Ilhas de Sonda, Australásia & Brasil
ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 168

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Mar de Timor. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright

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Coluna: Mar de Timor. Fotos A.A.Bispo 2017. No texto: Cairn, Brisbane, Bali 2017©Arquivo A.B.E.

 


N° 168/1 (2017:4)


Pau Brasil e Sândalo

Ilhas de Sonda, Australásia & Brasil - Timor-Leste em foco
Aproximações a partir de estudos de processos histórico-culturais e de debates das últimas décadas

 
A Revista Brasil-Europa, neste seu quarto número de 2017, oferece textos referentes a estudos euro-brasileiros que focalizam primordialmente a esfera insular de Sonda (Sunda), ilhas situadas entre o arquipélago malaio e a Austrália. Esses estudos foram levados a efeito no Sudeste Asiático e em cidades australianas no corrente ano. Dá-se, assim continuidade à sua edição anterior, que teve Malaca como foco das atenções. (Veja)
Dirigir o olhar a esse universo insular, pouco ou não considerado nas suas relações com o Brasil, parece ser à primeira vista singular, arbitrário, estranho e irrelevante, na melhor das hipóteses curioso.
Demonstrar que este, porém, não é o caso, constitui o escopo desta revista. O seu objetivo é trazer à consciência a necessidade de uma consideração mais atenta do passado e do presente dessa região nos estudos de processos culturais em relações globais e nos quais o Brasil também se insere.
A complexidade desse universo insular permite na atualidade apenas aproximações e a consideração de alguns de seus aspectos. Não se pode esquecer que se trata de um complexo de numerosas ilhas, quatro maiores e mais de milhar de menores e que formam na fisionomia da terra um grande arco - o arco de Sonda.
Essa miríade de ilhas é vista como resultado de uma elevação das águas à época glacial, o que levou à submersão de partes mais baixas de terra de um contínuo que unia as atuais ilhas com a Indochina, de Sonda ou da „Terra de Sonda“ com a Ásia. Este fenômeno - hoje de inquietante atualidade devido ao aquecimento da atmosfera e mudança climática - repetiu-se em outra parte da região, aquela de Sahul, uma terra do passado separada da de Sonda por estreitos marítimos.
Nesse processo geológico encontram-se os fundamentos da zona de transição da fauna e da flora entre a Ásia e a Austrália e que é demarcada pela assim-chmada Linha de Wallace.
Com esse nome, estabelece-se uma estreita relação entre o Brasil e essa região do globo na história das ciências, uma vez que lembra de Alfred Russel Wallace (1823-1913), naturalista inglês que realizou observações e estudos na Amazônia e cujo relato contém valiosos dados de interesse histórico-cultural. (Veja)

Tanto o Brasil como as ilhas de Sonda inscrevem-se assim em determinada fase do desenvolvimento das ciências e do pensamento científico, merecendo ser considerados com especial atenção interdisciplinar em estudos voltados ao binômio Cultura/Natureza. (Veja)

As Grandes Ilhas de Sonda são Sumatra, Java, Borneo (Kalimantan) e Celebes, hoje Sulawesi; as Pequenas Ilhas Sonda incluem Bali, Lombok, Flores e, como a mais conhecida nos estudos portugueses e brasileiros, a ilha de Timor, cuja parte Leste é país independente, profundamente marcado pela colonização portuguesa e que tem o português como língua oficial.

Estudos de Timor-Leste nas suas inserções em contextos insulares

A consideração de Timor-Leste, ainda que prioritária nos estudos euro-brasileiros voltados a essa região, não deveria ser conduzida independentemente do complexo insular em que essa parte da ilha se inscreve.

Trata-se de um mundo marcado pelas águas em interligações de mares, o mar de Sonda entre as ilhas, o de Timor, o de Java, o de Celebes, o das Molucas, de Banda, de Flores, de Sawu e, sobretudo, o mar do Sul da China. Através das águas as ilhas Sonda se inscrevem numa esfera mais ampla, o que explica as suas relações com regiões circundantes, com a Índia e Indochina, a China e a Austrália.

