Salesianos em Timor-Leste e no Brasil
ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 168

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Fotos A.A.Bispo 2017©Arquivo A.B.E.

 


E.Dewey, J.G.de Souza, N.Jeandot. Foto A.A.Bispo1979.Copyright
N° 168/13 (2017:4)


Salesianos nos estudos euro-brasileiros referentes a Timor-Leste
e as Salesianas em processos político-culturais e educacionais recentes
segundo Graeme Ramsden, capelão na
Australian Regular Army,
membro da
International Force in East Timor (INTERFET)



40 anos do início dos trabalhos euro-brasileiros de Etnomusicologia no Institut für hymnologische und musikethnologische Studien
da organização pontifícia de música sacra (CIMS, Roma) (1977-2002)

Visita brasileira ao Convento Benediktbeuern dos Salesianos, Baviera - Zentrum für Umwelt und Kultur, 2017

 

Em estudos que relacionam o Brasil com países e regiões do Sudeste da Ásia e da Australásia, a história missionária e, com ela, a das ordens religiosas ocupa uma posição fundamental. Foram os religiosos das diferentes ordens os principais agentes de transformações culturais através de suas múltiplas atividades, desencadeando e interagindo em processos culturais. (Veja)

Trata-se de uma história que exige ser considerada de forma diferenciada segundo as características e o escopo das respectivas ordens. Para isso, torna-se necessário estudá-las a partir do contexto de origem de suas fundações, de sua história, tradições, orientações, de vida religiosa e de métodos de ação.

Diferenças de cultura e procedimentos de ordens. Benediktbeuern, Baviera, 2017

Não há provavelmente local mais expressivo para o estudo de diferenças quanto a objetivos, à vida e aos procedimentos de ordens religiosas do que o convento de Benediktbeuern, na Baviera. Esse monumento arquitetônico e histórico-cultural da ordem beneditina do passado é ocupado hoje pelos Salesianos, que diferem sob muitos aspectos da Ordem de S. Bento
Já na arquitetura e na linguagem visual dessa basílica e dos edifícios conventuais evidencia-se a discrepância entre a tradição beneditina e aquela salesiana. Em visita no âmbito de viagem de estudos promovida pela A.B.E., ali considerou-se as distinções entre as várias ordens na atuação missionária em regiões extra-européias e suas consequências.

Se ordens de mais antiga tradição monástica, em primeiro lugar a dos Beneditinos, adquirem fundamental relevância na história da Europa, para o estudo da expansão européia e da história religiosa em contextos globais da era moderna são aquelas medievais, como a dos Franciscanos e a dos Dominicanos aquelas que merecem de início especial atenção. Compreensivelmente, o maior número de estudos tem sido dedicado à Companhia de Jesus, a organização nascida à época dos grandes Descobrimentos e, assim, no seu contexto de origem, estreitamente relacionado com a história de contatos e da colonização de muitas partes do mundo.

Não se pode esquecer, porém, da atividade de sociedades religiosas de origem mais recente, em particular daquelas do século XIX. Elas se inserem em desenvolvimentos eclesiásticos, políticos, sociais e culturais de um século que foi marcado de forma aparentemente paradoxal por tendências restaurativas e por anelos de progresso, pelo desenvolvimento das ciências, de meios de comunicação, de indústrias e pelos problemas sociais de operariado urbano dos grandes centros. Também entre as ordens nascidas ou que mais se desenvolveram no século XIX há aquelas mais antigas ou mais recentes que diferem entre si pelas circunstâncias de suas origens e pelos contextos de época e de região em que nasceram. Apesar das diferenças e das correntes de pensamento e de ação em que se inseriram, foram produtos do século do Historismo e da Evolução.

No que diz respeito ao Sudeste da Ásia, cumpre lembrar primeiramente das Canossianas. (Veja) Entre aquelas já surgidas em meados do século XIX e que intensificaram a sua atuação sobretudo nos fins desse século e no século XX, merece particular consideração a dos Salesianos de D. Bosco (Societas Sancti Francisci Salesii).

