Observando céus - Da Califórnia à Índia
ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 165

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Costa do Pacifico. Foto A.A.Bispo 2016. Copyright


A.A.Bispo 2017


San Francisco. Foto A.A.Bispo 2016. Copyright

Costa do Pacifico. Foto A.A.Bispo 2016. Copyright

Costa do Pacifico. Foto A.A.Bispo 2016. Copyright

Litoral da California e Observatorium de Los Angeles

Fotos A.A.Bispo 2016©Arquivo A.B.E.

 


N° 165/1 (2017:1)

San Francisco. Foto A.A.Bispo 2016. Copyright

Da Califórnia à Índia - observando céus
processos psico-fisiológicos e mentais
nos Estudos Culturais à luz de problemas da atualidade

2017-1967: 50 anos de Sémantique musicale de Alain Daniélou (1907-1994)
e 10 anos de ciclos de estudos euro-brasileiros na Índia pelo seu centenário

 
San Francisco. Foto A.A.Bispo 2016. Copyright
O ano de 2017 é aberto pela Revista Brasil-Europa com relatos de estudos que estabelecem uma ponte entre aqueles tratados em 2016 - por último em ciclos levados a efeito na Califórnia (Veja) -  e a Ásia.

Essa ponte é particularmente justificável, uma vez que a costa do Pacífico da América do Norte e os seus portos- sobretudo San Francisco - foram predestinados pela própria situação geográfica a tornarem-se centros de contatos entre povos e múltiplas interações culturais entre o Ocidente e o Oriente. A atualidade de relações transpacíficas e a América ganharam atualidade premente com a assinatura do Trans-Pacific Partnership (TPP) em 2016 e o imeiato afastamento dos EUA apos a mudança de govêrno.

Ásia na Califórnia: o Asian Art Museum em San Francisco

Não só a numerosa população asiática de San Francisco com o seu grande bairro chinês demonstram essa vocação determinada pela geografia, mas sim também suas instituições culturais, entre elas o Asian Art Museum. Situado no coração da cidade, à frente do City Hall, esse museu é uma das maiores e mais dinâmicas instituições dedicadas à cultura e às artes da Ásia.

I
San Francisco. Foto A.A.Bispo 2016. Copyright
mportante evento que marcou 2016 da vida cultural de San Francisco foi a exposição do Museum of Asian Art sobre o epos indiano de Rama, uma das grandes obras da literatura mundial. Essa exposição não poderia deixar de dirigir a atenção à cultura do Hinduismo como principal testemunho de concepções e imagens do mundo e do homem de remota proveniência.  (Veja)

A ponte entre a costa americana do Pacífico e a Ásia surge à luz dessa exposição sob o signo de contrastes e paradoxias.Ela motiva por outro lado reflexões sobre fundamentos de um edifício cultural que diria respeito ao homem em geral, à humanidade na sua unidade e, assim, a questões que transcedem diferenças, entre elas a de direitos humanos e da ética.

Alain Danielou

Representações do homem na Califórnia ao lado do Museum of Asian Art

Costa do Pacifico. Foto A.A.Bispo 2016. Copyright
A Califórnia, pela sua história, marcada pela expansão comercial e militar do passado daqueles que chegaram a um mundo até então indígena e ali se fixaram, assim como e sobretudo pela  corrida do ouro, associa-se com um tipo de homem de indomitável impulso de alcançar riqueza e ambições de sucesso material através do trabalho, do aproveitamento de chances e pronto a lutar contra concorrentes.

É esse tipo de homem que é celebrado em monumento também no coração de San Francisco, à frente do City Hall, ao lado do Museum of Asian Art. Ali representam-se marcos de desenvolvimentos da história civil e militar regional, entre os quais foi decisiva a procura e o achamento de ouro.

As encenações escultóricas desses momentos e as representações de cenas no corpo do monumento trazem à mente ações e desenvolvimentos da história do homem à procura de riquezas no campo de tensões entre paz e guerra.

As relações ssim sugeridas encontram correspondência nos dizeres das armas de San Francisco, significativamente em espanhol: "Oro en Paz - Fierro en Guerra"

No  centro do brasão, a nave à frente dos raios do sol nascente lembra não só a entrada na baía dos primeiros europeus que chegaram a San Francisco, mas, em geral, o significado primordial da navegação na história da vinda dos colonizadores e dos imigrantes europeus à Califórnia na época da corrida do ouro.

Duas figuras laterais demonstram o homem que é ao mesmo tempo aquele que é voltado à terra na procura de riquezas e que, para isso, se orienta pelos céus na sua viagem por mar e nos seus caminhos por terra.

