O ressoar de cordas igualmente afinadas
ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 165

Correspondência Euro-Brasileira©

 

_________________________________________________________________________________________________________________________________


Índice da edição     Índice geral     Portal Brasil-Europa     Academia     Contato     Convite     Impressum     Editor     Estatística     Atualidades

_________________________________________________________________________________________________________________________________

San Francisco. Foto A.A.Bispo 2016. Copyright

San Francisco. Foto A.A.Bispo 2016. Copyright

San Francisco. Foto A.A.Bispo 2016. Copyright

San Francisco. Foto A.A.Bispo 2016. Copyright

San Francisco. Foto A.A.Bispo 2016. Copyright



San Francisco. Fotos A.A.Bispo 2016©Arquivo A.B.E.

 


N° 165/4 (2017:1)



De um
roll back em direitos humanos no exemplo dos gay rights
como problema filosófico-antropológico
- o ressoar de cordas igualmente afinadas em processos psico-fisiológicos e mentais do homem -
Lembrando Alain Daniélou (1907-1994) e a imagem de Ardhanarishwara

2017-1967: 50 anos de Sémantique musicale de Alain Daniélou (1907-1994)
e 10 anos de ciclos de estudos euro-brasileiros na Índia pelo seu centenário

 

Os estudos de processos culturais não podem deixar de considerar os movimentos políticos da atualidade que determinam mudanças cruciais nos países da Europa, nos Estados Unidos e em outras nações. (Veja)

A intensificação de determinadas posições, visões e anelos, em particular daqueles conservadores, de direita e de extrema direita revivificam concepções e conceitos que já pareciam pertencer a passado encerrado. Em muitos casos tem-se designado esse movimento como sendo o de um "roll back". Os seus motivos, suas características e seu desenvolvimento tornam-se necessariamente objeto de estudos. 

Paralelamente a essas tendências políticas, em geral de cunho nacionalista e identitário, constatam-se críticas aos Gender Studies e a aspectos do movimento de direitos de minorias definidas segundo a orientação sexual, o que não pode deixar também de afetar o debate teórico-cultural, em particular daqueles dos Gay Studies.

A consideração dessas tendências do presente não podem deixar de considerar com particular atenção a argumentação religiosa ou de cunho religioso, tanto em esfera católica como em meios protestantes, aqui sobretudo evangelicais, assim como por aqueles que, embora distantes da prática religiosa, defendem uma cultura de fundamentação e tradição cristã-ocidental. Essa referência à história, aos fundamentos e aos valores de uma cultura cristã na Europa e nas Américas evidencia a exigência de sua consideração nos estudos de processos culturais em relações euro-americanas e, entre elas, euro-brasileiras.

Essa defesa dos valores cristãos da cultura ocidental procura em geral a sua fundamentação nas Escrituras através de referências a passagens do Velho e do Novo Testamento.  Essas citações partem do sentido literal da palavra e de uma leitura de  textos e contextos que não corresponde à problemática da questão de sentidos, da percepção, revelação e compreensão diferenciada de sentidos mais profundos. Essa leitura superficial leva a um empobrecimento da riqueza de sentidos das Escrituras, a seu manuseio como se fosse um receituário ou lista telefônica, a um ignorar do significado da hermenêutica na tradição teológica, da semântica nos estudos da linguagem, na leitura de sinais, signos, símbolos, de alegorias e metáforas em geral nos estudos culturais.

Dizendo respeito a problemas de leitura de textos, a sentidos verbalizados ou velados, de percepção de conteúdos e de compreensão de imagens, levantam-se aqui questões de natureza teórico-cultural e filosóficas e que não podem deixar de serem consideradas nos estudos respectivos.

Essas dimensões teórico-culturais e filosóficas evidenciam-se em argumentações a serviço de justificações de posições teológicas que se referem a um direito natural e numa polaridade que poderia ser encontrada na Criação, a uma lei natural que corresponderia à vontade divina. Os dois polos, masculino e feminino, complementando-se, constituiram também no concernente à sociedade humana, a sua base natural, o seu fundamento.

Essa argumentação sugere uma delimitação de possibilidades de relações no campo de tensões entre dois polos à complementação de opostos ou contrários, a harmonia de oposições, ignorando as possibilidades de sintonias ou de relações simpatéticas de co-vibrações de iguais. Esses conceitos e imagens de harmonia e sintonia trazem à consciência a amplidão das questões que aqui se levantam e que, sendo familiares particularmente na música, justificam aproximações segundo perspectivas musicológicas nas suas relações com concepções do homem.

Também sob este aspecto registra-se uma volta de idéias, argumentações e visões que já há décadas constituiram alvo de estudos e debates. Torna-se necessário, assim, recordar alguns dos principais aspectos desses estudos e reflexões, uma vez que se tratam de questões fundamentais.