Sob muitos aspectos diferem os Salesianos dos Canossianos, uma diferença que, apesar de todos os elos comuns necessitam ser levadas em consideração no estudo das características e das consequências de suas atividades. A Sociedade de Dom Bosco, exige que se focalize o complexo contexto norte-italiano da época de sua fundação - 1859 - marcada que foi pelos problemas sociais de um período do liberalismo da uma Itália que procurava a unificação nacional, de operariado, desemprêgo e miséria nas grandes cidades que se industrializavam. Ela inseriu-se também em época de emigração de italianos a regiões extra-européias e da necessidade de seu amparo religioso nas colonias.

Essa sua inscrição em processos históricos e sobretudo a importância nela dada ao trabalho com a juventude, de amparo à infância desamparada, a meninos de rua, ao ensino e à sua formação profissional revelam a importância que deve ser dada à ação dos Salesianos nos estudos culturais voltados a desenvolvimentos mais recentes.

Sobretudo nos estudos de processos culturais que relacionam o Ocidente e o Oriente a partir do século XIX a ação dos Salesianos não pode deixar de ser considerada. Se a sua história é marcada inicialmente pelas suas atividades na América Latina - Argentina, Chile e Brasil, aqui principalmente Rio Negro e Mato Grosso, logo seguem-se aquelas na China, na Índia, no Sudeste Asiático e na África.

Salesianos nos estudos euro-brasileiros

Pela passagem dos 40 anos de fundação da seção de Etnomusicologia de instituto de estudos hinológicos e etnomusicológicos em Colonia/Maria Laach, em 1977, surge como oportuno lembrar o significado de Salesianos nos estudos culturais relacionados com o Brasil das últimas décadas.

Estando desde o seu início os trabalhos voltados ao mundo extra-europeu sob responsabilidade brasileira, foram êles desenvolvidos em continuidade a desenvolvimentos anteriores no Brasil.

Já à época da fundação da organização de estudos de processos culturais (ND), em 1968, uma das personalidades envolvidas era a do teólogo, folclorista e pesquisador musical salesiano José Geraldo de Souza SDB. (Veja)

Através dele, então empenhado na fundamentação de intentos renovadores motivados pelo Concílio Vaticano II com base em pesquisas de campo, revelou-se o significado de instituições salesianas em processos sócio-culturais urbanos, em particular em segmentos marginalizados da população, assim como em grupos indígenas.

A sua colaboração manteve-se nos anos que se seguiram, levando a que fosse convidado a participar do Congresso Internacional de Música Sacra realizado em Bonn e Colonia em 1979. Com outros participantes brasileiros, foi um dos responsáveis pela moção que levou, em 1981, à realização do primeiro Simpósio Internacional „Música Sacra e Cultura Brasileira“, em São Paulo.

Após esse evento, do qual participou como perito em várias sessões, continuou a colaborar com os trabalhos da seção de Etnomusicologia, publicando, em 1982, um estudo de tema „Pesquisas etnomusicológicas e composição musical no Brasil“ (Musices Aptatio, Roma: Typis Polyglottis Vaticanis, 93-107).

Convidado a presidir a Sociedade Brasileira de Musicologia, participou ativamente na fundação do Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS e.V.) em 1985, assim como do I e do II Congresso Brasileiro de Musicologia, respectivamente em 1987 e 1992.

O projeto dedicado às culturas musicais indígenas do Brasil, iniciado neste último evento, não poderia ter sido desenvolvido sem o apoio de instituições salesianas, entre elas sobretudo os dos museus missionários de Campo Grande e de Manaus, assim como da prelatura de S. Gabriel da Cachoeira, Rio Negro.

Timor-Leste no centro das atenções nas décadas de 70, 80 e 90

As preocupações e os estudos da seção de Etnomusicologia criada em 1977 não podiam deixar de considerar os desenvolvimentos em Timor-Leste, que surgiam como os mais graves sob diferentes aspectos, religiosos, culturais e políticos da década de 1970, uma situação que perdurou através das décadas que se seguiram.