A linguagem visual denota referências múltiplas de remotas origens, entre elas aos elementos - terra, fogo, água e ar -, culminando com a imagem da fênix que renasce. Ao contemplá-la, vem à mente do observador a imagem da águia que substitui aquela da personificação das águas primordiais no ciclo do ano do hemisfério norte e que atravessou os séculos no simbolismo dos apóstolos na cultura cristã.

Significado supra-regional das representações emblemáticas de San Francisco

A linguagem de imagens que coloca a navegação no centro do brasão de San Francisco adquire significado que ultrapassa a sua contextualização local e regional. Ela vale para todas as nações nascidas dos empreendimentos navigatórios no passado mais remoto da era dos Descobrimentos e daquele que o seguiu das expansões exploratórias, da mineração e das imigrações.

Também as relações sugeridas entre  paz e guerra, entre a procura do enriquecimento e a história de violências, guerras, lutas e revoluções adquirem vigência transamericana e mesmo transcontinental. Significativamente, ao lado do monumento histórico de San Francisco encontram-se representadas numerosas nações latinoamericanas referenciadas segundo o vulto de Símon Bolivar (1783-1830).


A representação heróica  do "El Libertador" no conjunto plástico-encenatório do centro de San Francisco traz à consciência que as imagens do homem à procura de riquezas no campo de tensões entre guerra e paz - "Oro en Paz - Fierro en Guerra" - não podem ser lidas no sentido de disposições do homem exclusivamente voltadas a interesses próprios e às lutas e violências que as acompanham, o que não corresponderia às intenções celebrativas.


Pelo contrário, como prototipo do californiano - e em geral do americano - surge como o de um homem não isento de idealismo e que, caso enriquecido, pode passar a retribuir à sociedade com o orgulho de mecenas, expandindo a posição social possibilitada pela potência econômica adquirida.

Esboço de reflexões quanto a concepções contrastantes de exemplaridade

O olhar dirigido às antigas culturas asiáticas favorecido pela exposição do Museum of Asian Art, em particular àquela da Índia, traz à mente um outro ideal de tipo humano de exemplaridade relativamente ao celebrado homem californiano: aquele milenar que procura a sabedoria, do aperfeiçoamento interior, da libertação de uma escravidão criada por desejos, do corpo e da mente, do controle de impulsos físicos e da superação do ego.

Esse contraste que vem à mente naquele que se confronta com a filosofia, a estética e a cultura em geral da Ásia em San Francisco é certamente por demais indiferenciado e inadmissível sob muitos aspectos, não correspondendo sobretudo aos desenvolvimentos da história mais recente de potências como a China ou o Japão.

Apesar de toda a insuficiência dessas acepções, essa contraposição quanto a concepções relativas ao homem sentido no confronto com antigas tradições do pensamento, da cultura e da arte da Ásia aguça a percepção  a problemas concernentes ao humano em geral na análise de processos político-culturais do presente.

Justamente os desenvolvimentos políticos atuais nos EUA foram marcados por demonstrações de extrapolações de ego, de auto-consciência possibilitada pelo poder baseado na riqueza material, por ímpetos à vitória que levaram à ultrapassagem de limites da "correção política" e mesmo de educação, por um egocentrismo que, nas suas dimensões coletivas, poderia explicar o acento tão explícito dado aos interesses da própria nação: America first.

Neste sentido, os estudos relatados neste primeiro número da Revista Brasil-Europa de 2017 dão continuidade àqueles de 2016, motivados que foram pelas questões teórico-culturais que se levantam perante movimentos nacionais, nacionalistas, identitários e, em geral, conservadores de direita ou de extrema-direita em países do Velho e do Novo Mundo.

Se a atenção foi em 2016 dirigida a conceitos e a ideários relacionados com o nacionalismo que se supunham já ultrapassados no debate cultural, ela se volta agora no início de 2017 a aspectos mais fundamentais, filosóficos, de visões do mundo e do homem.

Significado para os estudos culturais e para os estudos da própria ciência

Os aspectos aqui tratados foram e são fundamentais tanto no concernente ao objeto dos estudos como no referente ao próprio desenvolvimento do pensamento e suas interrelações. Dizem respeito nessa sua natureza fundamental à interdependência entre os estudos culturais no sentido de uma culturologia e de estudos da própria ciência, princípio que constitui o escopo da A.B.E.. (Veja)

Trazem à memória o fato de que tem sido justamente nos fundamentos desses estreitos elos que têm sido visto o significado mais alto do empenho dos estudos de processos culturais, uma vez que dirigem a atenção por último a mecanismos mentais e à ética, tanto no pesquisador como no próprio objeto de observação e estudo.