Essas condições geográficas torna compreensível o significado das águas, do mar e da navegação para os estudos culturais da região. Explica a existência de antigos elos com a Índia e a China, movimentos populacionais, relações comerciais, contatos, intercâmbios e correntes culturais. Os caminhos que a geografia impôs às naves comerciais explicam em grande parte aqueles que tomaram a expansão de religiões, do Hinduísmo, do Budismo, do Islão e também do Cristianismo.

Foi através dos caminhos marítimos que ali chegaram os portugueses no início do século XVI, estabelecendo feitorias, fortalezas, desenvolvendo intensas atividades de cristianização, interagindo através delas em processos culturais e desencadeando desenvolvimentos transformatórios.

Os principais caminhos de ligação entre o mar do Sul da China e o Índico - o estreito ou a „rua“ de Malaca e aquele de Sonda entre Sumatra e Java -  tornam compreensíveis a escolha de localidades para o estabelecimento europeu e que se tornaram principais focos de relações, intercâmbios, processos transformatórios e conflitos. De Malaca, o caminho em direção ao sul, a Solor, às Molucas e a outras ilhas é aquele que também explica o início da presença portuguesa em Timor.


Pau-brasil e Sândalo - Terra de Santa Cruz e Timor

À mesma época que a madeira do Brasil - o pau-brasil - passava a marcar de tal modo o comércio com a Terra de Santa Cruz a ponto de por fim definitivamente designá-lo, a ilha de Timor entra na história das relações Ocidente/Oriente como a terra por excelência do sândalo.

Relembrar essas árvores em ambos os casos - cor e fragrância - contribui mais uma vez a trazer à consciência relações entre processos culturais e a natureza, relações que podem ser esquecidas devido à lamentável delapidação do respectivo patrimônio vegetal tanto no Brasil como em Timor.

„Ali também Timor, que o lenho manda
Sândalo, salutífeo e cheiroso.
Olha a Sunda, tão larga, que uma banda
Esconde para o Sul dificultoso.
A gente do sertão que as terras anda,
Um rio diz que tem miraculoso,
Que, por onde ele só, sem outro, vai,
Converte em pedra o pau que nele cai.“

(
Lusíadas, Canto X, CXXIV)

„Mas cá onde mais se alarga, ali tereis
Parte também, co‘o pau vermelho nota;
De „Santa Cruz“ o nome lhe poreis;
Descobri-la-á a primeira vossa frota. (...)“
(Lusiadas, Canto X. CXL)

Confronto entre o Islão e o Cristianismo nas ilhas de Sonda

Assim como em Malaca, a entrada e o estabelecimento de portugueses nas diferentes ilhas de Sonda foram marcados por tensões e embates com muçulmanos. Esses conflitos não resultaram apenas da concorrência comercial nascida da presença e das atividades portuguesas em região que experimentara e experimentava uma expansão do predomínio islâmico. Inscreviam-se em contexto muito mais amplo de confronto entre o Islão e o Cristianismo, uma problemática global que tinha um de seus principais focos no Mediterrâneo. (Veja)

No contexto a época, esse confronto nas longínquas paragens deve ser analisado como ressonância de uma história de conflitos que tem entre as suas principais datas a tomada de Constantinopla pelos turcos (1453), a expulsão dos mouros de Granada (1492) e a batalha de Lepanto (1571).

O problema Islão/Cristianismo marcou a história européia da Idade Média por séculos e a Reconquista do Ocidente teve o seu prosseguimento em dimensões mundiais, no Norte da África, na Índia e, mais a longe, também na região insular de Sunda.

Os fundamentos dessa inimizade, como analisados em diversas ocasiões e em diferentes contextos nos estudos euro-brasileiros, residiam e residem por último não no conflito de interesses comercial, mas no próprio edifício cultural - antropológico cultural - baseado nas Escrituras, ponto de partida tanto do Islão como do Cristianismo.

Também as pontas mais extremas dessas tensões de dimensões globais no distante grupo de ilhas não devem ser analisadas como resultantes de conflitos de interesses, comerciais, econômicos e de poder político, mas fundamentalmente como um problema cultural, de uma antinomia intrínseca a um edifício de concepções e imagens.

