Estudos mauricianos em relações Áustria-Brasil
ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 169

Correspondência Euro-Brasileira©

 
Catedral de Salzburg. Foto A.A.Bispo 2016. Copyright

Catedral de Salzburg. Foto A.A.Bispo 2016. Copyright

Catedral de Salzburg. Foto A.A.Bispo 2016. Copyright

Catedral de Salzburg. Fotos A.A.Bispo 2017©Arquivo A.B.E.

 


N° 169/5 (2017:5)



Estudos mauricianos e villalobianos em relações Áustria-Brasil
A música de „antigos mestres“ do
Mozarteum de Salzburg nas suas extensões em São Paulo: imigrantes austríacos nas celebrações do Pe. J. M. Nunes Garcia(1767-1830) em 1930
Lembrando diálogos com Luis Ellmerich (1913-1988)


Reflexões de outono europeu pelos 250 anos de nascimento do Pe. José Maurício Nunes Garcia (1767-1830)
e pelos 200 anos da referência ao Brasil no Allgemeine Musikalische Zeitung de Viena

 
Catedral de Salzburg. Foto A.A.Bispo 2016. Copyright

A passagem dos 250 anos de nascimento do Pe. José Maurício Nunes Garcia, o mais considerado e celebrado vulto da música do Brasil da época decisiva de sua história de colonia a reino-unido com Portugal e nação independente, motiva reflexões sobre questões cujo significado ultrapassa fronteiras.

Essa data surge como mais um momento no já longo caminho de cooperações euro-brasileiras e que merece ser recordado em alguns de seus aspectos para um prosseguimento fundamentado do pensamento, do diálogo e da pesquisa em relações internacionais.

Recapitular alguns aspectos desse desenvolvimento, dos questionamentos, debates e das iniciativas surge como de significado não só para o Brasil como para a Europa, em particular para aqueles países que mais estreitamente participaram dos intercâmbios e cooperações. Entre êles destacam-se aqueles da Europa Central de língua alemã.

A reconsideração de alguns aspectos desse desenvolvimento é assim de relevância em particular sob a perspectiva das relações Áustria-Brasil e Alemanha-Brasil, sendo que nelas a transformação de configurações de Estado no decorrer da história deve ser sempre considerada para que se evite projeções anacrônicas de situações do presente em visões do passado.

Se o principal centro de intercâmbios e o ponto de partida de iniciativas euro-brasileiras das últimas décadas foi a região renana na parte ocidental da Alemanha, em particular Colonia, a atenção foi também sempre dirigida - e sob alguns aspectos prioritariamente - à Áustria e à Baviera.

Essa focalização decorre da própria história das relações entre o compositor brasileiro e a Europa, ou seja, é fundamentada historicamente, exigindo a consideração de contextos adequados, epocais, geo- e político-culturais.

Justifica-se, assim, que os 250 anos de nascimento do compositor brasileiro sejam comemorados sobretudo com ciclos de estudos levados a efeitos na Áustria e no sul da Alemanha.

O contexto histórico austríaco-brasileiro no estudo de José Mauricio Nunes Garcia

Um ponto de partida para o reconhecimento do significado da Áustria para os estudos do compositor brasileiro é o fato de ter sido considerado e o seu valor acatado em correspondência de Sigismund von Neukomm (1778-1858) publicada pelo Allgemeine Musikalische Zeitung em Viena em 1817 (n°20) e 1820 (n° 23; n° 29).

Essa menção, que surge como de especial relevância para os estudos relativos ao conhecimento e à imagem do Brasil na Europa, dirige a atenção ao compositor, erudito e diplomata cultural nascido em Salzburg então atuante no Brasil e aos estreitos elos politico-culturais com o Império Austríaco.

Não poderia haver maior evidência desses vínculos do que o fato de ser a Arquiduquesa Dna. Leopoldina (1797-1826) consorte do príncipe D. Pedro e, a seguir, Primeira Imperatriz do Brasil.

Compreensivelmente, os estudos relativos ao Pe. José Maurício Nunes Garcia sob a perspectiva de processos em relações internacionais não poderiam deixar de considerar com particular atenção essas duas personalidades, assim como aquelas de cientistas e eruditos que acompanharam a Arquiduquesa ao Brasil e que tão contribuiram ao conhecimento do país e às suas instituições.