Intuitos de análise adquirem assim um sentido duplo mas relacionado - o da análise do observado e do observador e suas rêdes.

Aqui reside a atualidade dessa orientação de intuitos, propostas e empenhos analíticos e de alcance de conhecimentos em época na qual se registram disparidades entre o progresso das ciências e o desenvolvimento de valores humanos entre pesquisadores.

Aberrações de ego, de intuitos de poder e de procedimentos escusos nas ciências

Tanto na Europa como no Brasil ouvem-se vozes que apontam uma deterioração nas relações humanas na esfera universitária e na pesquisa extra-universitária, que salientam aberrações do espírito competitivo e de superação entre professores, estudantes e estudiosos em geral, o que se manifesta também em procedimentos escusos, em plágios, na ocupação de temas e perfís, em estrategias questionáveis de auto-promoção, nas acentuações aberrantes de ego e na procura de aplausos.

As tendências que levam a concorrências sem escrúpulos éticos e a situações marcadas por falsidades, falsificações de desenvolvimentos e hipocrisias no meio universitário e científico parecem corresponder àquelas tendências políticas e sociais da atualidade "pós-factual", nas quais, na linguagem, em procedimentos e em estrategias se manifestam desdenhos a elementares princípios de ética, de educação e respeito humano.

O ódio que se manifesta em movimentos políticos e sociais designados como populistas do presente parece ter a sua correspondência nas inimizades, declaradas ou latentes, nas tensões, nos conflitos e nos procedimentos questionáveis que marcam círculos universitários, dos estudos e da pesquisa. Tal situação, incompatível sobretudo sob a perspectiva da filosofia, da teologia e de áreas que se inserem na tradição humanística, não pode deixar de ter implicações para a própria ciência.

Olhando os céus em Hollywood: o Griffth Observatorium de Los Angeles


O reconhecimento da necessidade de revisão de valores do homem que se compenetra das suas limitações, da sua pequenez no universo não poderia ser melhor exemplificado do que por um californiano que encarnou o tipo do imigrante enriquecido à época do apogeu da mineração: Griffith Jenkins Griffith (1850-1919). Nele, os impulsos de mecenato possibilitado pelo poder econômico obtido relacionaram-se com o alcance de uma visão mais profunda do homem que relativou o sistema de valores que tinha determinado a sua vida. (Veja)

O impacto que G. J. Griffith obteve com a contemplação da infinidade dos céus através de telescópio levou-o à convicção de que toda a sociedade deveria ter essa possibilidade, o que levaria a uma transformação do mundo. Essa sua visão educativa popular ou de formação transformadora de mentalidades e comportamentos teve a sua expressão no projeto de edificação do observatório nas terras que doou à cidade de Los Angeles no Mount Hollywood e que, construído nos anos de 1930, constitui hoje um dos mais visitados monumentos da Califórnia.

Hugo Ballin (1879-1956): Advancement of Science from Remote Periods to Present Times


Na arte pictórica que ornamenta o interior do Observatório, a visão de Griffith foi interpretada na década de 1930 pelo artista Hugo Ballin no sentido de trazer à consciência do público o avanço dos conhecimentos científicos através dos séculos.

Contemplando as suas representações, o visitante conscientiza-se do processo que leva ao do nível das ciências e técnicas do século XX sob diferentes aspectos, da astronomia, da navegação, da aeronática, da engenharia civil, da metalurgia e eletricidade, da geologia e biologia, da matemática e da física.

Ponto de partida dessa interpretação de Hugo Ballin é o tempo, uma perspectiva que se mantém em exposição que trata do desenvolvimento das observações astronômicas.

O significado da medição do tempo através de observações do sol, do horizonte e dos céus em geral no reconhecimento de estações, de calendários, na agricultura e na vida do homem em geral é lembrado tanto relativamente à Antiguidade greco-romana quanto à Antiguidade americana, expondo-se aqui aspectos da observação astronômica de indígenas da Califórnia e da cordilheira andina. (Veja)

Essa menção a indígenas da América do Sul na exposição do Griffth Observatorium não menciona porém uma problemática que vem constituindo há muito alvo de atenções nos estudos culturais relacionados com o Brasil: o do condicionamento de visões do céu nas suas implicações no edifício cultural segundo a posição do observador.

Significativamente, um dos principais objetivos do projeto de culturas musicais indígenas que marcou o Ano Colombo de 1992 foi o de procurar constatar até que ponto concepções e suas implicações em expressões culturais indígenas correspondem a situações de observação do hemisfério sul ou revelam antes transposições daquelas do hemisfério norte que teriam sido trazidas no decorrer de remotas migrações.

