Leituras da Eurometrópole de Estrasburgo
ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 166

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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N° 166/3 (2017:2)



Dimensões urbanológicas de desenvolvimentos sociais, culturais e políticos da Europa atual
Leituras da Eurometrópole de Estrasburgo

Reflexões na École Nationale Supérieure d‘Architecture de Strasbourg

 
Estrasburgo. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright

Os problemas urbanos do presente, o crescimento descontrolado de grandes cidades, a depauperação de bairros e a decadência de centros, e sobretudo a expansão descontrolada de bairros periféricos e favelas com as suas implicações humanas, sociais, ambientais e culturais representam uma das mais evidentes e graves manifestações de falência do homem no uso inteligente do meio ambiente e de recursos, de incompetência político-administrativa.

Essas dimensões de processos urbanizadores que contrariam ideais de qualidade de vida trazem à consciência a necessidade de uma compreensão abrangente da urbanística, muito além daquela que sob o termo subentende apenas projetos de urbanização e de criação de cidades como obras de arquitetos e planejadores-artistas, a sabor de tendências estéticas mais ou menos arbitrárias e mesmo da vaidade de criadores.

Já a constatação da expansão de cidades e da urbanização crescente de zonas rurais, muitas vezes em desperdício de espaços e depredadoras do meio natural, torna compreensível o desideratum de  tratamento científico da problemática das cidades e de processos urbanos no sentido de uma urbanologia de orientação científico-cultural.

Essa aproximação científica é necessariamente interdisciplinar, integrando procedimentos 1) históricos na análise de desenvolvimentos no tempo, 2) empíricos na pesquisa de situações do presente dirigida a problemas, e 3) sistemática na análise de processos, no reconhecimento de estruturas e mecanismos sistêmicos.

Diz assim respeito também aos estudos da própria ciência, de seus paradigmas, critérios e métodos. É nesse sentido amplo, culturológico e de science studies que os estudos respectivos são desenvolvidos no âmbito da A.B.E.. (Veja)

Estrasburgo. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright

A Eurométropole de Estrasburgo - a capital da Europa na Alsácia

A cidade de Estrasburgo, com as suas muitas instituições européias, não pode deixar de ser considerada com especial atenção nos estudos atuais relativos ao urbanismo de orientação cultural voltados a processos metropolitanos.

Com a sua bimilenar história, documentada em patrimônio construído do passado medieval e que testemunha o seu significado como centro comercial através dos séculos, Estrasburgo não foi apenas um centro religioso evidenciado na sua monumental catedral, mas do Humanismo. Foi cidade que atraiu pensadores, literatos e artistas. Como centro universitário, Estrasburgo surge como uma cidade marcada por estudantes de vários países. Essa internacionalidade se manifesta em intensa vida cultural, inovativa e criadora.

A Eurométropole compreende-se como uma união de 28 comunidades. Desde  2015 foi instituída sob a forma jurídica de Metrópole no Département Bas-Rhin da França. Foi fundada em fins de dezembro de 1966 como Communauté urbaine de Strasbourg. O núcleo é constituído pela cidade de Estrasburgo, que ocupa ca. de 25 % da área e 60 % da população.

Estrasburgo. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright

Reinterpretação de sentidos e conservação patrimonial: a estação

Estrasburgo. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright
Não há talvez construção que mais evidencie a transformação arquitetônica e urbanística da cidade em função da complexa história política de capital de região fronteiriça da Alemanha e França do que a Estação Central de Estrasburgo. A monumental estação remonta à época do Império Alemão, que desenvolveu intensa atividade construtiva na região da Alsácia a serviço da sedimentação do seu poder. A monumental estação, construída na área das antigas fortificações da cidade e substituindo uma estação de término de linha a partir de 1878, foi uma das maiores obras do arquiteto Johann Eduard Jacobsthal (    ) de Berlim. No início do século XX, acrescentou-se ao edifício construções laterais destinadas aos correios e à polícia, surgindo assim um representativo complexo de grandes dimensões.