Reflexões em local emblemático: o City Hall de San Francisco e sua exposição

San Francisco. Foto A.A.Bispo 2016. Copyright
No âmbito dos estudos euro-brasileiros promovidos na costa do Pacífico dos EUA sob o signo dos desenvolvimentos políticos e sociais atuais, a problemática concernente questões de gênero e de direitos humanos de minorias com elas relacionadas foi tematizada no City Hall de San Francisco, cidade de renome internacional pelo significado de sua cultura gay.
O City Hall é o principal e mais representativo edifício do centro de San
Francisco, um monumento arquitetônico-cultural estreitamente ligado à história da cidade reconstruída após o terremoto e o incêndio de 1906. Do ponto de vista histórico-artístico, representa a mais importante obra de uma firma que marcou a fisionomia arquitetônica de San Francisco: a empresa Bakewell & Brown.

Essa firma foi constituída oir John Bakewell, Jr e Arthur Brown Jr, colegas de estudos da Ecole des Beaux-Arts de Paris, entre 1897 e 1901, uma formação que se manifesta nas suas obras. Entre os seus projetos incluem-se o Berkeley City Hall (1907), os interiores da loja City of Paris (1908), e várias residências de Oakland. Em 1912, venceu concurso para o projeto do City Hall e que foi realizado em poucos anos. Brown criou ainda outras bvras de importância em San Francisco, como o San Francisco War Memorial Opera House (Veja) e o Veteran's Building, em 1932.

No City Hall, em espaço continguo ao salão central com a monumental cúpula, encontra-se exposição sobre a história do edifício e da cidade. Nessa exposição, a conquista de direitos de união de pessoas independentemente dos seus respectivos sexos biológicos é apresentada como um dos principais momentos da história desse principal edificio da cidade através dos tempos.


Fotografias, certidões e outros documentos desse processo são apresentados ao lado de marcos decisivos da história política, social e arquitetônica local, de bandeiras, brasões e memoriais de vitórias em guerra.

Em vitrines, lembra-se que pessoas de todo o mundo se dirigem ao histórico City Hall para realizarem o seu casamento. Salienta-se que o San Francisco City Hall tem sido local de casamento para milhares de casais do mesmo sexo.

A exposição considerada à luz das reflexões no Asian Art Museum

As reflexões nessa sala de exposição do City Hall favoreceram uma consideração da temática ali tratada à luz daquelas decorrentes da exposição sobre o epos indiano de Rama no Museu de Arte Asiática, museu situado defronte ao City Hall. (Veja)

As reflexões voltaram-se assim a fundamentos filosófico-antropológicos dessas questões na antiga tradição de pensamento da Índia, o que, no caso dos estudos culturais referenciados segundo o Brasil, traz à memória o nome e as obras do musicólogo, estudioso cultural e indólogo Alain Daniélou.

Fundamentos acústicos de processos físio-emocionais e mentais discutidos no Brasil

Já à época inicial do movimento de renovação teórico-cultural em São Paulo em meados dos anos de 1960 refletiu-se mais intensamente sobre as dimensões de conhecimentos ganhos em experimentações físicas no estudo das ondas, oscilações e acústica, as suas implicações e consequências na história das ciências e na filosofia.

Essas reflexões foram incentivas e conduzidas por professores de física experimental e de história da ciência do Colégio Bandeirantes de São Paulo, em parte vinculados à Universidade de São Paulo. Sob o aspecto da história as ciências, tratou-se então sobretudo de concepções da antiga China.

Posteriormente, as reflexões tiveram continuidade no departamento de física aplicada da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, quando passou-se a considerar, em particular, as implicações de conhecimentos decorrentes de experimentações acústicas relativamente a concepções numéricas de proporções nas suas implicações na história da arquitetura.

No âmbito de instituições de ensino e de formação de professores de música, o tratamento de questões básicas da acústica já fazia parte de matérias teóricas, havendo várias publicações que serviam de textos didáticos de cunho introdutório.

Um marco fundamental no desenvolvimento das reflexões deu-se porém com a consideração de obras de Alain Daniélou no âmbito do Centro de Estudos em Musicologia da sociedade de estudos de processos culturais fundada em 1968. As publicações de Daniélou foram a seguir fundamentais nos cursos superiores de Etnomusicologia, Estética e Estruturação da Faculdade de Música e Educação Musical e Artística do Instituto Musical de São Paulo entre 1972 e 1974.

Embora muitos autores já tivessem lembrado em suas obras os elos que desde a Antiguidade foram constatados entre as relações sonoras e relações numéricas no macro- e no microcosmos, as citações provenientes de antigas culturas permaneciam pouco compreensíveis e plausíveis, sendo consideradas em geral como simples momento ou mesmo mera curiosidade da história do pensamento e da filosofia.

Este fato também valia para algumas colocações de Daniélou no seu Traité de Musicologie Comparée utilizado no Centro de Estudos em Musicologia. Foi com o seu ensaio psíquico-fisiológico da Sèmantique musicale, publicado em 1967, que reconheceu-se o ponto de partida adequado que permitia a compreensão de muitas das colocações de antigas culturas e de culturas não-européias.