Esses estudos do projeto sobe as culturas indígenas apenas puderam ser iniciados sob o pano de fundo daqueles desenvolvidos anteriormente em diversos contextos e que permitiram o esclarecimento sob muitos aspectos de um edifício de concepções e imagens referenciado segundo uma posição de observação do hemisfério norte.

10 anos de visita à area de observatórios Jantar Mantar em Jaipur, Índia


Um dos principais momentos nesse desenvolvimento das reflexões teórico-culturais no âmbito dos trabalhos da A.B.E. deu-se com a visita da área de observatórios Jantar Mantar em Jaipur, capital do Rajasthan em 2007. (Veja)

Não há no mundo maior evidência do significado da observação dos céus tanto para a medição do tempo com todas as suas implicações no calendário, tanto pragmáticas da vida agrícola como do ciclo cerimonial e festivo do que essa área monumental de construções astronômicas.

Não há também maior evidência dos fundamentos astronômicos de um edifício de concepções e imagens de remotas origens que se manifesta na cultura hindú. Já pelo fato de aparelhos ali construidos revelarem também finalidades astrológicas traz à luz o fato de que a concepção de astronomia que se evidencia de forma concretizada nos monumentos de Jantar Mantar não é aquela da atualidade, mas sim no de uma cosmologia que abrange tanto o macrocosmos como o microcosmos no interior do homem.

Neste sentido - e como o próprio nome da área indica - trata-se aqui antes de um espaço dedicado a cálculos, a relações numéricas, a proporções nas suas múltiplas correspondências no mundo perceptível pelos sentidos e no interior do homem.

Lembrando Alain Daniélou (1907- 1994) no seu centenário em 2007

A visita a Jantar Mantar em 2007 inseriu-se em viagem de estudos promovida pela ABE pelo centenário do indólogo, filósofo e musicólogo Alain Daniélou. (Veja)

Poucos foram os pesquisadores que, como Alain Daniélou, marcaram tão decisivamente o desenvolvimento das reflexões no âmbito dos estudos de processos culturais em relações internacionais como praticados na A.B.E. e no I.S.M.P.S. do que esse erudito francês que passou a ver a Índia como a sua verdadeira terra.

Esse significado de Daniélou explica-se pelo fato de expor em seus textos uma aproximação à problemática cosmológica que possibilita elucidações plausíveis de muitos de seus aspectos. Se fontes da Antiguidade e do antigo Oriente já tinham sido tratadas em publicações de vários autores, inclusive brasileiros, se nelas já se tinha salientado o significado de relações numéricas entre o macro- e o microcosmos, a aproximação de Daniélou abriu caminhos para a sua compreensão mais profunda.

Partindo da sua observação e experiência como instrumentista na Índia, Daniélou considerou as relações numéricas tanto na música como nas suas múltiplas correspondências no mundo exterior e no interior do homem sob uma perspectiva voltada à inserção em ressonância do homem em esfera emocional e de sentimentos inerente a estruturas musicais.

Como essa aproximação concede à música um papel fundamental em processos cósmicos e internos ao homem, a ciência da música adquire um significado condutor no especto das Ciências Humanas ou do Espírito.

As colocações de Daniélou abriram assim uma discussão que iniciada no Brasil, teve continuidade na Europa a partir de meados da década de 1970. A concepção de um papel condutor da musicologia no contexto das áreas pertencentes em geral às faculdades de Filosofia assim fundamentada marcou por décadas as reflexões e as iniciativas da A.B.E. e à época da fundação do I.S.M.P.S., levando porém posteriormente a relativações. (Veja)

A recepção de Alain Daniélou no Brasil: Sémantique musicale

As principais colocações de Daniélou que influenciaram o desenvolvimento das reflexões originado no Brasil foi Sémantique musicale. Essai de psychophysiologie auditive (Paris: 1967). (Veja)

A Sémantique musicale tornou-se conhecida nos círculos renovadores do pensamento teórico-musical de São Paulo também por caminhos inesperados, ou seja através de pensadores e músicos voltados à música sacra e ao conceito de sacralidade em época de preocupações e anelos marcada pelas consequências do Concílio Vaticano II.

Deve-se aqui salientar a gregorianista e estudiosa da cultura medieval Eleanor Dewey (Mè. Marie du Rédempteur) 81912-2008) (Veja), que, em viagem à França, entrou em contato no Instituto Católico de Paris com o prelado Jean Daniélou (1905-1974), irmão de Alain Daniélou.