Se as fontes da história religiosa e missionária de Timor-Leste, pouco levantadas e estudadas tornava uma aproximação histórica menos produtiva do que em outras regiões do mundo marcadas pelos portugueses, a consideração dos desenvolvimentos atuais impunha-se pela presença do país e de seus conflitos com a Indonésia na pauta das preocupações internacionais.

A tragédia vivenciada por Timor surgia como uma das mais graves do processo de-colonizador da segunda metade do século XX em dimensões mundiais. Era impossível deixar de ser considerada nos estudos voltados a processos político-culturais do presente.

O início dos trabalhos deu-se em época que se seguiu à invasão do antigo Timor português pela Indonésia. Este ocorrera em 1975, quando também o último bispo do antigo Timor português, D. José Joaquim Ribeiro, foi substituído por M. da Costa Lopes, até então Vigário Geral, sendo este diretamente submetido ao Papa em Roma como administrador apostólico.

A questão do idioma no canto: o Tetum como língua de culto

Uma das principais preocupações na época dizia respeito à língua de culto, de pregação e de cantos. Se em geral os esforços pós-conciliares eram dirigidos ao uso o vernáculo - em detrimento do latim -, em Timor do Leste esse intento relacionou-se com o de-portuguesamento.

A indonesização intendida na ocupação do país relacionou-se de forma complexa com a decolonização e com as tendências do uso do vernáculo; a proibição do português levou a que o Tetum passasse a ser língua de culto, medida proposta pelo novo bispo e aceita por Roma.

Tratava-se, assim, no estudo etnomusicológico, de considerar adaptações de cantos antigos e o surgimento de novos nessa língua. A crise eclesial em Timor foi assunto discutido no âmbito do Simpósio Internacional „Música Sacra e Cultura Brasileira“ de 1981, uma vez que surgia como particularmente atual devido à atitude crítica do bispo perante a Indonésia sob o impacto das atrocidades de guerra, o que levou à sua saída.

A crise política internacional e eclesiástica relacionada com D. Costa Lopes, retirado em 1983, continuou a marcar as preocupações relativas a Timor até a sua morte em Lisboa, em 1991.

O novo período das considerações de Timor do Leste nos estudos desenvolvidos na Europa, iniciado em 1983, foi marcado pelo nome e pelas atividades do novo administrador apostólico Carlos Filipe Ximenos Belo, sagrado bispo em 1988.

A personalidade e as ações de Carlos Filipe Ximenes Belo SDB, de repercussão internacional, salientaram o significado dos Salesianos no processo religioso, educativo, político e cultural de Timor Leste.

Contextualização histórica: Salesianos e o ensino de artes e ofícios

A primeira cogitação de pedir aos Salesianos que viessem a Timor foi resultado dos desenvolvimentos das atividades de reconstrução cristã-cultural da ilha em meados do século XIX.

Nessas atividades, o principal papel cabia a uma outra ordem de origem norte-italiana, a das Canossianas. Pelas suas origens e características, essas religiosas dedicaram-se sobretudo ao ensino feminino e nas quais ofereciam formação em atividades então vistas como próprias à mulher, como prendas domésticas, corte e costura, leituras e música. Um dos objetivos era o de forma donas de casa e mães que possibilitassem a formação de famílias sólidas compreendidas como células de uma sociedade a ser edificada segundo normas católicas.

Paralelamente, os religiosos reconheceram a necessidade de formação profissional de jovens, criando para isso um instituto de artes e ofícios e promovendo a atividade agrícola e pastoril.

Em 1883, construiu-se um edifício para o ensino de artes e ofícios, com oficinas para alfaiates e sapateiros, acomodações para mestres, oficinas de ferreiros e carpinteiros. Via-se nessa instituição um poderoso fator civilizador. Entre os mestres destacavam-se chineses de Singapura.

Para o trabalho de amparo e de ensino desses jovens, em geral de meios sociais modestos, cogitou-se, em anos de dificuldades dessa instituição, em pedir aos religiosos de Dom Bosco que assumissem a tarefa. Estes já tinham sido chamados a dirigir uma dessas escolas em Macau. Traziam a experiência social e pedagógica profissionalizante com jovens pobres e de rua de cidades industriais italianas e que, em outro contexto, não-industrial e não-metropolitano, poderia ser também de utilidade.