Os Dominicanos em processos culturais nas ilhas da esfera de Malaca

Essa visão dos desenvolvimentos permite que também se compreenda o papel desempenhado pelos missionários - em particular pelos Dominicanos - na luta contra os muçulmanos em Malaca e em ilhas como Timor. (Veja)

A ordem de S. Domingos marcou de forma decisiva os desenvolvimentos históricos regionais dos primeiros séculos e lançou os fundamentos da formação cultural de populações de identificação cristã. Neste sentido, a história cultural das ilhas de Sunda difere daquela do Brasil, onde a ação missionária foi predominantemente devida a Franciscanos e Jesuítas.

A Ordem dos Pregadores, remontante ao século XIII e cujo escopo e características são compreensíveis a partir do contexto de sua origem, levou a que o processo cristianizador de ilhas como Timor fosse marcado por religiosos não só letrados, mas também inseridos numa tradição de combate a inimigos da fé, a hereges e de espírito inquisitório.

Sob essa luz, compreende-se o papel desempenhado pelos destemidos religiosos Dominicanos no combate aos muçulmanos em Timor e a fama de valentia que entre estes adquiriram. A história religiosa relaciona-se nessa ilha de forma particularmente estreita com a história militar e com a da defesa de uma sociedade de identificação cristã criada pelos portugueses.

A transposição às longínquas paragens do espírito de combate às heresias em defeza da pureza doutrinária explica também o papel soldático desempenhado pelos Dominicanos na luta contra os holandeses que entraram na região e que, mais do que concorrentes comerciais e de poder político, traziam consigo o conflito confessional interno europeu entre a Igreja de Roma e a Reformação.

Uma complexa situação resultou dessa somatória de inimigos para os cristãos portugueses e na qual tanto muçulmanos como holandeses neles viam o inimigo comum.

Assim considerando, abrem-se caminhos para uma compreensão de aparentemente estranhas aproximações entre muçulmanos e protestantes registradas em relatos históricos e isso não apenas de séculos mais remotos. É significativo que, com a queda de Malaca, a residência episcopal tenha sido transferida para Timor.

O processo que levou à perda de estabelecimentos portugueses com os ataques muçulmanos e com as intervenções holandesas não pode ser considerado apenas localmente, mas sim no contexto político internacional.

A situação criada pela União Pessoal de Portugal com a Espanha e que favoreceu o ataque dos inimigos da Espanha a estabelecimentos portugueses nas várias regiões do mundo, estabelece as pontes entre essas decorrências no Sudeste Asiático e o Brasil.

Posteriormente fizeram-se esforços de recuperação e reconstrução, mas esses foram estes novamente abalados por determinações políticas de Portugal relativamente às ordens religiosas e que levou a desestruturações e a vácuos.

O Brasil foi sobretudo afetado pela expulsão dos Jesuítas no século XVIII, uma ilha como Timor o foi pela das ordens religiosas em Portugal já no período posterior à Independência do Brasil.

Se grande parte do grupo de ilhas do arquipélago malaio passou aos Países Baixos - Índia Neerlandesa - a presença britânica na região acentuou a diversidade de contextos culturais suas relações com a Europa. Brunei em Borneo e territórios malaios tornaram-se ingleses e a fundação de Singapura no século XIX determinou o novo centro no estreito de Malaca, tomando a si um papel que esta desempenhara em séculos passados.

Mudanças de contextos e referenciais: de Goa a Macau

O sistema referencial das comunidades portuguesas das ilhas de Sonda foi Goa/Índia até a  segunda metade do século XIX, quando a Diocese de Macau assumiu a tarefa de reconstrução e re-cristianização das localidades quase que abandonadas. Essa nova fase da história missionária inscreveu-se também em amplo contexto político-cultural da Europa e em fase da Igreja marcada por tendências restaurativas, cuja maior expressão foi o Concílio Vaticano I.

