Barry S. Brook nos 20 anos de sua morte
ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 169

Correspondência Euro-Brasileira©

 
Monumento Mozart, Salzburg. Foto A.A.Bispo 2016.Copyright

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Salzburg 2016. Fotos A.A.Bispo©Arquivo A.B.E.

 


N° 169/17 (2017:5)



Barry S. Brook (1918-1997)
Do estudo do Clássico ao projeto internacional de uma história das culturas musicais do mundo discutido no centenário de Villa-Lobos (1887-1959)

Reflexões de outono na Áustria e na Alemanha pelos 20 anos do falecimento de Barry S. Brook
e 30 anos do Primeiro Congresso Brasileiro de Musicologia e do Encontro Regional para a América Latina e o Caribe do projeto MLM/UNESCO em São Paulo

 
Há 20 anos, no dia 7 de dezembro de 1997, falecia Barry Shelley Brook, musicólogo de projeção internacional pelos seus estudos e pelas suas iniciativas de cunho inovativo e de amplas dimensões, reconhecido pelas suas atuações em instituições e em projetos de grande envergadura, de liderança e influência em organizações internacionais e centros de pesquisas. 

Barry Broojk foi particularmente vinculado com a City University of New York, onde fundou o curso de graduação em música já em 1967 e que dirigiu até 1989. Neste ano, fundou o Center for Research and Music Documentation da universidade e que traz o seu nome, criando também um Research Center for Music Iconography e um Pergolesi Research Center.

Ao lado dessas atividades de ensino e pesquisa de décadas, iniciadas em 1940 no City College e prosseguidas a partir de 1945 no Queens College, atuou intensamente em outras instituições, entre elas na Julliard School entre 1977 e 1987,  tornando-se uma das personalidades mais destacadas e influentes da musicologia norte-americana.

Essa sua relevância, porém, de muito ultrapassou a esfera de New York e dos EUA. Barry Brook tornou-se personalidade de projeção e influência na Europa, fato reconhecido em condecorações recebidas na França, na Grã-Bretanha e na Suécia.

A esfera de suas atuações ultrapassou porém também o contexto europeu, sendo de importância e reconhecidas em outras regiões do mundo, em particular na Austrália. O seu significado supra-continental foi possibilitado sobretudo pela sua participação em grêmios diretivos de organizações internacionais, tais como a International Association of Music Libraries (IAML) de 1977 a 1980 e do International Music Council (IMC), do qual foi vice-presidente (1980 a 1982) e presidente (1982 a 1984).

Exigência e atualidade da rememoração de Barry Brook

Sob vários aspectos cumpre lembrar o seu nome, a sua obra, as suas atuações e os impulsos que forneceu com os seus ideais, com os seus projetos e iniciativas no desenvolvimento das reflexões, dos estudos e dos debates internacionais.

Trata-se de uma exigência para os estudos da história mais recente de uma área específica de estudos na complexidade de sua conceituação e organização interna, de suas múltiplas inserções contextuais e em processos internacionalizadores tanto relativamente à cooperação de especialistas como a questionamentos e aproximações teóricas.

Trata-se, em sentido mais geral, de uma exigência para estudos político-culturais e do trabalho internacional de instâncias oficiais, de personalidades, rêdes e instituições acadêmicas, assim como de tendências do pensamento voltadas à cultura como patrimônio da Humanidade em dimensões mundiais.

Essa rememoração surge como de relevante atualidade, pois contribui a dar profundidade histórica a debates na esfera universitária de vários países e em organizações internacionais, uma vez que problemas já então constatados e discutidos continuam vigentes e adquirem até mesmo particular relevância no presente.

Este significado decorre de desenvolvimentos político-culturais que trazem à luz críticas virulentas à globalização e instituições e visões supra-nacionais por parte de movimentos neo-nacionalistas e populistas.

Esse fenômeno de recrudescimento de tendências nacionais e identitárias do presente reatualiza, em novos contextos e sob nova luz, a antiga discussão sobre o „nacional e o universal“ nos seus diferente aspectos, também naqueles relativos a posicionamentos e tematizações de pesquisadores, com influência na orientação interna de áreas de estudos e suas relações interdisciplinares.

Relembrar debates iniciados ou impulsionados por Barry Brook traz à consciência que há muito questões que hoje surgem como de brisância atual foram levantadas e tratadas, que há muito houve a preocupação por relações entre posições marcadas por orientações ao geral e ao particular, ao Homem e ao Humano nas suas dimensões mais amplas e nas suas inscrições e identificações nacionais e regionais.

Não se pode esquecer que Barry Brook, que obteve a sua formação com personalidades de renome do City College of New York e da Columbia University nas décadas de 30 e 40, entre êles com  músicos, regentes, compositores e intelectuais como Paul H. Lang, Hugh Ross, Erich Hertzmann e Roger Sessions, realizou estudos na França após a Guerra, na qual tomou parte como oficial da força aérea norte-americana, doutorando-se em 1959 na Sorbonne com um trabalho sobre o clássico em tese sobre a sinfonia francesa na segunda metade do século XVIII.

