Identidade de migrantes e movimento identitário
ed. A.A.Bispo
Revista
BRASIL-EUROPA 166
Correspondência Euro-Brasileira©
Identidade de migrantes e movimento identitário
ed. A.A.Bispo
Revista
BRASIL-EUROPA 166
Correspondência Euro-Brasileira©
_________________________________________________________________________________________________________________________________
Índice da edição Índice geral Portal Brasil-Europa Academia Contato Convite Impressum Editor Estatística Atualidades
_________________________________________________________________________________________________________________________________
Fotos A.A.Bispo 2017©Arquivo A.B.E.
N° 166/2 (2017:2)
„On est chez nous“ - „Oubliez l‘intégration“
Latino-americanos numa Europa que se volta a si própria:
Identidade em processos integrativos de migrantes e o movimento identitário na França
„Quero quero choro“ - Maison de l‘Amérique latine de Estrasburgo
A crise política, social e político-cultural do presente, que abala várias nações da Europa e que é acompanhada por um recrudescimento de tendências nacionalistas, povísticas e de crítica à União Européia não pode deixar de ser considerada nas suas implicações para as comunidades de residentes latino-americanos nas várias cidades européias.
Ainda que não diretamente atingidas por movimentos que manifestam preocupações quanto à imigração, em particular de fugitivos de países islâmicos em guerra do Oriente, do Norte da África, também os latino-americanos são atingidos por transformações de clima social e de tendências do pensamento e de interesses culturais de europeus que se voltam à própria cultura.
A preocupação pela salvaguarda de valores culturais do Ocidente perante uma islamização da Europa não se refere diretamente a latino-americanos. Ela é porém, acompanhada por um aguçamento da sensibilidade perante sinais que indicariam uma estrangeirização étnico-cultural e perda de identidade de povos europeus e, neste sentido, atinge também os latino-americanos.
No vocabulário de movimentos políticos de direita, constata-se significativamente uma crescente diferenciação entre povo e população e é nessa segunda categoria que passam a ser incluidos também latino-americanos que já na segunda ou mesmo terceira geração supunham-se integrados e assim vistos.
Nessa situação marcada por tendências nacionais e identitárias de sociedades recipientes, processos integrativos nas suas relações com afirmações de identidade cultural diferenciadora de migrantes latino-americanos e seus descendentes adquirem nova complexidade.
Questões de identidade em processos integrativos/diferenciadores
A situação daqueles inseridos em processos que ao mesmo tempo e de forma ambivalente e paradoxal são de adaptação, assimilação e de manutenção ou fortalecimento de características diferenciadoras varia de acordo com o contexto receptor das diferentes cidades, regiões e países.
Latino-americanos que vivem em cidades menores, rurais e mais estáveis sócio-culturalmente sentem as transformações com menor intensidade do que aqueles que vivem em bairros de predominância de imigrantes, marcados por problemas urbanos e sociais, conflitos e violência, tais como certo alguns de Berlim, de cidades de regiões de crise industrial como a alemã Duisburg, da periferia de Paris ou de outras cidades francesas como Marselha e Toulouse.
A consideração das implicações de desenvolvimentos politicos, sociais e político-culturais da atualidade para as comunidades latino-americanas confronta-se assim com um quadro geral complexo que, apesar de similaridades, apresentam sensíveis diferenças de acordo com o contexto e com o desenvolvimento local da organização de grupos.
Alguns centros possuem uma já longa história quanto a sociedades e círculos de vida comunitária, social e cultural, promovem eventos e mantém publicações que favorecem continuidades quanto a concepções e a um estilo próprio quanto a linha de ações, de consideração da própria cultura e de sua vivência.
Nessas condições, o questionamento de procedimentos, de representação externa e de interação com o contexto social receptivo ou envolvente dificulta-se.O que poderia ter sido necessário, compreensível, justificável, favorável e mesmo inteligente em décadas passadas é mantido sem mudanças fundamentais apesar das condições e das exigências transformadas do presente.
Folclorismos e acentuação de nacionalismo de migrantes
Já há décadas vem-se discutindo um fenômeno que se constata em comunidades ou colonias de estrangeiros, em particular também latino-americanas na Europa, como um dos principais objetos de análises de processos culturais: o de um fortalecimento de expressões, tradições, práticas e costumes sentidas como características do país de origem a serviço da coesão e consciência comunitária e de diferenciação.