Macau tornou-se um centro da Restauração Católica no Oriente, determinando com isso também a vida religiosa e cultural das localidades dependentes, entre elas a de Timor. Também esse desenvolvimento pode ser visto nos seus paralelos com a história eclesiástica e cultural do Brasil do século XIX e primeira metade do século XX. Similares concepções teológicas e litúrgicas, de vida religiosa, de estilos na arte e de práticas sacro-musicais assim como as ordens que atuaram no processo de restauração católica nas ilhas de Sonda estabelecem paralelos com o Brasil. (Veja)

Esses esforços restauradores, porém, foram também interrompidos por motivos semelhantes àqueles do passado: a restrição de atividades de ordens por decisão político-religiosa em Portugal por ocasião da proclamação da República. Neste sentido, o desenvolvimento em Timor foi distinto daquele no Brasil, onde foi justamente a República que possibilitou a revitalização de conventos através da vinda de religiosos europeus, em particular Beneditinos e Franciscanos alemães.

Na arquitetura, nas artes, na música e no ensino estabeleceu-se assim uma diferença entre desenvolvimentos nas duas partes do mundo. Um novo empenho reconstrutivo, mais uma vez partido de Macau, pôde ter início apenas na década de trinta. Logo, porém, as ilhas de Sonda foram envolvidas na Segunda Grande Guerra, na Guerra do Pacífico, ocupadas por japoneses e timorenses tiveram que retirar-se para a Austrália.

Timor português de pós-Guerra, Concílio Vaticano II e descolonização

Nessa história de permanentes reconstruções e destruições, os anos 50 e início dos 60 surgiram como período que prometia reinício de um desenvolvimento estável.

Com o Concílio Vaticano II, como também no Brasil, a vida religiosa e suas expressões de culto e culturais passaram por transformações que foram particularmente significativas para comunidades cuja identidade era tão marcada pela Igreja e que tornaram obsoletos concepções, ideais e, no caso da música, repertórios e práticas.

As décadas trágicas da história de Timor-Leste deu-se porém com o processo descolonizador a partir da Revolução de 25 de Abril em Portugal e com a ocupação pela Indonésia.

Timor-Leste nos estudos músico-culturais referenciados pelo Brasil

Em 1977, quando da fundação da seção de Etnomusicologia de instituto de estudos da organização pontifícia de música sacra, a crise por que passava Timor representava uma das grandes preocupações internacionais.

Os acontecimentos, nas suas dimensões políticas de processos descolonizadores, culturais e sobretudo eclesiais não podiam deixar de serem considerados com especial atenção.

O fato da área etnomusicológica estar sob orientação brasileira favoreceu uma consideração privilegiada de acontecimentos no espaço de língua portuguesa. Relações entre tendências do pensamento e de ações em Timor e aquelas do Brasil, em particular no âmbito da Teologia da Libertação, eram evidentes e exigiam análise de elos e adaptações em diferentes contextos.

O Pe. Jorge Barros Duarte, destacada personalidade da vida religiosa, intelectual, musical e da pesquisa de Timor-Leste, que tinha tido formação e intensamente atuado segundo o espírito da restauração litúrgico-musical representada pelo Seminário S. José de Macau, foi um exemplo timorense da situação de religiosos de erudição que passaram por um processo de reorientação no período pós-conciliar. Os seus estudos da religião e da cultura dos Ataúros foram aqueles que mais atenção receberam nessa época de trágicos desenvolvimentos em Timor-Leste. (Veja)

Um paralelo brasileiro a Jorge Barros Duarte quanto à problemática da transição de posicionamentos e orientações anteriores e posteriores ao Concílio Vaticano II encontrou-se, entre outros, no Pe. Dr. José Geraldo de Souza SDB, autor que de perto colaborou com os estudos e eventos realizados na Alemanha e no Brasil nas décadas de 1970 e 1980.

A sua presença acentuou a atenção ao papel desempenhado pelos Salesianos em processos culturais e nos estudos de folclore e etnografianas suas relações com desenvolvimentos eclesiásticos pós-conciliares e políticos. Essa influência salesiana em processos político-culturais mais recentes em Timor-Leste é documentada em recente publicação de Graeme Ramsden, diácono que serviu como capelão na Australian Regular Army na International Force in East Timor (INTERFET) de setembro de 1999 a fevereiro de 2000. (Letters from Timor: A Chaplain‘s Tour of Duty, Sydney: Big Sky 2011). (Veja)

Estudos músico-culturais nas suas inserções na história da pesquisa

Sendo uma das principais concepções que orientam os estudos euro-brasileiros das últimas décadas aquela que parte do estreito relacionamento entre a pesquisa cultural e os estudos da própria ciência - escopo da A.B.E. -, também os trabalhos  referentes à esfera do arquipélago malaio e da Australásia inscreveram-se em correntes de pensamento e da pesquisa que merecem ser consideradas na sua contextualização histórica. Nelas, a música desempenhou e desempenha um papel relevante.