Perspectivas para a consideração apropriada do pensamento de Barry Brook

Tanto esse interesse por questões do clássico - e assim necessariamente àquelas relativas a ideais clássicos -, como também os seus elos com a França e com o meio cultural de Paris oferecem caminhos para uma consideração adequada do contexto em que se inscreveu e que pode explicar tendências de seu pensamento e os elos pessoais de rêdes nas quais também se inseriram estudiosos brasileiros como Luís Heitor Correa de Azevedo (1905-1992).

Significativamente, em 1984, Barry Brook foi encarregado pelo Centre National de la Recherche Scientifique de instituir um programa de pós-graduação em musicologia na École Normale Supérieure de Paris.

A área de particular especialização de Barry Brook - a de estudos da música de Haydn e Pergolesi - nas suas inserções numa fase determinada de estudos histórico-musicológicos específicos pode abrir perspectivas para uma consideração adequada de direcionamentos e posições relacionadas com o seu nome, tanto para o reconhecimento de seus aspectos inovativos e mesmo pioneiramente avançados como à compreensão de problemas que marcaram até mesmo polêmicamente o debate internacional sobretudo na década de 1980.

Surge como compreensível que uma preocupação por levantamento de fontes musicais e escritas, de coletas e exames de manuscritos, organização de catálogos temáticos, de análises para o cotejo e identificação de autorias, de repertórios e de edição de obras que tanto marcou o trabalho de representantes da pesquisa histórico-musical do século XVIII e início do XIX - bastando lembrar, no caso do Brasil de Cleofe Person de Mattos (1913-2002) - tenha favorecido enfoques de cunho antes sistemático na consideração histórico-musical. 

Um condicionamento de natureza sistemática, ou melhor sistematizadora do pesquisador torna compreensível intuitos e iniciativas mais abrangentes, sendo significativo que Barry Brook tenha-se empenhado de forma particularmente intensa na problemática da iconografia e da bibliografia referente à música.

Essa preocupação de levantamento, tratamento de fontes, catalogação e sistematização levou-o a reconhecer cedo as possibilidades que se abriram com o uso de computador na musicologia, o que representou um passo fundamentalmente inovativo e de grande consequências para a pesquisa.

Reconhecendo a necessidade de uma bibliografia anotada internacional, criou, em 1965, o Répertoire International de Literature Musicale (RILM), projeto desde então de fundamental importância para o desenvolvimento da pesquisa, publicando, em 1967, o primeiro volume do Abstracts. Em 1971, surgiu, sob a sua iniciativa, o Répertoire International d‘Iconographie Musicale (RIdIM). Atuou, além do mais, a partir e 1986, como membro da comissão internacional mixta do Repertório Musical de Fontes Musicais (RISM).

Barry Brook e o projeto Music in the Life of Man - The Universe of Music: A History

Sob o pano de fundo dessas considerações pode-se considerar o projeto mais abrangente e ambicioso de Barry Brook e que surge como o mais importante para os estudos euro-brasileiros: a Music in the Life of Man - The Universe of Music: A History, iniciado em 1979 sob a égide do Conselho Internacional de Música.

O acento no interesse de historiadores numa fase determinada do desenvolvimento dos estudos histórico-musicológicos, marcando visões e aproximações, explica diferenças relativamente a preocupações e enfoques de estudiosos de outros contextos históricos e culturais e, sobretudo de representantes da pesquisa empírica, etnomusicológica e músico-antropológica.

Um procedimento similar àquele sistematizador do levantamento, classificação e análise de fontes histórico-musical corresponde àquele de coleta, transcrição, organização e análise de fontes de transmissão oral no folclore e na etnomusicologia, manifestado sobretudo no intuito de organização de cancioneiros, não representa, porém, já há muito a principal preocupação de pesquisadores, que sob muitos aspectos questionam intuitos e métodos, sejam aqueles relativos à notação ou à análise e à interpretação de fatos segundo perspectivas não adequadas culturalmente.

Compreensivelmente, um projeto dessas dimensões foi necessariamente acompanhado não apenas por intensas reflexões natureza teórica e quanto a métodos dos envolvidos no projeto, como também por reservas por parte sobretudo de etnomusicólogos. Entre êles, na Alemanha, deve-se mencionar Josef Kuckertz (1930-1996), diretor do Instituto de Estudos Músico-Comparativos de Berlim, o que levou, devido aos estreitos elos com o editor informado a respeito de desenvolvimentos relacionados com o Brasil, a discussões conduzidas com particular intensidade em diferentes ocasiões.

Para além de reservas fundamentadas teoricamente, muitas das criticas que acompanharam o projeto foram porém antes causadas por motivos menos nobres por parte de pesquisadores não envolvidos e que se sentiram não considerados à altura. A animosidade que acompanhou o projeto deveu-se sobretudo a músicos práticos e compositores sem legitimação proporcionada por formação científica mas por demais conscientes de sua própria capacidade, importância e papel como representantes de seus países.