As Salesianas no período crítico da história recente do Timor-Leste

O papel das Salesianas nos últimos anos da ocupação de Timor do Leste pela Indonésia foi documentado por Graeme Ramsden, diácono que serviu como capelão na Australian Regular Army na International Force in East Timor (INTERFET) de setembro de 1999 a fevereiro de 2000. (Letters from Timor: A Chaplain‘s Tour of Duty, Sydney: Big Sky 2011

Ramsden dedica todo um capítulo do seu livro à consideração do papel desempenhado pelas religiosas. Ali salienta sobretudo a Ir. Marlene Bautista pelas suas ações em época de conflitos e atrocidades. Nascida nas Filipinas em 1961 e tendo vivido nos Estados Unidos, viera a Timor-Leste em 1988 com duas outras religiosas salesianas, a irmã Paula, italiana, e a irmã Maria Fe, filipina, que tomou a si o orfanato de Laga, em 1999. („A Special Nun and Friends“, op.cit. 57)

As atividades concentraram-se sobretudo na assistência a meninas, sendo que a principal tarefa foi a de estabelecer uma missão para órfãs. A educação feminina surgia como prioritária, uma vez que as escolas, tanto religiosas como oficiais eram frequentadas sobretudo por meninos. Ainda que dedicando-se sobretudo às meninas, as religiosas também cuidaram dos meninos de rua de Timor.

Outra religiosa salientada por Ramsden é a irmã Marlene, vinda a Timor-Leste ainda jovem, com 27 anos. Em 1988, essa religiosa organizou um centro para a juventude, procurando transmitir princípios de atitudes cristãs perante as atrocidades vivenciadas pelos jovens durante a ocupação do país pela Indonésia.

Segundo o capelão australiano, nas duas escolas salesianas em Komoro estudavam acima de 1000 crianças. Atenção especial era dada à formação de professores como multiplicadores.

A música e a alegria salesiana em Timor-Leste

Nessas atividades das Salesianas, o canto e a dança foram de importância, refletindo-se aqui o fomento da alegria como anelo salesiano.

Para além do ensino de cantos aos jovens, a música desempenhou também significativo papel na vida comunitária. Ramsden cita a prática de canto pelas religiosas, que em várias ocasiões receberam cantando os participantes da força internacional que atuavam no país.

A intensidade do canto comunitário em Timor-Leste é documentada em vários trechos do relato de Ramsden. Assim, descreve uma missa na catedral de Dili, na presença de autoridades militares da força internacional, na qual a assembléia, de 2500 pessoas, entoou cantos pastorais sob a liderança de um coro:

„There were about 2500 people present, and it was a very moving experience. They sang responses, the Gloria, Our Father, and the like, and also hymns, and the people‘s singing, led by a choir, was inspirational. As a people, the Timorese have a real talent for group singing.“ (op.cit. 20)

Também na sua despedida, as Salesianas prepararam um jantar festivo com apresentações de dança e música:

„A group from I JSU an other who had supported the sisters ate well, and they put traditional clorhtes over their habits and sang and danced. In return we sang a song written by the RMO to the tune of Song of Joy. It was a real hit. (...) I could not help but be emotional at this time; thex are such lovely people, so full of joy. On Wednesay we were farewelle from the scholl. We were seated and the whole school lined up and sang to us. (...)“ (op.cit. 138)

(...)



Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A.(Ed.) „Salesianos nos estudos euro-brasileiros referentes a Timor-Leste e as Salesianas em processos político-culturais e educacionais recentes segundo Graeme Ramsden, capelão na Australian Regular Army, membro da International Force in East Timor (INTERFET) s“
. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 168/13 (2017:4).http://revista.brasil-europa.eu/168/Salesianos_em_Timor-Leste.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2017 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


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Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
reconhecido de utilidade pública na República Federal da Alemanha

Editor: Professor Dr. A.A. Bispo, Universität zu Köln
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