Festividades, danças, esportes ou usos alimentícios passam a ser cultivados mesmo por aqueles que não as conheceram ou praticaram no país natal. Assim, brasileiros que nunca tinham festejado o carnaval, dançado samba, participado de batucadas, rodas de choro, nunca antes se interesse por futebol ou apreciado feijoada passam a fazê-lo no Exterior.
Sob muitos aspectos, procurou-se analisar esse fenômeno que, para além de suas dimensões psicológicas e mentais individuais e coletivas, levou à criação de entidades de prática cultural, de escolas de samba, de baterias, de grupos de maracatú, de capoeira ou outros em numerosas cidades européias de diversos países.
Os aspectos questionáveis desses processos culturais foram tratados sob diferentes perspectivas, uma vez que não apenas têm consequências para a imagem do país no Exterior, que passa a ser marcada por estereotipos e folclorizações, por essencializações de expressões que, apesar de sua historicidade, se tornam típicas ou a-temporais, até mesmo ridículas e grotescas. O mais grave, porém, é que trazem implicações políticas que não deixam de ter ressonância em desenvolvimentos no próprio país de origem.
Mesmo não correspondendo à convicção política daqueles que as praticam, a afirmação de expressões culturais tradicionais ou vistas essencialisticamente como caracterizadoras de identidade vem de encontro a concepções e posicionamentos do nacionalismo político-cultural do passado, em questionável proximidade a idearios etnicistas e povísticos de regimes autoritários.
Essaa problemática político-cultural não se restringe às comunidades latino-americanas no Exterior, mas é ainda mais acentuada em outros contextos imigratórios, como tratado já em 2008 em encontro euro-brasileiro em centro cultural turco na Alemanha e que se evidencia com toda a intensidade no presente, quando políticos da Turquia procuram a grande população de imigrantes para fins de propaganda.
Confronto de processos contraditórios de identidade
Na situação atual de recrudescimento de tendências nacionais e nacionalistas de sociedades receptoras, preocupadas com perda de características identitárias, a euforia afirmativa, extravazadora e de representação de diferenças por parte comunidades latino-americanas surge como paradoxalmente problemática.
Ela se revela como similar sob muitos aspectos quanto a anelos e concepções de identidade baseadas em ideários povísticos, étnico-culturais, nacionais e mesmo chauvinísticos de movimentos políticos de direita e extrema direita da Europa, ao mesmo tempo, porém, surge como contraprodutiva para as próprias comunidades em contexto marcado de forma crescente por receios de estrangeirização e crítica de situações e desenvolvimentos multiculturais.
Essa problemática atual, que exige auto-análises quanto a caminhos percorridos e reflexões quanto a estrategias de ação e representação no presente, ainda não parece ter levado a uma tomada de consciência por parte de determinados círculos latino-americanos, em particular também dos brasileiros.
Criam-se ainda hoje sociedades que, tematizando explicitamente a cultura, evidenciam concepções identitárias e essencialistas a-históricas de expressões culturais, concentrando energias na promoção de carnavais ou de eventos que pretendem possibilitar a vivência ou a manutenção de valores sentidos como próprios ou característicos.
A tomada de consciência da complexa situação atual parece estar mais avançada em determinados países do que em outros, mais na França do que na Alemanha.
Talvez devido à longa tradição e ao significado da presença latino-americana em Paris, parece poder-se constatar uma maior refletividade e preocupação teórica em círculos latino-americanos franceses do que em muitos casos na Alemanha.
Levanta-se a questão, nessa tentativa de visão geral, da situação e das tendências de grupos latino-americanos nas cidades mais marcadas pela presença de instituições européias e que seriam, assim, mais diretamente confrontados com posicionamentos conflitantes e opostos relativos ao multiculturalismo, ao supra-nacional e ao nacional.
Aproximações à comunidade latino-americana de Estrasburgo
Uma das entidades que merece particular atenção neste contexto é a Maison de l‘Amérique Latine na „capital européia“ de Estrasburgo.
Localizada em cidade que abriga importantes instituições, como o Conselho da Europa e universidade marcada pela internacionalidade, essa sociedade criada em 1995 insere-se em contexto onde se tematiza continuamente o papel da cultura como „cerne e coração‘ da democracia. Nesse intento, vem de encontro a intento tematizado explicitamente por instituições européias sediadas em Estrasburgo.