Austríacos de São Paulo nos 100 anos do falecimento de J.M. Nunes Garcia (1930)

Programa 1930. Arquivo A.B.E. Copyright
É um aspecto singular na história do redescobrimento do Pe.José Maurício Nunes Garcia no Brasil do século XX o papel relevante desempenhado pela colonia austríaco-alemã de São Paulo por ocasião do centenario de seu falecimento, ocorrido no dia 18 de abril de 1830.

Como Mário de Andrade (1893-1945) observou, a respeito da obra e do compositor tinha-se até então apenas uma idéia vaga e amargo - ignorava-se o Pe. José Maurício Nunes Garcia. („Padre José Maurício“, Música, doce Musica, São Paulo: Martins, s/d, 131 ss.).

Com o patrocínio da Sociedade de Cultura Artística, realizou-se, no dia 16 de dezembro, um concerto na igreja de Santa Ifigênia de São Paulo. Sendo então essa igreja catedral provisória, compreende-se ter sido o concerto dirigido pelo mestre-capela da catedral, Furio Franceschini (1880-1976).

Nele apresentou-se a Missa de Requiem do compositor, ao lado de obras de Henrique Oswald (1852-1931), André da Silva Gomes (1752-1844) e Alberto Nepomuceno (1864-1920).

O concerto apenas pôde realizar-se com a participação do Schubertchor da colonia austríaca de São Paulo, um coro mixto fundado em 1923 e que tinha sido por anos aquele de maior capacidade e qualidade artística da capital. Encontrava-se, porém, em fase critica de sua existência, de modo que tornou-se necessária o apoio do coral do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo. A participação desse coral de alunos do Conservatório, que não pode justificar-se pelo seu nível qualitativo, indica o papel relevante, senão decisivo desempenhado por Martin Braunwieser (1901-1991) na iniciativa e na realização do concerto.

A atenção de Furio Franceschini voltou-se prioritariamente à configuração de um programa de acordo com as normas da música sacra segundo a restauração litúrgico-musical cujo principal marco foi o Motu Proprio de Pio X de 1903. Explica-se, assim, ter incluido no programa rememorativo obras de Henrique Oswald, compositor de orientação afim, com êle ligado por elos de amizade, assim como de Alberto Nepomuceno.

Para a realização do programa, Furio Franceschini realizou pesquisas no arquivo da Cúria Metropolitana de São Paulo, procurando obras do passado que viessem de encontro às normas de sacralidade da legislação sacro-musical.

Pe. José Maurício Nunes Garcia e André da Silva Gomes (1752-1844)

Programa Mozarteum. Arquivo A.B.E. Copyright

Tratando-se em grande parte de composições corais com acompanhamento orquestral aquelas do repertório sacro-musical brasileiro do passado, apenas poucas obras a cappella ou com acompanhamento reduzido para órgão pareciam-lhe ser adequadas para o culto.

Das obras consultadas no acervo da Cúria Metropolitana, a sua atenção voltou-se ao Ave Stella a quatro vozes de André da Silva Gomes, o primeiro mestre-capela da catedral de São Paulo, datato de 1810, também pelo fato de ali encontrar uma partitura da obra e não apenas partes separadas, facilitando a sua consideração mais imediata.

A Furio Franceschini cabe assim uma posição de particular relêvo, senão pioneira na história da pesquisa e revalorização de André da Silva Gomes. Essa sua pesquisa de arquivo e a revelação da obra, porém, deram-se sob a perspectiva dos critérios estabelecidos pela reforma litúrgico-musical da qual foi o principal representante em São Paulo.

Tanto a obra de André da Silva Gomes como a Missa de Requiem do Pe. José Maurício Nunes Garcia foram assim tratadas sob uma perspectiva  de desenvolvimentos históricos a partir de posicionamentos no presente, avaliando e interpretando o passado não segundo os seus próprios critérios e nas suas inserções em processos históricos, mas sim segundo concepções posteriores, projetadas em tempos remotos.