A consciência dessas relações e da necessidade de considerar-se a pesquisa à luz dos condicionamentos culturais dos próprios pesquisadores já foi despertada no Brasil no âmbito do movimento de renovação de estudos e perspectivas através de uma orientação da atenção a processos, quando, em 1967, em diálogos com o compositor e professor suiço Ernst Widmer (1927-1990), reconheceu-se o papel desempenhado pela Suíça, em particular por pesquisadores e instituições da Basiléia em estudos que diziam respeito tanto ao Brasil quanto ao Sudeste Asiático e à Oceania.

Surgia como significativo, em época que, reconhecendo a necessidade de superação de esferas disciplinares passava-se a defender a interdisciplinaridade, que principais personalidades suiças que se salientavam nesse contexto tinham sido ao mesmo tempo químicos e etnólogos.

O principal nome que deve ser mencionado é o de Felix Speiser (1880-1949), lembrado na bibliografia etnológica brasileira pelo relato de suas observações entre os índios Aparaí, que precedeu e preparou os estudos que desenvolveria em Vanuatu e em outros contextos do Pacífico e do Sudeste Asiático.

O significado de Speiser na atualidade de Vanuatu pôde ser constatado em visita ao museu desse país, merecendo, após cinco anos desse empreendimento, voltar a ser considerada sob outros aspectos. (Veja)

O autor suíço porém que mais marcou mais especificamente os estudos músico-culturais de regiões como Java e Bali quando da introdução da área de Etnomusicologia nos estudos superiores de Licenciatura em Educação Musical/Artística no início dos anos de 1970, foi Ernst Schlager (1900-1964). Um de seus estudos, na sua tradução para o português, tornou-se texto básico não apenas para a transmissão de conhecimentos, como também para a reflexão sobre questões gerais referentes mais de perto ao Brasil. (Veja)

A relevância dos estudos referentes à cultura musical de Java e Bali explica-se pela sua extraordinária importância no próprio desenvolvimento da Musicologia Comparada e da Etnomusicologia.

Pesquisadores suíços e da região nos estudos euro-brasileiros

O direcionamento da atenção aos próprios pesquisadores, às correntes de pensamento e sua contextualização abre porém novas perspectivas, também para a auto-consciência crítica de pesquisadores e para o intercâmbio com   estudiosos dos diferentes contextos culturais. Essa preocupação teve prosseguimento nos trabalhos etnomusicológicos sob orientação brasileira na Europa uma vez também que se contou com a participação de um musicólogo suíço na comissão de especialistas do instituto criado em 1977.

Os estudos euro-brasileiros relacionados com questões músico-culturais da complexa esfera do Sudeste Asiático e do Pacífico desenvolveram-se em estreito relacionamento com aqueles de dois projetos voltados ao século XIX respectivamente na África, Ásia e Oceania e na América Latina desenvolvidos na década de 1970 sob a direção do Prof. Dr. Robert Günther no Departamento de Etnomusicologia da Universidade de Colonia.

A discussão de problemas teóricos constatados devido a uma insuficiente consideração de processos culturais desencadeados pelos portugueses na pesquisa marcou as reflexões em época de anelos pela institucionalização universitária da musicologia tanto em Portugal como no Brasil.

Essas preocupações da época diziam também respeito à Austrália, destacando-se neste sentido o Dr. Andrew Dalgarno McCredie (1930-2006), musicólogo que, após a sua formação alemã, tornou-se personalidade influente na Austrália, em particular na Universidade de Adelaide. Como membro da comissão de especialistas do instituto de estudos etnomusicológicos, McCredie participou intensamente de debates teóricos sobre questões que então se levantavam relativamente a processos de mudança cultural nas várias esferas do globo, considerando em particular a Oceania.

