas da cúpula e das paredes da rotunda da W.M. Keck Foundation de 1934 constituem, pela sua riqueza imagológica, uma das mais significativas obras de arte do edifício. Foi também a principal obra do seu autor, o artista e produtor cinematográfico que também contribuiu a vários edifícios de Los Angeles.

Um grande número de imagens fazem referências múltiplas à história da observação celeste em diferentes culturas, estabelecendo complexas relações.

Figuras da mitologia greco-romana com imagens de divindades, personificações dos quatro ventos, de planetas e constelações ornamentam a ampla cúpula.. Nela veem-se Atlas segurando o signo do Zodíaco, seguido pelas Pleiades, Jupiter com os seus raios, Venus e as quatro estações, Mercúrio perseguindo Argos e outras representações mitológicas e alegó´rícas. A referência principal à tradição bíblica encontra-se na imagem de uma mulher segurando a estrêla de Belém.

As paredes laterais da sala octogonal apresentam painéis dedicados ao tema do "Avanço da Ciência", respectivamente dedicados à astronomia, à navegação, à aeronática, à engenharia civil, à metalurgia e eletricidade, ao tempo, à geologia e biologia, e à matemática e física.

O painél dedicado ao Tempo inclui um indígena asteca apontando a uma antiga pedra de calendário e o imperador Yao da China presenciando a execução de mágicos que não souberam prever uma eclipse solar. À direita, vê-se Ulugh Begh, neto de Tamerlão e observador do céus.

O painel dedicado à Astronomia apresenta Arzachel consultando tábuas astronômicas, John de Holywood trabalhando em texto astronômico e Copérnico ao colocar o sol em substituição à terra no centro do sistema solar. Ao lado, surge Galileu com um telescópio.


O painel da Aeronáutica apresenta Archytas de Tarento com a pomba de madeira, Roger Bacon com uma bola flutuante, Francesco de Lana com um modêlo de nave aérea, Leonardo da Vinci e Besnier, voando com sucesso em 1678.


O painel da Metalurgia e Eletricidade apresenta S. Floriano, protetor dos metalurgistas em adaptação da imagem divulgada de protetor contra incêndios, assim objetos que lembram o descobrimento da natureza elétrica da iluminação por Benjamin Franklin e Otto von Guericke com a lembrança da produção de eletricidade através de fricção.



O painel da Matemática e da Física apresenta um geômetro grego, cujo trabalho derivava dos egípcios, fato reconhecido com a menção ao deus Toth ao fundo. Um árabe contempla as contribuições matemáticas da sua cultura. O homem sentado representa o físico. À direita, Isac Newton conversa com estudantes.



O painel da Geologia e Biologia apresenta um ancião simbolizando a geologia que segura uma representação cde cristais. Um microscópio serve a um biólogo para o estudo da vida com um embrião, uma planta e um caranguejo abaixo. Um homem simboliza o paleontólogo através uma pele de animal e um esqueleto de peixe.


O painel da Engenharia apresenta, à esquerda, um velho egípcio à frente de uma pirâmide, duas figuras representm forças que, dentro da terra, associadas com terremotos que engenheiros procuram resistir com as suas construções. A moderna engenharia é representada por um sobrevivente e Hoover Dam.



O painel da Navegação apresenta uma imagem do vento lidando com compasso.  Calm é mostrado à direita, com um sextante. O mural é marcado pela movimentação da lua que envolve as representações; no topo vê-se um astrolábio.


Lembrando a consideração da Astronomia nos estudos culturais relativos aos Brasil

A consideração da Astronomia sob a perspectiva dos estudos culturais pode parecer à primeira vista estranha e pouco justificável.

Compreensivelmente, a Astronomia não se encontra representada na área das Ciências Humanas ou de Ciências da Cultura e em faculdades de Filosofia em universidades. Plausível surge, de início, apenas uma consideração da Astronomia como objeto da história das ciências naturais e de observatórios nos diversos países e regiões.

Entretanto, a Astronomia fêz parte da formação geral por séculos no Ocidente como parte do sistema das Artes Liberais. Era uma das disciplinas constituídas do Quadrivium, conjunto de quatro disciplinas: Aritmética, Geometria, Astronomia e Música.