A recordação de Barry Brook como um dever de consciência para o Brasil

Recordar Barry Brook após 20 anos do seu falecimento surge como uma exigência sobretudo para o Brasil. Trata-se não só de uma necessidade de relembrar a consideração do Brasil nos debates do projeto e o significado do mesmo para o desenvolvimento das reflexões no âmbito da Sociedade Brasileira de Musicologia e no primeiro congresso musicológico do Brasil de 1987, mas sim também pelo papel questionável que coube ao país numa polêmica internacional que surge como das mais negativas, prejudiciais e mesmo reveladoras de fraquezas humanas e de caráter da história as relações internacionais das últimas décadas.

Trata-se, assim, de, após duas décadas de seu falecimento, tentar reconsiderar fatos e fazer justiça a uma personalidade que muito contribuiu ao desenvolvimento das reflexões, também daquelas referentes ao Brasil.

Importante momento nos trabalhos do projeto nas suas relações com o Brasil foi o „Regional Meeting of Music on the life of Man“ na Cidade do México, de 2 a 4 de fevereiro de 1985 sob a presidência de Barry Brook e que contou com a participação de vários pesquisadores, observadores e instituições, assim como com o apoio do CENEDIM. Além de Brook e do editor, nele tomaram parte Samuel Claro-Valés (Chile), coordenador regional para a América Latina e o Caribe, presidente do encontro, Malena Kuss (Argentina/USA), coordenadora assistente, Olive Lewin (Jamaica), coordenadora sub-regional, Gerard Béhague (USA), Susama Friedmann (Colombia), Argeliers León (Cuba); Rafael José de Menezes Bastos (Brasil) e Ercília Moreno Chá (Argentina).

Barry Brook expôs um sumário do seu artigo „MLM: Theoretical and Practical Foundations for a World History“ e descreveu os encontros regionais anteriores realizados no Zaire, na Checoslováquia, em Estocolmo e em Marrocos, anunciando um encontro em Toquio. Samuel Claro-Valdés, tratando da América Latina e do Caribe, salientou o papel relevante desempenhado por Luís Heitor Correa de Azevedo e os encontros anteriores realizados em Bayreuth (1981), Strassbourg (1982) e Estocolmo (1983). Nesse encontro foram nomeados, como membros de um conselho consultivo de honra, além de L. H. Correa de Azevedo Francisco Curt Lange, Robert Stevenson e Juan Orrego-Salas.

A divulgação em português dos propósitos do projeto

Ao lado das discussões sobre questões teóricas e metodológicas que possibilitaram a elaboração de uma Table of Contents revisada, nasceu do encontro a proposta e realização de uma tradução ao português do texto básico explicativo do projeto. Complementava assim a versão espanhola a ser oferecia à Revista Musical Chilena, à Heterofonia e ao CENEDIM. Esse texto foi publicado no Boletim da Sociedade Brasileira de Musicologia e enviado a jornais de amplo alcance.

Com a decisão tomada depois de alguns meses em Roma de realizar-se um outro encontro em São Paulo juntamente com o primeiro Congresso Brasileiro de Musicologia pelo centenário de Villa-Lobos, em 1987, essa tradução serviu para as preparatórias do evento.


Diálogo sobre o projeto com Alvaro da Costa Franco, Embaixador junto à UNESCO

Entrando em contato com o embaixador brasileiro junto à UNESCO, S.E. Alvaro da Costa Franco, mostrou-se este historiador impressionado pelos objetivos do projeto e pelo texto traduzido divulgado no Brasil. Estabeleceu-se, a seguir, que durante o encontro de São Paulo seria discutio um estudo a ser preparado pelo editor sobre o tema „Transplanted European traditions of Art music in Latin America.“


O prosseguimento dos trabalhos foi turvado por graves dissenssões entre Barry Brook e o compositor brasileiro Marlos Nobre que o sucedeu à frente do ICM.

Em carta de novembro de 1986, Luis Heitor Correa de Azevedo comunicou a gravidade da situação e que não poderia deixar de influenciar a realização do encontro regional que teria lugar juntamente com o Primeiro Congresso Brasileiro de Musicologia em 1987.



Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. „ Barry S. Brook (1918-1997). Do estudo do Clássico ao projeto internacional de uma história das culturas musicais do mundo discutido no centenário de Villa-Lobos (1887-1959)“
. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 169/17 (2017:5).http://revista.brasil-europa.eu/169/Barry_Brook_e_Bispo.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2017 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Academia Brasil-Europa
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
reconhecido de utilidade pública na República Federal da Alemanha

Editor: Professor Dr. A.A. Bispo, Universität zu Köln
Direção gerencial: Dr. H. Hülskath, Akademisches Lehrkrankenhaus Bergisch-Gladbach
Corpo administrativo: V. Dreyer, P. Dreyer, M. Hafner, K. Jetz, Th. Nebois, L. Müller,
N. Carvalho, S. Hahne




 

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