Esse monumento do passado alemão não foi demolido na moderna Estrasburgo, mas envolvido em construção de vidro, sendo assim conservado como patrimônio mas ofuscado no seu sentido emblemático no conjunto urbano. Criou-se, assim, um espaço envolvente à frente da antiga fachada.

O Palais de la Musique et des Congrès de Estrasburgo

Estrasburgo. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright

Um outro exemplo da adaptação de edifícios segundo as novas exigências representativas e de significados de uma cidade transformada em eurometrópole é o Palais de la Musique et des Congrès na Place de Bordeaux em Estrasburgo. É uma obra nomeada para o European Prize for Contemporary Architecture- Mies van der Rohe Award 2017.

Em concurso realizado em 2011, a ampliação e reconstrução do palácio foi confiada a arquitetos de Bregenz em cooperação com o escritório Rey-Lucquet da própria cidade. O projeto levou a uma completa transformação do edifício, sendo terminado em 2012/2013.

Criou-se uma sala multifuncional de 3000 metros quadrados, uma sala de conferências, um audotório, duas salas de concertos e uma sala de ensaios para a orquestra filarmônica de Estraburgo.

A solução procurada distinguiu-se fundamentalmente daquela da estação central. Não se tratou de conservação patrimonial, mas de completa remodelação, transformando o edifício em obra representativa. Manteve-se, da antiga construção, o foyer de concreto aparente e que apresenta ostentativa decoração em mosaicos e mármores.

Assim como na estação central, a antiga construção foi envolta por um espaço marcado por uma série de altas colunas de aço, cobertas com placas de metal dispostas de forma escantilhada, conferindo-lhe um aspecto pós-moderno. Singularmente, esse processo metamorfoseante procedeu-se em diferentes fases. Um corpo central, construído na década de 70 e ampliado nos anos 80, foi desenvolvido até chegar à sua configuração atual.

A exemplaridade da rêde de bondes de Estrasburgo

Um dos fenômenos da história recente de planejamento urbano relativamente a transportes coletivos e reestruturação viária de cidades da Europa é o ressurgimento dos bondes em vários países, em particular na França. A reintrodução de bondes em Estrasburgo deu-se em 1994, após estudos e discussões públicas iniciadas na década de 1970. Em 1976, decidiu-se pela criação de um moderno sistema de bondes, preferindo-o àquele da construção de um metrô ou de trem urbano. A cidade distinguiu-se, assim, de muitas outras que, como várias da Alemanha, decidiram-se antes pelo mais dispendioso e questionável sistema de transportes subterrâneos.

Os bondes tinham sido abolidos em 1960. Possuiam uma antiga história, remontando a uma linha de veículos puxados a cavalo criada em 1878 e eletrificada em 1894. No decorrer do tempo, desenvolveu-se uma vasta rêde de linhas urbanas e de ligação com cidades vizinhas. Desde a década de 1930, essa expansão deu lugar a uma gradual decadência.

A reintrodução exigiu e deu impulsos a uma reorganização urbana, do uso de vias e de novo mobiliário da cidade. Os planejadores puderam contar com a experiência de outras cidades que reintroduziram bondes, entre elas Nantes, em 1985 e Grenoble, em 1987. O projeto de Estrasburgo serviu, por sua vez, como modêlo à reintrodução de bondes em outras cidades, tais como Montpellier, em 2000, ou em Nizza, em 2007.

Administrada pela Compagnie des transports strasbourgeois, funcionam hoje seis linhas de bondes em Estrasburgo. Na sua maior parte, os trilhos correm em ruas destinadas a pedestres ou em canteiros centrais de alamedas.

Música e Urbanismo: Desenvolvimento a partir do Brasil

As preocupações de estudo científico de processos urbanos não é recente nos estudos brasileiros, tendo sido tratadas em diversas ocasiões e sob diferentes aspectos.