Também essa ordenação surge hoje como estranha, uma vez que inclui a música ao lado das matemáticas e da Astronomia. Essa sensação de estranheza decorre do fato de compreender-se a música hoje ao lado das artes visuais, da plástica, do teatro ou outras expressões artísticas, como também demonstra a sua inclusão em departamentos de Artes e Comunicações de universidades.

Essa compreensão é porém relativamente recente na história da Estética e não corresponde à tradição secular da ordenação disciplinar, nela não encontrando os seus fundamentos. Nenhuma das outras artes - pintura, escultura ou otras - fazia parte, como a música, do sistema formado pelo Quadrivium e pelo conjunto das disciplinas da linguagem do Trivium.

A justificativa da inclusão da música nas disciplinas quadriviais deriva do fato de serem estas de natureza numérica. A experiência em cordas vibrantes levou desde a Antiguidade à constatação de relações numéricas de intervalos, constituindo tais experiências em monocórdio ponto de partida da formação teórico-musical e de especulações através dos séculos.

O estudo dessa tradição quadrivial derivada de experimentações acústicas - principal justificativa da música como ciência/musicologia no âmbito universitário - foi de significado quando da criação do Centro de Pesquisas em Musicologia da organização voltada a estudos de processos culturais constituída em 1968 em São Paulo (ND).

Esses estudos desenvolveram-se com a participação de professores de Análise preocupados com a fundamentação da matéria e paralelamente àqueles de acústica na área de Física Aplicada da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, participando também das reflexões o responsável pela área de Astronomia de Posição.

No trabalho interrelacionado entre a Estética e as então criadas disciplina s de Estruturação Musical e Etnomusicologia em cursos de Licenciatura em Música e Educação Artística do Instituto Musical de São Paulo, em 1972, passou-se a considerar outros aspectos esse complexo temático.

Havia já publicações que tratavam de bases físicas e biológicas da música; sentiu-se porém a falta de explicações mais plausíveis dos critérios que levaram às determinadas disciplinas quadriviais, uma vez que não poderiam ser explicadas apenas sob o ponto de vista sonométrico. Reconheceu-se, porém, que as disciplinas podiam ser explicadas por relações com os elementos da matéria, correspondendo neles a Astronomia ao elemento fogo/luz, fato compreensível por tratar de luminares celestes.

Desses elos poder-se-ia analisar outras relações derivadas das concepções filosófico-naturais concernentes aos elementos. Assim como o fogo e a água são inimigos entre si, poder-se-ia partir de uma tensão entre concepções relacionadas com a Astronomia e a Música - a "ciência aquática". A partir dos elos com os elementos, poder-se-iam considerar relações com o ciclo do ano natural e sobretudo com as partes do Zodíaco.

Foram publicações de Alain Danièlou que abriram novos caminhos para a discussão no âmbito da Etnomusicologia então instituída nos cursos superiores. Danièlou partia de sua experiência como observador e músico na Índia. Distanciando-se de aproximações exclusivamente tonométricas, salienta o aspecto do conteúdo de relações intervalares da música modal e do seu efeito em processos fisico-psiquicos e mentais. (Veja)

As relações numéricas que valiam tanto para a Astronomia como para a música diziam assim respeito não apenas ao macrocosmo como também ao microcosmo do homem. Salientando a linguagem simbólica concernente a Shiva, o processo interno desencadeado diria respeito sobretudo à superação de extrapolações de ego. (Veja)

Na Europa, esses estudos tiveram prosseguimento com representantes da Musicologia Sistemática em relações de cooperação com musicólogos que se dedicavam a questões de linguagem simbólica em contextos globais.

(...)


De ciclos de estudos da A.B.E.
sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo



Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. (Ed.).  "A contemplação dos céus como corretivo do homem e da sociedade. A visão de Griffth J. Griffith (1850-1919) na arte mural de Hugo Ballin (1879-1956) do Griffith-Observatorium de Los Angeles“
. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 165/ (2016:06). http://revista.brasil-europa.eu/165/Griffth_Observatorium.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2017 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Academia Brasil-Europa
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
reconhecido de utilidade pública na República Federal da Alemanha

Editor: Professor Dr. A.A. Bispo, Universität zu Köln
Direção gerencial: Dr. H. Hülskath, Akademisches Lehrkrankenhaus Bergisch-Gladbach
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