Uma de suas preocupações dizia respeito a relações entre esses processos de mudança cultural e aqueles de interações religiosas de cunho ecumênico. O conceito de „aculturação“, criticado sob a perspectiva brasileira pelas suas imprecisões conceituais, esteve no centro de controvérsias que marcaram por décadas as discussões. (Veja)

Austrália e Timor-Leste - aborígenes e culturas tradicionais timorenses

Relativamente a Timor-Leste, então no centro das atenções internacionais, os estudos puderam basear-se nos trabalhos de uma outra pesquisadora australiana: Margaret J.E. King Boyes. De forma excepcional e altamente significativa, essa pesquisadora unia a pesquisa da música dos aborígenes australianos com aquela de Timor. Nessas duas esferas de seus trabalhos, Margaret King Boyes adquiria relevância para os estudos relacionados com o Brasil. Esse significado foi relembrado no corrente ano em visita a um dos centros da cultura aborígena da Austrália, Kuranda. Ali considerou-se as mudanças de perspectivas, aproximações e métodos nas últimas décadas e que se refletem também nos trabalhos de Margaret King Boyes. (Veja)

Essa preocupação em considerar a própria pesquisa ocidental, os seus pesquisadores e as correntes de pensamento deles derivadas como necessidade para o próprio desenvolvimento dos conhecimentos em diálogos com representantes dos diferentes contextos culturais, uma exigência sobretudo em época de intensa globalização, foi compartilhada em trocas-de-idéias com participantes de conjuntos musicais e de dança de Bali, em 2017.

Música e dança em contextos coloniais e shows na atualidade

Um dos aspectos levantados disse respeito à história dos conhecimentos relativos à cultura musical de Java e Bali no Ocidente segundo relatos de antigos viajantes, considerando-se em particular um admiral austríaco que percorreu a região em viagem de circum-navegação que pretendia ser encerrada no Rio de Janeiro. (Veja)
Esse relato permite também considerar o significado do estudo da música da região no âmbito do Colonialismo, uma vez que documenta o interesse de holandeses de Batávia por questões relativas a tradições de música e dança, em particular de instrumentos.

Essa tomada de consciência a respeito dos estreitos elos entre a história dos estudos respectivos e processos coloniais contribui para análises de desenvolvimentos do presente relativos a apresentações de ensembles de música e dança tradicionais em shows. A própria obra do admiral austríaco considerada traz referências a apresentações de músicos ambulantes de Java perante europeus  no século XIX para fins de ganho, demonstrando assim fundamentos muito mais profundos de procedimentos que teem sido até hoje considerados como fenômenos recentes.

A consideração da cultura musical de Java e Bali - únicas no mundo pelo fascínio que sempre despertaram - são assim de interesse sob diferentes aspectos para o debate teórico brasileiro, no qual há décadas pesquisadores se preocuparam com a questões teóricas afins. (Veja)

Sentidos que ultrapassam fronteiras no estudo imagológico: o Barong

Há uma imagem da tradição balinesa que como poucas chamou a atenção em considerações sobre o sistema de concepções e visões do mundo e do homem a partir do qual também os estudos musicais devem ser considerados: o Barong. Já na década de 1970 foi essa figura alvo de considerações com musicólogos como Paul Collaer (1891-1989), e, posteriormente, de controvérsias quanto a interpretações de Mantle Hood (1918-2005). O desenvolvimento dos estudos imagológicos em outros contextos, em particular daqueles voltados a fundamentos filosófico-naturais abriu novas perspectivas que foram consideradas em observações in loco em 1996 e agora retomadas. (Veja)

O pensamento dirige-se aqui em linhas gerais a uma concepção que surge de grande atualidade e que ultrapassa contextos regionais: o da presença viva, num mundo marcado por oposições, causas conflitos, de um agente que promove a união, e, assim, a superação de tensões no UM e o fomento da paz, da serenidade e da alegria.

Antonio Alexandre Bispo



Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. „Ilhas de Sonda, Australásia & Brasil - Timor-Leste em foco. Aproximações a partir de estudos de processos histórico-culturais e de debates das últimas décadas“
. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 168/1(2017:4).http://revista.brasil-europa.eu/168/Sonda_Australasia_Brasil.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2017 by ISMPS e.V.
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