As suas origens remontam a discussões na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo a partir de 1968 e, com elas relacionadas, com pesquisadores da Associação Brasileira de Folclore preocupados com redefinições da área.

Interações múltiplas de questionamentos, aproximações e mesmo vocabulário entre a pesquisa empírica de processos culturais e o tratamento de questões urbanísticas levaram a projetos interdisciplinares de análise da metrópole. 

Esses trabalhos, conduzidos em contextos metropolitanos de São Paulo, foram marcados por uma focalização especial à conceituação de metrópole e a processos metropolizadores.

Se questões como o do cosmopolitismo na cidade no início de sua transformação em fins do século XIX e início do XX já tinham sido objeto de estudos históricos, culturais e musicais, desenvolvimentos então mais recentes como aqueles originados da vinda de migrantes marcaram estudos relativos à ocupação, percepção e vivência de espaços, assim como à imagem de bairros, ruas e praças.

Para o estudo de modos de percepção de sentidos culturais ou de dimensões virtuais de espaços, assim como aqueles de suas imagens, reconheceu-se o significado da música.

Em análises de focos culturais da Grade São Paulo, procurou-se fazer um levantamento de espaços que, - também devido à concentração de casas de diversão, restaurantes e bares com a participação de músicos - aquiriram de forma não planejada e informal características e imagens próprias.

Estabelecem centros de referências e uma rêde virtual na própria rêde urbana, conferindo-lhe significados. Constatou-se que o decantar de bairros, do seu passado e desenvolvimento, de ruas, praças, de meios de transporte - bondes, trens - e de espaços em incontáveis canções e peças instrumentais já desde fins do século XIX constituem fator relevante para a memória e imagem barrial, de zonas e regiões dentro da metrópole.

Com a fundação do Centro de Pesquisas em Musicologia da sociedade de estudos de processos culturais, em 1968, os estudos passaram a ser conduzidos sob a perspectiva de uma musicologia interdisciplinar de orientação científico-cultural.

Com a introdução dessa orientação em cursos superioes de música e licenciaturas na Faculdade de Música e Educação Artística do Instituto Musical de São Paulo, o tratamento das relações entre música e urbanismo foi desenvolvido a serviço da formação de músicos e professores de música e artes. No âmbito da Etnomusicologia, realizaram-se trabalhos relativos ao complexo "música urbana" e à vida musical em bairros e suas instituições e escolas.

Em 1973/1974, realizou-se, com o apoio do Museu Paulista da Universidade de São Paulo, um curso dedicado ao tema "Música na Evolução Urbana de São Paulo" com sessões de percepção de sentidos de espaços em ruas e logradouros da cidade.

Com o início do programa euro-brasileiro na Alemanha, em 1974, as reflexões e estudos relativos ao complexo "música e urbanismo" aquiriram dimensões internacionais, levando à visita de grande número de instituições e faculdades, assim como a trabalhos nas principais cidades européias. Desenvolveu-se, nos anos que se seguiram, o projeto "Poética da Urbanidade" da Academia Brasil-Europa (ABE).

Música e Urbanismo como tema de seminário em universidade alemã

Preparando a realização de simpósio internacional pelos 450 anos de fundação e São Paulo, em 2004, desenvolveu-se um amplo projeto de discussão de perspectivas e aproximações em diferentes contextos de várias regiões do mundo, levando a uma publicação que deveria servir de base à discussão de questões de leituras de cidades como texto segundo novas tendências da Linguística na Academia Paulista de Letras.

Para que universitários e docentes alemães fossem preparados adequadamente para a participação nesse evento a ser realizado no Brasil, decidiu-se realizar um seminário dedicado ao tema em universidade alemã, o primeiro do gênero, oferecendo-se para isso o Seminário Musicológico da Universidade Renana Friedrich-Wilhelms.

Nesse seminário, realizado no semestre de inverno de 2003/2004, deviam ser também discutidos resultados de estudos realizados em várias instituições de países europeus, latino-americanos, do Caribe, assim como dos EUA.