Percepção de conteúdo de estruturas musicais e vibração de sentimentos em sintonia

Apesar de todas as referências a fontes de diferentes povos orientais, Daniélou parte da sua experiência musical na Índia. Expõe como um instrumentista primeirmente tateia à procura do conteúdo de um modo, nele introduzindo-se, deixando-se envolver e imergindo no seu universo sonoro, passando a co-vibrar emocionalmente, perdendo-se como se entrasse em estado semi-consciente, adormecendo o seu intelecto e acalmando ou controlano os seus ímpetos físicos.

Essa ativação emocional corresponderia a uma destruição da supremacia do ego e, ao mesmo tempo, ao surgimento de algo novo, a uma nova criação. Como o modo não era uma invenção intelectual do instrumentista, mas decorrente de relações numéricas e estruturais, com um conteúdo que deveria ser antes procurado e no qual o instrumentista devia entrar em sintonia vibratória, corresponderia a um fenômeno tanto macro-como microcósmico, tanto vigente no universo externo perceptível pelos sentidos como no interior do homem, capaz de fazê-lo ressoar em simpatia segundo a lei da atração de cordas igualmente afinadas segundo um tom básico.

Se a ação no microcosmos era caracterizada pelo mover das emoções, pelo controle de ímpetos físicos e pelo adormecimento do intelecto no sentido metafórico de uma morte do ego em surgimento do novo homem, tinha-se aqui uma estrutura interna do homem que corresponderia àquela de uma configuração do macrocosmos.

Ainda que essa estrutura apresente dois polos, um intelectual e outro físico, representaria porém um contínuo, sendo que a unidade na bipolaridade residiria na esfera das emoções e sentimentos, uma vez que é com o seu mover que se processaria a superação dos predomínios e excessos de ímpetos de supremacia do intelecto e do físico.

Neste sentido, o homem representaria uma unidade constituída por um contínuo entre dois polos, sendo que o processo físio-psiquico e mental no seu aperfeiçoamento interior seria desencadeado pelo mover de sentimentos e emoções ressoando segundo leis da vibração de iguais.

Linguagem de imagens: Shiva Ardhanarishwara e seu significado na vida musical

Daniélou via em Shiva a personificação de uma realidade cósmica e divina correspondente a esse processo físio-psiquico e mental no interior do homem.

Na linguagem das imagens, nenhuma outra representação de Shiva manifesta com tanta evidência esse configuração cósmica do que a de Ardhanarishwara.

Essa imagem apresenta a divindade como sendo metade homem e metade mulher. A metade homem, nos seus dois braços direitos segura o tambor e o tridente como atributos de Shiva - indicadores da sua ação e de sua atuação através da música - (Veja) e, do lado feminino, Parvati, a flor de lotus. Essa imagem pode ser encontrada em várias partes da Índia, podendo-se lembrar daquela em grota nas proximidades de Mumbai.

Essas concepções e imagens não foram apenas de importância teórica em debates no âmbito dos estudos culturais desde a década de 1970. Foram consideradas posteriormente nas suas similaridades com concepções do homem na linguagem visual da tradição cristã, em particular dos três reis magos e consideradas sob o prisma de três tipos ou três partes do homem - espiritual, psíquico e carnal na dualidade de espírito e corpo de determinadas correntes de pensamento. Foram tratadas no sentido mais abstrado na análise da ordenação de expressões festivas de cunho representativo, de danças e cortejos da tradição cristã, evidenciada nas cores do encarnado, do azul e da fila, terno, ou coluna das cores mixtas centrais.

As concepções manifestadas na imagem de Ardhanarishwara foram recordadas na consideração de atividades artísticas contemporâneas. Entre elas pode-se citar uma apresentação de dança e encenação denominada de The Dying Song, produzida pelo Asian Music Circuit e dirigido por Sangeeta Datta no Queen Elizabeth Hall, de Londres, uma vez que baseou-se explicitamente nas pesquisas de Daniélou.

Nessa produção, a imagem de Ardhanarishwara esteve no centro das atenções, salientando-se a sua importância para questões relativas a gênero da atualidade. Nela, um cantor afirma ser metade homem e metade mulher, por vezes um homem, por vezes uma mulher, sugerindo que o ser humano pode situar-se em algum ponto de um continuum entre os dois extremos. Lembrou-se que Daniélou afirmara até mesmo o cunho divino ou sagrado de homosexuais, desde que fossem imagens de Ardhanarishwara.

(...)

De ciclos de estudos da A.B.E.
sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo


Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. (Ed.). "De um Rollback em direitos humanos no exemplo dos gay rights
como problema filosófico-antropológico“. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 165/4 (2017:1). http://revista.brasil-europa.eu/165/gay_rights_e_acustica.html



Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2017 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Academia Brasil-Europa
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
reconhecido de utilidade pública na República Federal da Alemanha

Editor: Professor Dr. A.A. Bispo, Universität zu Köln
Direção gerencial: Dr. H. Hülskath, Akademisches Lehrkrankenhaus Bergisch-Gladbach
Corpo administrativo: V. Dreyer, P. Dreyer, M. Hafner, K. Jetz, Th. Nebois, L. Müller,
N. Carvalho, S. Hahne