Como centro social e cultural latino-americano, a entidade se dedica à promoção, ao apoio e à realização de atividades educativas e culturais, de programas de pesquisa e de cooperação com a América Latina.
A Maison é constituída por um secretariado para questões administrativas, uma sala de aulas, o Café Latino destinado a concertos, exposições e encontros e o café associativo Café Libro. Este é um local de encontro social, abrigando também a biblioteca Juan Rulfo e a Tertulia Literaria, assim como exposições permanentes, feiras, almoços e animações abertas ao público.
Através da Carta Latina, um noticiário mensal, comunica-se os programas de atividades na cidade e nas redondezas. A entidade mantém contato com outras associações latinoamericanas de Estrasburgo, de Paris, assim como de outros países da Europa, em particular da Espanha e da América Latina. Aqui promove-se o intercâmbio de grupos de jovens.
A ação da entidade na animação e na mediação social e cultural levou ao estabelecimento de elos de colaboração com estudantes da Universidade, do Conservatório de Estrasburgo e com associações de jovens como Animafac, Etudiants et Développement, Teje e Art‘aparte. Desde 2008, a entidade organiza o Festival International des Conteurs „De bouche à oreille et de boca en boca“, organizado sob o signo do diálogo intercultural e da cooperação transpassadora de fronteiras e em co-realização com o parceiro espanhol La Nona Teatro.
O Quero Quero Choro e o debate sobre o papel da música popular
No dia 20 de fevereiro de 2017, promoveu-se o evento Quero Quero Choro no Au Camionneur (14 rue Georges Wodli) , anunciado como uma oportunidade para escutar, participar, dançar, beber e comer em ambiente convivial e descontraído.
Esses e outros eventos trouxeram à consciência a necessidade de retomar-se discussões relativas à história da música das Américas na sua recepção na Europa desenvolvidas no âmbito do curso especifício relativo a esse complexo temático levado a efeito no instituto de musicologia da Universidade Renana Friedrich-Wilhelms de Bonn, em 2003.
Nele, tratou-se da situação da pesquisa de formas e expressões latino-americanas mais conhecidas e cultivadas na Europa, tais como samba, tango, mambo, rumba, salsa, cha-cha-cha, bolero, habanera, choro, canción, bossa nova.
Essas e muitas outras expressões culturais marcam profundamente a imagem dos países latino-americanos, exigindo assim análises mais aprofundadas e que relativam muitas acepções e suposições estabelecidas. Essas expressões despertam associações, o interesse pela cultura latina, podem, porém, ser contraprodutivas para análises mais aprofundadas dos múltiplos problemas sócio-culturais da América Latina. Pertencem, significativamente, ao repertório estandartizado de danças sociais e podem levar a uma visão cultural e do homem sob o signo do típico.
Se a música popular torna-se cada vez mais área importante de estudos no âmbito da musicologia latino-americana, que no passado dedicava-se quase que exclusivamente ao erudito e ao folclore, já há muito reconheceu-se que um direcionamento da atenção a processos superam tais categorizações e, assim, um pensamento marcado por esferas e compartimentos. Torna-se cada vez mais evidente a necessidade de considerar-se a historicidade das expressões latino-americanas de dança e música.
Condições sociais e histórico-culturais do vir-a-ser, das transformações e da difusão de expressões musicais e de danças foram tratadas em diferentes ocasiões, merecem, porém, ser retomadas à luz dos desenvolvimentos político-culturais da atualidade.
De ciclos de estudos sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo
Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "„On est chez nous“ - „Oubliez l‘intégration“. Latino-americanos numa Europa que se volta a si própria: Identidade em processos integrativos de migrantes e o movimento identitário na França“. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 166/2 (2017:2). http://revista.brasil-europa.eu/166/America_Latina_em_Estrasburgo.html
Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira
© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2017 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
Academia Brasil-Europa
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
reconhecido de utilidade pública na República Federal da Alemanha
Editor: Professor Dr. A.A. Bispo, Universität zu Köln
Direção gerencial: Dr. H. Hülskath, Akademisches Lehrkrankenhaus Bergisch-Gladbach
Corpo administrativo: V. Dreyer, P. Dreyer, M. Hafner, K. Jetz, Th. Nebois, L. Müller,
N. Carvalho, S. Hahne