Jean Daniélou fora um dos peritos do Concílio e era uma das personalidades mais destacadas do movimento renovador católico pós-conciliar. Provinha de uma família de tradições católicas, tendo a sua mãe fundado uma organização de formação cristã para professoras. Eleanor Dewey adquiriu obras de Alain Daniélou para serem estudadas no círculo do movimento renovador que se constituia em São Paulo (ND).

O desenvolvimento das discussões foi marcado por esse campo de tensões entre os dois irmãos - o orientalista que se aproximou do Hinduismo de um lado e o do teólogo católico. Essas tensões tiveram dimensões amplas e fundamentais, destacando-se nelas, ainda que de forma nem sempre explícitas, questões reltivas à orientação sexual de Alain Danièlou e suas concepções relativas à homosexualidade e que eram vistas pelo seu irmão como contrárias às normas morais católicas. Também essa tensão justifica a lembrança de Alain Daniélou no presente, uma vez que hoje também se constatam tendências críticas perante estudos de gênero e indicios de um "rollback" quanto a direitos humanos de minorias. (Veja)

Ao lado do seu Traité de Musicologie Comparée, a Sémantique musicale foi de fundamental importância no Centro de Pesquisas em Musicologia criado em 1968 no âmbito da organização de estudos de processos culturais então instituída, no departamento de física aplicada na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e na instituição da Etnomusicologia nos estudos superiores na Faculdade de Música e Educação Musical e Artística do Instituto Musical de São Paulo, em 1972.

O direcionamento da atenção às correspondências de relações numéricas levou também à constituição do primeiro Laboratório de Percepção e Sinestia no Centro de Pesquisas em Musicologia, em 1970. (Veja)

A Sémantique musicale exerceu influência em concepções relativas ao ensino musical e ao estudo de expressões culturais da tradição popular, em particular daquelas de cunho religioso, dando origem a trabalhos de pesquisa e encontros.

A natureza inter- ou metadisciplinar desse seu estudo - como salientado introdutoriamente pelo próprio Daniélou - possibilitou o interrelacionamento de várias áreas de estudos nessas instituições de São Paulo, em particular daquelas da Percepção, da Estruturação, da Estética e da Etnomusicologia e, sobretudo, Fundamentos de Expressão e Comunicação Humanas. (Veja)

Essas relações interdisciplinares fundamentaram a concepção de uma musicologia de orientação culturológica que foi pioneira e que passou posteriormente - após muitos obstáculos e animosidades - a ser seguida até mesmo por etnomusicólogos europeus que muito a combateram.

Interações de correntes históricas, comparativas e de procura de fundamentos

Nas discussões que se seguiram na Europa a partir de meados dos anos de 1970, interagirm personalidades que, por outros caminhos e sob outros signos, marcaram o desenvolvimento do pensamento.

Se as tensões entre Alain Daniélou e seu irmão teólogo já tinham levado a considerações sob os fundamentos dessas discrepâncias, esse debate foi retomado com a fundação da seção de Etnomusicologia em instituto da organização pontifícia de música sacra em 1977.

Nos trabalhos de organização da sua biblioteca e do arquivo fonográfico, assim como na discussão de procedimentos e concepções destacou-se Karl Gustav Fellerer (1902-1984) um dos musicólogos de maior renome da musicologia alemã e, em particular, da pesquisa da música sacra. (Veja)

Apesar de dedicar-se sobretudo a temas histórico-musicais, a sua concepção ampla da ciência era marcada fundamentalmente por interdisciplinaridade, estudos de fontes e fundamentos. A sua ação de décadas voltada à institucionalização da musicologia no âmbito das Humanidades e da Faculdade de Filosofia dirigia necessariamente a atenção a aspectos filosóficos e, assim, à questão de fundamentos.

Essa preocupação veio de encontro - ainda que sob outros pressupostos - àquela que marcava o programa euro-brasileiro. O complexo temático relativo a fundamentos nas suas diversas acepções marcou iniciativas do departamento, simpósios e publicações. Os anelos de uma institucionalização também no Brasil da ciência da música no âmbito das Ciências Humanas e da Filosofia - não das artes - tiveram a sua expressão na fundação da Sociedade Brasileira de Musicologia, em 1981.

Antonio Alexandre Bispo


Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A.  "Da Califórnia à Índia - observando céus - processos psico-fisiológicos e mentais nos Estudos Culturais à luz de problemas da atualidade“
. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 165/1 (2017:1). http://revista.brasil-europa.eu/165/Processos_mentais.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2017 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Academia Brasil-Europa
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
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