A „música de antigos mestres“ do Mozarteum e o Pe. José Maurício Nunes Garcia

Diferentemente de Furio Franceschini, Martin Braunwieser trazia outros pressupostos para a valoração e o tratamento da obra de José Maurício. Nascido e formado em Salzburg, tinha experimentado na sua juventude a intensa tradição da música sacra com acompanhamento orquestral da Áustria e do sul a Alemanha, assim como o movimento de reforma da prática nas igrejas em toda a sua intensidade.

Ao mesmo tempo, porém, vivenciara os intuitos de redescobrimento da música de „antigos mestres“ que caracterizou a renovação da vida musical e o ensino no Mozarteum sob Bernhard Paumgartner ((1887-1971). Esse interesse não foi resultado de atitude retrógrada, mas sim progressista, cultivando-se a música antiga ao lado de obras da criação contemporânea.

As obras de compositores do passado de Salzburg possuiam também um significado relevante na tomada de consciência de valores do passado mais remoto nos anos que sucederam à derrota do Império Austro-Húngaro.

Essas condições psicológico-culturais relacionadas com o amor à terra natal em mixto de amor e sofrimento explicam o empenho em valoração de obras de compositores como J. Haydn, M. Haydn e W. A. Mozart em concertos na comunidade austríaca de S. Paulo promovidos por Martin Braunwieser.

A aproximação a José Maurício Nunes Garcia a partir desses pressupostos culturais era necessariamente outra daquela de Furio Franceschini. Não aspectos de sacralidade segundo normas eclesiásticas oficiais da restauração musical, mas sim intuitos de redescobrimento de obras de „antigos mestres“ a serviço de ideais renovadores da vida musical determinaram o empenho de Martin Braunwieser.

Embora não-eclesiásticas, antes seculares, essas aspirações não eram isentas de procura de espiritualidade, esta porém através do aperfeiçoamento do homem segundo ideais de humanismo através da arte. Essa tendência na tradição do Esclarecimento - de tanto significado para Salzburg - alcançou a sua maior expressão por ocasião o bi-centenário de J. Haydn, em 1932, quando Braunwieser realizou o oratório „A Criação“ no Teatro Municipal de São Paulo pelo Braunwieser-Chor e pela orquestra do Centro Musical de São Paulo.

No programa o concerto, Braunwieser salientou as características próprias da religiosidade de Haydn, mal entendida por muitos devido à alegria que delas emanava.

Salientou no seu texto que a arte de sua época tinha um caráter „extra-terrestre“, sendo acima e qualquer nacionalismo. A música podia ter certos motivos nacionais, mas o importante era o assunto interior de uma obra. As qualidades da arte não eram julgadas do ponto de vista nacional. A influência musical de Haydn sobre o seu meio era muito grande, podendo-se até notar a sua influência no Brasil, na obra do Pe. José Maurício Nunes Garcia. (cit. A.A.Bispo Martin Braunwieser. Nova objetividade, humanismo clássico e as tradições musicais do Oriente e do Ocidente na Pedagogia e na criação artística. Contribuição ao estudo da influência austríaca e alemã na música do Brasil no século XX. Musices Aptatio/Liber Annuarius 1991, ed. J. Overath. Rom: Consociatio Internationalis Musicae Sacrae, 187).



Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. (Ed.). „Estudos mauricianos e villalobianos em relações Áustria-Brasil. A música de ‚antigos mestres‘ do Mozarteum de Salzburg nas suas extensões em São Paulo: imigrantes austríacos nas celebrações do Pe. J. M. Nunes Garcia(1767-1830 em 1930 . Lembrando diálogos com Luis Ellmerich (1913-1988)
. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 169/5(2017:5).http://revista.brasil-europa.eu/169/Austriacos_e_Jose_Mauricio.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2017 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Academia Brasil-Europa
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
reconhecido de utilidade pública na República Federal da Alemanha

Editor: Professor Dr. A.A. Bispo, Universität zu Köln
Direção gerencial: Dr. H. Hülskath, Akademisches Lehrkrankenhaus Bergisch-Gladbach
Corpo administrativo: V. Dreyer, P. Dreyer, M. Hafner, K. Jetz, Th. Nebois, L. Müller,
N. Carvalho, S. Hahne




 

_________________________________________________________________________________________________________________________________


Índice da edição     Índice geral     Portal Brasil-Europa     Academia     Contato     Convite     Impressum     Editor     Estatística     Atualidades

_________________________________________________________________________________________________________________________________