O seminário possuiu assim uma orientação transatlântico-interamericana e foi conduzido em estreitas relações com outros cursos, entre êles o de estética e ética e o de problemas tuais da musicologia antropológica.

Os participantes foram de início confrontados com o fato de que, embora a história musical, a vida de concertos e instituições de cidades, além como a "urban music" sejam consideradas em monografias, artigos e entradas em enciclopédias e léxicos, assim como também em seminários, cursos e excursões, os textos eram deficientes do ponto de vista de competência interdisciplinar, pois não consideravam adequadamente o desenvolvimento do debate na Arquitetura e no Urbanismo.

Sobretudo etnomusicólogos e pesquisadores da música popular demonstravam pouca qualificação para o tratamento competente do assunto. A discussão não poderia ser desenvolvida sem a participação de arquitetos e urbanistas.

Ao mesmo tempo, os estudos apenas poderiam ser conduzidos sob a perspectiva de uma musicologia de orientação científico-cultural em contextos globais, tais como defendida pelo ISMPS e que também correspondia àquela da instituição de Bonn.

Nos textos relativos à história e à vida musical na literatura musicológica sentia-se a falta de atenção mais intensa ao desenvolvimento histórico de cidades e a processos econômicos, sociais e culturais, a suas qualidades urbanas e à sua imagem, fatores responsáveis pela atração e concentração de artistas e agentes culturais.

Também na consideração da urban music sentia-se deficiências na consideração culturológica de bairros e zonas urbanas nas suas configurações e dinâmicas sociais, étnicas e subculturais.

Também aqui a análise e a interpretação na pesquisa musical evidenciava falta de consideração competente da pesquisa de cidades, de suas perspectivas, conceituações e métodos.

Assim como o emprêgo de conceitos musicais apenas no seu sentido metafórico em descrições de cidades, também menções imprecisas e não correspondentes à situação dos estudos e dos debates no âmbito da arquitetura, do urbanismo e do planejamento não podiam contribuir de modo fundamentamento ao desenvolvimento dos estudos.

Uma cooperação realmente interdisciplinar prometia, ao contrário, abrir novas perspectivas de análise e fornecer impulsos para projetos bem fundamentados tanto na prática e na criação musical como em estudos urbanos, de configuração de espaços e, correspondentemente, de melhoria de qualidade de vida.

O desenvolvimento das possibilidades técnicas, da mída e da ciência da mídia exigia a retomada de estudos iniciadas nos anos de 1960 e 1970 no Brasil sob novo signo, atualizando-os tanto quanto a questionamentos como relativamente a procedimentos de análise.

As novas técnicas e possibilidades em projetos e planejamentos arquitetônicos e urbanos, que tinham levado a uma transformação profunda de meios e processos de criação e análise comparativamente àqueles do passado, exigiam ser considerados. Para isso o Seminário Musicológico de Bonn, emprestando particular atenção à Ciência da Mídia, oferecia-se como instituição adequada para o tratamento do tema.

Os participantes do seminário adquiriram um panorama geral das reflexões, intenções e iniciativas das décadas passadas a partir de visões do presente, evitando-se assim repetições de idéias e de intenções de análise. Ao mesmo tempo, procurou-se levantar e comentar publicações e depoimentos de arquitetos e urbanistas de relevância para o tema dos últimos anos, em particular também daqueles que não pertenceram à corrente de reflexões a que se prende a ABE e o ISMPS e que remonta ao Brasil.

Uma tomada de consciência tão ampla quanto possível da situação das reflexões e das tendências do presente surgia como necessária para a abertura de novas perspectivas.

De ciclos de estudos sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo


Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A.  "Dimensões urbanológicas de desenvolvimentos sociais, culturais e políticos da Europa atual
Leituras da Eurometrópole de Estrasburgo“
. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 166/3 (2017:2). http://revista.brasil-europa.eu/166/Eurometropole_Arquitetura.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2017 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


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Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
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